Decadência e prescrição nos processos administrativos ambientais

May 24, 2017 | Autor: Romeu Thomé | Categoria: Direito Ambiental, Decadencia, Prescrição, Processos administrativos ambientais
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Referência bibliográfica do artigo:

THOMÉ, Romeu. Decadência e prescrição nos processos administrativos ambientais. In: THOMÉ, Romeu. (Org.). Questões Controvertidas - Direito Ambiental, Direitos Difusos e Coletivos e Direito do Consumidor. 1ed. Salvador: Juspodivm, 2013, v. 1, p. 275-288.

DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS AMBIENTAIS Romeu Thomé1 Sumário: 1. Introdução. II. O devido processo como limitador da atuação do Estado. III. Decadência da ação da administração pública para apurar a prática de infrações contra o meio ambiente. IV. Prescrição intercorrente. IV.1. Prescrição intercorrente no âmbito dos Estados-membros. V. Prescrição da pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa. VI. Da responsabilização do Poder Público. VII. Conclusões articuladas. Referências.

I. INTRODUÇÃO Com a consolidação do Estado Democrático de Direito, surge a necessidade premente de revisão das categorias clássicas do Direito Administrativo e de uma nova abordagem da atuação estatal, considerando-se a proteção dos direitos do cidadão assegurados constitucionalmente. Não há mais que se falar em atuação monológica e unilateral do Poder Público, sobretudo quanto essa atuação se mostrar potencialmente passível de afetar diretamente direitos de liberdade e propriedade. A partir da Constituição Federal de 1988, a relação entre Estado e cidadão passa a ser mais dialógica e menos impositiva, com uma clara limitação à atuação do Estado. Não há dúvidas de que o princípio democrático pressupõe o aumento gradativo de mecanismos de controle dos atos da Administração Pública pelo cidadão e a fragmentação da ideia de supremacia da Administração Pública, ideia esta impregnada na relação Estado-cidadão desde o século XIX e grande parte do século XX.2 O princípio democrático determina a inclusão da cidadania nas esferas de controle dos atos estatais. Impõe-se destacar, ainda, o relevante papel do processo (due process) como limitador da atuação do Poder Público. Não restam dúvidas de que as várias etapas do processo, ao possibilitar maior discussão e reflexão dos fatos, reduzem sobremaneira as possibilidades de violação da ordem jurídica. Além disso, com o processo, aos

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Advogado. Doutorando em Direito pela PUC/MG. Mestre em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Ambiental pela Universidade de Genebra, Suíça. Professor de Direito Ambiental da Escola Superior Dom Helder Câmara e do Centro Universitário de Sete Lagoas/MG, de cursos de Pós Graduação e preparatórios para concursos públicos. Autor do livro “Manual de Direito Ambiental” (Salvador: Ed. Juspodivm). 2 Nesse sentido: FREITAS, 2004, p. 26.

interessados é dada a oportunidade de expor suas razões e opiniões, antes de seus interesses serem afetados por atos do Estado. No exercício do poder de polícia ambiental, o Poder Público, através de seu órgão ambiental competente, deve atuar nos limites da lei, com observância do devido processo legal (artigo 70, § 4º, da Lei 9.605/98) e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder (artigo 78, parágrafo único, do Código Tributário Nacional). São essas as condições para que o Estado exerça regularmente o seu poder de polícia. Decorre do poder de polícia a aplicação de sanções pelos órgãos competentes da Administração Pública, penalidades essas que se intitulam como sanções de polícia. Trata-se do ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como resultado de uma infração administrativa, suscetível de ser aplicado por órgãos da Administração 3. Sanções de polícia ambiental são, desta forma, todos os atos que representam a punição aplicada pela Administração pela transgressão de normas ambientais. O ordenamento jurídico pátrio atribui, sem sombra de dúvidas, certas limitações ao poder de polícia estatal, com o intuito de proteger e assegurar direitos do administrado, muitas delas decorrentes da observância do devido processo legal.

II. O DEVIDO PROCESSO COMO LIMITADOR DA ATUAÇÃO DO ESTADO Não se pode perder de perspectiva que as prerrogativas conquistadas pelos indivíduos no Estado Democrático de Direito os habilitam a contestar os atos estatais sempre que esses atinjam direitos a eles pertencentes, além do relevante papel do processo na proteção dos direitos fundamentais. Lembra DANTAS (2007, p. 204) que “se as Declarações de Direitos Individuais enumeram, positivando, aqueles [direitos] que são próprios do homem, isto tudo seria em vão se, em última análise, não estivessem constitucionalmente consagrados os meios de fazê-los respeitados (...)”. Cumpre observar que o Direito regula o conteúdo e os efeitos dos atos tanto de direito privado (contratos) quanto de direito público (leis, sentenças, atos administrativos, dentre outros). Entretanto, “o direito privado não se ocupa do procedimento a ser adotado pelo indivíduo para produzir seu ato”, explica SUNDFELD (2012, p. 90), que complementa: “no direito privado o processo de formação da vontade dos indivíduos não é juridicamente regulado, inexistindo o dever de cumprir, como condição prática dos atos, um procedimento prévio (...)”. 3

CARVALHO FILHO, 2008, p. 83.

Já no direito público, e especialmente no Estado Democrático de Direito, a atuação do Poder Público e a produção de seus atos depende da observância de processo regulado pelas normas jurídicas. O Poder Legislativo deve observar as normas de processo legislativo para a produção de leis, as sentenças no âmbito do Poder Judiciário devem ser produzidas em observância às normas do processo judicial e, por fim, o Poder Executivo elabora atos administrativos a partir de um procedimento administrativo previamente definido. Segundo BOBBIO (1986, p. 18), “(...) o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraproposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-lo caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelece quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos.” O Poder Público, ao exercer os seus atos, deve observar procedimentos específicos, uma vez que tais atos são unilaterais e invasivos da esfera jurídica dos indivíduos. Lembra SUNDFELD (2012, p. 92) que “a atividade estatal é função, submetida a fins exteriores ao agente. O legislador, o juiz e o administrador não dispõem de poderes para realizar seus próprios interesses ou vontades. Seus atos valem na medida em que alcançam os fins que lhes correspondem. Daí dizer-se que a vontade do Estado é funcional.” A vontade funcional deve ser manifestada no processo. Caso contrário, seria idêntica à vontade livre, e partiria do interesse do agente. Para SUNDFELD (2012, p. 93), “o processo infunde ao ato racionalidade, imparcialidade, equilíbrio; evita que o agente o transforme em expressão de sua personalidade.” Não restam dúvidas de que as várias etapas do processo, ao possibilitar maior discussão e reflexão dos fatos, reduzem sobremaneira as possibilidades de violação da ordem jurídica. Ademais, o processo oportuniza aos interessados a faculdade de expor suas razões, opiniões e interesses antes de serem afetados pelos atos unilaterais do Estado. Resume SUNDFELD (2012, p. 94) que “o processo é, então – em perfeita coerência entre liberdade e autoridade - , a contrapartida assegurada aos particulares pelo fato de serem atingidos por atos estatais unilaterais. Sem que a decisão do Estado (a lei, a sentença, o ato administrativo) deixe de ser ato de autoridade, protege-se o indivíduo a ser afetado: condicionando a produção do ato a um processo do qual ele possa participar. Sob este ângulo, o processo cumpre papel eminentemente ligado à tutela dos interesses e direitos dos particulares.”

Convém rememorar, ainda, que nos processos estatais a validade dos atos subsequentes depende de haverem sido corretamente praticados os antecedentes. No âmbito do Poder Legislativo, por exemplo, a votação do projeto de lei será nula se o projeto, da iniciativa exclusiva da Mesa da Câmara dos Deputados, houver sido apresentado pelo Presidente da República.4 Da mesma forma, os atos produzidos pelo Poder Executivo e Judiciário devem obedecer à sequência prevista em seus respectivos procedimentos, direcionando e limitando a margem de discricionariedade do Estado. Não remanescem dúvidas em relação à existência dos poderes de autoridade do Estado, que culminam com a inequívoca produção de relações jurídicas verticais. Entretanto, percebe-se, a luzes claras, que no Estado Democrático de Direito assumem notável posição as limitações e condicionantes à atuação do próprio Estado. Os poderes estatais devem, inicialmente, estar previstos em lei (legalidade). Além disso, é dever do administrador, e não uma faculdade a ele atribuída, exercer sua função administrativa. Finalmente, a ação administrativa está sujeita à publicidade e ao formalismo, o que exige a observância de procedimentos e formalidades específicas. O direito administrativo, resultado do modelo político denominado Estado de Direito, está umbilicalmente ligado ao objetivo da negação do poder arbitrário do Estado. Fruto da separação de Poderes e da hierarquia normativa, as normas de direito administrativo devem estar sempre em consonância com as normas constitucionais. Lembra SUNDFELD (2012, p. 107) que “daí o princípio da legalidade, em virtude do qual os atos administrativos não poderão ser fruto dos caprichos das autoridades. Daí também, a submissão de toda a ação administrativa a diferentes níveis de controle, sem o que não há como impedir o ‘arbítrio’. A necessidade de viabilizar o amplo controle de legalidade de cada ato administrativo é uma das principais responsáveis pela (por assim dizer) ‘burocratização’ do modo de agir do Estado, expressa em exigências como as de realizar procedimentos, de motivar os atos, de publicálos. Flexibilidade e informalismo impediriam o indispensável controle.”

A partir da análise do Estado de Direito e de suas singulares características, é intuitivo concluir que a sua implementação depende também de um procedimento justo e adequado de acesso à justiça. Luis Prieto SANCHIS, citado por Ivo DANTAS (2007, p. 205), afirma que “para que o direito fundamental seja um direito subjetivo em sentido rigoroso, ou seja, para que exista verdadeiramente, é necessário que o ordenamento reconheça ao seu titular a possibilidade de exigir perante um órgão jurisdicional a satisfação de obrigação não cumprida, isto é, que autorize o início de um processo cujo

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Nesse sentido: SUNDFELD, 2012, p. 99.

intuito é obter a resposta jurídica adequada frente à inobservância da obrigação, frente à violação do direito.” CANOTILHO (2003, p. 273) aponta as principais dimensões constitucionais das denominadas garantias gerais de procedimento e de processo: a) Garantias de processo judicial, como: a garantia do processo equitativo, o princípio da igualdade processual das partes, o princípio da conformação do processo segundo os direitos fundamentais, dentre outros. b) Garantias de processo penal, tidas como aquelas que vão além dos princípios gerais do processo judicial, como: proibição de tribunais de exceção, o princípio da excepcionalidade da prisão preventiva, dentre outros. c) Garantias do procedimento administrativo, que prevê um procedimento juridicamente adequado para o desenvolvimento da atividade administrativa. Como garantias de um procedimento administrativo justo mencionam-se o direito de participação do particular nos procedimentos em que está interessado, o princípio da informação, o princípio da conformação do procedimento segundo os direitos fundamentais, dentre outros.

A garantia de proteção jurídica é fundamental para a efetiva defesa dos direitos. Para CANOTILHO (2003, p. 276), “reforça o princípio da efectividade dos direitos fundamentais proibindo a sua inexequibilidade ou eficácia por falta de meios judiciais.” Ao analisar as origens do processo equitativo, CANOTILHO (2003) afirma que o mesmo está positivamente consagrado no art. 20 da Constituição portuguesa, no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no art. 14 do Pacto Internacional Relativa aos Direitos Civis e Políticos e no art. 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Verifica-se que a doutrina majoritária aponta a experiência constitucional norte americana do due process of law como origem do direito ao processo equitativo (processo justo). Mas o que seria um processo justo? Para CANOTILHO (2003, p. 494) “as respostas – sobretudo as da doutrina americana – reconduzem-se fundamentalmente a duas concepções de ‘processo devido’ – a concepção processual e a concepção material ou substantiva. A teoria processual (process oriented theory), que poderíamos designar também por teoria do processo devido por qualificação legal, limita-se a dizer que uma pessoa ‘privada’ dos seus direitos fundamentais da vida, liberdade e propriedade tem direito a exigir que essa privação seja feita segundo um processo especificado na lei. (...) A teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um

processo justo, pois uma pessoa tem direito não apenas a um processo legal mas sobretudo a um processo legal, justo e adequado, quando se trate de legitimar o sacrifício da vida, liberdade e propriedade dos particulares. Esta última teoria é, como salienta a doutrina norte-americana, uma value-oriented theory, pois o processo devido deve ser materialmente informado pelos princípios da justiça.”

Conclui CANOTILHO (2003, p. 496) que pela própria natureza do due process depreende-se que este se concebia fundamentalmente como um direito de defesa do particular perante os poderes públicos. Todavia, “quando os textos constitucionais, internacionais e legislativos, reconhecem, hoje, um direito de acesso aos tribunais este direito concebe-se como uma dupla dimensão: (1) um direito de defesa ante os tribunais e contra actos dos poderes públicos; (2) um direito de protecção do particular através de tribunais do Estado no sentido de este o proteger perante a violação dos seus direitos por terceiros (dever de protecção do Estado e direito do particular a exigir essa protecção).” Impõe-se destacar, neste ponto, que o catálogo de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados apresenta-se como relevante parâmetro de controle para a verificação de um processo justo e equitativo. O devido processo, tanto sob o prisma administrativo quanto sob o manto judicial, atua, portanto, como limitador da atuação estatal e, por conseguinte, configura escudo de defesa dos próprios direitos individuais.

III. DECADÊNCIA DA AÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA APURAR A PRÁTICA DE INFRAÇÕES CONTRA O MEIO AMBIENTE Interessa-nos, no presente trabalho, destacar a necessidade de observância do devido processo no âmbito do exercício do poder de polícia ambiental, com ênfase para a duração razoável do processo e para outros dois institutos jurídicos cujo intuito é proteger os direitos dos administrados contra eventuais arbitrariedades do Poder Público: a decadência e a prescrição da ação punitiva do Estado, que opera efeitos em benefício dos próprios administrados. Decadência pode ser conceituada, ainda que objetivamente, como a extinção de um direito, em decorrência da inércia de seu titular, que deixa de exercitá-lo durante o termo prefixado ao seu exercício. Já a prescrição significa a perda da ação atribuída a um direito em consequência de seu não exercício no prazo legal. A decadência e a prescrição limitam a ação punitiva do Estado, em prestígio aos clássicos princípios da segurança jurídica e da duração razoável do processo. O não exercício de uma pretensão acarreta perda do direito de exercê-la. Pela

decadência e prescrição, mantendo-se inerte, ao Poder Público é subtraído o seu poder de aplicar sanções ambientais. O Decreto 6.514/08 (que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações) tratou com especial atenção o tema da decadência e da prescrição administrativa ambiental em seus artigos 21 a 23, muito embora não tenha se utilizado da melhor técnica para a diferenciação de tais institutos, referindo-se apenas à prescrição. Inicialmente, é importante observar que decai em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado.5A norma ambiental acompanha a determinação da Lei 9.873/99 que estabelece prazo de prescrição (decadência) para o exercício de ação punitiva pela administração pública federal, direta e indireta.6Decisão do Superior Tribunal de Justiça confirma o prazo prescricional (decadencial) de cinco anos para a apuração de infrações ambientais: REPETITIVO. PRESCRIÇÃO. MULTA. MEIO AMBIENTE. Trata-se de recurso representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ) em que a questão em debate resume-se à definição do prazo prescricional para a cobrança de multa administrativa por infração à legislação federal, no caso, a Lei n. 9.873/1999 (com os acréscimos da Lei n. 11.941/2009), nos autos de execução fiscal ajuizada pelo Ibama para cobrança de débito inscrito em dívida ativa. Ressaltou o Min. Relator que a questão já foi debatida no REsp 1.112.577-SP, DJe 8/2/2010, também sob o regime dos recursos repetitivos, mas somente quando a multa administrativa decorria do poder de polícia ambiental exercido por entidade estadual, situação em que não seria pertinente a discussão sob as duas leis federais citadas. Agora, no caso, como a multa foi aplicada pelo Ibama, entidade federal de fiscalização e controle do meio ambiente, é possível discutir a incidência daquelas leis federais, o que foi feito nessa hipótese. Diante disso, a Seção entendeu incidente o prazo de cinco anos (art. 1º da citada lei) para que, no exercício do poder de polícia, a Administração Pública Federal (direta ou indireta) apure o cometimento da infração à legislação do meio ambiente. Esse prazo deve ser contado da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que houver cessado a infração. Observou que o art. 1º da Lei n. 9.873/2009 estabeleceu o prazo para a constituição do crédito, não para a cobrança judicial do crédito inadimplido. Ressaltou, ainda, que, antes da MP n. 1.708/1998, convertida na Lei n. 9.873/1999, não existia prazo decadencial para o exercício do poder de polícia por parte da Administração Pública Federal, por isso a penalidade aplicada, 5

. Artigo 21, do Decreto 6.514/08.

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. Artigo 1, caput, da Lei 9.873/99.

nesses casos, sujeita-se apenas ao prazo prescricional de cinco anos segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, em razão da aplicação analógica do art. 1º do Dec. n. 20.910/1932. Ademais, a jurisprudência também já assentou que, por se tratar de multa administrativa, não é aplicável a regra geral de prescrição do CC, seja o de 1916 ou o de 2002. (REsp 1.115.078-RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 24/3/2010. Informativo 428).

A título ilustrativo observa-se que a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais7 adota o mesmo entendimento para os processos administrativos em âmbito estadual ao afirmar que “ratifica-se, pois, o entendimento de que a Administração tem o prazo de cinco anos, a contar da data em que tomou ciência da prática de infração ao meio ambiente, para proceder ao exercício do poder de polícia e lavrar o auto de infração (...). A decadência diz respeito à (ex)temporaneidade da constituição do crédito nãotributário. Daí porque o prazo decadencial flui até o momento em que a Administração exerce efetivamente o poder de polícia e autua, impõe a respectiva penalidade e cientifica o infrator.” Em se tratando de multa ambiental, a Administração Pública federal, estadual e municipal dispõe, portanto, de cinco anos para o exercício do poder de polícia e, após constituído definitivamente o crédito, tem início a contagem do prazo de cinco anos para a cobrança judicial. Enquanto o primeiro prazo tem a natureza decadencial, o segundo reveste-se de nítido caráter prescricional. O termo inicial do prazo de prescrição quinquenal deve ser o dia imediato ao vencimento do crédito decorrente da multa aplicada e não a data da própria infração, quando ainda não era exigível a dívida. Importa salientar que a constituição definitiva do crédito exerce dupla função: define o termo final do prazo decadencial e, ao mesmo tempo, delimita o início do prazo de prescrição. A exata compreensão da natureza da decadência e da prescrição é fundamental para a fixação de limites temporais relacionados a atos de interrupção e suspensão, uma vez que a esses institutos são, não raras vezes, atribuídas denominações tecnicamente incorretas que culminam por confundir o intérprete. Para os fins de interrupção do prazo decadencial, considera-se iniciada a ação de apuração de infração ambiental pela administração com a lavratura do auto de infração.8 Segundo o artigo 22, interrompe-se a prescrição (decadência): I) pelo recebimento do auto de infração ou pela cientificação do infrator por qualquer outro meio, inclusive por edital;

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. Parecer AGE/MG 15.047/2010, p. 3. . Artigo 21, parágrafo 1º, do Decreto 6.514/08.

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II) por qualquer ato inequívoco da administração 9que importe apuração do fato; III) pela decisão condenatória recorrível. Oportuno observar, entretanto, que se o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição (decadência) reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.10 Nesses casos, para a definição do prazo decadencial será necessário verificar o tipo penal do ato cometido para, a partir do máximo de pena privativa de liberdade cominada ao crime, aplicar os prazos previstos no artigo 109 do Código Penal.

IV. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE Já o parágrafo 2º do artigo 21 do Decreto 6.514/08 dispõe sobre a prescrição intercorrente. Segundo a norma, incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação. O instituto da prescrição intercorrente opera efeitos em benefício dos próprios administrados. Prescrição significa a perda da ação atribuída a um direito em consequência de seu não exercício no prazo legal. A prescrição limita a ação punitiva do Estado, em prestígio ao clássico princípio da segurança jurídica. O não exercício de uma pretensão acarreta perda do direito de exercê-la. Pela prescrição, mantendo-se inerte, ao Poder Público é subtraído o seu poder de aplicar sanções ambientais. Deve o Poder Público observar o princípio da duração razoável do processo administrativo,

não se admitindo delongas

injustificadas na execução dos atos necessários à efetiva proteção do meio ambiente. Mesmo que se verifique a prescrição administrativa, ou seja, a perda do prazo para o exercício da pretensão punitiva administrativa, continua o poluidor obrigado a reparar o dano ambiental na esfera da responsabilidade civil. 11

IV.1. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO ÂMBITO DOS ESTADOSMEMBROS

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. Considera-se ato inequívoco da administração aqueles que impliquem instrução do processo.

10

. Artigo 21, parágrafo 3º, do Decreto 6.514/08.

11

. Artigo 21, parágrafo 4º, do Decreto 6.514/08.

Importante analisar, ainda, a possibilidade, ou não, da incidência da prescrição intercorrente nos processos administrativos ambientais no âmbito estadual. Segundo a norma federal (Decreto 6.514/08), incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação. Todavia, de acordo com o entendimento de algumas Procuradorias estaduais, dentre elas a Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais, consubstanciado no Parecer 15.047/2010 (p. 2), o instituto da prescrição intercorrente é inaplicável na esfera estadual. “Deixou-se expressamente consignado que, em se tratando de auto de infração do qual já conste a aplicação da penalidade de multa, se o autuado apresentar defesa, inicia-se o procedimento administrativo, durante o curso do qual não corre a decadência nem a prescrição”. Ainda nos termos do referido parecer da AGE/MG, “(...) mesmo nestas situações de autuações mais antigas, não se reconhece a possibilidade de prescrição intercorrente, mas de fluência do prazo decadencial até o momento em que se aplica definitivamente a penalidade de multa, com a ciência do interessado” (p. 4). Ademais, “procedida a lavratura do auto de infração com a imposição da penalidade e notificado o infrator, está exercido o poder de polícia e não há mais a possibilidade de a Administração decair desse poder-dever. A partir de então não se cogita mais o prazo decadencial para a Administração agir (...)”.12 Nada obstante a orientação de inaplicabilidade do instituto da prescrição intercorrente aos processos administrativos de aplicação de penalidades ambientais cometidas em alguns Estados da Federação, não se pode perder de perspectiva que o princípio da duração razoável do processo não admite delongas injustificadas na constituição do crédito não-tributário decorrente da imposição de multas ambientais. Como constante no bem lançado Parecer AGE/MG 15.047/2010, “(...) se a Administração não se aparelha e não exerce o poder de polícia de forma efetiva, eficaz e isso inclui a condução do procedimento administrativo com observância dos princípios constitucionais que a regem (art. 37) e ao próprio processo constitucional isonomia, reserva legal, contraditório, ampla defesa, prazo razoável, aplicáveis às funções estatais legislativa, executiva e judiciária - estará a não cumprir seu dever 12

Parecer AGE/MG 15.047/2010, p. 2.

constitucional de assegurar a todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois que a não aplicação da penalidade cabível em decorrência de não observância do devido processo legal acabará por incentivar o cometimento de infrações.” (p. 8 e 9). As normas ambientais estaduais são, muitas delas, silentes em relação ao prazo de prescrição das ações punitivas do Estado. Todavia, a ausência de normas estaduais regulamentando a prescrição não tem o condão de outorgar amplos e ilimitados poderes à Administração Pública no exercício do seu poder de polícia ambiental. Ao administrado a Constituição Federal incumbiu-se de ofertar garantias contra processos administrativos eivados de nulidade.

V. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE PROMOVER A EXECUÇÃO DA MULTA Importante não confundir a prescrição do prazo para a apuração da infração, com a prescrição da pretensão da administração pública de promover a execução da multa por infração ambiental. Uma vez apurada a infração ambiental e encerrado o processo administrativo de imposição da penalidade, passa a fluir o prazo prescricional (também quinquenal) para a execução da multa aplicada ao infrator, uma vez que a partir desse momento o crédito já está definitivamente constituído. De acordo com a recente Súmula 467 do Superior Tribunal de Justiça, “prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da administração pública de promover a execução da multa por infração ambiental.”

VI. DA RESPONSABILIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO O exercício do poder de polícia ambiental é dever da Administração Pública, nos termos do artigo 225, caput, da Constituição de 1988. É inequívoca a competência estatal para a fiscalização, a análise técnica decorrente de autos de infração administrativo e a aplicação de sanção e de medidas de proteção do meio ambiente. Caso a inércia do Poder Público seja causa direta ou indireta de dano ambiental, este poderá ser responsabilizado civilmente a reparar e/ou indenizar os danos causados. Observa-se que em diversos órgãos ambientais do País há um acúmulo considerável de processos administrativos de autos de infração em virtude da insuficiência de consultores habilitados. Essa inércia do Estado em relação ao exercício do poder de polícia ambiental poderá dar ensejo à decadência e à prescrição. Como já analisado, o § 2º do artigo 21 do Decreto 6.514/08 prevê a incidência de prescrição no

procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação. Se da paralisação no procedimento administrativo, e de sua conseqüente prescrição, verificar-se dano ambiental, será o Estado responsabilizado por ele. A responsabilidade extracontratual do Estado por danos causados ao meio ambiente

decorre

da

interpretação

conjunta

das

normas

constitucionais

e

infraconstitucionais de proteção ambiental e de Direito Administrativo. Impõe-se ao Poder Público, de acordo com o artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988, o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Trata-se, portanto, de um dever constitucionalmente atribuído ao Estado. Ocorre que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, no exercício de suas atribuições, podem eventualmente causar danos ao meio ambiente, bem de interesse difuso e de titularidade coletiva. Nesses casos, segundo o artigo 37, §6º, da Constituição de 1988, responderão pelos danos (ambientais) causados a terceiros (toda a coletividade). A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), ao conceituar “poluidor”, não deixa margem de dúvidas sobre a possibilidade de responsabilização do Poder Público por danos ao meio ambiente. Poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. Dessa forma, o Poder Público responderá por dano causado ao meio ambiente decorrente de ato comissivo seu (art. 37, §6º c/c art. 225, caput, da CF/88; art. 3º, inciso IV, LPNMA), aplicando-se, nesse caso, a teoria objetiva do risco administrativo, que admite as causas excludentes do nexo causal. Já nos casos de dano ambiental decorrente de ato omissivo do Estado, este responde subjetivamente, devendo os interessados comprovar que houve dolo ou culpa do Poder Público em situação em que se omitiu, quando deveria ter agido. Esse é o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. 1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece a lei.” (STJ. RESP647493/SC; Min. João Otávio de Noronha. Segunda Turma. Data de Julgamento 22/05/2007. Data de Publicação: DJ 22/10/2007 p. 233).

Decorre do princípio da obrigatoriedade de atuação estatal o dever de utilização dos mecanismos repressivos e preventivos de proteção do meio ambiente pelo Estado, dentre eles a fiscalização das atividades potencialmente poluidoras, decorrente do poder de polícia administrativo. O Poder Público poderá, portanto, ser corresponsável por degradação ambiental em razão de conduta omissiva quanto ao seu dever de fiscalização ambiental, quando deveria ter agido e restou inerte (omissão ilícita). A competência material (administrativa) ambiental é comum entre todos os entes federados, ou seja, compete a todas as esferas a proteção do meio ambiente equilibrado, de acordo com suas competências. Caso a não atuação estatal acarrete dano, será o Poder Público legitimado passivo pela degradação ambiental.13

VII – CONCLUSÕES ARTICULADAS 

De acordo com o artigo 225 da Constituição de 1988, cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Um dos sujeitos ativos responsáveis pela defesa do meio ambiente está definido, de forma inquestionável, pela Carta Magna: o Estado.



A fiscalização das atividades utilizadoras de recursos naturais e a aplicação de penalidades disciplinares ou compensatórias àqueles que não preservam ou não recuperam o meio ambiente degradado constituem instrumentos fundamentais da Política Nacional do Meio Ambiente.



A atuação dos órgãos ambientais decorre da aplicação do poder de polícia ambiental e devem ter respaldo nos princípios constitucionais, como o da legalidade, do devido processo legal e da duração razoável do processo. Eventuais sacrifícios aos direitos de liberdade e de propriedade decorrentes da atuação do Poder Público devem se mostrar consonantes com a ordem jurídica vigente, apoiadas na finalidade maior de observar os direitos fundamentais na

13

Nesse mesmo sentido decisão do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 958.766-MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 16/3/2010.

sua totalidade, não mais se admitindo restrições baseadas em arbitrariedades supostamente “legalizadas” pela ordem vigente. 

O processo (due process) apresenta-se com o relevante papel de limitador da atuação do Poder Público.



É fundamental a observância do devido processo no âmbito do exercício do poder de polícia ambiental, que deve se respaldar na duração razoável do processo.



A decadência e a prescrição da ação punitiva limitam o exercício do poder de polícia da Administração Pública, uma vez que protegem os direitos dos administrados contra eventuais arbitrariedades do Poder Público.



O princípio da segurança jurídica e o princípio da duração razoável do processo não admitem delongas injustificadas na apuração de infrações ambientais, na constituição do crédito não-tributário decorrente da imposição de multas ambientais, e muito menos na execução da multa por infração ambiental.



Uma vez constatado o dano ambiental em decorrência da decadência ou da prescrição dos atos da Administração Pública, poderá o Estado ser responsabilizado civilmente a reparar e/ou indenizar os danos causados.

REFERÊNCIAS BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição Brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens. Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia – Uma Defesa das Regras do Jogo. Trad. brasileira de Marco Aurélio Nogueira. 2ª Ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens. Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. 2003. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. DANTAS, Ivo. Constituição e processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.

FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2003. MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 5ª. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. SAMPAIO, José Adércio Leite. Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 5ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2012 (3ª tiragem). THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013.

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