Fanfictions e webnovelas: escrita digital de adolescentes brasileiros

September 14, 2017 | Autor: Ilana Eleá | Categoria: Juventude, Fanfiction, Narrativas Transmídia, Escrita
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Fanfictions e webnovelas: escrita digital de adolescentes brasileiros Fanfictions and webnovelas: digital writing of Brazilian teenagers Ilana Eleá1 [email protected]

Resumo Este artigo descreve práticas e representações de leitura e escrita entre adolescentes brasileiros, observados em um estudo de caso etnográfico. Em comunidades virtuais para a escrita e divulgação de fanfictions e webnovelas histórias escritas por fãs -, um questionário com 28 perguntas abertas foi disponibilizado na rede social Orkut. Depois de duas semanas, 200 respostas on-line foram enviadas. Neste artigo, apresento os resultados dos questionários, analiso as características específicas da escrita de fanfictions e webnovelas no ambiente virtual e os fatores considerados pelos jovens, em seus próprios termos, como os mais importantes para seu desenvolvimento como leitores e escritores. Palavras-Chave: Juventude, Webnovelas, escrita digital, Web-etnografia

Abstract This article describes practices and representations of native Brazilian digital reading and writing, observed in an ethnographic case study carried out for my doctoral thesis. It was made available at Orkut a 28 open question questionnaire in virtual communities that write and disclose fanfictions and webnovelas. After a week, there were 200 answers online. In this paper, I present the results of the questionnaires, analyse the specific features of fanfiction and webnovela writing in the virtual environment, and also present the factors considered, in digital natives own terms, as the most important to their development as readers and writers. Keywords: Youth, Webnovelas, Digital writing, Web-ethnography

Jovens brasileiros numa abordagem microssocial Os adolescentes constituem a maior categoria demográfica de criadores e compartilhadores de conteúdo digital (LENHART et al., 2007; LENHART et al., 2010; COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2014). Crianças e jovens compõem um segmento de usuários que incorpora ao seu cotidiano o uso de computadores, Internet, e1

Doutora em Educação. Coordenadora científica da The International Clearinghouse on Children, Youth and Media, Nordicom, Universidade de Gotemburgo, Suécia.

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mails, videogames, MP players, câmeras de vídeo, celulares, mensagens por SMS e/ou por ambientes de troca sincrônica e muitos outros recursos tecnológicos como parte de suas vidas. A facilidade de acesso à tecnologia e a convergência crescente da mesma têm permitido aos jovens uma participação ativa como produtores culturais (JENKINS, 2009). A minha tese de doutorado (SANTIAGO, 2010) pretendeu investigar as construções sociais simbólicas de jovens sobre o que leem e principalmente, escrevem – seja por via de manuscritos ou textos digitais. Priorizei a observação in loco, entrevistas e análises das representações da escrita manuscrita e digital. Foram três as questões principais: Quais são as práticas escritoras de jovens na faixa entre 11 e 16 anos de idade? Que comparações estabelecem entre a escrita digital e a manuscrita? Que representações possuem dessas práticas? O conceito de representação (CHARTIER, 1990) adotado permitiu articular três modalidades: o trabalho de classificação, delimitação e exclusão construído pelos diferentes indivíduos e/ou grupos; as práticas que exibem uma maneira própria de estar no mundo a partir de símbolos compartilhados — neste caso, através da escrita manuscrita e digital; e as formas institucionalizadas de perpetuar a existência de um grupo, classe ou comunidade. Pais e professores costumam temer os efeitos nocivos da escrita digital entre jovens. Alegam que a produção do texto adolescente na Internet tem influenciado negativamente a capacidade deles de se expressarem em trabalhos escolares, envergando a norma culta da língua na direção de abreviações excessivas. Plágios, cópias aproveitadas de hipertextos digitais para trabalhos universitários têm sido vistos como questão para pesquisadores e docentes (SILVA, 2008). O abismo entre gerações, mote para reflexões: De um lado, o professor, com sua história e sua temporalidade inscritas em modos particulares de leitura, formados com base em sua inserção acadêmica e profissional; de outro lado, o aluno, representando o novo trazido por sua geração e pela cultura já modificada que a permeia. Nesse distanciamento espaço-temporal entre a história do professor e a vivência do aluno, é que percebemos nos artefatos culturais, ou seja, nos objetos concretos que passam a mediar as relações de alunos e professores com os atos de leitura e escrita, um obstáculo que por vezes dificulta a integração da experiência de adultos e crianças. (SOUZA & GAMBA JR., 2002, p.109)

Como

inspiração

metodológica

para

o meu trabalho, cito as pesquisas

desenvolvidas pelas norte-americanas Lewis & Fabos (2005), Jacobs (2004), Caron & Caronia (2007) e o relatório final da pesquisa Pew Internet “Writing, Technology and Teens” (LENHART et al., 2008). Decidi que estudaria jovens em suas residências, com os Revista Educação Online, n. 17, set-dez 2014, p. 95-111

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computadores conectados, em pelo menos quatro encontros, com uma hora de duração cada. Levaria a câmera para registrar as entrevistas. Instalaria um programa para ter acesso à maneira como digitavam na Internet. Fotografaria quartos, livros, textos, cadernos, letras. Pediria que compartilhassem comigo o que tivessem escrito e considerado bom. Como chegaria até eles? Partiria de um pré-teste para alcançar um informante privilegiado, ou seja, alguém que pudesse apresentar-me a outros jovens familiarizados com a escrita digital. No total, seis jovens, dentre esses, quatro meninas e dois rapazes, fizeram parte do estudo etnográfico presencial. Nos encontros com Diana, 14 anos, conversamos sobre a diferença entre a escrita para a escola – segundo ela, predominantemente voltada para dissertações sobre assuntos de jornais – e a escrita pessoal como expressão dos sentimentos. Essa última flui melhor através do papel: Trabalho de escola eu escrevo no computador, mas numa linguagem de mão, porque é trabalho, você não pode escrever um bando de coisa abreviada. Mas, sei lá, às vezes, assim quando me passa alguma coisa pela cabeça, como ano passado, que eu estava meio triste, aí eu escrevia umas coisas no papel. Aí eu escrevia na mão. Mas uso internet para falar com as pessoas, usar MSN... Por exemplo, estou com a cabeça a mil, cheia de coisas, pensando, estou triste, pensando em alguma coisa, aí eu abro o caderno, pego uma folha em branco e começo a escrever duas, três, escrevo muito. Começo a escrever sobre várias coisas que estão passando na minha cabeça, às vezes, isso me faz sentir melhor, é como desabafar. Não sei por que, mas aqui, no papel, tem uma relação mais afetiva (sorri). O computador não. E também no computador vai ficar lá no computador, alguém pode mexer, alguém pode ver, sei lá o que pode acontecer, ou então algum dia eu posso perder, posso formatar. (Diana, depoimento, maio de 2010)

Figura 1 - Redação escolar Figura 2 - Escrita livre de Diana

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Figura 3 – Início de narrativa escrita no recreio escolar, por Isabella

Embora o objetivo principal da tese tenha sido investigar representações e práticas da escrita manuscrita e digital entre nativos digitais, acompanhando-os em suas casas, o inesperado, teve força na pesquisa, abrindo uma nova frente de investigação: o universo das fanfictions e webnovelas. O tema apareceu no terceiro encontro presencial com Isabella, 14 anos, uma dos seis jovens que acompanhei em suas residências, quando ela me contou participar de uma comunidade de “webnovelas” sobre a banda Rebelde 2 (RDB) no Orkut3. Desde o primeiro encontro, Isabella me contou gostar de trocar cartas manuscritas com suas primas e amigas, que mandam “cartas, fotos também, pôsteres, fotos da banda (Rebelde), cards e mais um monte de coisa. A maioria sobre Rebelde” (depoimento, maio de 2010). A sua motivação para participar da comunidade partiu, então, do seu envolvimento como fã 4 da personagem Dulce Maria – retratada nos principais espaços do seu quarto: mural, pôsteres, cadernos, revistas, livros, trechos copiados de suas letras na sua página pessoal do Orkut, músicas, fotos impressas, digitais e vídeos.

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RDB é um grupo musical criado por jovens protagonistas da novela mexicana Rebelde, exibida a partir de 2004. O disco de estreia da banda atingiu a marca de 500.000 cópias vendidas no México. 3 O Orkut foi uma rede social filiada ao Google, criada em 24 de Janeiro de 2004 e ativa até 2014, com o objetivo de ajudar seus membros a conhecer pessoas e manter relacionamentos. No Brasil, foi a rede social com maior participação de brasileiros, com mais de 23 milhões de usuários , e o site mais visitado. 4 Esse comportamento pode ser visto como característico do fenômeno “fandom”: fãs de atores de cinema e televisão, celebridades, atletas e personagens da indústria musical fazem parte de grupos que colecionam avidamente materiais sobre os mesmos (ALVERMANN & HAGOOD, 2000).

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Figura 4 - Mural de Isabella

Eu nunca tinha ouvido falar no assunto, mas Isabella preferiu não explorar detalhes. Comecei a entender melhor o que era webnovela alguns dias depois, enquanto conversávamos pelo MSN. Através da troca sincrônica de mensagens, Isabella não só indicou três “webnovelas” que estava lendo, como avaliou o conteúdo das histórias como sendo “picante mesmo”, “tem coisas que criança não pode ler”, “portanto, nas censuras, os criadores põem: Você sabe o que lê”. Ela explica que a maioria dos escritores de webs são fakes e, logo depois, conserta: “todos são” (depoimento, maio de 2010). Sigo para o campo virtual com essas pistas. Uma comunidade de fãs do grupo mexicano Rebelde, jovens que usam perfis fakes e se inspiram na vida dos cantores, imaginando possíveis pares românticos para escrever histórias e publicá-las no Orkut, com conteúdo “picante”. O que seria possível encontrar nesse terreno? Aproveitei a chave e o link deixados por Isabella e pedi para entrar nessa comunidade virtual5, criada em 2006 na rede social Orkut, na ocasião, com quase 37 mil membros e na qual, diariamente, eram postados inúmeros recados, capítulos de histórias, vídeos e fotos. Após aceita, abri um tópico no fórum e disponibilizei um questionário. No mesmo momento, uma das moderadoras da comunidade, Aninha, leu o recado e veio “conversar” comigo: Eu estou nessa vida de fanfic há mais de três anos. Há um tempo atrás, eu estava pensando em algo parecido com o que vc está fazendo. Até tinha comentado com uma amiga minha. Eu nunca vi um trabalho ou pesquisa acerca disso, nunca vi ninguém dando importância ao que essas meninas escrevem. E tem histórias boas, sabe? MUITO boas. Vc observa o quanto algumas meninas vão evoluindo na escrita. Acho muito importante valorizar esse tipo de "literatura" (Acho que não posso chamar assim, mas não arrumei outra palavra), pois são naqueles tópicos que essas meninas se expressam todos os dias. Não só as leitoras como as escritoras... Quando eu acessei a Internet e fui à comunidade, fiquei muito feliz de encontrar o seu tópico. Pode deixar que eu vou fazer divulgação e vou pedir às minhas leitoras e amigas escritoras que participem. (Scrap no Orkut, Aninha, 20 anos, Bahia, junho de 2010. grifo meu) 5

Vantagens da etnografia digital para pesquisas sociais são exploradas em detalhes por Dhiraj Murthy (2008).

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A parceria com Aninha foi fundamental6. A chamada para a pesquisa foi colocada por ela na página principal da comunidade na Internet, com grifo rosa – o que ofereceu credibilidade ao questionário. Isso passou a denotar que a investigação era autorizada e contava com o apoio das moderadoras, o que deve ter contribuído para o grande número de respostas recebidas. Após duas semanas de divulgação, 200 respostas on-line foram enviadas por jovens de diferentes cidades brasileiras. Possíveis segredos das webnovelas Hoje em dia, não imagino entrar na Internet sem ir procurar as webs que eu leio diariamente. (Carol, 15 anos, Rio Grande do Norte) Todos os dias passo em cada uma, no mínimo umas 3 vezes!!!! Viciadaa!!! (Debora, 14 anos, Ceará)

O que será que as webnovelas possuem de tão atrativo, a ponto de mobilizar jovens de todo o país para a leitura e escrita de histórias na Internet? Webnovelas são histórias livres, escritas por fãs de atores, integrantes de bandas musicais, personagens de livros, quadrinhos, mangás ou filmes. Nessas criações, os ídolos passam a ser personagens de cenários, dramas, romances e aventuras inventados pelos fãs. Os adolescentes contam ter entrado em contato com as webnovelas por indicação de amigas, primas ou por acaso, procurando informações sobre seus ídolos ou personagens preferidos na Internet. Para os adolescentes que afirmaram não apreciar a leitura anteriormente, livros como Harry Potter, Twilight, e bandas como Rebelde foram as maiores motivações citadas. Entre os que disseram que “sempre” gostaram de ler, mesmo antes do contato com as webnovelas, bisavôs e avós que liam histórias para eles quando pequenos, pais jornalistas que estimulavam a leitura em casa, mães que amam ler, pais que traziam livros ou gibis das viagens de trabalho e pais professores foram memórias fundamentais para suas formações como leitores. Em nenhum caso, a escola foi lembrada como um espaço prazeroso de imersão literária. Não foram os pais, entretanto, que os apresentaram às webnovelas. Após o primeiro contato com esse mundo, os adolescentes contaram entrar nas comunidades 6

Para entender a lógica das webnovelas, Aninha foi fundamental. Mesmo não sendo mais uma nativa digital, por estar com 20 anos, tem longa experiência neste universo como leitora e escritora de fanfics, se transformando no “meu Doc” (Foote-Whyte, 1975) – ou seja, aquela que me abriu portas na comunidade para contato com membros, além de se mostrar sempre disponível para tecer explicações.

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virtuais diariamente, passando grande parte dos finais de semana acompanhando as (muitas) histórias, em média oito ao mesmo tempo. Todos os entrevistados dizem ler online, imprimindo apenas as fanfics consideradas “realmente muito boas”. Eu nunca gostei de ler, eu mal lia os livros que o colégio pedia, só alguns que eu realmente achava bons, achava a leitura coisa cansativa, e quando eu virei fã do RBD tudo isso mudou, eu comecei a ver a leitura com outros olhos, já não achava mais aquela coisa cansativa, era legal ler, além de vcê poder sempre discutir, e falar as coisas que vcê não gostava nos personagens e o qe vcê gostava, fazer amizades, enfim, era uma experiência nova, e eu adorei poder aprender a gostar de ler (Duda,16, São Paulo, julho de 2010)

Nas comunidades de webnovelas, nem todos os leitores são escritores. Os que gostam de escrever, a grande maioria, citam como incentivo para a dedicação à escrita a capacidade de “desabafar”, “expressar sentimentos”, “distrair”, “liberar emoções”. Escrever na Internet e receber a aprovação do público são tidos como um grande estímulo, algo realmente compensador. Acho legal poder criar minha própria história acho divertido. Mais legal ainda é quando você mostra sua história para alguém, e esse alguém lê e gosta. É muito bom. (Thais, 12 anos, Pará, julho de 2010) Fora da Internet, eu sou muito tímida, então, quando eu estou aqui nesse "mundo", eu me desprendo de toda e qualquer timidez. Inclusive eu encaro isso como uma terapia, quando eu me sinto triste. (Lucianna, 13 anos, Maranhão, julho de 2010). Escrever me deixa tão animada quanto ler. Acho que sou boa em escrever, mas o que realmente me anima é saber o quanto os leitores estão entusiasmados pra saber a continuação; me deixa feliz saber que eles estão gostando de uma coisa que foi criada por mim *-* (Rebeca, 13 anos, Pará, julho de 2010) Adoro expor as ideias que aparecem na minha mente, eu adoro express á-las e ver que as leitoras da comunidade aprovam, que gostam, você se sente especial, como se você realmente fosse autora de um best-seller, e que logo seu livro se tornaria um filme. (Gabriella, 14 anos, São Paulo, julho de 2010) Eu era muito tímida pra mostrar o que eu escrevia e quando comecei a postar nossa... foi tão bom ver os elogios... devo tudo isso a essa maravilhosa comunidade (Adriana,15 anos, Rio de Janeiro, julho de 2010)

As autoras preferem escrever usando computador, porque “é mais simples”, “prático”, “fácil de postar”, “as ideias fluem com mais facilidade”, “os erros são corrigidos pelo Word”. Dizem não gostar de escrever à mão, com raríssimas exceções, como no caso em que a inspiração aparece quando não estão com o computador por perto. Caso contrário, sentem preguiça de usar o papel e a caneta.

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A estrutura das webnovelas As webnovelas não são disponibilizadas para os leitores de uma única vez, de forma acabada, como um livro impresso – mesmo que grande parte da história já tenha sido escrita -, mas postadas on-line pouco a pouco. Esse espaço para o suspense, contato direto com o autor e possibilidade de interagir com o que está sendo publicado e fazer novas amizades parecem ter grande força e apelo entre os jovens entrevistados. As webnovelas são predominantemente escritas por meninas. Além disso, as adolescentes dizem que: “o livro não relata muito a vida adolescente, e as fanfiction, sim” (Carolina, 14, Porto Alegre, julho de 2010); “prefiro as fanfics, porque elas são feitas por nós e para nós” (B, 13 anos, Pernambuco, julho de 2010), “as fanfics são em sua maioria escritas por adolescentes que têm mais ou menos a mesma idade que eu, e a linguagem é bem simples, direta, tem gírias” (Lisa,14, Pernambuco, julho de 2010). A materialidade do livro, entretanto, é preferida, porque o “computador incomoda os olhos”, “livro pode levar para qualquer lugar” e “livro você pode pegar, cheirar - sou maníaca com cheiro” (Thamiris,12, São Paulo, julho de 2010). Ser uma escritora de webnovela exige tempo, dedicação e nervos. Há uma grande pressão para que as histórias sejam produzidas e postadas, e as leitoras podem comportar-se de maneira feroz. As leitoras assíduas são capazes de fazer “campanhas” pela webnovela, deixando centenas de recados copiados no tópico, contagens “rumo a...” elogiando e tornando a web popular, mantendo-a em destaque na comunidade do Orkut. No álbum de fotos da dupla de escritoras favorita de Isabella, encontrei a imagem de uma “campanha”, quando seguidoras se mobilizam em grande número no tópico para chamar atenção da(s) escritora(s). Por essa imagem, é possível perceber que o fato de terem alcançado 1.000 posts em oito dias é questão de orgulho. “Upar” uma webnovela significa deixar o recado “up”, no tópico em que está sendo publicada, para que apareça no “topo” da comunidade. As autoras agradecem às seguidoras nesse espaço, com as letras em negrito. O print screen abaixo retrata a campanha “Você sempre me trará de volta!”, na qual jovens copiam e colam a mensagem “Prefiro morrer amanhã, do que ter vivido mil anos sem conhecer essa Web, esse amor e claro a Cherry”. Cherry é a autora da webnovela e deixa um recado, agradecendo a participação de todos: “Vocês são mto mto lindas, sério mesmo”.

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Figura 5 -Ex. de campanha por webnovela no Orkut

Esse modo de atrair a atenção das escritoras não é bem visto por todos os membros. Se, para Geyse (14, Goiás, julho de 2010), “campanha de vez em quando é chato, mas, cara, é um jeito de dizer que tu gosta da web e quer post!”, em uma das conversas coletivas, Aninha (20, Bahia, julho de 2010) diz que “odeia as tais campanhas, porque desorganizam o tópico e por ser um monte de nada só pro tópico ter muito nº”. Eu acho que a questão da popularidade é um dos maiores problemas das webnovelas. Vou explicar o meu ponto de vista. Quando tudo começou, as pessoas escreviam para se divertir, fazer amizade, para trocar ideias. Mas o tempo foi passando, e algumas escritoras tornaram-se bastante conhecidas por causa das histórias que escreviam. Antes as coisas eram na paz. As escritoras se davam bem e tudo mais... Depois de um tempo, a coisa tomou outro rumo. Umas começaram a competir com as outras. Muitas se acham a última Revista Educação Online, n. 17, set-dez 2014, p. 95-111

104 árvore da Amazônia, por ter bastante nº em tópico ou pessoas na comunidade. Aí vem a arrogância de só postar com determinado nº de comentários, de achar pq tem muita gente na comunidade da web é a melhor... Algumas se denominam as POPs. Já vi muita "amizade" se desfazer por uma querer se achar melhor do que a outra. O pior é que tem muita leitora que aceita certo tipo de exigência e fica babando ovo. (Aninha, 20, Bahia, conversa coletiva, 19 de junho)

Káh (19, São Paulo, julho de 2010) complementa, dizendo: “Pior que campanha são as campanhas ‘floodadas’ 7, que a pessoa faz mil vezes no mesmo post, daí tu nunca encontra os posts porque as páginas são imensas”. A facilidade de transformar o tópico em labirinto devido ao excesso de mensagens faz com que as autoras criem um tópico à parte, apenas para divulgar “perdidos”. Perdidos são tópicos nos quais a divulgação da webnovela é publicada sem interrupções, comentários dos fãs, campanhas, resposta da escritora ou greves. Seria a versão final e “limpa” da webnovela. 700 e meeeu *--*

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Sobre o comentário de Aninha (20 anos, Bahia, junho de 2010) às situações em que leitoras se submetem aos caprichos das autoras das webs, recebi alguns depoimentos. As chamadas “greves” causam revolta em membros como Nanda (22 anos, Belo Horizonte, junho de 2010) e Marci (18 anos, Pernambuco): Ah e as greves! Noooossa, tem cada greve insignificante! Puts! Sem contar quando falam: “só posto até tal de número de coments” Se eu estiver lendo uma web e a autora depender de mim pra postar mais, ela abandona a web. Eu não vou ficar um dia inteiro em um tópico 7

Usa-se "flood" na Internet para dizer que algo foi "inundado" por lixo, coisas toscas etc.

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105 postando 1, 2, 3, +, posta, e mais N coisas do tipo, para chegar ao nº q ela estipulou. Acho isso sacanagem com quem lê. Eu tenho a seguinte opinião: Se uma pessoa decide escrever, ela escreve e posta por livre e espontânea vontade. Os leitores não têm que "pagar" para receber esses posts. Tem autoras que acham que nº é uma forma de falar que a web tá boa, que a web é a melhor, que nº vai fazer ela ser a melhor. Eu não acho isso. Minha primeira web teve 30 mil post, e nem por isso vou sair por aí me achando a melhor escritora do GFF, por ter uma web tão bem "movimentada". E outra, prefiro uma web com 1.000 post que sejam todos de conversas com minhas leitoras e elogios ou até mesmo críticas construtivas da minha História do que um tópico com 70 mil postagens com comentários falando nada”. (Conversa coletiva, 19 de junho)

Por outro lado, as leitoras exigem satisfações por parte das autoras, regularidade e intensiva produção. As mensagens abaixo ilustram essa preocupação: MIL DESCULPAS PELA LENTIDÃO! É o seguinte, minha mãe não para de me enxer a paciencia, tive que ficar com minha irmã, agora to jogando com ela -.- então to escrevendo bem devagar. Muito obrigada pelo carinho, pelos 'rumos'. nunca vou abandonar voces, sério, escrever pra voces agora virou vicio! HUAHAUH to escrevendo, lentamente, mas estou! espero que estejam gostando c.ç “ Cherry

As leitoras fazem pedidos para alteração da história ou pedem satisfações caso a trama receba rumos inesperados. No exemplo abaixo, a leitora Marina demonstra seu descontentamento e decepção pelo destino dado a um dos personagens: *#*Marina*#* aahhhhhhhhhhhhhhh cherry vc matou o pablo??? quer dizer o cara matou o pablo????? diga q nao porfa ele era legal,e eu ja tava gostando dele. quem eh esse loco, nao dexa ele maxuca o chris fikei horrorisada com o passado do chris os pais dele rejeitaram ele e ele usou droga, tadinhoooo, deve ter sofrido pacas. NAO MATE O CHRIS!!!!!!!!!! ahhh nao.o pablo morreu msm Pobre Pablo .-.

eu nao consigo acreditar. eu nao consigo acreditar.

Os erros de português, abreviações, uso de termos em inglês e falta de acentuação são comuns nos recados deixados pelas jovens. A escrita digital comporta, para Anis (2000) um hibridismo linguístico, no qual o oral e o escrito se integram na constituição de uma “escrita oralizada”, de um “falar escrito” ou de uma “escrita espontânea rápida”. Quando perguntados sobre o que acham da premissa de que jovens não gostam de ler ou que o “internetês” prejudicará a apropriação da norma culta da língua portuguesa, os discursos foram inflamados: Nada a ver cara. Vou usar como exemplo essa comunidade aqui. As pessoas podem até escrever errado na Internet, mas olhe quanta gente escreve perfeitamente bem. Se não Revista Educação Online, n. 17, set-dez 2014, p. 95-111

106 fossem as fanfics, muitos adolescentes não saberiam escrever direito. Comunidades assim incentivam a gente a ter gosto pela leitura e pela escrita. Quanto à escrita errada, depende de cada um. Se você vai ou não deixar a Internet acabar com a sua escrita, ou se você vai saber separar os dois "mundos". (Camis, 13 anos, Rio de Janeiro, julho de 2010) (...) os escritores do Brasil gostam muito de complicar, Guimarães Rosa pode ser o que for, mas um jovem ler aquilo é um saco, uma escrita completamente estranha pra gente, então acho que um livro atual é mais fácil de um jovem gostar da leitura. (Guilherme, 16 anos, São Paulo, julho de 2010) Não, pois somos suficientemente capazes de distinguir o que é certo e errado na hora de escrever, seguindo a norma padrão da escrita, e não é correto afirmar que jovem não gosta de ler, só não se interessa pelos assuntos geralmente abordados na escola, preferem um tema mais casual, mais interessante. (Isabella, 15 anos, São Paulo, julho de 2010)

As webnovelas comportam a inserção de músicas e videoclipes como trilha sonora8 para determinados trechos. Autoras, com frequência, incluíam em suas postagens links para vídeos do Youtube, guiando possíveis leitoras para uma experiência convergente entre texto e música, montando a cena e ambiência para a imersão em suas histórias. O fator “hot”, “picante”, “sexual” é um dos mais explorados pelas webnovelas adolescentes. A utilização de perfis fakes para a escrita e leitura de tais histórias costuma ser associado, então, a necessidade de se sentirem mais livres para expressarem fantasias. Jovens autoras explicam: Na maioria das webs, tem cenas hot e na minha não é diferente. Minha mãe adora Orkut e o meu é o favorito dela. kkkk Tipo, ela fuça o meu todo dia, se eu começasse a escrever com meu Orkut off minha mãe ia ver a webnovela e ia ver as cenas hot e daí o clima pega fogo em casa. E também meus amigos do colégio, ia ser estranho se eles virassem meus leitores, exatamente por causa dessas cenas. AUAHUSAUSASHAU Minhas webs ela (minha mãe) não lê, principalmente por ter cenas hots. (Lee, 16, São Paulo, julho de 2010) Já escrevi meia webnovela com uma amiga, mas nossos pais quase descobriram, então deletamos o pefil e quebramos o CD no qual salvávamos o que escrevíamos. Depois disso, nunca mais me arrisquei. Hoje guardo minhas escritas secretas em um pendrive ou em um microcaderno, ambos dentro de uma "valise" com senha, dentro do armário! (Pitanguinha, 16, Rio Grande do Sul, julho de 2010)

Adotar um perfil fake também evita, segundo as autoras, que “pessoas gostem de você por sua forma física ou beleza”, mas pelo jeito que escrevem. Além disso, “quando você escreve com fake, sente-se mais segura para mostrar suas histórias ao público, e de ser mais aceita”. Quase todos os perfis fakes são elaborados com fotos de avatares de

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A inserção de músicas e vídeos na composição de uma história baseada personalidades midiáticas pode ser entendida como uma das facetas da “cultura da convergência” (JENKINS, 2009).

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seus ídolos e montagem de fotos e vídeos dos mesmos – cantores e casais da banda Rebelde, protagonistas do filme Twilight e Harry Potter. Abaixo inseri cópia das primeiras páginas de uma webnovela para exemplificar algumas de suas características. Em primeiro lugar, a contagem dos recados. No print screen a seguir, a tela indica que o tópico para esta webnovela já tinha recebido 1.668 recados, desde o dia em que foi criado, em 5 de junho de 2009, ou seja, apenas dez dias após sua “estreia”. A autora avisa: “Não tem horário certo pra estreia... mas será hoje, postarei quando tiver povo”. ♪ ♫ Avяiℓ Raмoηα e gſααmgιrſ são as primeiras a se manifestar, escrevendo “Primeira!” e “Segunda!”, respectivamente. Após esse feedback, o seguinte aviso é publicado pela jovem autora: “GENTE!! AVISO LOGO QUE A WEB TEM CENAS HOTS E FORTES! ok, eu sei que uma web não é só isso.. mas acho que faz parte da vida, e uma web sem isso, fica muito sem graça u.u ENTOCES, QUEM NÃO GOSTAR, NEM COMECE A LER!” Um segundo aspecto são as fotos dos perfis das jovens, fotos “fakes”, fotos retiradas dos seus artistas preferidos e não delas próprias. Essa forma de se expor no universo das webnovelas é extremamente comum. Um terceiro elemento é o link para “a comunidade de perdidos”, disponibilizado pela autora desde o início para os interessados em ler a história sem interferências. A busca pela interação com as leitoras continua após a publicação do primeiro capítulo: “vou esperar comentários pra continuar: enquanto isso, tô divulgando a web”. Cherry Capítulo 1 - Fundação Ela gemia no meu ouvido e pedia por mais xxx: Isso, Ucker, oooh, continue assim – Ela era linda! Isso eu posso confirmar. Loira. Eu a penetrava forte na parede, sem dó, e ela parecia gostar. Minhas mãos passavam pelo seu corpo, e eu a apertava aonde podia. Não sou carinhoso, odeio carinhos. Ainda mais no sexo. A propósito, eu me chamo Christopher. Christopher Uckermann. Mas todos me chamam de Ucker. E eu estava transando pela milésima vez naquele fim de tarde. xxx: Ai, amorzinho, você me cansa! – Ela disse após terminamos, com um sorriso entre os lábios Chris: Como se você não gostasse – Eu respondi divertido, dando um selinho chupado em seus lábios, e a larguei em cima da mesa para ir tomar banho. Eu tenho 25 anos, e totalmente solteiro. Venho de uma família milionária do México, porém não fico exposto a tanto... Tenho meu trabalho, na polícia, com os casos pesados. Estupros, assassinatos, sequestros e todos os tipos de casos sinistros que você pode imaginar. Revista Educação Online, n. 17, set-dez 2014, p. 95-111

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Eu nunca tinha que trabalhar nas sextas-feiras à noite. Era um tipo de folga, e iam outros para substituir. Eu já tinha a noite toda planejada, com outra das minhas amantes, que eu quase sempre esquecia os nomes. Mas não importava! Eu ia com uma delas, dessa vez uma morena. Seu nome começava com ‘L’. Ou ‘F’.

As adolescentes apontam a diferença entre a leitura de webnovelas e a de livros, sendo possível perceber uma gradiente crescente de atenção necessária para cada uma das seguintes atividades: ler livro, ler webnovela e escrever webnovela. Se, para ler webnovelas, conseguem “estar com várias coisas abertas”, “falar no MSN”, “conversar no tópico, comentando o que está lendo”, “ouvir música”, “ficar no Orkut, Twitter”, a leitura de livro requer outro tipo de disposição. É necessário estar num lugar calmo, ter muita concentração, silêncio, ficar “longe da tentação do computador” e não ser interrompido por “MSN, Orkut, Twitter”. Quando estão escrevendo, também sentem necessidade de concentração e música para se sentirem inspiradas. Umas fecham “todos os programas do computador, deixando só o Word ligado”, e outros, com a “internet desconectada” para evitar “as janelinhas piscando”.

Considerações preliminares Leitores e escritores de webnovelas são, antes de tudo, fãs. Jovens fãs que se identificam com seus ídolos, colecionam tudo o que podem deles de forma apaixonada, intensa e febril. Ainda que muitas fanfictions sejam escritas por leitores de gibis, livros e mangás, que vibram com as histórias originais sentindo depois um forte desejo de reescrevê-las em redes sociais on-line, no caso específico das webnovelas, os fãs reescrevem e criam, não a partir do que leram, mas a partir do que assistiram na TV: a novela adolescente Rebelde. Esse percurso tanto inclui a indústria audiovisual no eixo da lógica de produção e emissão, como também assinala os modos de apropriação e réplica dos receptores, suas lógicas de uso, resposta e reelaboração. A escrita desses adolescentes explicita o esquema de Martín-Barbero (1997) sobre a “teoria das mediações”, ou seja, processos de negociações de sentido realizados pelos sujeitos. A palavra “fã” sempre foi tratada com desconfiança e nervosismo através dos tempos. (...) Já foi traduzida como “fanatismo”. No século 20, o fã era a pessoa que consumia, mas não Revista Educação Online, n. 17, set-dez 2014, p. 95-111

109 produzia. (...) Mas, hoje, os fãs estão produzindo ativamente. Eles estão contando histórias e divulgando-as on-line, no Japão, fazem seus figurinos e encenam peças na rua; estão editando podcasts; eles se envolvem em discussões críticas na Internet; eles estão reinventando os jogos de computador. É o segmento mais criativo da sociedade. (...) Eles são o coração da cultura da convergência. (JENKINS, 2009, sp)

Leitores e escritores de webnovelas são adolescentes e jovens que desejam e preferem narrativas com conteúdo romântico e erótico – mesmo que seus pais e amigos não saibam disso. Esse dado está em consonância com os resultados da pesquisa Young people, media and personal relationships (Buckingham & Bragg, 2003) , na qual “no fewer than 78% of children” responderam de forma positiva à afirmação: “Eu sei mais sobre sexo do que meus pais pensam que eu sei” (p. 25). A facilidade de acesso a materiais explicitamente sexuais por via da Internet contribui para que tais fantasias sejam elaboradas e compartilhadas. A proliferação de perfis fakes em comunidades on-line reforça a aprendizagem sobre sexo como um processo coletivo realizado entre grupo de pares. Esses jovens estão em rede e apreciam enormemente o contato permanente, exposição de ideias, diálogo e amizade com grupo de pares em redes sociais on-line. Conhecer “gente nova”, “várias pessoas de todo o Brasil”, “novos amigos”, “fazer muitas amizades” são valores estimados. Muitas jovens aproveitaram o contato feito pela comunidade para se conhecerem pessoalmente, organizando encontros, trocando cartas. Há laços estreitos, afetivos e orgulho ao dizer: “minha melhor amiga eu conheci pela Internet”. Ter uma história publicada e comentada em site com inúmeros leitores e fãs significa, para eles, estímulo, reconhecimento, desafio. Muitos iniciam uma ficção, mas a abandonam por falta de leitores. Outros, mesmo com grande número de assíduos seguidores, também não conseguem manter o ritmo da produção e abandonam as histórias, deixando-as sem fim. Nada pode ser mais frustrante para um leitor de fanfictions do que isso. Quando as escritoras consegue manter a regularidade das postagens e finalizar webnovelas com sucesso, se transformam em referência, celebridades. Não é à toa que muitas entrevistadas falaram de seus imaginários e projeções para o futuro como escritoras de sucesso: “Meu sonho é ser escritora e fazer as pessoas sonharem com minhas histórias. :D” (Juhhchan, 16 anos, Rio de Janeiro, julho de 2010); “Ah, é o que às vezes me faz pensar em ser escritora, é a hora em que deixo a imaginação voar”(Jenny, 15 anos, Brasília, julho de 2010). Os autores e livros mais citados como preferidos são Stephenie Meyer (Twilight), Dan Brown, Markus Zusak (A Revista Educação Online, n. 17, set-dez 2014, p. 95-111

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menina que roubava livros), K. Rowling (Harry Potter), John Grogon (Marley & eu), Sophie Kinsella, Lemony Snicket, CS Lewis, Meg Cabot e Kalled Hosseine. São poucas as referências à literatura nacional. Quando perguntados sobre suas formações para a leitura e escrita na escola, as referências foram negativas: Acho que na escola a gente não tem coisa nenhuma para virar escritor, para gostar de escrever. Tinha uma tentativa. Tinha...ah, que ir pra biblioteca, pegar livro emprestado. Mas não tinha livros que realmente nos interessasse, tinha livros de uma biblioteca com livros de “mil novecentos e lá vai fumaça” (risos). (...). E na hora de escrever redações, essas coisas, a gente achava um saco. Porque, na maioria das vezes, era só matéria mesmo, para ortografia, essas coisas. Então não incentivava. Ela fala (a professora): primeiro vocês tem que fazer o planejamento do texto (contexto, elementos verbais, elementos não verbais e mensagem). Ninguém vai “ó, vou virar um escritor!”. Ninguém vai querer. Não incentiva a ninguém a fazer nada. Minha professora apenas ensina as regras do português e pede algumas redações, que são poucas, as aulas, sim, são interessantes, porém não me dão nenhum estímulo, o que mais me estimula é o fato de ter várias pessoas gostando do que eu escrevo, é essa é minha maior inspiração. As atividades trabalhadas em aula não são tão interessantes quanto ler alguma coisa aqui. (Carolina, 14 anos, Rio Grande do Sul, julho de 2010)

Os jovens sinalizam, dessa maneira, uma série de diferenciais para que se sintam motivados a ler e produzir histórias. Querem partir de temas atuais, escrever livremente sobre suas preferências, compartilhar o que escrevem, recebendo retorno sobre suas criações, sentindo-se reconhecidos num ambiente em que a troca afetiva e o contato com pares seja permanente, envolvido por laços de amizade. Não seriam essas algumas dicas para se pensar a importância da mídia-educação na formação de professores e currículos escolares (Eleá, 2014)? Que a escola possa levar tais fatores em consideração, acredito ser um avanço e necessidade para os tempos atuais.

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