DA NATUREZA DE UM FIM EM GERAL, E ALGUMAS DISTINÇÕES A SEU RESPEITO

May 29, 2017 | Autor: Tiago Cunha | Categoria: Soteriology, Translation, John Owen, Atonement theology, Puritan Theology
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DA NATUREZA DE UM FIM EM GERAL, E ALGUMAS DISTINÇÕES A SEU RESPEITO
John Owen

I. O fim de algo é aquilo que o agente pretendia realizar na e pela operação que é apropriada à sua natureza e a qual ele se aplica. É aquilo que alguém almeja e tem como seu propósito atingir, como algo que lhe é bom e desejável, na condição e estado em que se encontra. Desse modo, o fim que Noé se propôs ao construir a arca era a preservação de si e de outros. De acordo com a vontade de Deus, fez uma arca para preservar sua vida e a de sua família do dilúvio: "Assim fez Noé, consoante a tudo o que Deus lhe ordenara" (Gn 6.22).
Aquilo que o agente faz ou ao que se aplica para a realização do fim proposto é chamado de meio. Os fins e meios perfazem a inteira razão da ação nos agentes intelectuais livres, pois falo apenas daqueles que agem de acordo com uma escolha ou eleição. Assim Absalão planejou uma revolta contra seu pai, para obter a coroa e o reino para si: "Ele fez aparelhar para si um carro e cavalos e cinquenta homens que corressem adiante dele" (2 Sm 15:1). E mais tarde, com boas palavras e enganosa condescendência "furtava o coração dos homens de Israel" (2 Sm 15:6). Depois finge um sacrifício em Hebrom, onde monta uma forte conspiração (2 Sm 15.12). Todos esses foram meios utilizados para atingir o fim anteriormente proposto.
II. Entre estes dois, fim e meios, há a seguinte relação (embora em tipos diversos): eles são mutuamente causa um do outro.
O fim é a causa primeira, principal, que move o todo. É por ela que a obra inteira existe. Nenhum agente se propõe a uma ação senão visando a um fim; e não fosse por esse fim determinado a um certo efeito, coisa, modo ou maneira de agir não faria nada em absoluto. Os habitantes do mundo antigo desejando e pretendendo se unir e morar juntos, com talvez alguns estoques para prover por sua segurança contra um segundo diluvio, clamam: "Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra" (Gn 11.4). Primeiro, eles expõem sua aspiração e desígnio, e depois os meios que na sua concepção os conduziriam até lá.
Logo, manifesto está que o inteiro raciocínio e método de ação que um agente sábio, de acordo com o seu conselho, propõe a si mesmo é tomado a partir do fim que almeja. Esse fim é, na intenção e esforço, o iniciador de toda aquela ordem que está em ação.
Já os meios são todas aquelas coisas que são usadas para se atingir o fim proposto, como a comida o é para a preservação da vida, navegar em um navio para o que há de cruzar o mar, as leis, para a tranquila convivência da sociedade humana; e eles são as causas que logram obter o fim de uma maneira ou outra. Eles existem por causa do fim, e este tem seu surgimento a partir deles, seguindo-os moralmente, como sua recompensa, ou naturalmente, como seu fruto e produto.
Primeiro, em um sentido moral. Quando a ação e o fim devem ser medidos ou considerados em referência a uma norma moral ou a uma lei prescrita ao agente, então os fins são a causa merecida ou meritória do fim. No caso de Adão, se ele houvesse permanecido na inocência e feito tudo de acordo com a lei que lhe foi dada, o fim alcançado desse modo teria sido uma vida bem-aventurada por toda eternidade. Do mesmo modo, o fim de qualquer ato pecaminoso é a morte, a maldição da lei.
Segundo, quando os meios são considerados apenas em sua relação natural, então são a causa instrumentalmente eficiente do fim. É o caso de Joabe, que queria a morte de Abner e para isso "o feriu no abdômen, e ele morreu" (2Sm 3.27). E quando Benaia, sob a ordem de Salomão, arremeteu contra Simei, os ferimentos que lhe causou foram a causa eficiente de sua morte (1 Rs 2:46). Nesse sentido, não há diferença entre o assassinato de um inocente e a execução de um ofensor, senão quanto à consideração moral sob a qual se encontram, seus fins seguem seus merecimentos com respeito à conformidade com a norma, e assim há "chásma méga" [um grande abismo] entre eles.
III. A consideração anterior, devido ao defeito e perversidade de alguns agentes (pois de outra maneira os fins seriam coincidentes), sustenta um duplo fim para as coisas.
Primeiro, da obra, e segundo, do que a realiza, isto é, do ato e do agente. Pois quando os meios designados para a obtenção de qualquer fim não são proporcionais a este fim, ou melhor, não são adequados a ele, de acordo com aquela norma pela qual o agente deveria agir, então a única coisa que deve ocorrer é que o agente terá uma coisa como intenção e outra coisa como resultado, com respeito à moralidade da obra. Assim Adão é tentado a desejar ser semelhante a Deus, torna isso seu propósito, e para efetuá-lo come do fruto proibido, e isso gera uma culpa a qual não almejava.
Porém, quando o agente age retamente e como deveria fazê-lo; quando almeja a um fim que é apropriado, que pertence à sua perfeição e condição apropriadas, e age por meios que são aptos e adequados ao fim proposto, então o fim da ação e a intenção do agente são uma e as mesmas. Isso ocorreu quando Abel pretendeu cultuar ao Senhor, oferecendo um sacrifício pela fé aceitável a Ele; ou quando um homem, desejando a salvação por meio de Cristo, aplica-se a obter participação nele. Mas a razão única dessa diversidade é que agentes secundários, como é o caso dos homens, têm um fim estabelecido e designado para suas ações por Aquele que lhes dá uma norma ou lei externa para que por ela ajam. Essa lei sempre lhes acompanhará no que fizerem, quer seja sua vontade ou não. Apenas Deus, cuja vontade e bel-prazer é a única norma de todas essas obras que externamente são dele, jamais pode desviar-se em suas ações nem ter algum fim acompanhando ou seguindo seus atos que não tenham sido por ele precisamente desejado.
IV. Novamente, o fim de todo agente livre é ou aquilo que ele efetua ou aquilo por cuja causa ele efetua algo. Quando constrói uma casa com o propósito de alugar, aquilo que efetua é a construção da casa, porém o que o move a fazê-lo é o amor ao ganho. O médico cura o paciente e é movido a isso pela sua recompensa. O fim pretendido por Judas ao se dirigir aos sacerdotes e barganhar com eles, conduzindo os soldados ao jardim e beijando Cristo, era trair seu Mestre. Contudo, o fim pelo qual o inteiro empreendimento se pôs de pé foi a obtenção das trinta moedas de prata: "Que me quereis dar, e eu vo-lo entregarei? ". O fim que Deus efetuou pela morte de Cristo foi a satisfação de sua justiça. O fim por cuja causa o fez era ou supremo, a sua própria glória, ou subordinado, a nossa com Ele.
V. Além disso, os meios são de dois tipos:
Primeiro, os que têm verdadeiro bem em si, sem referência a qualquer outro propósito; embora não os consideremos como tais quando os usamos tão somente como meios. Nenhum meio é considerado como um bem em si mesmo a não ser na medida em que conduz a um fim posterior. É repugnante à natureza dos meios, como tais, serem considerados como bens em si. O estudo é em si o mais nobre empreendimento da alma. Visando, porém, à sabedoria ou ao conhecimento, nós o consideramos como um bem apenas enquanto conduz a esse fim, de outro modo será "enfado da carne" (Ec 12.12).
Segundo, os que não possuem bem algum de qualquer tipo, quando considerados em si mesmos, mas meramente na medida em que conduzem fim para o qual estão aptos a alcançar. Recebem toda sua bondade (a qual é apenas relativa) daquilo para o qual apontam. Em si não são de forma alguma desejáveis; à semelhança de arrancar uma perna ou braço para preservar a vida, tomar um remédio amargo por causa da saúde, atirar o milho e a carga ao mar para evitar um naufrágio. De que natureza é a morte de Cristo posteriormente o declararemos.
VI. Tendo exposto essas coisas em geral, nossa próxima tarefa deve ser acomodá-las à matéria em questão; o que o faremos ordenadamente, apresentando o agente eficaz, os meios empregados e o fim obtido na grande obra de nossa redenção. Pois estes três devem ser ordenadamente considerados e distinguidos, para que tenhamos uma correta apreensão do todo. No primeiro deles, syn Theo [com Deus], introduziremos o terceiro capítulo.



Tradução do capítulo 2 do Livro 1 da obra de John Owen, A Morte da Morte na Morte de Cristo. Dados bibliográficos: OWEN, John. Death of Death in the Death of Christ. 2016. Disponível em: < http://www.ccel.org/ccel/owen/deathofdeath.i.vii.ii.html>. Acesso em: 27 set. 2016.
χάσμα μέγα
Mt 26.15
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