Esquentando Tambores: manual de percussão dos ritmos pernambucanos

July 19, 2017 | Autor: Fernando Souza | Categoria: Performance, Etnomusicologia
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Fernando Souza

ESQUENTANDO TAMBORES Manual de Percussão dos Ritmos Pernambucanos Escrita e Técnica

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© Fernando Antônio Ferreira de Souza Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem a autorização do autor. Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal Brasileiro e Art. 30 da Lei 5.988/73. A obra Esquentando tambores: manual de percussão dos ritmos pernambucanos - escrita e técnica está registrada sob o número 311.521, do livro: 568, folha 181, de 6 de outubro de 2011 no Escritório de Direito Autoral da Biblioteca do Rio de Janeiro, Ministério da Cultura do Brasil. Coordenação editorial: Luciana Araújo Produção editorial: Adriano Marcena para a CEL Editora Revisão: Doralice Santana Capa: Vicente Simas

Souza, Fernando. Esquentando os tambores: manual de percussão dos ritmos pernambucanos - escrita e técnica / Fernando Souza. Recife: Funcultura; CEL, 2011. 110p.

1. MÚSICA I. Título. 2. CULTURA PERNAMBUCANA. II. Título. CDU 869.0 (81)-2 CDD B869.2 PeR-BPE Impresso no Brasil / Printed in Brazil, 2011.

CEL – Casa dos Escritores, Livros e Editora LTDA. CNPJ. 13.044.894/000-63 CEP. 51.170-050 Rua Engenheiro Álvaro Celso, n° 200 – Casa/A – Imbiribeira - Recife-PE. E-mail: [email protected] Fone: (81) 3037- 5762 Editora filiada ao SNEL- Sindicato Nacional dos Editores de Livros. Rio de Janeiro - RJ.

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Sumário _____________________________________________________________________

Prefácio - Carlos Sandroni, 5 Apresentação - Edwin Pitre-Vásquez, 7 Algo mais que um método - Germanna Cunha, 8 Introdução, 9 Orientações técnicas, 11 Sons da Percussão, 12 Padrões Rítmicos Brasileiros, 13 Parte 1 – cultura pernambucana Pernambuco: pluralidade cultural, 17 Instrumentos Musicais: vozes da identidade de um povo, 19 Lista de instrumentos de percussão presentes na música pernambucana, 20 Parte 2 – Instrumentos de percussão Descrição, Grafia e Técnica de Execução, 23 Zabumba, 24 Alfaia/Tambor-de-corda, 27 Surdo/Surdinho, 30 Pandeiro, 33 Puíta/Póica, 36 Caixa, 37 Gonguê, 39 Agogô, 41 Triângulo, 43 Ganzá/Mineiro/Caracaxá, 44 Preaca/Arco-e-flecha/Frecha/Brecha, 45 Bage/Bagem, 46 Parte 3 – Técnica Diária: Controle de Articulação Direcionado ao Desenvolvimento do Percussionista 3

Domínio da Linguagem Rítmica: Alternância e Repetição de Toques, 49 Notação Musical e sua Representação Sônica, 51 Toque Simultâneo das Mãos, 56 Toque Alternado, 57 Acentos, 58 Acentos Repetidos, 59 Repetição e Alternância de Articulação, 60 Controle de Articulação, 61 Apojatura Simples, 63 Parte 4 – Vivência Rítmica: Treinamento para um Desenvolvimento Técnico Brincante: vivência, humildade, tradição e experiência, 65 Elementos de Linguagem Percussiva, 66

Parte 5 – Ritmos Pernambucanos Costumes Soberanos, 73 Maracatu de baque virado, 76 Maracatu de baque solto, 80 Cavalo-marinho, 85 Ciranda, 88 Coco, 90 Baião, 94 Caboclinho/Cabocolinho, 97 Frevo, 101 Referências, 105

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Prefácio ___________________________________________ Carlos Sandroni

Não é segredo para ninguém a imensa riqueza rítmica da música popular pernambucana. Saber que essa riqueza existe, no entanto, é bem diferente de conhecê-la em detalhes, e mais ainda de difundir este conhecimento para um público amplo, em forma de livro didático. É isso que Fernando Souza se propõe a fazer na publicação que o leitor tem em mãos. Para isso, lança mão da vasta experiência que acumulou, desde muito jovem, como percussionista nas orquestras de frevo e demais agremiações carnavalescas de que participou, e nas salas de aula do Conservatório Pernambucano e do Departamento de Música da UFPE. E depois, como profissional requisitado em Recife e Olinda, e como professor do Centro de Criatividade Musical de Pernambuco, escola de música situada na Rua da Aurora, à beira do rio Capibaribe. A toda esta bagagem Fernando acrescenta a formação em Etnomusicologia, obtida primeiro no curso de Especialização da UFPE, e depois, buscando outros horizontes, no mestrado realizado na Universidade Nova de Lisboa, e no doutorado na mesma instituição, que está prestes a concluir. Em ambos, Fernando trabalhou sob orientação da brilhante etnomusicóloga portuguesa de origem egípcia, Salwa El-Shawan Castelo Branco. Seu tema, o coco de roda em Olinda e Recife, levou-o a aprofundar ainda mais os meandros do tarol, do bombo e do mineiro (ou ganzá), instrumentos que formam a base rítmica desta modalidade de coco. Sinto orgulho em dizer que fui professor de Fernando, na área de Etnomusicologia. Ao longo de sua trajetória, ele vem revelando não só grande talento como músico e pesquisador, mas ainda mais importante, muita fibra, vontade e determinação de realizar projetos importantes e necessários. Este livro é uma prova disso.

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Gonguê

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Apresentação ______________________________________________ Edwin Pitre-Vásquez

A música brasileira possui uma riqueza de cores e matizes, que impressiona, porém este patrimônio sonoro, por vezes parece tão comum, que passa desapercebido. Na literatura musical existem pesquisas de instrumentos e ritmos no Brasil das mais diferentes épocas. Observo que a produção de métodos de percussão, vídeo aulas e cursos a distancia têm aumentado nos últimos anos, por conta da introdução de suportes como CD, DVD e a própria Internet. Ao abordar aspectos da percussão regional o método Esquentando Tambores: manual de percussão dos ritmos pernambucanos, técnica e escrita do Professor Fernando Souza, permite perceber que este campo de estudos não se esgotou. Ainda existe espaço para pesquisar e organizar metodologicamente o universo da percussão brasileira. Métodos como este sistematizam e sem dúvida possibilitam a melhor compreensão, estudo e prática da música de Pernambuco. A cultura pernambucana pela sua originalidade e diversidade oferece uma dimensão sonora que está em processo de investigação revelando aspectos para sua utilização tanto no campo da música tradicional, popular como a erudita e contemporânea. O mestre César Guerra-Peixe no seu livro Maracatus do Recife (1980), demonstrou que os saberes dos mestres pernambucanos estavam prontos para ser reconhecidos e preservados pelo Brasil. Entendo o método do professor Fernando Souza contempla os pressupostos do pioneirismo de Guerra-Peixe e deixa um registro atual das formas de tocar a percussão pernambucana.

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Algo mais que um método ___________________________________________ Germanna Cunha - Professora de percussão da EMUFRN

Ao falarmos em nordeste brasileiro, estamos lembrando, sem dúvida, o sol causticante do sertão, a fé inabalável de um povo e a força de suas tradições culturais. De dentro desse Nordeste brotam a criatividade e a sensibilidade aguçada de sua gente simples. Mergulhar na efervescência cultural que é Pernambuco requer empenho, disposição. Traduzir essa cultura em um manual de percussão, arrojo e ousadia. São essas as qualidades que encontro no autor. Ao ler o trabalho de Fernando Souza, dois termos me vêm à mente: carinho e dedicação. A pesquisa cuidadosa, a preocupação em transmitir ao leitor uma noção básica dessa pluralidade que é a cultura pernambucana faz do Esquentando Tambores: manual de percussão dos ritmos pernambucanos - técnica e escrita, algo mais que um método. O respeito, traduzido no preciosismo com o qual o autor aborda cada tema, transforma o manual em uma sólida e valiosa contribuição, tanto para o ensino quanto para a literatura da percussão brasileira. Pelas mãos de Fernando Souza nos é entregue um livro verdadeiro, de leitura agradável, de conteúdo rico, com exercícios apresentados em uma linguagem clara, compreensível. Uma obra rara e de grande importância, capaz de agradar tanto aos leigos quanto aos que já se deixaram encantar por esse imenso universo percussivo. Parabéns, Fernando. Mais uma vez, é ‘Pernambuco falando para o mundo!’

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Introdução ______________________________________________

Nos dias atuais emerge na sociedade mundial um interesse crescente no saber e proceder de culturas populares de tradição, como as encontradas em Pernambuco, que têm seus fundamentos formatados em estruturas plurais de expressão e comunicação, que no Brasil foram combinadas de formas distintas e originais desde a implantação da colonização. Este quadro sociocultural permitiu que se desenvolvesse, no estado de Pernambuco, um mosaico cultural de complexas identidades que se cruzam entre si, formando um todo identitário que dá a população local um jeito próprio e personalizado de ser, ver-se e expressar-se, ao ponto de se evidenciar no imaginário brasileiro um paradigma do ‘ser pernambucano’. Dentre outras formas de expressão surgidas do jeito pernambucano de ser em demanda pelas novas tendências globais que irrigam as indústrias fonográficas, e do entretenimento, e as ações de salvaguarda e suas políticas culturais, está a música que atrelada à dança e a valores simbólicos do profano e religioso no cotidiano do povo nordestino, constitui um dos principais equipamentos difusores e identificadores da identidade pernambucana e da cultura nordestina e brasileira. Ante a pouca produção de livros didáticos e orientadores do saber musical, e expressivo de tradição oral em Pernambuco, este manual busca suprir informações direcionadas a percussionistas, arranjadores e compositores acerca da escrita e técnica dos instrumentos de percussão presentes na cultura popular.

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Ganzá

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Orientações Técnicas ______________________________________________

Com o objetivo de assegurar um aprendizado prático e funcional dos ritmos presentes nas manifestações populares de Pernambuco, este manual tem como base viabilizar uma formação técnica e procedimentos de execução que possibilitem uma familiarização com os elementos timbrísticos que compõem tais padrões rítmicos, através de exercícios progressivos específicos em conformidade com a notação musical. O trabalho percussivo presente nos ritmos brasileiros revela um universo musical e espontâneo de expressão e comunicação artística que representa um verdadeiro parâmetro de criatividade popular. Como os instrumentos de percussão utilizados na música popular pernambucana são em sua maioria da classe de sons indeterminados, não se fará uso da tradicional clave e pentagrama, e sim de uma representação gráfica que contemple suas propriedades de articulação (maneira particular de produzir o som nos instrumentos de percussão de som indeterminados). Desta forma tomaremos como critérios de representação gráfica: 1. A notação musical preservará as regras da escrita; 2. A clave passa a ser específica, segundo peculiaridades timbrísticas e de articulação dos instrumentos; 3. A pauta é estabelecida por linhas ou espaços conforme cada instrumento; 4. Os sons de efeito de altura indeterminada são identificados segundo suas possibilidades de articulação; 5. Indicação relativa à manulação específica a cada nota.

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Sons da Percussão ___________________________________________

Instrumentos das mais variadas origens (indígena, europeia, africana e oriental etc.), compõem a lista do naipe de percussão em uso da música brasileira. Alguns são igualmente utilizados por várias regiões do país. Outros são de uso exclusivo em determinados ritmos. Nesse contexto, objetos antes não classificados como instrumentos musicais, também assumem uma função e utilização rítmica, como o apito, a frigideira, o prato, a enxada, a concha de búzios, tamboretes, serrotes, latas, arames, molas, etc. Em sua maioria os instrumentos de percussão de sons não determinados têm dois sons básicos (formas distintas de articulação do instrumento): 1. Som Aberto (O) 2. Som Abafado / fechado (+) Sua combinação nos facilitará produzir diversas possibilidades timbrísticas compondo um panorama peculiar a cada ritmo.

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Padrões Rítmicos Brasileiros ___________________________________________

A música brasileira é muito rica em variantes rítmicas e o percussionista deve praticá-las conjuntamente com os padrões rítmicos (Rhythmic Patterns) presentes em certas manifestações artísticas tais como: dança, cortejo, auto folclórico etc. Cada modelo rítmico presente na música brasileira nos proporciona diferentes formas de execução e interpretação, exigindo do percussionista agilidade e precisão na articulação, e consciência do universo musical em que se insere. Esta condição técnica é muito importante para um bom desempenho na execução do instrumento, e intenção funcional desse instrumento num dado estilo de padrão rítmico. Para tocar bem a música brasileira é essencial conhecer e praticar os seguintes padrões rítmicos, nos quais se destacam as síncopes1.

1 Síncopes ou síncopas: prolongação de um som articulado de uma parte fraca a uma parte forte do tempo. Ex:

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Detalhe

A utilização de instrumentos percussivos sempre esteve presente na formação cultural do Brasil. (Roda de Capoeira, Johann Moritz Rugendas)

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Parte 1 Cultura Pernambucana ____________________________________________

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Surdinho

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Pernambuco: Pluralidade Cultural ___________________________________________

A presença de outros povos, além dos portugueses, no ciclo de colonização brasileira, contribuiu para uma pluralidade de cultura e costumes. Cada região e estados dos quatro cantos do Brasil desenvolveram uma forma própria de expressão de seus valores e saberes de forma única, com riqueza e cultura diferenciadas uma das outras, que somadas, tornam o Brasil um país de diversidade e beleza ímpar. Embora o dom de percutir um motivo rítmico qualquer sobre uma superfície seja aceito normalmente sem maiores discussões, o seu poderio e alcance sempre despertam uma mágica fascinação no mais intimo dos admiradores dos folguedos pernambucanos, como que um convite para bailar, pular, tropear. A música faz parte de um povo, do povo rural, do povo humilde. É tão somente uma linguagem que emancipa um estado de espírito, uma comunhão coletiva de sentimentos, que flui na fala, no olhar, no andar, no dançar, no ouvir, no entender, no pensar, no percutir. Pernambuco reúne alguns dos mais originais e envolventes folguedos de danças populares do país. O maracatu, frevo, caboclinho, entre outros, são encontrados aqui. As danças, os costumes e os divertimentos de um povo, seus folguedos, são preservados naturalmente pela própria comunidade, pelos próprios folgazões. As manifestações populares de Pernambuco são conhecidas e respeitadas em todo país e exterior, o que torna relevante tal conhecimento para músicos compositores e arranjadores. Neste intuito, este trabalho vem reunir, dentre as danças e folguedos, aquilo que é mais representativo ou cuja importância em época passada veio a influenciar de forma significativa a criação de novas tendências e formas de cultura e arte. Assim sendo, nosso objeto de apreciação está nos instrumentos de percussão que compõem os ritmos: 17

maracatu de baque virado; maracatu de baque solto; cavalo-marinho; ciranda; coco; baião; caboclinho; frevo.

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Instrumentos Musicais: Vozes da Identidade de um Povo ___________________________________________

Alberto Ikeda (1997:4), no livro Brasil, Sons e Instrumentos Populares, cita a identidade sonora que todo ser humano possui: uma voz, um som com que se identifica e torna-se identificado. Uma marca particular de cada um, de cada indivíduo, de cada grupo, de cada povo. Essa ‘voz’ ou ‘vozes’, constituídas de padrões rítmico-melódicos, formas harmônicas, timbres, expressões, ideias, sentimentos, instrumentos musicais, dentre outros elementos, estão materializados na música de um grupo. Em oposição a outros tipos de objetos artísticos de características puramente estéticas, como os de artesanato, de esculturas etc., um instrumento musical carrega na emissão sonora por ele produzida a identidade de um indivíduo, de um grupo, de um folguedo, em que toda a sensibilidade e musicalidade pode ser admirada e valorizada. Por mais estranho e rústico que um instrumento possa parecer, reflete o imperativo da funcionalidade sonora em oposição a uma precariedade plástica. São frutos de artesãos sonoros que guardam na sua confecção uma estética tradicional de ancestralidade.

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Lista de Instrumentos de Percussão Presentes na Música Pernambucana ___________________________________________

A título de informação cito uma pequena mostra dos instrumentos que compõem as manifestações musicais em Pernambuco, dos quais alguns estarão figurados nas linhas que seguem: Afoxé, agogô, alfaia, apito, preacas (arco e flecha), atabaque, bagem/bage, baquetas, bastões, berimbau, bloco de madeira, bumbo, cabaça, caixa, caracaxá, caxíxi, chocalho, chocalho de boi, cuíca, frigideira, ganzá, gonguê, ilú, maracá, marimbau, matraca, mineiro, pandeiro, prato, puíta/póica, reco-reco de bambu, reco de mola, repique de mão, rói-rói, surdo, surdinho, tambor, tamborim, tarol, triângulo, tumbadora, vassourinha, zabumba.

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Parte 2 Instrumentos de Percussão ____________________________________________

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Zabumba

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Descrição, Grafia e Técnica de Execução ___________________________________________

Dos instrumentos de percussão de uso corrente na música pernambucana, este manual destina seus estudos aos presentes nos ritmos Maracatu de baque virado, Maracatu de baque solto, Cavalo-marinho, Ciranda, Coco, Baião, Caboclinho, Frevo. Assim sendo, nosso objeto de apreciação está nos instrumentos:

Zabumba Alfaia/Tambor-de-corda Surdo/Surdinho Pandeiro Puíta/ Póica Caixa Gonguê Agogô Triângulo Ganzá/ Mineiro/ Caracaxá Preaca Bage/ Bagem

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Zabumba (bumbo, bombo ou tambor-de-corda, utilizado frequentemente no forró, baião, xote, banda cabaçal, coco, ciranda e outros folguedos)

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O Zabumba é um membranofone cilíndrico comum no Nordeste brasileiro igualmente conhecido como Bumbo ou Bombo. Membranofone de percussão indireta introduzido nas manifestações musicais profanas e religiosas pelas mãos dos colonizadores. Vindo a reforçar a condução e manutenção da cadência rítmica. Originário dos tambores asiáticos primitivos tem sua história intimamente relacionada à música militar, vindo a aparecer nas orquestras sinfônicas juntamente com as Caixas Claras ou Tamburo Militar a partir do século XVIII. Trata-se de um cilindro de madeira delimitado em suas extremidades por duas membranas denominadas ‘pele de batida’ e ‘pele de resposta’. Antes as membranas eram exclusivamente de pele animal, atualmente estas são substituídas por peles sintéticas. Estas membranas ou peles, hoje são sustentadas por aros metálicos e a tensão, responsável por sua afinação que é regulada por meio de parafusos distribuídos regularmente pelo aro, e preso ao seu corpo (fuste). Ainda se encontram zabumbas de fabricação artesanal, que obedecendo a padrões tradicionais apresentam menor altura e diâmetro, e de afinação única para as duas membranas determinada por amarração de corda, vindo também a ser chamado de Tamborde-corda. Atualmente o zabumba de metal, variante do zabumba rural, também denominado ‘urbanizado’, bombo ou bumbo, é um tambor de fuste em flandres de fabricação industrial, e que por esse motivo tem dimensões fixadas em 18’, 20’ ou 22’ ( polegadas) de diâmetro, de afinação única determinada por varões que se estendem paralelamente de uma membrana a outra . Considerado símbolo da identidade nordestina, o zabumba sintetiza, com características regionais, a fusão dos ritmos 24

africanos, orientais arábicos e indianos, ameríndios e europeus presentes nos Ternos de Pífanos/Banda Cabaçal/Esquenta-muié (termos que designam um tipo de formação instrumental do Nordeste, constituído de Zabumba, Caixa, Pífano ou Gaita), Marcha de Procissão, Trios de Forró, Bandinhas de retreta em festas e benditos etc. Com membrana nos dois lados, tocado normalmente na vertical ou inclinado, pendurado por alça (na altura da cintura), difere do industrializado ‘bumbo’, por ser de menor altura . Executa-se com ‘maçaneta’2 ou ‘marreta’ com uma mão na pele de batida, e com uma vara (galho) fina, resistente e flexível denominada ‘Bacalhau’ na pele de resposta com a outra mão. Enquanto a maçaneta executa a célula rítmica característica na pele de batida, o bacalhau responde energicamente com figuras ritmicamente sincopadas na pele de resposta, construindo um conjunto sonoro peculiar as músicas nordestinas. Grafia (The music writing) 1. Som articulado com a maçaneta (maçaneta). O som articulado com a maçaneta produz a nota fundamental da membrana (membrana solta), e tem como função tocar as notas de apoio rítmico chamado de marcação. Sua representação gráfica é identificada pela denominação Maçaneta. Zabumba

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Maçaneta, nome genérico de acessório da família das baquetas próprio dos instrumentos de percussão indireta de som grave, que em formato anatômico à empunhadura do executante e um volumoso batedor, possibilita a emissão de um som encorpado, e de investidura (golpe) firme sem riscos de furar a membrana de batida do instrumento. 25

Maçaneta 2. Som articulado pelo bacalhau O som articulado pelo bacalhau é semelhante a um estalo. Seve como recurso para produzir um efeito de caráter ornamental. Sua representação gráfica é pela palavra Bacalhau. Zabumba Bacalhau

Zabumba

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Alfaia / Tambor-de-corda (bumbo, ou zabumba utilizado frequentemente no maracatu de baque virado, coco e ciranda; podendo ser encontrado em outros folguedos)

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Alfaia é uma espécie de zabumba. Um membranofone cilíndrico feito do tronco da macaíba, palmeira típica da Mata Atlântica da região litorânea do Nordeste brasileiro, que por sua dimensão de diâmetro avantajado, casco duro e fibroso, somados a uma sonoridade grave, densa, de invejável acústica, quando talhado internamente (tronco oco) gera uma sonoridade de timbres fortes e orgânicos. A alfaia tem basicamente duas fontes sonoras distintas, uma quando percutida com maçaneta com batedor de madeira (som mais grave), e outra quando percutida com maçaneta mais fina e sem batedor em sua extremidade (som mais agudo). A membrana tem um som fundamental produzido por sua vibração livre (som solto), e outro denominado som preso, que resulta da inibição do seu processo natural de vibração. As membranas são de pele animal distendidas sobre os dois lados do fuste (corpo acústico da alfaia). Grafia (The music writing) 1. Som articulado com a maçaneta e batedor de madeira (baqueta 1). O som articulado com a baqueta-1 produz a nota fundamental da membrana (membrana solta), e tem como função tocar as notas de apoio rítmico chamado de marcação. Sua representação gráfica é identificada pela denominação Baqueta-1. Alfaia

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Baqueta-1 2. Som articulado com maçaneta sem batedor (baqueta-2). Ao percutir na membrana, a baqueta-2 produz um som mais preso e menos volumoso, compacto, curto, ritmicamente bem definido. Sua representação gráfica é pela palavra Baqueta-2 Alfaia Baqueta-2 3. Som articulado pela percussão das maçanetas no aro da alfaia (aro). O som articulado pela percussão das maçanetas no aro da alfaia é semelhante um estalo. É uma forma de produzir um efeito de caráter ornamental. Sua representação gráfica é pela palavra Aro.

Alfaia Aro

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Como segurar a alfaia: Suspenda o fuste com a mão oposta a que executará a baqueta-1 (mão de força), e prenda-o no ombro do mesmo lado. Esta posição lhe dará mais mobilidade de movimentos e possibilitará mais impulso e força no ato de percutir a membrana da alfaia (som principal). Mantendo o instrumento encostado no seu corpo, apoiando-o sobre parte lateral externa da coxa.

Alfaia/Tambor-de-corda

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Surdo/ Surdinho (tambor de som grave utilizado frequentemente no frevo, caboclinho, coco, ciranda e outros folguedos) ___________________________________________

Membranofone de percussão indireta, da família dos tambores, igualmente introduzido nas manifestações musicais profanas e religiosas pelas mãos dos colonizadores. Vindo a reforçar a condução e manutenção da cadência rítmica. Originário dos tambores asiáticos primitivos, tem sua história intimamente relacionada à música militar, visto que o diferencial entre os instrumentos desta linhagem está na profundidade do seu fuste, ou melhor, na altura deste, o que determina suas características sonoras e consequentemente timbrísticas e funcionais. No caso do surdo e do surdinho, pelo emprego do diminutivo ‘ïnho’, percebe-se uma mesma proporção entre profundidade e diâmetro do corpo cilíndrico que recorre entre os instrumentos dessa categoria. Detentor de um som extremamente grave, este magnífico tambor nos permite relacionar o fato timbrístico com um possível estado físico da percepção auditiva. Numa verdadeira viagem ao imaginário e simbólico coletivo que só um poder criativo como o brasileiro poderia gerar. Essa identificação é perpetuada por uma intimidade com o instrumento, com a imagem caricata que sua denominação produz, com sua vibração cheia, maciça e envolvente, que justifique sua utilização em quase todas as composições instrumentais da música brasileira. Um verdadeiro ícone de brasilidade. Entretanto é pertinente observar que o termo ‘surdo’ está relacionado ao fato de seu som característico ser produzido como que abafado com a mão do executante, induzindo o ouvinte a identificar essa articulação sonora mesmo sem que esta seja evidente sonoramente no conjunto. 30

Cilindro de madeira delimitado em suas extremidades por duas membranas denominadas ‘pele de batida’ e ‘pele de resposta’, o surdo antes tinha suas membranas exclusivamente de pele animal, atualmente estas são substituídas total ou parcialmente por peles sintéticas. Nas orquestras de frevo é comum preservar-se membrana animal para pele de batida e utilizar-se a pele sintética na resposta, pois não há sonoridade sintética que substitua a qualidade da membrana animal. Grafia (The music writing) 1. Som articulado com a maçaneta no centro da pele. (Maçaneta). O som articulado com a maçaneta no centro da pele produz a nota fundamental da membrana (membrana solta), e tem como função o apoio rítmico chamado de marcação. Sua representação gráfica é identificada pela denominação Marcação.

Surdo/Surdinho

Marcação

2. Som surdo/ abafado: articulação simultânea da maçaneta e da mão – Inibição da vibração da membrana com uma das mãos, no momento da articulação com a maçaneta, produzindo um som preso e menos volumoso, compacto, curto, ritmicamente definido. Sua representação gráfica é pela palavra Surdo 31

Surdo/Surdinho Surdo

Surdo

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Pandeiro (presente no frevo, cavalo marinho, coco, e eventualmente em outros folguedos)

___________________________________________ Da família dos adufes - tambores de fuste estreito sem função de caixa de ressonância da membrana quando percutida. Este tambor, classificado acusticamente como membrano/idiofone tem respectivamente, duas fontes sonoras. A membrana gera um som fundamental quando vibra livremente, ‘som solto’, e um ‘som preso’, quando sua vibração natural é inibida por articulação do executante. As soalhas, pequenos discos metálicos distribuídos aos pares por todo fuste, são responsáveis pela produção do som característico do pandeiro, como resultado do choque destes pares de discos no momento da articulação da membrana. Sua aplicabilidade aos ritmos brasileiros gerou uma técnica de movimentos articulados denominada Pandeiro Estilo Brasileiro3, formada por propriedades tímbricas peculiares a cada articulação definidas como: de polegar, de bloco de dedos, da base da mão, da mão aberta e do tradicional efeito de rulo com o dedo (espécie de trinado da membrana e soalhas). Seu mecanismo de afinação é composto de um aro - peça metálica que se encaixa no fuste para ajustar a tensão da pele, um arquilho - arame duro de forma cilíndrica onde a pele é presa e parafusos afinadores. Grafia (The music writing) As mãos têm funções próprias e devem ser grafadas em pautas independentes 1. Som articulado com o polegar sobre a membrana, nota fundamental (marcação).

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Técnica de autoria do professor e percussionista Luiz Almeida da Anunciação (Luiz D'Anunciação), editada pela Escola Brasileira de Música no livro A percussão dos ritmos brasileiros - Volume I, Caderno 2 O pandeiro Estilo Brasileiro. 33

Pandeiro

Polegar

2. Som articulado com a base da mão sobre a membrana, som preso e pouco audível, que repercute nas soalhas compacto e ritmicamente bem definido. Pandeiro

Base

3. Som articulado com o bloco de dedos, ou simplesmente ‘dedos’ na membrana. Som de grande repercussão nas soalhas. Pandeiro

Dedos

4. Som articulado com a mão aberta/espalmada produz som semelhante a um estalo. Pandeiro

Mão 5. Som articulado em forma de rulo, som friccionado com o polegar ou outro dedo na borda do pandeiro no nível da membrana. Pandeiro

Efeitos

tr

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Como recurso prático para obtenção deste efeito, é comum entre os pandeiristas friccionar uma vela lateralmente sobre a membrana para que esta oponha resistência para uma leve pressão do dedo quando friccionado sobre a pele.

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Puíta/Póica - Porca, cuíca, quipuíta (tambor de fricção presente no Maracatu de Baque Solto)

_____________________________________________ Tambor vibratório constituído por um cilindro oco com um só tímpano (pele). Ao meio deste, pelo lado interno, prende-se a pele uma haste de pau sobre a qual se passa a mão bem lavada e molhada para produzir saltos que vão tirar o som do tímpano. Esta haste é uma vara de ficção que ao ser friccionada transmite ao tímpano duas notas básicas: uma, quando a mão escorrega para frente, e outra quando volta para trás. O som produzido é bastante grave e de fortíssimas vibrações, vindo a ser simbolicamente comparado ao mugido do touro, rugido de um leão, ou roncar de um porco. Também usam percutir o tímpano com uma das mãos ao mesmo tempo vibram com a outra. Instrumento adotado pelo Maracatu de Baque Solto, fazendo alusão às caçadas a leões nas savanas africanas. Musicalmente utilizado apenas no conjunto percussivo no Maracatu de baque solto, assume o papel de cadenciador do pulso rítmico e da marcha dos Caboclos.

Grafia (The music writing) 1. Som articulado pela fricção da haste presa à pele pelo lado interno. Puíta Fricção para frente Fricção para trás

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Caixa (presente no maracatu de baque virado, maracatu de baque solto, ciranda, frevo, banda cabaçal e eventualmente em outros folguedos) __________________________________________________

Instrumento de percussão indireta introduzido nas manifestações folclóricas pelas mãos dos colonizadores. Vindo a reforçar a condução e manutenção da cadência rítmica, antes praticadas unicamente por idiofones como ganzá, reco-reco, gonguê, mineiro, triângulo, etc. Originário dos tambores asiáticos primitivos tem sua história intimamente relacionada à música militar, vindo a aparecer nas orquestras sinfônicas a partir do século XVIII. Trata-se de um cilindro de madeira ou metal delimitado em suas extremidades por duas membranas denominadas ‘pele de batida’ e ‘pele de resposta’; antes as membranas eram exclusivamente de pele animal, atualmente estas são substituídas por peles sintéticas. Estas membranas ou peles, hoje são sustentadas por aros metálicos e a tensão, responsável por sua afinação que é regulada por meio de parafusos distribuídos regularmente pelo aro, e preso ao seu corpo (fuste). Destaca-se dos demais instrumentos de percussão pelo timbre característico que resulta da presença de uma esteira de metal distendida em sua pele de resposta, regulada por dispositivo próprio, que lhe dá um som estridente, seco e definido. Tendo como variante, no cenário rural ‘o tarol’4, caixa de fabricação artesanal de menor altura e diâmetro, e afinação única para as duas membranas, e que antigamente tinha como esteira tripas de animal distendidas em sua pele de resposta. No Maracatu de baque virado, o tarol assumiu a função de cadenciar o andamento, e a caixa de guerra, de conduzir o baque em auxilio ao gonguê e alfaias. Atualmente esta prática caiu em desuso, ficando a caixa e o tarol com funções semelhantes entre si, 4

Existe uma caixinha fina, industrializada e que é própria para tocar com talabar. Recebe o nome de tarol. 37

tanto no Maracatu de baque virado, Maracatu de baque solto, Ciranda e Coco.

Grafia (The music writing) 1. Som articulado com as baquetas na membrana Caixa

Caixa/Tarol

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Gonguê - gonguê, gongo, ngong ou ngongu, xigongo, lubembe etc.(presente no maracatu de baque virado, maracatu de baque solto, e eventualmente em outros folguedos) _________________________________________________

Grande campânula unida a uma base de apoio, encontrada em toda África como instrumento de anunciação em ritos religiosos de oração e culto aos antepassados. Também denominada sineta-simples, quando se apresenta em unidade, presa a uma haste de metal; ou sinetadupla (double bell) quando se apresenta em duas campânulas unidas lado a lado por única base. Forjado em ferro ou cobre de forma inteiriça em duas metades. É um instrumento obrigatório no conjunto percussivo dos Maracatus de baque virado e baque solto. O Maracatu de baque virado utiliza um gonguê de uma só campânula. O gonguê duplo usado no Maracatu de baque solto é feito com o cuidado de manter certas distinções de sons entre os dois pavilhões, podendo um deles ser um pouco menor, correspondendo ao som mais agudo. Devido a sua profunda ressonância quando tangido, o gonguê trás consigo uma natureza hipnótica, de transe, peculiar a motivos e manifestações transcendentais de magia, reverência e cura. O Gonguê é tangido com uma baqueta de madeira dura. A presença e utilização do gonguê no composto sonoro dos Maracatus, diferencia essas manifestações culturais-religiosas de todas as outras do folclore pernambucano pela excelência mística e simbólica que carrega sua sonoridade.

Grafia (The music writing) 1. Som articulado com uma baqueta na campânula do gonguê simples Gonguê Simples

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2. Som articulado com duas baquetas nas campânulas do gonguê duplo Gonguê Duplo Campânula aguda Campânula grave

Gonguê

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Agogô - ngong ou ngongu (presente no baião, xote, ijexá e outros folguedos) _________________________________________________

Idiofone de duas campânulas unidas superpostamente por uma haste (base de apoio). Encontrado nos cultos Nagôs e Gêge e, igualmente ao gonguê, em toda África como instrumento de anunciação em ritos religiosos de oração e culto aos antepassados. Forjado em ferro de forma inteiriça, é um instrumento obrigatório no conjunto percussivo afro-brasileiro. Com sua inconfundível característica timbrística, a exemplo da clave cubana, dita o ritmo aos demais instrumentos. Como que um guia padrão a ser seguido. Neste contexto de funcionalidade, o Ijexá é um exemplo ‘vivo’ da sua utilização não como adorno, mas como sustentação do complexo polirrítmico da dança dos orixás. No composto sonoro regional, aparece como um adorno insubstituível, tanto pela beleza dos desenhos rítmicos extraída de suas campânulas, como pelo papel de cadenciador do pulso rítmico. O agogô, da mesma forma que o gonguê duplo usado no Maracatu de baque solto, é fabricado com o cuidado de manter certas distinções de sons entre os dois pavilhões, de modo que um deles fique um pouco menor que o outro, correspondendo ao som mais agudo. Devido a sua profunda ressonância quando tangido, o gonguê trás consigo uma natureza hipnótica, de transe, peculiar a motivos e manifestações transcendentais de magia, reverência e cura. O agogô é tangido com uma haste de ferro ou baqueta de madeira. Grafia (The music writing) 1. Som articulado com uma haste de ferro ou baqueta na campânula do agogô.

Agogô Campânula aguda Campânula grave 41

Agogô

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Triângulo (presente no baião, xote, marcha junina e eventualmente em outros folguedos) _________________________________________________

Introduzido nas manifestações locais pelos colonizadores europeus, o triângulo, varão cilíndrico em metal maciço adaptado ao uso musical em forma geométrica que lhe dá nome, proporciona inúmeras execuções rítmicas que seu formato permite. Produz dois sons distintos, um aberto e outro fechado. O triângulo encontrou nos ritmos nordestino uma utilização expressiva ao som do baião, xote, ou emboladores. Grafia (The music writing) 1. Som articulado com um bastão fino e metálico. A emissão dos sons fechado e aberto são provenientes, respectivamente, do abafamento e não abafamento do varão cilíndrico, pela mão que sustenta o triângulo no ato da sua execução. Triângulo

+

Som fechado o Som aberto

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Ganzá / Mineiro / Caracaxá Ganzá ou Mineiro - flandres cilíndrico sem cabo (presente no maracatu de baque virado, coco, ciranda, e eventualmente em outros folguedos) ________________________________________________ Caracaxá - conjunto de flandres cônicos presos a uma haste central que lhe serve de empunhadura (presente no Caboclinho ou Cabocolinho, e eventualmente em outros folguedos).

Espécie de maracá de flandres (alumínio) pertence à família dos chocalhos. Dependendo da região que é usado, ele pode ter a forma cilíndrica, sem cabo; a forma de grande chocalho com cabo; a forma de uma haste com uns chocalhos em cada extremidade ou ainda, ter forma de reco-reco. No Coco utiliza-se o mineiro, ganzá de maior proporção, em forma cilíndrica, que é sacudido lateralmente pelo executante que o segura pelas extremidades. Já o ganzá pequeno é segurado pelo centro por uma das mãos. Estes idiofones são de ampla utilização no conjunto percussivo nordestino, cumprindo primordial função de cadenciar e reforçar o pulso rítmico, através de fórmulas rítmicas recorrentes (que se repetem) a cada tempo do compasso (unidades de tempo). Grafia (The music writing) 1. Som articulado sacudindo-o. Ganzá – Mineiro -- Caracaxá

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Preaca /Arco-e-flecha / Frecha / Brecha (presente no Cabocolinho/Caboclinho) _________________________________________________

Espécie de idiofone de entrechoque (estalo seco produzido pelo choque entre flecha e arco), utilizado como instrumento de marcação das pulsações rítmicas. A preaca é na verdade o arco do conjunto sonoro, feito em madeira com um orifício na sua parte central por onde passa a ponteira da flecha. A flecha também em madeira está presa à preaca pela corda que tenciona o arco. Sendo que a flecha tem o corpo em diâmetro mais fino na altura da ponteira impedindo que ela - a flecha - venha a transpassar o corpo da preaca. Sua utilização no conjunto percussivo do caboclinho traz em si um caráter simbólico de identidade com a cultura indígena, diante da massificação de elementos europeus no cotidiano musical do caboclo pernambucano. Grafia (The music writing) 1. Som articulado pelo entrechoque entre a flecha e o arco da preaca. Preaca – Frecha -- Brecha

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Bage / Bagem (reco-reco talhado em madeira presente no Cavalo Marinho, e eventualmente em outro folguedo) _________________________________________________

Feito em tronco fino de árvore ‘Taquara’, tem suas paredes externas talhadas, a fim de serem friccionadas com uma vara, desferindo um ruído rasgante, excitante e monótono. Estudiosos apontam que a forma de reco-reco existente no Brasil tem origem angolana, porém uma forte corrente admite que o nome recoreco vem do ru-ru dos índios a que os portugueses chamavam rekereke. Grafia (The music writing) 1. Som articulado por uma vareta no sentido longitudinal, passando (raspando) por sobre os entalhes da bage - quando essa estiver por sobre o braço ou ombros do executante -, produzindo um som raspado/ rasgado. Bagem

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Parte 3 Técnica Diária: Controle de Articulação ________________________________________________

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Alfaia/ Tambor-de-corda

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Domínio da Linguagem Rítmica: Alternância e Repetição de Toques ____________________________________ Os exercícios aqui dispostos são importantes para o domínio da linguagem percussiva dos ritmos pernambucanos. O treino diário possibilitará ao executante um real domínio e fluência nos instrumentos do folclore pernambucano. Em seu estudo devem-se evidenciar as diversas possibilidades de dinâmica, como também uma gradativa variação de andamento, do lento para o rápido. Num primeiro passo, dedicaremos especial atenção ao problema da leitura e interpretação da grafia musical, processo de decodificação de símbolos que muitas vezes bloqueia a liberdade de expressão e fluência musical daqueles ainda não familiarizados com a escrita musical. Unidade Gráfica de Movimento Unidade de Tempo Unidade gráfica de movimento na música é algo semelhante à regularidade do pulsar dos nossos corações, um ponto de referência à duração ou valor de uma nota musical, dependendo da emoção, do sentimento que a musica traduz; numa palavra, da intenção rítmica de um estilo; momento ou processo em que todos os envolvidos numa manifestação musical (instrumentistas, interpretes, brincantes e apreciadores) comungam de uma mesma dinâmica, de uma mesma vibração. A regularidade é uma das condições para uma ideal execução dessas pulsações rítmicas. Em seu Método de Musicalização, Gazzi de Sá (1990: 23) cita outra condição que consiste na capacidade que todos temos de apresentar significados diferentes para uma mesma coisa conforme nossa percepção. O exemplo disso está em certas palavras estruturadas por repetição de uma mesma sílaba diferenciam-se entre si por um acento como ‘baba’, ‘babá’, ‘vovó’, ‘vovô’ etc. Assim, ao mudarmos o acento em certas palavras teremos um significado distinto, como em ‘baba’ e ‘babá’; ‘papa’ e ‘papá’. 49

Na música, como na fala, poderemos mudar a intenção de um toque com uma batida leve ou pesada (acentuação rítmica), como também pela forma específica de se extrair o som do instrumento (articulação). Em música, à citada unidade gráfica de movimento dá-se o nome de unidade de tempo, que representada por uma figura (nota musical), traz consigo a referência de pulso rítmico e com ele toda uma gama de múltiplos e submúltiplos dessa unidade.

Triângulo

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Notação Musical e sua Representação Sônica ____________________________________ Os exercícios que se seguem têm função de auxiliar a familiarização e o domínio da linguagem rítmica a ser utilizada no construto deste manual. A notação musical contempla uma representação de som (notas musicais) e uma representação do silêncio (pausas) em dado contexto rítmico, que poderá ser regulado por um sistema simples de compasso5 ou por um sistema composto de compasso6. Como primeiro passo/recurso de apropriação e domínio do processo de decodificação dos possíveis significados sonoros dos signos musicais – processo de leitura rítmica –, adotaremos o sistema de silabação para identificação de cada figura rítmica, no que diz respeito à sua duração. Desse modo ensejam-se os seguintes sistemas básicos de silabação aplicados sobre uma unidade de tempo que facilitará o entendimento da escrita musical aqui empregada. 1º_________________________Compasso Simples

Semínima



5

Sistema simples de compasso ou compasso simples. Mensuração regular do trecho ou passagem musical por números iguais de tempos, onde, para cada figura de referência (figura de tempo) existirão (02) duas outras (subunidades de tempo) iguais entre si e de menor valor de duração. 6 Sistema composto de compasso ou compasso composto. Mensuração regular do trecho ou passagem musical por números iguais de tempos, onde, para cada figura de referência (figura de tempo) existirão (03) três outras (subunidades de tempo) iguais entre si e de menor valor de duração. 51

Colcheias 1 colcheia



2 colcheias

Ti

Semicolcheias 4 semicolcheias



Ti

Ti-Ri Ti-Ri

1 Colcheia + 2 Semicolcheias Ti

Ti-Ri

2 Semicolcheias + 1 Colcheia Ta-Ca Tá

Pausa de Colcheia + 3 semicolcheias Ri Ti-Ri

Ri Ti-Ri

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Sincope = Semicolcheia + Colcheia + Semicolcheia Ti-Ri i Ri Ti-Ri i Ri

Colcheia Pontuada + Semicolcheia Ta a a Ta

Semicolcheia + Colcheia Pontuada Ta-Ta a a

2º________________________Compasso Composto Colcheia + Colcheia + Colcheia Ta - Ca - Ta

Colcheia + Colcheia + pausa de colcheia Ta - Ca

Pausa de colcheia + Colcheia + Colcheia __ - Ca - Ta

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Pausa de colcheia + Pausa de colcheia + Colcheia __ __ - Ta

Quiáltera________________________________ Representa uma alteração da rítmica (a nível da subdivisão métrica e duração do som) entre notas musicais de mesmo referencial (mesmo valor). Assim: 1. Quando o sistema de subdivisão de uma nota de referência for binário7, a alteração (quiáltera) se dará pelo sistema de subdivisão ternária8. Nesta medida, para cada figura de referência existirão três outras iguais entre si e de menor valor de duração.

2.

7

BINÁRIO . sistema métrico de subdivisão rítmica em que para cada figura x existem duas outras y de menor valor de duração que a substitui . Exemplo: x = y y. 8 TERNÁRIO . sistema métrico de subdivisão rítmica em que para cada figura x existem três outras y de menor valor de duração que a substitui . Exemplo: x = y y y. 54

E quando o sistema de subdivisão de uma nota de referência for ternário, a alteração (quiáltera) se dará pelo sistema de subdivisão binário, assim, para cada figura de referência existirão duas outras iguais entre si e de menor valor de duração.

Póica, puíta, porca, cuíca ou quipuíta.

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___________________________________________

Toque Simultâneo das Mãos Simples e Paralelo

Os exercícios de simultaneidade possibilitarão uma igualdade na articulação das mãos do executante com vistas a um domínio da ‘técnica uniforme’ no instrumento.

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____________________________________________

Toque Alternado

Independência das Mãos Como uma introdução a linguagem da rítmica dos folguedos nordestinos, estes exercícios destinam-se a uma regularidade da execução motora com alternância de articulação.

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________________________________________ Acentos Dê ênfase à diferença entre as notas com acentos e sem acentos dinâmicos.

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___________________________________________ Acentos Repetidos Iguale a dinâmica dos acentos, destacando as notas acentuadas das demais.

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_________________________________________ Repetição e Alternância de Articulação Muito importantes para um desenvolvimento da execução percussiva, esses exercícios proporcionarão um fortalecimento dos músculos responsáveis pelo domínio do instrumento. Segundo as características do instrumento, a prática da repetição de articulação se dará por um duplo movimento de um mesmo pulso, ou de um duplo movimento em uma mesma direção e/ou sentido.

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_______________________________ Controle de Articulação Trabalharemos o duplo movimento e dinâmica de acentuação para melhor desenvolver a técnica de punho.

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_________________________________ Apojatura Simples

Adorno executado com um toque “simples paralelo” em que a nota real partirá de uma posição inicial de toque mais alta do que a nota de ornamento (a mão que executa a nota real parte de uma posição mais alta do que a mão responsável pelo ornamento). Desta forma as notas serão produzidas defasadamente, gerando uma diferença de intensidade entre os dois sons.9

9 Para os símbolos gráficos “R” entenda-se mão direita. Para o símbolo gráfico “L” entenda-se mão esquerda. Para o símbolo em registro gráfico em tamanho reduzido “R” e “L” também se entenda as mesmas articulações supracitadas, sendo que o tamanho reduzido da letra indica um som de pouca intensidade em ralação ao de letra grande. Este formato de grafia será corrente em todo restante desta obra. 62

Parte 4 Vivência Rítmica Treinamento para Desenvolvimento Técnico ________________________________________________

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Pandeiro

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Brincante: Vivência, Humildade, Tradição e Experiência ________________________________________ É comum que uma pessoa não familiarizada com um estilo musical, padrão rítmico, ou determinado instrumento, sinta certa dificuldade de executá-lo espontaneamente. Isto se deve a falta de convívio com os parâmetros musicais que fundamentam essa forma de expressão. Tal qual a falta de vocabulário, e/ou fluência em determinada língua, de um falante estrangeiro (não nativo) prejudica sua comunicação, obrigando-o a grandes esforços e, via de regra, recursos pouco eficientes de se fazer entender. Pensando em como dividir o pouco que sabemos com os interessados na arte da expressividade e espontaneidade percussiva dos músicos brincantes pernambucanos, encaramos com humildade o desafio de elaborar exercícios que propiciem uma vivência das articulações presentes nas diversas formas, gêneros e estilos da música tradicional pernambucana. É imperioso que o aprendiz tenha consciência que este tema representa um dos verdadeiros diferenciais entre uma execução mecanizada e imitativa, e a mais pura expressão da experiência de uma tradição.

Fernando Souza

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Elementos de Linguagem Percussiva ___________________________________________

Cada fórmula rítmica deve ser estudada em sua plenitude. Devem ser repetidas inúmeras vezes, isoladamente e sem interrupção, para que espontânea e gradativamente componham seu vocabulário de resolução interpretativa. NOTA: A exposição deste estudo será dividida em duas séries, uma em compasso simples e a outra em compasso composto. ____________________________________SÉRIE - A (COMPASSO SIMPLES)

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_______________________________SÉRIE - B (COMPASSO COMPOSTO)

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Caracaxá

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Parte 5 Ritmos Pernambucanos _________________________________________________

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Agogô

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Costumes Soberanos ________________________________________________________________ Com o estudo regular e disciplinado dos ritmos aqui selecionados, o percussionista não encontrará problemas para tocar os ritmos presentes neste manual que foram transcritos e contextualizados com o cuidado de representá-los conforme se apresentam no cotidiano das manifestações populares.

Maracatu de baque virado, Maracatu de baque solto, Cavalo Marinho, Ciranda, Coco, Baião, Caboclinho, Frevo.

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____________________________________Maracatu ‘... o tarol anuncia levemente um esquema rítmico bem simples, rufado e intercalado de pausas (sincopados); quase no mesmo instante, o gonguê assinala a sua rítmica característica; a seguir, dão início as caixas-de-guerra. Por essa altura o tarol já passou do esquema inicial as variações. Daí prosseguem as entradas das zabumbas; o marcante destaca baques violentos e espaçados; o meião, pouco depois, segue o toque do marcante e, conjuntamente, ressoam os repiques aumentando a intensidade do conjunto’. Guerra Peixe

No Brasil Colônia, durante o processo de libertação dos escravos, torna-se prática entre os negros uma solenidade chamada ‘Instituição do Rei de Congo’, que consistia na eleição e coroação de um rei - escravo liberto – que passava a chefiar a comarca ou distrito para o qual havia sido designado. Cada comarca - subdivisões dos negros em grupos de afinidade religiosa - tinha na voz de seu Rei empossado e reconhecido pela igreja e governante da respectiva Federação Brasileira (Estado), o poder de representatividade, oficialidade e identidade como nação negra liberta. Um dos postos de maior importância era o de governador das tribos ou nações negras, um verdadeira porta voz das respectivas comarcas, que era escolhido pelo governante da Federação dentre os reis coroados. O rei e a rainha eram empossados pelo pároco da freguesia, no dia de Nossa Senhora do Rosário. Como desaparecimento das instituições do rei de Congo, em meados do século XIX, o Recife torna-se palco do Auto dos Congos folguedo que africanos e seus descendentes mantiveram vivos para camuflar suas práticas africanas e fugir das perseguições policiais e raciais. Para os brancos, ’povos de origem europeia’, tal folguedo representava tão somente uma peça, seguida de danças e músicas próprias. Dentre outros, o Maracatu foi o cortejo de representatividade da cultura negra que mais salvaguardou uma identidade de simbologia africana. 74

Os cânticos do Maracatu refletem um caráter misto de religiosidade e profanidade. Seus brincantes buscam, em seus cânticos e músicas, um viver, para reviver a força de seus antepassados.

A música sempre esteve presente no cotidiano da capitania de Pernambuco. Zacharia Wagener (1614-1668). Cerimônia de adivinhação e de Dança, 1630.

Músicos/Detalhe

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_________________________Maracatu de baque-virado A presença do Maracatu de baque virado é mais marcante na área urbana, mais precisamente na Região Metropolitana da capital. Promovidas pelas irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e de São Benedito, suas apresentações aconteciam no pátio das igrejas de Recife, Olinda e Itamaracá nos festejos dos Reis Magos. Há notícias da coroação de Reis de Congo em igrejas nos bairros de Santo Antônio e da Boa Vista, como também da Torre e de Tejipió. Ao modo de outras localidades, os conflitos entre o padrecapelão, representante da hierarquia da Igreja e os membros da Irmandade, teriam afastado da Festa do Rosário o cortejo dos reis negros que veio a se fixar no carnaval sob a denominação de ‘maracatu’, trazendo para o carnaval o modelo processual do cortejo de reis africanos, certamente uma forma estratégica de legitimar a identidade africana dos negros pernambucanos além de camuflar suas práticas religiosas, consideradas subversivas. O Maracatu inicialmente era composto exclusivamente de pessoas das nações de origem africana. Ainda hoje, a calunga (boneca) é venerada pelos adeptos dos cultos jêje-nagô, como uma espécie de divindade muito respeitada no sincretismo religioso afro-brasileiro10; já para os praticantes do culto nagô a calunga tem significado a representação dos ancestrais, os eguns. O som de um apito determina o início e término das toadas que, cantadas pelo puxador são respondidas ou repetidas pelas baianas e demais integrantes do grupo. Com o surgimento de um cortejo de negros e mestiços na Zona da Mata, área rural do Estado de Pernambuco, nos mesmos moldes estruturais, o maracatu Nação adota a designação do baque virado para diferenciá-lo da tal variante rural: o Maracatu de baque solto. Guerra Peixe (1952:65-66) no livro Maracatus do Recife, classifica o termo ‘toque’ como sinônimo de ‘baque’, além de uma multiplicidade de significados que esse termo carrega. Dentro da tradição do maracatu nação, os tambores, ao modo dos ilus do candomblé, formam um conjunto de três vozes distintas (Marcante, Meião, Repique)

10

Sincretismo religioso afro-brasileiro - uma marca da catequese de conversão religiosa imposta pela igreja. 76

articuladas simultaneamente, cada qual com função específica. Dessa simultaneidade de toques vem o termo ‘dobrado’ ou ‘virado’. O instrumental do Maracatu de baque virado é exclusivamente de percussão. O gonguê, o tarol, a caixa de guerra e as alfaias (marcante, meião e repique) complementam-no e dão ao cortejo como que um caráter de encontro real, místico e divino entre os seus participantes. O Maracatu de baque virado mais antigo ainda em atividade é o Maracatu Nação Elefante, fundado em 1800. Desativado após a morte de sua rainha D. Santa, no ano de 1962, e voltou a desfilar após 24 anos. O mesmo processo de desativação, no caso, por 50 anos, deu-se como Maracatu Nação Sol Nascente, cuja data de fundação não foi claramente estabelecida. O Maracatu Nação Leão Coroado, fundado em 1863, tem difundido amplamente seu baque ao formar batuqueiros que de integrantes passaram a comandar outros maracatus. Ao lado do baque de luanda, do Maracatu Nação Elefante, o baque do Leão Coroado se constituiu referência para novos baques e novos maracatus. Outros grupos tradicionais são o Estrela Brilhante (1910), o Porto Rico do Oriente (1916), o Cambinda Estrela (1935), o Almirante do Forte (1935), e o Indiano (1949). Dentre os grupos mais recentes, podemos destacar o Maracatu Nação Encantado do Pina (1981), o Maracatu Nação Linda Flor (1984), e o Maracatu Nação Gato Preto (1989).

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_______Fórmulas Rítmicas do Maracatu de Baque-Virado

Eventualmente, as variações peculiares ao Baque de Luanda, a nível do Meião e do Repique, recorrem nos demais baques.

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_______Fórmulas Rítmicas do Maracatu de Baque-Virado

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____________________Maracatu de baque solto

O Maracatu de baque solto – ou Maracatu Rural – não descende exclusivamente da instituição dos reis do congo, nasceu da fusão de vários folguedos populares que existiam, sobretudo nos engenhos de cana de açúcar da zona da mata norte de Pernambuco. Dentre outros polos, Nazaré da Mata, que nesta época era importante centro cultural e econômico do estado, foi palco centralizador dessa manifestação popular. Ao contrario do Maracatu de baque virado, o Maracatu de baque solto provavelmente se originou nas Cambindas, Bumbameu-Boi, Caboclinhos, Cavalo Marinho e coroação dos reis negros. De brincadeiras de grupos exclusivamente masculinos que, vestidos com roupas masculinas e femininas representavam o culto da memória africana, ameríndia e da fusão com festejos europeus dos senhores de engenhos. O Maracatu de baque solto – cuja nomenclatura foi dada nos anos 50 pelo maestro Guerra Peixe – é uma das representações mais belas da cultura pernambucana, existindo somente em nosso estado; nela há um cortejo real de personagens ‘sujos’ (Mateus, Catirina, burrinha, babau, caçador), um baianal, damas do buquê, dama do paço, calungas, caboclos de pena e de lança. Na década de 30, com a migração dos rurícolas para áreas urbanas, esse tipo de maracatu começou a aparecer no Recife, e hoje é encontrado na Mata Norte, Mata Sul, Região Metropolitana e até na Paraíba. O visual é muito bonito, sobretudo dos caboclos de lança, que se vestem com mantos (chamados de gola) bordados com lantejoulas, miçangas, vidrilhos e canutilhos; da qual muito se orgulham os caboclos. A gola é usada por sobre o surrão, armação em madeira que possibilita ao caboclo carregar nas costas um grande número de sinos de boi (guizos e chocalhos), que provocam um barulho forte na medida em que o caboclo se locomove, dando um toque todo especial a esse brincante. Na cabeça, um chapéu coberto com tiras coloridas de papel celofane. Na mão, uma lança pontiaguda forrada com fitas coloridas que pendem ao longo dela. 80

A orquestra que acompanha o Maracatu de baque solto é formada por instrumentos de percussão (Mineiro/Caracaxá, Gonguê Duplo, Caixa, Puíta, Surdinho) e sopro, dentre os quais o trombone. A música é a marcha, executada em quatro, seis e dez linhas rítmica entoada, que se aproxima do toque do candomblé; fato que evidencia uma ligação do maracatu de baque solto com o culto aos orixás e caboclos. A principal figura do grupo é o ‘Mestre’, que puxa as toadas, ao mesmo tempo em que a orquestra silencia. Dentre outros destacamos alguns dos Maracatus de baque solto em atividade no cenário carnavalesco: • • • • • • • • • • • • • • • •

Leãozinho de Aliança, Piaba de Ouro, de Olinda; Cambindinha Misteriosa, de Lagoa de Itaenga, Estrela de Ouro, de Abreu e Lima; Leão Formoso, de Paudalho, Cambinda Brasileira, de Nazaré da Mata; Águia Misteriosa, de Nazaré da Mata, Leão da Mata, de Itaquitinga; Estrela de Tracunhaém, Estrela de Ouro, de Aliança; Leão Formoso, de Nazaré da Mata, Leão Vencedor, de Carpina; Leão das Cordilheiras, de Carpina, Leão da Serra, de Lagoa de Itaenga; Águia de Fogo, de Ferreiro, Leão de Ouro, de Aliança; Cambindinha, de Araçoiaba e Leão Coroadinho, de Lagoa de Itaenga

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_________Fórmulas Rítmicas do Maracatu de baque solto

O caracaxá, instrumento peculiar ao caboclinho, foi incorporado ao conjunto percussivo do maracatu de baque solto com a mesma articulação; sendo por vezes substituído pelo ganzá ou mineiro.

Ao lado do gonguê, a puíta ou póica, é responsável pela cadência rítmica do cortejo.

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_________Fórmulas Rítmicas do Maracatu de baque solto

A caixa cumpre também a função de articular a Grande Parada da orquestra, em virtude do início da toada ou improviso do Mestre, que se dá sob total silêncio dos brincantes.

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_________Fórmulas Rítmicas do Maracatu de baque solto

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___________________________________Cavalo-marinho

Folguedo peculiar da zona da mata norte do Estado de Pernambuco e também presente no estado vizinho da Paraíba, traz em sua estrutura semelhança ao Bumba-meu-boi por utilizar alguns personagens, músicas e coreografias comuns a este; porém é considerada uma variante autônoma por ter características próprias que lhe possibilitam ser encarado como um folguedo folclórico distinto. Seus participantes são exclusivamente homens que via de regra se apresentam mascarados para uma melhor caracterização de seus personagens. Seu enredo fala sobre situações do cotidiano, admitindo a participação do público que se envolve no desenrolar do evento aglomerando-se em forma de círculo no local do espetáculo. A orquestra, conhecida como ‘o Banco’, é composta por rabeca, pandeiro, bage (reco-reco) e ganzá, e tem importância vital no desenrolar do espetáculo. Cantando e tocando, os integrantes do Banco que, também são considerados personagens do folguedo, são os primeiros a entrarem em cena. Chamam os demais personagens e guiam todas as sequências. Ainda que preservando a estrutura original do espetáculo, permite-se eventualmente acrescentar aos personagens, tipos populares, para torná-los mais divertidos, bem ao gosto do público. A exemplo no Bumba-meu-boi são os personagens, divididos em três categorias: humanos, animais e fantásticos. O capitão é figura central do folguedo, representa o senhor do lugar, o proprietário da terra. Montado em seu cavalo, assume a figura de capitão-marinho, e o animal, a de cavalo-marinho. Dentre outros personagens humanos que compõem a representação, temos Mateus, seu irmão Bastião e Catirina, que formam um triângulo amoroso; também o Doutor e o Vaqueiro. A eles se incorporam outros personagens, ampliando e enriquecendo a encenação. Os personagens fantásticos são o Caboclo de Arubá, e o Parece-masnão-é. 85

Dentre os personagens animais, podemos destacar o boi, que é feito com uma armação de tábua ou bambu, coberta com tecido pintado, que traz uma caveira de boi no lugar da cabeça; a Burra Calu, feita de uma armação de cipó, revestida com tecidos pintados e suspensórios, para a condução do brincante, que dá impressão de que está cavalgando; e o Cavalo, feito através de uma armação de bambu ou de cipó, com a cabeça esculpida de madeira. Pernambuco possui bons representantes desse folguedo, dentre os quais podemos citar: Cavalo-marinho Teimoso de Água Fria, no Recife; Cavalo-marinho Matuto, de Tabajara, em Olinda; Cavalo-marinho Estrela, de Condado; Cavalo-marinho Boi de Batista, de Aliança; Cavalo-marinho de Itambé; Cavalo-marinho de Goiana; Cavalo-marinho de Manoel Irineu, e Nazaré da Mata.

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________________Fórmulas Rítmicas do Cavalo-marinho

Também é comum presenciarmos no Banco do Cavalomarinho, a introdução de triângulo cumprindo a função do mineiro; normalmente lado-a-lado (mineiro + triângulo). Caso semelhante ocorre com a zabumba, que reforça a articulação grave do pandeiro, ou enquanto o pandeiro marca um ritmo de baião a zabumba marca um ritmo de rumba - deslocando a acentuação da quarta parte do primeiro tempo (última semicolcheia do tempo) para a terceira parte do segundo tempo (que é grafada com uma colcheia).

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__________________________________Ciranda

Segundo historiadores, a Ciranda é originária de Portugal. Em território brasileiro foi encontrada e estudada primeiramente na zona norte de Pernambuco, sobretudo no município de Goiana, espalhando-se dali para todo nordeste. Na Ilha de Itamaracá mora uma das cirandeiras mais famosas do Brasil, Maria Madalena Correia do Nascimento – ou simplesmente ‘Lia’, artista reconhecida internacionalmente. O folclorista Roberto Benjamin propõe a hipótese de a ciranda ter vínculo direto do coco. Visto ser comum em toda roda de coco a formação e a dança da ciranda durante intervalos de descanso dos coquistas. Misto de canto e dança, brincadeira e diversão, na ciranda não cabem discriminações: dançam velhos e moços, homens e mulheres, crianças e adultos, apesar destes últimos serem maioria. Formando uma roda, girando e ondulando (movimentos semelhantes a ondas) de mãos ou braços dados, ao sabor das músicas ‘puxadas’ pelo Mestre de Ciranda – figura central do folguedo -, os cirandeiros e cirandeiras balançam o corpo e movimentam os pés de maneira peculiar, dançando e cantando as respostas (ou estribilhos), seguindo a ‘deixa’ do Mestre. Ao lado do ganzá, o condutor do pulso rítmico, o Mestre é acompanhado por zabumba, e tarol, saxofone e/ou piston, que juntos posicionam-se ao centro, ou ao lado da roda de cirandeiros. O cotidiano, o amor, a política, a natureza são dentre outros, temas que fluem indiscriminadamente, resultando, geralmente, em melodias ricas e autenticamente brasileiras, onde nenhum tema é privilegiado, tampouco esquecido nas Cirandas criadas e tocadas pelos Mestres. O ‘dono da ciranda’ é na verdade o organizador do evento festivo; é comum um comerciante promover a apresentação do grupo em frente ao seu estabelecimento, normalmente em região praieira, com objetivo de estimular o comercio de bebidas.

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_______________________Fórmulas Rítmicas da Ciranda

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__________________________________________Coco Diversos pesquisadores concordam que o Coco teria surgido espontaneamente entre os negros dos Palmares. Segundo tradição, durante as colheitas do fruto do coqueiro, e quebra da sua dura casca, os negros do quilombo colocavam-no sobre uma pedra e nele batiam fortemente com outra, até que o coco viesse a rachar. Em meio à zoeira que se formava pelo barulho quase que obstinado das pedras batendo nos cocos e as conversas animadas do grupo, sempre aparecia quem se levantasse e começasse a dançar, num vibrantes sapateados, ao qual todos, procuravam unir às batidas ritmadas uma alegre cantoria. Tão boa era a brincadeira que, quando iam em busca do fruto, os negros diziam, maliciosamente: ‘Vamos ao Coco...’ Levado às senzalas, o ritmo dos sapateados, antes marcados pelas pedras, foi substituído por palmas de tal maneira a assemelhar-se justamente ao quebrar da casca do coco. O ganzá (mineiro) passou a ser adotado como instrumento de acompanhamento, com fins de cadenciar o pulsar das batidas que se refletiam nas umbigadas das rodas de coco. Apesar de sua origem africana, a influencia indígena na dança do coco é facilmente percebida, sobretudo num passo lateral, ora à esquerda, ora à direita, uma das suas características tradicionais. Com o passar do tempo o coco passou a ser dançado pelos trabalhadores rurais e demais moradores das cidades do interior. Também nas regiões praieiras, o coco marcou presença. Os ‘tiradores de coco’ criam as músicas no improviso, citando, quase sempre, pessoas presentes e acontecimentos do conhecimento de todos. Servem de acompanhamento pandeiros e zabumbas, além dos tradicionais ganzás. Os dançarinos aos pares revezam-se no centro da roda que se forma. Cada um deles dá uma volta em torno do próprio corpo e se encontra com o parceiro repetidas vezes numa umbigada, seguindo o ritmo da música. As 90

melodias ‘tiradas’ pelos solistas são respondidas por todos, ao mesmo tempo em que marcam, com uma pisada forte as acentuações sincopadas dos bombos, surdos, alfaia ou zabumba, movendo o corpo de um lado para outro num interessante gingado. Da cidade de Olinda o Coco de Roda de Selma, ao lado das demais coquistas do Amaro Branco constituem um dos mais tradicionais do Estado, conquistou fama e prestígio internacional. No Recife existem importantes grupos em atividades, como o Coco de Roda de Egídio Bezerra, da Torre; o Coco de Roda de Sete Flechas, do Alto do Pascoal; o Coco de Roda de Elefante, da Bomba do Hemetério; e o Coco de Roda de Zé Neguinho, do Morro da Conceição. Também no interior do Estado podemos encontrar bons grupos dentre os quais se destacam o Coco de Calixto, de Arcoverde e o Coco de Roda de Varelo, de Nazaré da Mata.

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__________________________Fórmulas Rítmicas do Coco

Como símbolo de tradicionalismo o Coco de Roda da Zona da Mata trás como marca, além de uma sincopação na rítmica, o uso corrente de zabumba que eventualmente pode ser substituído por surdo ou alfaia/tambor-de-corda. Assim, para os exemplos acima citados as articulações com ‘bacalhau’, poderão ser executadas nos aros do surdo e da alfaia. 92

__________________________Fórmulas Rítmicas do Coco

Nos exemplos que se seguem, observaremos que na instrumentação do Coco de Roda, brincado no Agreste e Sertão pernambucano, é corrente o uso da caixa como instrumento cadenciador do pulso rítmico (determinando do andamento), aos moldes do mineiro da região praeira pernambucana, além da função de carregar na sua articulação, a fórmula rítmica (célula rítmica ou padrão rítmico) peculiar ao coco brincado no interior de Pernambuco.

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_____________________________________Baião

Dança popular muito executada durante o século XIX no Nordeste do Brasil. Considerada dança preferida da ‘canalhada’, denominação dos que pertenciam às camadas menos favorecidas da população nordestina. Um ritmo nascido no meio rural e na zona praieira. Com a II Guerra Mundial, influências musicais estrangeiras tomam vulto, gerando uma ideologia nativista em sua oposição, fazendo-se necessário o surgimento de uma música representativa das raízes e tradições brasileiras, já que o samba não estava em harmonia com a citada ideologia. Em 1945, o sanfoneiro e compositor pernambucano Luiz Gonzaga, ao lado do advogado e compositor cearense Humberto Teixeira, formaram uma dupla de compositores nordestinos na intenção de despertar a atenção do Brasil para o potencial musical e folclórico de sua gente. Luiz Gonzaga em depoimento cedido à Fundação Joaquim Nabuco afirmou: ‘O ritmo que o cantador aplicava à viola, aquela introdução que era feita para entrar na cantoria, chamavase BAIÃO, e eu achava aquela mistura ritmo-melódica interessante. E começamos a desenvolver nossos temas. Eu achei que o baião era a pedida certa’. Luiz Gonzaga A 22 de maio de 1946, na fábrica Odeon, foi gravado o disco de nº 12.724, cujo título era o mesmo da melodia Baião, da autoria dos compositores Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, na interpretação do conjunto vocal ‘Quatro Ases e um Coringa’, divulgando nas rádios para todo o Brasil um baião modificado com influências dos sambas locais e das rumbas cubanas, amplamente divulgadas nas rádios. 94

Ao lado da bossa-nova, o baião foi o ritmo mais conhecido e apreciado no exterior; vindo a ser o ritmo mais gravado até os dias atuais. Hoje conserva células rítmicas e melódicas do coco e rumba. _________________________Fórmulas Rítmicas do Baião

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_________________________Fórmulas Rítmicas do Baião

Instrumento próprio das manifestações afro-brasileiras, veio a ser adaptado com função basicamente estética aos ritmos regionais, reforçando o sentido métrico. Graças a sua riqueza timbrística, somada as inúmeras possibilidades de articulação, o agogô permite um vasto leque de fórmulas rítimcas adaptáveis ao Baião, ao Forró e demais ritmos nordestinos. 96

_________________Caboclinho/Cabocolinho

Por se tratar de uma dança indígena, o Caboclinho é considerado o mais antigo bailado do Brasil. Foi registrado pela primeira vez em 1584, por ocasião das missões organizadas pelos catequistas no livro ‘Tratado e Terra da Gente do Brasil’, do Padre Fernão Cardim. Entre os índios, a palavra caboclo (caboco em fala coloquial), é usada como designação depreciativa daquele indivíduo que perdeu a identidade social e cultural de uma nação indígena. No Nordeste, a palavra caboclo é utilizada para designar o índio ou, no máximo, o cruzamento do índio com o branco. E Caboclinhos são os filhos dos caboclos. O termo caboclo também tem acepção a divindades espirituais nas casas de culto afro-brasileiro denominadas ‘Catimbó’, como também Casa/ Terreiro de ‘Jurema’, ou ‘Caboclo’. Como folguedo, representa, com música e dança características, um drama que simboliza batalhas, caçadas e colheitas. A música, leve e ligeira, é executada por gaitas (espécie de flauta confeccionada artesanalmente em madeira de nome ‘taboca’, da família dos pífaros), surdos e caracaxás; com reco-recos e ganzás a eles se incorporando, eventualmente. Marcando o ritmo, os dançarinos utilizam os estalidos secos das ‘preacas’, conjuntos de arco e flecha. A dança dos Caboclinhos/Cabocolinhos pode ser individual, abrilhantada pela destreza, agilidade e desenvoltura do participante, ou coletiva, marcada por uma coreografia representativa do cotidiano / simbólico / social, dentre as mais conhecidas, podemos citar o ataque de guerra, a aldeia, o cipó e a emboscada. As danças mais utilizadas são as de guerra e o baião (ou baiano), e o perré, sendo essas duas conhecidas genericamente por Toré.

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A indumentária utilizada pelos Caboclinhos/Cabocolinhos, ricamente enfeitadas por penas, é composta por saiotes, cocares (enfeites de cabeça) e ataca nos punhos e tornozelos, todos de pena de ema, avestruz ou pavão, além de colares com dentes de animais, e pequenas cabaças presas à cintura. Como todo folguedo, os Caboclinhos/Cabocolinhos possuem seus personagens com funções específicas dentro do bailado: o Cacique (ou Caboclo Velho), a Índia–Chefe (ou Mãe-daTribo), o Pajé, o Matruá, o Capitão, o Tenente, os Perós (meninos e meninas), o Porta-Estandarte, os Caboclos de Baque (músicos) e os caboclos e caboclas. Dentre outros grupos tradicionais representantes desse bailado no carnaval do Recife, destacam-se: Caboclinhos Sete Flechas, do Alto Pascoal; Caboclinhos Tabajara, de Casa Amarela; Caboclinhos Canindé, da Bomba do Hemetério; e os Caboclinhos Uirapuru, do Coque. ____________________Fórmulas Rítmicas do Caboclinho

O caracaxá é um idiofone executado por uma única pessoa, a indicação ‘Caracaxá 1’e ‘Caracaxá 2’ refere-se à empunhadura com mãos distintas.

Exemplo: Caracaxá 1 = mão direita (rigth hand) ou mão esquerda (left hand) Caracaxá 2 = mão esquerda (left hand) ou mão direita (rigth hand)

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Obs: No entanto, minha orientação é para que o executante empure o ‘Caracaxá1’ com sua mão de maior domínio. Assim, se for destro, utilize a mão direita, e se for canhoto a mão esquerda. Visto estar no ‘Caracaxá 1’ a condução do pulso rítmico e a intenção desejada de articulação no Caboclinho.

____________________Fórmulas Rítmicas do Caboclinho Estas células rítmicas são recorrentes em andamentos mais rápidos como os que caracterizam toque de guerra. No que se refere às formulas seguintes, são recorrentes em andamentos mais lentos como os dos toques de baião (baiano), perré e o toré (designação genérica para os toques lentos do caboclinho).

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A preaca, conjunto de ‘arco e flecha’, é uma peça de fundamental importância no bailado do caboclinho, pois materializa a imagem simbólica do índio, como também possibilita a todos os componentes do cortejo uma marcação uniforme do pulso rítmico; o que diferencia este bailado dos demais no cenário popular pernambucano.

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_____________________________________Frevo Como força da expressão da musicalidade pernambucana, surge no Recife, sob os acordes das bandas de músicas militares um estilo de composição que prestigiava não só as melodias populares, mas os timbres dos instrumentos de sopro, numa estrutura complexa e harmônica de pergunta e resposta entre os naipes de palhetas e de bocal, num ritmo pulsante e acelerado da percussão, como que num encontro sonoro de disputa entre naipes e bandas. Abrindo passagem à frente da banda, os ‘capoeiras’, negros libertos, pulavam e saracoteavam ao som das músicas tocadas, armados com porretes ou velhas sombrinhas, que, em caso de choque com os adversários (componentes das outras troças), lhes garantiam condições de se defender e atacar. ‘Foi, de fato, no Recife no fim do século XIX, começos deste, que a música foi aparecendo, conduzindo a dança, ou a dança foi tomando o corpo, sugerindo a música. É impossível distinguir bem: se o frevo, que é a música, trouxe o passo, ou se o passo, que é a dança, trouxe o frevo. As duas coisas foram se inspirando uma na outra e completaram-se’. Valdemar de Oliveira Os dobrados tocados pelas bandas militares, tão populares no final do século XIX, evoluíram para o vibrante frevo, tipicamente pernambucano. Dos passos desenvoltos dos capoeiras ‘capoeira’, à frentes das bandas, nasceu a dança original e única do frevo – o passo –. Juntos, música e dança formam um espetáculo de rara beleza. As sombrinhas do frevo nasceram da linguagem simples do nosso povo, e o nome ‘frevo’ vem de ferver (que as pessoas pronunciavam ‘frever’). Significava fervura, efervescência, agitação. A primeira referência a ela na imprensa foi, segundo o pesquisador Evandro Rabelo, no Jornal Pequeno, na edição de 09 101

de fevereiro de 1907, data em que passou a ser comemorado o Dia do Frevo. Enquanto música, o Frevo é uma composição ligeira, de execução vigorosa e estridente. É uma alegre mistura de polca e dobrado, com influência do maxixe, do galope, da quadrilha, da marcha, do tango brasileiro... Possui três categorias, claramente identificáveis: o frevo-de-rua, o frevo-de-bloco e o frevo canção. O Frevo-de-rua não possui letra. Vigoroso e de andamento ligeiro. É fácil de ser distinguido, pois termina sempre num longo acorde; o mais famoso dentre os frevos-de-rua é, sem dúvida, ‘Vassourinhas’ de Matias da Rocha. O Frevo-de-bloco surge nos bairros do Recife nos anos de 1920, da efervescência que embalava a música nas festividades carnavalescas, onde a participação coletiva era uma marca, e que cada grupo social saía pelas ruas em bloco para externar suas alegrias, seu divertimento. Essa brincadeira vinha das reuniões familiares onde homens formavam grupos instrumentais basicamente de cordas dedilhadas - orquestra de pau-e-corda (flautas, clarinetes, banjos, cavaquinhos, violões, e eventualmente pandeiro e surdo); e as senhoras e moças, habituadas ao lirismo dos presépios, pastoris e procissões, formavam um coral. Juntos, homens e mulheres andavam pelas ruas protegidos por uma corda que os permitiam se misturas ao povo sem, contudo expô-los à turba enlouquecida pelo frevo-de-rua. De tal prática surge um novo gênero musical, mais suave, com origem nos saraus e serenatas realizadas pela mocidade em fins do século XIX. O chamado Bloco Carnavalesco passa a estrutura de agremiações constituídas do então gênero musical FREVO DE BLOCO, uma forma considerada mais autêntica, exclusiva e privilegiada de brincar o carnaval. O Frevo Canção teve sua origem no envolvimento da multidão com as melodias agradáveis e agitadas executadas pelas orquestras de frevo. Aos dobrados e às polcas-marchas, foram adaptadas textos de conhecimento popular, a exemplo do ‘Banha Cheirosa’ cuja melodia original fora transcrita anteriormente e por 102

isso de conhecimento da multidão, que cantava e pulava ao som da banda musical, seja nas ruas seja nos clubes. Esta nova modalidade de canção, a marcha-carnavalesca pernambucana, foi tomando espaço de maneira que cada sociedade viesse a compor seu próprio repertório.

Alfaia/ Tambor-de-corda

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_________________________Fórmulas Rítmicas do Frevo

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