Focos de Intensidade, Linhas de abertura: Activação do Mecanismo Performance

June 19, 2017 | Autor: Verónica Metello | Categoria: Art History, Performance Studies, Contemporary Art, Performance
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FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM HISTÓRIA DA ARTE CONTEMPORÂNEA VERÓNICA GULLANDER METELO ORIENTADORA: PROFESSORA DOUTORA MARGARIDA ACCIAIOULI DE BRITO

VOLUME I E II

FOCOS DE INTENSIDADE / LINHAS DE ABERTURA A ACTIVAÇÃO DO MECANISMO PERFORMANCE 1961-1979

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A REALIZAÇÃO DESTA DISSERTAÇÃO FOI FINANCIADA POR UM PERÍODO DE 12 MESES PELA:

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An object cannot compet with an experience Hamish Fulton

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ÍNDICE

I. Introdução. De uma impossibilidade à Diferença - 8. II. Mecanismo Performance. 1.Sub-representatividade e o jogo das repetições nuas e das repetições vestidas - 17. 2.Limiar: o Ritual e o Jogo - 26. 3.Dispositivo de representação descentrado: gesto ready-made - 32. 4.Descentramento, enquadramento, intuição e o processo negativo de afirmação de uma positividade - 34. 4.1.Enquadramento – 37. 4.2. Atitude, a arte em geral ou a outra face da vida – . 4.3.Arte-pronta-a-revelar, arte-pronta-a-serrevelada – 41. III. O conceito e o Processo Histórico de Expansão. 1.Performatus e um território de instabilidade – 44. 2.A complexa mistura experimental dos 60’s. Theatre of Mixed Means e Intermédia – 50. 3.O Processo Histórico de Expansão - 57 3.1.Unidade constituída de multiplicidade e o estado Merz. O driping e algo que simplesmente acontece – 59. 3.1.2.Unidade constituída de multiplicidade – 60. 3.1.3. Estado Merz – 61. 3.2.4. Driping e algo que simplesmente acontece – 63. 3.2. Silêncio de música convencional – 71. 3.3. Praxis Vital, Ser e Tempo e o Corpo-Lugar 3.3.1. Praxis Vital – 82. 3.3.2. Ser e Tempo – 85. 3.3.3. Corpo- lugar – 78. 4.Fórmula happening – 89. 4.1. Do experimentalismo à indeterminação e organização sonora. Da verbivocovisualidade ao poético performativo – 90. 4.1.2. Do experimentalismo à indeterminação. 4.1.3. O alargamento do campo poético – 93 .4.2. Happening pictural, estética do gesto e pintura-acção. 4.2.1. Pintura-acção- 98. 4.2.2. Happening pictural – 102. 4.2.3. O l´happening – 107. 4.3. Desterritorialização, multiplicidade, intensidade e Crueldade. Derivação – 124. 4.3.1. Intensidade e multiplicidade – 129. 4.3.2. Crueldade e um esforço colectivo de sacralização – 134. . 4.3.3. Derivação – 141. 5. Ernesto de Sousa e Egídio Álvaro – 146. IV. Focos de intensidade/ Linhas de abertura 1.1965. 1967.1954.1970.1071.1972.1979.1958.1973.1974. 1/10. – 156. 1.1 De 50 para 60 - 147. 1.2. 60 e 70 – 161. 1.3. CONCERTO E AUDIÇÃO PICTÓRICA - 164. 1.4. Academia Dominguez Alvarez – 169. 1.5. Operação I e Operação II – 172. 1.6. Egotemponírico - 177. 1.7. De um poema para bailar ao incorpóreo – 182. 1.8. De Malpartida a Coimbra - 188. 1.8.1. A Ógiva – 191. 1.9. De Óbidos ao CAPC – 194.

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2. 1973.1974-1097.1/3 – 202. 2.1. A revista Artes Plásticas – 203. 2.2. Perspectiva 74 – 205. 2.3. Primeiros Encontros Internacionais de Arte em Portugal – Valadares – 217. 2.4. Acre e Puzzle: Lisboa-Porto-Paris-Porto – 221. 2.4.1. Acre ou a Guerrilha estética urbana – 222. 2.4.2. Grupo Puzzle: Paris-Porto – 223. 2.5. Segundos Encontros Internacionais de Arte – Viana do Castelo – 225. 2.6. Coimbra – Póvoa do Varzim – 233. 2.7. Terceiros Encontros Internacionais de Arte – Póvoa do Varzim - 235. 2.8. De Lisboa a Paris. Caldas da Rainha – 251. 2.8.1. Alternativa O e Artaud em actualização – 253. 2.8.2. Quartos Encontros Internacionais de Arte- Caldas da Rainha – 255. 2.8.3. Ciclo de Arte Moderna/ Massificação e Identidade Cultural/ Diagonale – 271. 2.9. I Bienal de Vila Nova de Cerveira – 279. V. Considerações finais – 276. VI. Índice Onomástico VII. Bibliografia VIII. Segundo Volume. Imagens em Cronologia I. Índice das imagens do Segundo Volume (no CD). II. CD: Imagens em cronologia

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NOTA PRÉVIA

A motivação estrutural que presidiu a investigação consignada nesta tese assume um carácter duplo que se espelha na sua organização formal.

Partindo de uma análise do estado da questão – a história da performance no território das artes visuais em Portugal -, e verificada a ausência de um estudo que a problematizasse integrando-a num corpus conceptual e numa sistematização histórica, foram traçados dois objectivos: definir uma abordagem aproximativa às caracteristicas e natureza de uma arte dotada da particularidade gerada da irredutivel inscrição num suporte espacio-temporal e, correlativamente, ordenar históricamente os factos que entre 1961 e 1979 inscrevem a performance no quadro da história da arte portuguesa.

Por conseguinte, o primeiro momento desta tese é dedicado à exploração de uma definição da performance enquanto mecanismo, estruturada sobre conceitos operativos provenientes do campo da filosofia, da sociologia, da antropologia e da história da arte. Decorrente da constatação de que a operacionalização desse mecanismo no quadro da história da arte do seculo XX corresponde à possível instauração de uma particular relação cognitiva com a realidade ( pela coincidência da noção de enquadramento com uma atitude perante o Mundo – no primeiro capítulo), verificou-se que no decurso desse século vários momentos – no âmbito das vanguardas artísticas e sem exclusividade ao universo das artes visuais – concorrem formal e conceptualmente para a estruturação e activação desse mecanismo. Esses momentos inscrevem-se no que designámos no segundo capítulo por processo histórico de expansão. Verificou-se, de igual modo, que a impossibilidade de consignar a performance numa fórmula estável concorre para a sustentabilidade do seu entendimento enquanto mecanismo. Um mecanismo ao qual corresponde um universo plural de práticas e designações, tão plurais quanto todas as dimensões contextuais nas quais este pode ser operacionalizado. Neste sentido, a articulação entre o primeiro momento de enfoque teórico com o segundo momento de sistematização histórica e particular, definido apartir do terceiro capítulo, é

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realizado num momento intermédio iniciado no ponto 4 do segundo capítulo, onde se faz um esclarecimento da terminologia. A análise desta terminologia e da sua utilização no contexto da história da arte portuguesa, permite-nos uma aproximação aos acontecimentos que em Portugal testemunham um recurso ao mecanismo performance por parte de poetas, músicos e artistas visuais no intervalo cronológico estipulado. As balizas que o delimitam decorrem de uma articulação do plano da história política com o plano da história artística, onde a constactada desestruturação do regime do Estado Novo, assinalada a partir de 1961 com o envolvimento no conflito colonial e ao correlativo estado latente de revolução, se traduz no plano artístico em momentos de activa radicalização de fórmulas e processos, concorrentes para a instauração de um processo de expansão, relativamente ao qual nos ocupamos no que concerne à operacionalização do mecanismo performance. De um modo particular, articulámos a rede de relações que conduziram, durante esse período, à definição em Portugal, de momentos pontuais – focos de intensidade -, a partir dos quais se desenham, no sentido do plano internacional e da década de 80, linhas de abertura.

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I. Introdução. De uma impossibilidade à diferença

Fui enviado por mim próprio como mensageiro para mim próprio. E a minha essência revelou-se a mim próprio através dos meus gestos. Ibn Al-Farid 1

Assenta na impossibilidade da re-actualização de um particular sistema relacional

a

definição de qualquer discurso acerca da performance. A estruturação de uma base sistemática para o seu estudo deve ser delimitada

num quadro próximo do que enferma a

história dos eventos e dos factos, dos feitos e das acções. Distinto de um discurso fundado na actualização de uma experiência face a um determinado objecto, este

define uma relação possível entre um documento e uma

articulação particular de aspectos, num momento passado. No entanto, nenhum objecto envolvido ou resultante de uma performance é capaz de cobrir a sua extensão ou natureza. Escrever sobre a performance funda-se na ausência à qual o tempo vota, no seu curso, tudo aquilo que neste se inscreve na sujeição às suas normas. É, por sua vez, a ausência definida em virtude da comparação entre uma ocorrência e a condição presencial de todos os objectos ou indices 2 - apontando o ponto de coincidência entre duas porções de experiência – 3, que a significam, mas já não a são. A existência da performance, como a ontologia da subjectividade nessa proposta, torna-se ela própria através do desaparecimento 4, lembra Peggy Phelan.

1

Ibn Al-Farid, in Sayyid Haydar Amuli, Inner Secrets of the Path, Element Books, s.l., 1989 Partimos para a utilização deste termo através de Rosalind Krauss como nos textos “ Notes on the Index: Part I” e “Notes on the Index: Part II” in The Originality of the Avant-gard and other modernist myths, Massachussetts/Londres, 1999, remontando à pharenoscopia de Charles Sanders Pierce. 3 Charles Sanders Pierce, Collected Papers of Charles Sanders Pierce (1931), Cambridge/ Massachusetts, 1960, p.160. 4 Peggy Phellan, UnMarked. The politics of performance, Londres, 1993, p.146. 2

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Tal como as demais artes performativas, ou seguindo António Pinto-Ribeiro - artes do corpo 5, que tendo por suporte de inscrição o tempo e o espaço, a performance significa-se pela ausência da fixidez de suporte e da memória permanente 6. Uma performance ocorre num tempo que não se vai repetir. Pode ser repetida, mas esta repetição define-a como “diferente”. (E) o documento de uma performance é somente um estimulo para a memória, um encorajamento para que a memória se torne presente 7 . Ou para a definição de uma relação possível entre esse documento e o que, pela ausência, este testemunha. Ao destacar-se do seu agente, a acção adquire uma autonomia semelhante à autonomia semântica de um texto; ela deixa um rasto, uma marca, inscreve-se no curso das coisas e torna-se arquivo e documento 8.

Formalmente, é no desajuste verificado entre duas repetições de uma aparente mesma performance que se revelam as particularidades dos dispositivos a que recorre, dos planos em que se articula e daqueles que evoca. Uma particular trama espaço tempo onde se inscreve a intensidade dispensada por cada experiência da qual não é possível definir representação senão metafórica 9, onde estão sediadas todas as potencialidades ou onde o próprio significado da realidade se edifica pela acção, para cada um. No entanto, não é a ausência da

mediação

material

que priva a performance da

articulação, gestão e enquadramento de dispositivos representacionais de natureza artística – representações componentes. De operar sobre a mediação 10. 5

Como António Pinto Ribeiro designa o teatro-fisico, a dança e a performance no seu Corpo a Corpo. Possibilidades e Limites da Critica, Lisboa, 1997. 6 Id.ibid., p. 123. 7 Peggy Phellan, UnMarked. The politics of performance, Londres, 1993. 8 Paul Ricoeur, O discurso da acção, Lisboa, sd., p.177. 9 Id.ibid., p.18. 10 A representação e o seu correlativo problema da mediação, quer seja tecnológica ou não, pode ser definido como o palco por excelência dos vários combates em arte nos últimos 35 anos, di-lo Carlos Vidal em 1997, no artigo“ Imobilidade da arte ou da pobreza à ostentação da pobreza...” in Teresa Cruz (Ed. ) Interactividades, Lisboa, 1997, pp.72-85, p.80. Segundo este, a noção de um empobrecimento da arte corresponde a uma tendência definida entre a década de 60 e os anos 90, caracterizada, seguindo Lucy Lippard, por uma vontade de desmaterialização da arte correlativa a uma recusa dos meios de mediação. Recusa que assenta numa tomada de posição tida como forma de oposição à representação definida nos moldes platónicos. A noção e conceito de “desmaterialização da arte” deve-se, tendo sido pela primeira vez defendido e trazido a debate pela ensaísta e critica de arte Lucy R. Lippard. Na sua obra Six Years: the dematerialization of the art object 1966-1972, esta defende esta ideia atribuindo ao período compreendido por estes anos o curso e efectivação de uma desmaterialização do objecto artístico levada a cabo pelas formas de arte então emergentes, das quais faz uma breve apresentação, sistematizando nesta obra bibliografia, referências e as datas a estas correlativas. Cf. Six Years: the dematerialization of the art object 1966-1972,

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Às representações componentes que a constituem correspondem interfaces conectáveis definidos num sistema dinâmico e aberto, cujo funcionamento é catalizado por essa energia que se esquiva a qualquer representação. Energia experimentada em intensidade – que é dispensada e

que permeia cada acção. E uma acção não é um acontecimento, ou

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uma ocorrência . Dispositivo base da performance, a acção veicula pelo corpo agente a intensidade, define focos de articulação e linhas de abertura, actualiza o que está em potência. O corpo enuncia – ele não é silencioso nem mudo, pois o silêncio e a mudez são categorias da linguagem.(...). O corpo enuncia de tal maneira que, estranho a todo o intervalo e a todo o desvio do signo, anuncia absolutamente tudo (anuncia-se absolutamente), e o seu anuncio constitui um obstáculo para si próprio, absolutamente 12.

Catalisador de revelação da diferença que subjaz cada repetição do que é aparentemente o mesmo, a performance situa a arte por meio da acção num território de potencialidades – onde se define em primeira mão e onde se imprime a lógica da representação e da significação - o território da experiência. Em Bataille, interessante incursão ao universo da experiência - a experiência é sempre um efeito de singularidade, o que faz com que seja inapreensivel, não porque o saber seja insuficiente para a apreender na totalidade, mas

Berkeley, Los Angeles, Londres, 1996. Mas, e tomando o mote da definição moldes platónicos, se o que é arte não coincide com a mediação, ou no limite se não é mimésis, mas com/sendo uma experiência, anulada está a distância relativamente à verdade, se a verdade é a origem das formas. Lembremos que arte enquanto mimésis de acordo com os referidos moldes platónicos corresponde a um estado acrescidamente imperfeito, uma arte de carácter pernicioso, na medida em que representa uma distância dupla relativamente à verdade, à “verdadeira coisa” – as formas. Pois somente as formas são em última instância reais, porque jamais sujeitas a alterações, diferentemente das coisas que aludem a essas formas enquanto meras aparências das mesmas. Neste sentido, a criação dos artistas estaria num plano ontológicamente inferior às próprias coisas na medida em que estabelecem um plano de distancia dupla relativamente às formas. Cf. “Mimésis” in Thomas Mautner (ed.) The Penguin dictionary of philosophy, Londres, 2000, p.355 e também Carlos Vidal, “A imobilidade da arte ou da pobreza á ostentação da pobreza. Artes visuais: dos anos 60 à actualidade” in M.Teresa Cruz (ed. ),Interactividade., Lisboa, 1997, p.74-75. Devemos notar que a validade do raciocínio de Vidal é circunscrita quando aplicada aos meios de mediação material. Excluindo os conceitos enquanto elementos de mediação na arte. Limitando o universo da mediação a uma condição objectual, considerando uma riqueza da arte afecta a uma parafernália material ou objectual. No entanto, como antes já referimos, se a performance não coincide em totalidade mas indicialmente apenas com qualquer objecto que lhe seja relativo, esta não poderá nem dispensa dispositivos representacionais. São no entanto, como avançámos já, dotados de particularidades, especificidades. Pelo território em que se inscrevem – sobre repetições, pelo descentramento característico dos seus pontos, balizas referenciais. 11 Paul Ricoeur, O discurso da acção, Lisboa, sd., p.30. 12 Jean Luc-Nancy, Corpus, Lisboa, 2000, p.112

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porque é da origem do agir, da construtividade do agir, afirma Bragança de Miranda no curso da análise da noção de experiência na Experience Interieure (1943) 13. Inscrita no território da experiência 14, à acção preside o movimento e a este a capacidade de instaurar a mudança ( agir é mudar em Ricoeur 15) e a transformação. Aproximamo-nos do postulado aristotélico 16, segundo o qual a mudança consiste na actualização de uma potencialidade ou na efectivação do que existe em condição de potencialidade para uma condição de o ser – a mudança implicada na passagem da potência à actualidade. Agir implica a instauração de repetições (como de seguida verificaremos da repetição nua a que subjaz a repetição vestida segundo Deleuze como adiante veremos) correlativamente uma dinâmica. Se esta dinâmica

coincide com

e

o território das

potencialidades experimentado em intensidade, e se a transformação implicada se traduz na possibilidade de uma situação ou coisa se poderem tornar, ou dar lugar a outras em virtude de participar da potencialidade do que virá a ser em virtude dessa mudança, agir implica actualização.

Verifiquemos esta hipótese impondo a noção de intensidade ao principio relacional de estrutura triádica definido por Charles Sanders Pierce – da relação genuína entre o signo ou representamen, o objecto e um interpretante, significação da realidade 17.

Se a esta relação

enquanto base de um sistema de impusermos a noção de intensidade

implicada na acção - determinamos um novo sistema relacional onde o representamen, no 13

Bragança de Miranda, Teoria da Cultura, Lisboa, 2002, p. 29. Do latin experientia que tem na sua origem o termo experiri significando um passar por algo que implica uma subsequente definição de conhecimento. Nas suas acepções mais comuns, pode ser definido enquanto método de confirmação, ou possibilidade de confirmação empírica ou sensível de dados, ou como o facto de viver algo dado anteriormente a qualquer reflexão ou predicação, Cfr. J. Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, p.145. Tomamo-lo aqui como o território do agir por meio do qual se define um plano conectivo, relacional entre um sujeito e a realidade, logo dum território de actualização das potencialidades que se inscrevem no território de uma potencial realidade em devir, alheias ao domínio da representação definida pelos moldes da recognição. 15 Paul Ricoeur,Op.cit.,, Porto, s.d., p.176. 16 Cfr. “Acto” e “Actualidade” in José Ferrater Mora, Op. Cit., p.19-21 17 Conforme Charles Sanders Pierce in Collected Papers of Charles Sanders Pierce (1931), Cambridge/ Massachusetts, 1960, p.156, onde este explica a relação entre estes três elementos referindo: Um Signo, ou Representamen, é um Primeiro que está numa relação triádica genuína para um Segundo, chamado o seu objecto, como sendo capaz de determinar um Terceiro, chamado o seu Interpretante, para assumir a mesma relação triadica para o seu objecto no qual ele está para o mesmo objecto. 14

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seu primado, é destronado. Onde a sua primeiridade é dispensada em função da imposição de uma intensidade que verificaremos ser remetida,

pela norma da recognição, para o

domínio da sub-representatividade.

Território das potências, a intensidade implode o sistema relacional da representação irredutivelmente sujeito à norma.

E se da energia dispensada - o que significa dizer intensidade, se define o leque das possibilidades inerentes ao que existe em potência, estas não deixam de estar condenadas, para se significarem, à representação. E logo, consequentemente, a serem inscritas num à posteriri imediato no plano da lógica normativa regente da relação triádica sintetisada por Pierce. De igual modo, nas consequentes distinções qualitativas, quantitativas e tipológicas implicadas na dinâmica tensional que é a condição de todo o sentido - toda a interpretação é a determinação do sentido de um fenómeno. O sentido consiste precisamente numa relação de forças, segundo a qual algumas agem e outras reagem num conjunto complexo e hierarquizado 18 .

Assim, no lapso que medeia a ocorrência da experiência e da sua significação, a energia dispensada acarretando toda a potencialidade - um estado bruto, constituindo por sua vez uma simultânea coincidência e definição de um limiar a-referencial e a-comparativo. Que corresponde, por sua vez, ao reino da intensidade - um inter-ser de natureza múltipla e conectiva onde se pode imprime a experiência real de que fala Gilles Deleuze 19 ou verdadeiro teatro

de Artaud 20:

energia em fluxo isenta e impermeável a qualquer

estruturação hierárquica, definivel apenas pela negação dos pontos de vista únicos determinados na representação pela batuta ordenadora que precede e permeia, toda a interpretação.

Rasgado a intensidade, define-se um campo de total abertura a partir do qual procuraremos delimitar os mecanismos por meio dos quais a essa intensidade - que atravessa e se 18

Gilles Deleuze, Nieszche, Lisboa, 1994, p.21. Gilles Deleuze, Diferença e Repetição, Lisboa, 2000. 20 Como adianta analisaremos no seu Teatro e o seu Duplo, Lisboa, 1996. 19

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dispensa em qualquer experiência da realidade,

se poderá fazer coincidir uma outra

experiência antes reservada ao singular e ao exclusivo, num processo de progressiva expansão e apropriação no sentido de uma revelação global assente na negação da singularidade exclusiva do particular.

Verificaremos que à coincidência de uma experiência de arte com o que é experiência da realidade definida por um particular enquadramento e operada por meio de dispositivos particulares (representações componentes) - destituídos de um centro referencial situado nos limites da sua significação no território do hábito – dispositivos repetitivos, readymade,

significa não uma estetização da realidade mas a sua exploração, de uma forma

radical, enquanto território de todas as potenciais significações. A esta exploração corresponde, por sua vez, um processo cuja cartografia cobre uma face história da arte do século XX. Um processo histórico de expansão que elastificou a noção de enquadramento ao ponto da sua coincidência com uma atitude, que conhece uma particular aceleração

com

a

re-territorialização do gesto e do corpo impressos a

intensidade, por acontecimentos na trama espaço/tempo, no enquadramento do que é artístico.

No quadro da história da arte portuguesa, o século XX foi pontuado por particulares momentos de confluência no sentido da expressão e operacionalização do processo de expansão. Focos de intensidade, sobre a cartografia dos quais nos debruçamos a partir da década de 50 – momento em que emergem experimentalmente de um substracto comum, primeiramente expressos através do poético, num segundo momento manifestos numa dinâmica inédita, mobilizante e institucionalmente descentralizada. Não obstante a codificação que os estudos e investigações dedicados aos anos de 60 e 70 empreenderam no sentido da sistematização das práticas e dos eventos, do pensamento e dos processos, o eixo particular ao qual estes focos de intensidade se filiam permaneceu por codificar.

A leitura que nos é permitido fazer da cartografia historiográfica das décadas de 60 e seguinte, da história da arte portuguesa, mostra-nos que esta toca tangencialmente, mas

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deixa escoar pelos interstícios da particularidade das temáticas e dos enfoques, a vertente do performativo. Data de 1979 - ano que encerra o enfoque cronológico do nosso estudo, a edição de uma pequena e preciosa resenha do que nos últimos anos dessa década se havia realizado em Portugal, no território de uma prática artística cujas características legitimariam o enquadramento no termo performance art. Termo que constitui, ao mesmo ano, a cúpula da primeira sistematização historiográfica dedicada a uma prática artística de carácter subversivo, que encontra no gesto um dispositivo que serve o desafio às formas de representação dominantes: o trabalho consignado no Performance art – since futurism to the presente 21, assinado por Rosellee Golberg.

No pequeno Performances, Rituels, interventions en espace urbain, art du comportement en Portugal 22, um critico português escreveu, em françês, acerca de um conjunto de acontecimentos, maioritariamente associados à sua actividade enquanto agente cultural. Momentos que traduzem num plano de superfície, a expressão de um substracto alimentado por uma força motriz cuja mecânica se prende ao que verificaremos ser um processo histórico de expansão. Aos focos de intensidade correlativos às praticas que constituem o objecto deste texto, corresponde uma vertente peculiar da história da arte portuguesa, por meio da qual esta se filia ao que verificaremos constituir a operacionalização do mecanismo performance. Aplicável a qualquer situação, este mecanismo cujo funcionamento assenta na instituição de um particular enquadramento correlativo à articulação de gestos, é transversalmente aplicável a qualquer situação ou a qualquer forma de realizar o poético, o plástico, o performativo. Este constitui a actualização, em acto,

de todas as potencialidades

historicamente conquistadas pelo processo de expansão. Enquanto substracto, esse processo define o eixo de cristalização de uma nova forma de realizar o artístico. No ano de 1985,

a cronologia assinada pelo performer Manoel

Barbosa e que antecede o catálogo do Performarte – I Encontro Internacional de Performance 23, denuncia uma consciência da existência desse eixo. Esta sistematização 21

Roselle Goldberg, Performance Art – Since futurism to the present, Thames and Hudson, Londres, 2001. Egidio Álvaro, Performances, Rituels, interventions en espace urbain, Lyon, 1979. 23 AAVV, Performart – I Encontro Internacional de Performance, Torres Vedras, 13 a 28 de Abril, 1985. 22

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atravessa as diferentes formas de realizar o artístico, tomando como mote a tónica do experimental. Inclui referências à sua expressão no território da música experimental e da poesia concreta, consigna num mesmo enquadramento a actividade de Ernesto de Sousa e a de Egídio Àlvaro, versa simultaneamente galerias, instituições e espaços públicos. Aos artigos e estudos que versam globalmente o lapso temporal destas décadas, assinados por Gonçalo Couceiro ou Bernardo Pinto de Almeida, Rui Mário Gonçalves, Eduardo Prado Coelho, Miguel Wandshneider ou João Pinharanda, Maria de Jesus Àvila ou Silvia Chicó, João Fernandes ou António Rodrigues, Raquel Henriques da Silva ou Fátima Lambert, correspondem estudos que cartografam

a especificidade destas facetas

particulares da sua multiplicidade. Como é o caso de Ruy Vieira Nery e Paulo Ferreira de Castro nas Sínteses da Cultura Portuguesa – História da Música 24, de 1991 e no que concerne ao alargamento do campo poético operado pela poesia concreta, Pedro Cunha Reis em tese de mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1995 25. Se por um lado a actividade de Ernesto de Sousa tem vindo a ser alvo de vários estudos desde a exposição Ernesto de Sousa/Revolution My Body, à qual subjaz a investigação levada a cabo por Miguel Wandshneider e Maria Helena de Freitas 26,

da qual as

directrizes conceptuais defendidas pelo primeiro 27 servem de mote à problematização defendida por Mariana Santos em dissertação de mestrado apresentada à Universidade Nova de Lisboa em 2003 28,

à actividade de Egidio Àlvaro poucas linhas tem sido

dedicadas. Gonçalo Couceiro, no seu trabalho consignado no livro Artes e Revolução 1974-1979 29, refere a programação por este levada a cabo nos anos sobre os quais versa o seu estudo e, no texto assinado por João Fernandes no catálogo da Exposição antológica de Albuquerque

24

Rui Vieira Nery e Paulo Vieira de Castro, Sínteses da Cultura Portuguesa – História da música, Lisboa, 1991. 25 Pedro Cunha Reis, Problemática genérica da Poesia Concreta, Dissertação de Mestrado em Literatura Comparada, FLUL, Lisboa, Janeiro de 1995. 26 AAVV, Ernesto de Sousa. Revolution my Body, Lisboa, 1998. 27 Miguel Wandshneider, “ Descontinuidade biográfica e invenção do autor” in AAVV, Ernesto de Sousa. Revolution my Body, Lisboa, 1998, p.14-24. 28 Mariana de Lemos Pinto dos Santos, Percurso Teórico de Ernesto de Sousa. Vanguarda e outras loas. Dissertação de Mestrado em História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2003. 29 Gonçalo Couceiro, Artes e Revolução 1974-1979, Lisboa, 2004.

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Mendes na Fundação de Serralves em 2003 30, este polariza os aspectos dominantes da actividade cultural da década de 70, entre a actividade empreendida de Egídio e a iniciativa de Ernesto de Sousa. Num outro texto de João Fernandes, cuja autoria é partilhada com Fátima Lambert, a actividade de Egídio volta a ser referida no contexto do fervilhar cultural do Porto da década de 70, com o qual este critico estabelece a partir de Paris uma ligação mediada pela Galeria Alvarez. Esta galeria, cuja fundação remete à década de 50, assumirá um papel chave na dinâmica destes anos, papel que se mostrou capaz de prolongar pela década de 70, sobrevivendo às oscilações

consequentes das euforias de um

mercado de arte

destituído de bases consistentes. No seu Arte e Mercado em Portugal: inquérito às galerias e uma carreira de artista, Alexandre Melo dedica-se a um estudo sistemático deste mercado, que conhece o aparecimento de projectos singulares, capazes de enquadrar produção artística alheia ao território exclusivo da pintura e da escultura. Caso notável neste contexto é o da galeria Ógiva, à qual o escultor José Aurélio deu vida em Óbidos. Esta mobilizou a comunidade artística portuguesa, de Lisboa ao Porto passando por Coimbra, num projecto de descentralização artística e conceptual acerca do qual, para além de meramente referências pontuais, encontramos um breve apontamento da sua história e actividade, no texto de Gonçalo Pena consignado no catálogo da exposição comissariada por António Rodrigues: Anos 60 - Anos de ruptura, uma perspectiva da arte portuguesa nos anos 60 31. A cartografia do que verificaremos corresponder a um processo histórico de expansão que permeia pontualmente a história da arte portuguesa do século XX, revela que aos anos compreendidos entre 1961 e 1979, correspondem particulares regiões de intensidade, com filiações entre si, definindo linhas de abertura múltiplas. Os limites dessa geografia correspondem à sobreposição de dois planos: o plano da história política e o plano da história artística. A

leitura desta sobreposição, iluminada pela

dinâmica e expressão do mecanismo performance, traduz um processo de experimentação artística dos limites formais e conceptuais – com bases no poético e no musical, mais tarde no pictórico e no conceptual, que se define paralelamente à des-estruturação das bases 30

Cfr. Catálogo da exposição: AAVV, Confesso. Albuquerque Mendes, Fundação de Serralves, Porto, 2003. AAVV, Anos 60 - Anos de ruptura, uma perspectiva da arte portuguesa nos anos 60, Livros Horizonte, Lisboa, 1994. 31

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políticas, nos moldes até então vigentes, no quadro do regime de Salazar. Das diaclases que se rasgam no corpo desse regime, a mais profunda corresponde ao compromisso colonial, em 1961. A partir de então, o equilíbrio incerto dos últimos anos do regime comporta um estado latente de revolução, expresso na capacidade de artistas e agentes culturais radicalizarem os limites impostos aos géneros e aos processos artísticos. Este atravessa as regiões de intensidade geradas da sobreposição dos dois planos, assumindo particular expressão nos anos em torno da Revolução de Abril. Este corresponde ao substracto alimentado pela mecânica do processo de expansão, traduzido nesta sobreposição, a partir de 1979, em linhas de abertura.

II. Mecanismo performance: 1. Sub-representatividade e o jogo das repetições nuas e das repetições vestidas

O actor não faz duas vezes o mesmo gesto, mas faz gestos, mexe-se. E embora violente as formas, todavia, por detrás delas e através da sua destruição, atinge tudo o que sobrevive às formas e que é a causa de que permaneçam. Antonin Artaud 32

Articulando repetições, instaurando descentramentos, inscrita no território da experiência onde se joga com o intangível uma

simultânea definição e cartografia da realidade,

procuraremos mostrar num primeiro momento como a performance circunscreve, pela instituição da repetição nua e material no recurso a dispositivos ready-made, um limiar. Um limiar, definido por um enquadramento especifico e correlativo a uma particular atitude, por meio da qual, por sua vez, poderá acarretar a implicação da libertação dos pontos de vista únicos, dos limites da convenção cerceadora e das imposições da representação em função da qual tudo é sujeito à generalidade no modelo de pensamento que lhe é próprio - o da recognição, no sentido de uma revelação da dinâmica da repetição vestida.

A recognição define-se, afirma Gilles Deleuze no seu Diferença e Repetição, pelo exercício concordante de todas as faculdades sujeitando o objecto ao que é idêntico, ao análogo e ao 32

Antonin Artaud, O teatro e o seu Duplo, Fenda, Lisboa, 1996, p.14.

17

oposto 33 remetendo tudo aquilo sobre o qual versa para o domínio da generalidade regida pelas duas grandes ordens qualitativa das semelhanças e quantitativa das equivalências 34. Domínio de expressão da repetição nua.

A este processo selectivo corresponde a estabilidade de uma sistematização e o conforto da norma. Corresponde a experiência

definida no plano de superfície, operacional,

dominantemente privada do contacto com a potência das intensidades onde se gera e cruza a dinâmica e o segredo da vida. E a esta potência corresponde uma dinâmica própria, um movimento que é o de uma repetição de ordem espiritual - o motor de todos os gestos, movido por um sujeito secreto e disfarçada pela repetição material

e nua que se define como a repetição aparente e

simples do mesmo. Agir implica actualizar - na dinâmica dispensada em intensidade,

a

ordem que subjaz estas repetições nuas, ou seja, a ordem das repetições vestidas. Agir dá inicio ao jogo das repetições nuas e das repetições vestidas.

Um ponto da situação, ao modo de um apontamento referencial: se ao domínio da intensidade, corresponde, segundo Deleuze ainda no Diferença e Repetição, o domínio do sub-representativo, entendo a representação definida sobre a norma segundo modelo da recognição, se tomamos a intensidade como território da experiência, verificamos como a performance se articula sobre um plano, que se seguirmos Deleuze, é sub-representativo. Ademais, verificamos que o evoca, que o instaura, enquanto um processo num sistema outro e distinto, situado no interstício definido pela relação entre um sujeito e um objecto na experiência - um processo de potências em conexão.

Ponderamos nesta medida a possibilidade de deslocar os propósitos que levaram Gilles Deleuze a problematizar a Diferença e a Repetição no sentido da definição de uma filosofia da Diferença, decidida a partir da instauração da diferença no próprio pensamento, passando pela libertação desse mesmo pensamento do jugo da ortodoxia, do dogmatismo de uma imagem moral e dos seus pressupostos, para uma abordagem da performance.

33 34

Gilles Deleuze, Diferença e Repetição, Lisboa, 2000, p. 238 Id.ibid., p. 41

18

No Diferença e Repetição ( 1ªed. 1969, Paris) Gilles Deleuze procura delimitar para a diferença um universo conceptual próprio, livre de uma subjugação à representação.

Entendendo-se por representação a mediação entre objectos e conceitos, segundo a qual a cada objecto corresponde um conceito próprio. Submetida por meio da comparação à negatividade,

em virtude da sua permanente

assumpção enquanto diferença meramente conceptual, julgada em função dos conceitos próprios da representação: oposição, semelhança, analogia e identidade; a diferença sofre no pensamento de Deleuze uma deslocação. Deve ser, avança, introduzida no próprio acto de pensar e privada da sua inscrição no conceito em geral.

Neste sentido, a diferença só é efectivamente diferença quando se refere ao diferente, gravita em torno do diferente se define a partir do diferente. Destronando o principio de uma identidade primeira com a qual se relaciona por meio da semelhança, da analogia ou da oposição, mas cuja presença se mantém sob a forma de principio: mas como um segundo principio, como algo tornado principio, que gira em torno do diferente 35. E se à revolução que implicou a perda da hegemonia do centro único pela imposição da elipse ao circulo correspondeu a linha de abertura traçada até à diferença enquanto conceito como Nietszche a desenhou, no universo cuja força motriz é a da rejeição de toda a negatividade, o da repetição no eterno retorno, Deleuze avança: o eterno retorno é por excelência, o universo de expressão da diferença 36. Dotado de um carácter selectivo e de uma poderosa força centrifuga que rejeita todo o negativo ou tudo o que não é capaz de alcançar o seu limite, nele todas as identidades são dissolvidas ou abolidas em função do limite alcançado. O Eterno retorno é o território das formas extremas em potência, transformando-se e passando umas nas outras 37 inviabilizando o retorno ao idêntico. A relação fundamental que se estabelece é a da permanente mudança e a da transmutação anulada a oposição entre devir e ser, múltiplo e uno, afirmada a necessidade do acaso – 35

Gilles Deleuze, Diferença e Repetição, Lisboa, p. 99 Id.ibid., p. 100. 37 Id.ibid., p100 36

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retornar é precisamente o ser do devir, o uno do múltiplo, a necessidade do acaso 38. O único mesmo é o do movimento do eterno retorno: o eterno retorno não faz o mesmo retornar, mas o retorno constitui o único mesmo que devém. Retornar é o devir-idêntico do próprio devir. Retornar é pois a única identidade da diferença, o idêntico que se diz do diferente, que gira em torno do diferente. Tal identidade produzida pela diferença, é determinada como repetição. Do mesmo modo, a repetição do eterno retorno consiste em pensar o mesmo a partir do diferente 39.

E o processo selectivo funciona na razão inversa. Do mesmo modo, a repetição é gerada da diferença, é essência de todo o movimento, é a oposição de toda a memória e hábito, e do mesmo. Não é o mesmo que volta, já que o voltar é a forma original do Mesmo, que apenas se diz do diverso, do múltiplo, do devir. O Mesmo não volta, é o voltar que é o Mesmo daquilo que devém 40. O que volta é a afirmação – só volta o que pode ser afirmado, tudo o que é negação é expulso pelo seu próprio movimento na medida em que, afirmando-se do devir, expulsa o que contradiz a afirmação. A repetição, diz Deleuze, articula-se em dois níveis: a repetição nua e a repetição vestida.

Assumindo estes dois níveis de repetição, problematizamos o substrato sub-representativo da

performance enquanto medium articulado por dispositivos ready-made

-

nomeadamente o gesto – se tivermos em conta que todo o gesto e todo o comportamento só acontece enquanto repetição de outros gestos e comportamentos aprendidos (e Marcel Mauss cedo o mostrou 41), e irredutivelmente inscrito na repetitividade do meio espaciotemporal 42. 38

Gilles Deleuze, Nieszche, Lisboa, 1994, p.30 Gilles Deleuze, Diferença e Repetição, Lisboa, p.100 40 Gilles Deleuze, Nieszche, Lisboa, 1994, p 30. 41 Seguimos aqui o texto de Marcel Mauss Técnicas do Corpo de 1934, apresentado nesse mesmo ano em França à Société de psycologie a 17 de Maio, na sua edição a cargo de Jonathan Crary e Sandford Kwinter na Zone, Nova Iorque, 1992, pp.455-480. Por técnica corporal Mauss define os modos nos quais, de sociedade para sociedade, os homens sabem usar os seus corpos, p.445, ou seja, como cada comunidade faz uso dos seus corpos, e defende que esse modo de utilizar o corpo é essencialmente fruto de um processo de integração e aprendizagem realizada no seio de cada cultura e sociedade, isto na medida, em que à aplicação de cada técnica preside, necessariamente uma aprendizagem que, por sua vez assenta na repetição. No limite, o que Mauss defende neste ensaio prende-se a a afirmação de que tanto as atitudes como os gestos, desde a tonalidade ao volume da voz, são o resultado de uma imitação social, uma repetição em virtude da qual o 39

20

A esse substracto corresponde o hiato onde se desenha a distinção entre duas repetições de uma mesma performance. Relembramos a dialética enunciada por Peggy Phelan: uma performance pode ser repetida, mas esta repetição define-a como “diferente” 43. Se assumirmos

a repetição enquanto natureza de toda a acção por meio da qual se

determina na intensidade, e pela diferença que delimita cada repetição a garantia da não sujeição à representação,

num intervalo

situado fora dos limites das comparativas

categorias da generalidade, o que numa performance poderá corresponder ao que se pretende designar por arte, coincide com a intensidade dispensada na sujeitando-se à inscrição num território de que não é por si,

experiência

representacional, mas

essencialmente repetitivo. Onde não é possível sequer, distinguir o espaço ou tempo – o vivido, da experiência da origem das coisas 44. Um potencial substracto sub-representativo.

Desta forma, o corpo da performance age como um mecanismo articulando representações componentes descentradas, repetições nuas impressas no cruzamento da teia tempo com a trama espaço, permeado a intensidade. O mecanismo performance.

Ao desempenho desse mecanismo corresponde a possibilidade do desvelamento da energia ou da dinâmica que permeia toda a acção – das repetições vestidas, definida nesta em função de uma deslocação, de um descentramento das representações componentes que a constituem e da particularidade do enquadramento imposto. Os efeitos colaterais do mecanismo performance sobre a percepção do território espaçotempo são imediatos. Inscrevem-se no plano da revelação de uma positividade situada para lá do que é vivido dentro dos parâmetros do estabelecido – do que se repete como sendo o justo, o correcto e a conduta a ser seguida. Ou seja, a regra geral que isenta a escolha da multiplicidade das corpo sobre uma orientação moral e espacial. As técnicas corporais como as entendeu Marcel Mauss, diz António Pinto Ribeiro, são actos de ordem mecânica, fisica e psico-química que se materializam em atitudes, movimentos, posturas e gestos dinâmicos e específicos. Actuando directa e progressivamente sobre o corpo, estas técnicas arquitectam o comportamento corporal, in António Pinto Ribeiro, Op.cit., p. 108. 42 Gilles Deleuze, Diferença e Repetição, Lisboa, p. 60 43 Peggy Phelan, Op. cit., Cfr, nota 9. 44 Como defende Carlos Vidal serem as intenções do pintor expressionista abstracto na linha da color field painting - Barnett Newman ( 1905-1970), coincidentes com a noção de performance, no seu já citado artigo “A imobilidade da arte ou da pobreza à ostentação da pobreza...” in Teresa Cruz (Ed.), Interactividades..., Lisboa, 1997, pp.72-85, p.79

21

possibilidades

e que orienta a existência no sentido de uma estabilidade ilusória de

superfície, impedindo-a de reconhecer em si própria o caos fundador, o acaso, e o todo o universo como um domínio de uma outra revelação. Como o território de uma particular forma de intuição de acordo com C. Greenberg, ou sensibilidade como afirmou Yves Klein, ou percepção, ainda, se seguirmos J-J. Lebel. De reconhecer o que o crítico Pierre Restany designou como sendo a outra face da vida 45.

Desta forma, verificar o funcionamento do mecanismo performance impõe uma incursão ao universo sempre presente, mas disfarçado nas repetições mecânicas e nuas, na rotina material e no hábito, que subjaz e rege toda a realidade e para o qual estamos cegos, surdos e anestesiados em função do que está estabelecido na sujeição aos ramos da generalidade e aos esquemas da representação. Aí onde se joga a dinâmica da vida num contacto definido, em virtude, diz Artaud, da fragmentação da linguagem, - a vida enquanto esse cerne frágil e variável que as formas nunca alcançam 46.

Ritmado pelas normas e leis da realidade em geral pautada pelo cruzamento do eixo tempo com o eixo espaço, estruturados de acordo com os esquemas da recognição e operando no plano das repetições nuas, os componentes em articulação no mecanismo performance são acções. Nessa articulação o funcionamento do mecanismo impõe um descentramento no plano da superficie – no plano da manifestação material, obrigando, consequentemente, ao novo enquadramento de uma repetição cuja consequência é, num primeiro momento, a evidenciação. Procuramos assim cartografar a constituição e funcionamento do mecanismo performance, nomeadamente enquanto mecanismo previlegiado de revelação de uma ordem subjacente a toda a realidade em geral.

Realizando-o por meio de um mecanismo permeado por uma intensidade que implica a anulação da pré-estruturação da significação e da consequente dualidade entre o sujeito e objecto, na instituição de uma dinâmica relacional que se joga na complementaridade e 45 46

Pierre Restany, L´autre Face de l’art, Paris, 1979. Antonin Artaud, O Teatro e o seu Duplo, p. 15.

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nas conexões determinadas em simultaniedade por um corpo em acção – um corpo-motor, instaurando a repetição. Dualidade esta - imposta por um terceiro elemento, se voltarmos à relação genuina de C.S. Pierce, – o elemento da representação, o Representamen que se anula no fluxo da energia dispensada ou intensidade. Na origem dessa dualidade está o papel mediador da representação. Responsável pelo estabelecimento dos centros referenciais únicos, pela comparação, pelo pressuposto e pelo fundamento.

Assim, equacionar a efectividade do substracto sub-representativo que anima o corpo de uma performance na sua operacionalização enquanto mecanismo,

obriga-nos a um

aprofundamento das características e qualidades dos dispositivos de repetição por esta articulados, no suporte espacio-temporal. E de forma particular, aprofundar a sua qualidade enquanto sistema de repetição, entendendo-a consequentemente e de acordo com Deleuze, fora dos limites da generalidade e da lei, onde é pensada quer em função da troca e da substituição quer enquanto transgressão 47 respectivamente, bem como fora da identidade no conceito ou pela semelhança na representação 48.

Sendo que todos os gestos e acções são repetição – de outros gestos, aprendidos, treinados, sociais ( como já vimos que o explicou Marcel Mauss) e todo o comportamento relativo a outro comportamento já decorrido sob outras conjugações e enquadramentos o que se define sociológicamente por – restored behavior 49, a performance ao articular gestos, acções e comportamentos enquanto dispositivos

(representações componentes) num

sistema/acção de significação, instaura uma ordem da repetição – a da repetição nua e mecânica, segundo os conceitos de Deleuze.

Repetição esta que, de acordo com a sociologia de Erwin Goffman, ao ser instaurada ao nível da acção é responsável pelo estabelecimento de uma distância entre si-próprio e a própria acção, gesto ou comportamento, que os dota de uma particular consciência de si

47

Cf. Gilles Deleuze, Diferença e Repetição, Lisboa, 2000, p.42 Id. Ibid., p. 359 49 Cf. a definição concisa deste conceito na obra de Richard Schechner, Performance Studies, introduction, Londres, Nova Iorque, 2002, p.27-28. 48

23

mesmo ( e este é o cerne da definição de restored behavior). Trata-se então de um evidenciamento ou enquadramento - gerado da repetição, que potência ao modo de um sublinhado, a revelação da sua natureza efectiva como diferente – uma potência singular. Jogo da repetição nua e da repetição vestida.

A ordem de repetição instituída é relativa a esse teatro da repetição onde, enquanto conduta, a repetição é relativa a uma singularidade não permutável e insubstituível. Dado que, segundo Deleuze, na sua essência, a repetição é dotada da capacidade de remeter para uma potência singular que difere por natureza da generalidade, mesmo quando ela, para a aparecer, se aproveita da passagem artificial de uma ordem geral a outra 50.

Assim, uma repetição própria do domínio da generalidade - a repetição que se pode explicar pela representação – como a repetição que se pode reconhecer em cada gesto, constitui uma repetição no efeito, uma repetição habitual, do domínio da igualdade, e da simetria. Constitui um a repetição material tangível ou uma repetição nua.

À repetição nua subjaz diz-nos Deleuze, uma outra repetição. A repetição

vestida,

dinâmica – a repetição da ordem da causa da desigualdade, do incomensurável e do dissimétrico – a repetição espiritual que tem o segredo dos nossos mortos e das nossas vidas, dos nossos aprisionamentos e das nossas libertações, do demoníaco e do divino 51. A repetição vestida é uma repetição interior, espiritual. A repetição que no jogo da repetição nua e da repetição vestida, a nua cobre, implicando que a instauração da repetição nua no implique uma evocação ou actualização - disfarçada é certo, da repetição vestida. Assim, continuando com Deleuze, verificamos que cada repetição é afectada no seu interior por uma ordem de diferença – que se situa para lá de uma extrínseca concepção da repetição enquanto diferença sem conceito, define, no entanto, como uma intensidade intuída fora da sujeição às exigências da representação. Assim, o jogo da repetição nua e da repetição vestida dita também que repetição implica evocar a diferença.

50 51

Gilles Deleuze, Diferença e Repetição, Lisboa, 2000, p.44. Id.ibid., p. 74

24

instaurar a

Por conseguinte, operando ao ritmo do jogo da repetição nua e da repetição vestida, a mecânica da performance opera uma deslocação conceptual da intuição da realidade ( em virtude da acção e desta enquanto enquadramento na rede de implicações e conexões que envolve e determina) sobre a repetição nua, no sentido da expressão e revelação da dinâmica da repetição vestida e do seu correlativo grau de diferença e natureza intensiva.

Aproxima-se assim da mecânica

que preside o agir ritualizado 52 - instaurando-se

repetições, definindo-se consequentemente o limiar preciso e correlativo a um determinado enquadramento, delimitando uma particular consciência de si – de quem age e dos dispositivos a que recorre, distinta da consciência fundada no hábito. Tal como restored behavior, os rituais são “faixas de comportamento” que se desenvolvem por si independentemente das suas “origens” ou funções originais. Os movimentos, expressões e posturas dos rituais humanos são frequentemente acções comuns que foram exageradas, simplificadas, e tornadas repetitivas 53.

52

Seguiremos as definições de ritual elaboradas no domínio da antropologia. Este é um assunto que tem sido, em diferentes vertentes abordado no estudo da performance. Por agora importa referir o capítulo em que no seu estudo centrado nas relações entre a arte contemporânea e a arte pré-histórica - Overlay – contemporary art and the art of pre-history, Nova Iorque, 1983, a ensaísta e activista política Lucy Lippard se centra na questão do ritual e das suas relações com a arte contemporânea. pp.160-195.; Assunto que constitui também o objecto de reflexão do texto de Gilberto Cavalcanti “Aspectos do ritual na arte contemporânea” in Colóquio Artes, nº22, 2ªsérie, Abril 1975, pp.36-43 e que mais adiante virá a adquirir, nesta reflexão, uma particular perspectiva. 53 Richard Shechner, Op.cit., p. 55.

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2. Limiar: o Ritual e o Jogo

Com o happening os nossos actos tornam-se rituais e a nossa vida quotidiana transforma-se. Allan Kaprow 54

Jogo é tudo que vai desde o movimento relativo de dois seres ou objectos até à estrutura íntima da matéria, até ao próprio universo em expansão. Ernesto de Melo e Castro

Um ritual, relativo ao rito ( do qual é a sua dimensão de acção), é sempre repetição (no tempo, de um outro ritual passado relativo por sua vez a um momento instaurador), assenta sobre repetições - repetições no efeito, nuas, (gestos, fórmulas) e evoca uma repetição ( do tempo do mito, momento fundador onde se jogam as potências). Uma repetição vestida, interior. Define-se como um costume ou uma cerimónia ao assentar num conjunto de regras estabelecidas, seguindo uma forma adoptada por uma colectividade ou autoridade.

Por meio do ritual, a natureza e efeito do rito não são mostrados figurativamente, mas crêm-se realmente reproduzidos ( no sentido de uma identificação, enquanto repetição mística 55) pela acção - quem se inclui no acto ritual, participa no/do acontecimento que este evoca. Pela experiência. O conjunto de actos que enquadra e sobre o qual opera, têm o seu desenrolar parcialmente predefinido, abarcam uma expectativa particular quanto aos seus resultados e são tidos como portadores de uma eficácia que é inerente à sua natureza 56. Mas, nem a sua função nem a sua finalidade se esgotam na sua qualidade formal, repetição nua. São-lhe correlativas por meio de uma potência inerente à sua natureza enquanto acto. Assenta na sua qualidade de experiência o modo como por meio dos dispositivos que articula opera enquanto intermediário de um processo, de uma conexão entre realidades ou domínios intensivos.

54

Citado por J.J. Lebel, El Happening, Buenos Aires, 1966, nota 1, p.41. Cfr. Joan Huizinga, Homo Ludens, Lisboa, 2003, p.31 56 Cfr. Marc Augé, Hacia una antropologia de los mundos contemporaneos, Barcelona, 1998, p. 84-85. 55

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Um ritual - seja mágico ou religioso ( variando em função disto, segundo Marcel Mauss, os protagonistas da acção e as potências que são evocadas 57), institui o momento por meio do qual determinadas potências são evocadas, determinados resultados catalizados – define o espaço e o tempo em que se desenha um elo relacional com uma ordem distinta da ordem profana e comum das coisas, seja com sagrado, com o mágico, com uma ordem imanente 58.

O ritual institui uma mecânica que impõe a ruptura e sublinha a ciclicidade, reinforça os laços sociais entre indivíduos ( como o defendeu E. Durkheim no seu The elementary forms of religious life 59). Carrega de intensidade determinados momentos e espaços, determina a quebra da homogenidade do espaço profano e implica a definição de espaços estruturados, referenciais, em contraponto aos demais espaços amorfos 60. Delimita ou decorre em locais de hierofania 61 ou revelação. A este intervalo de mediação entre dois estados corresponde o termo limiar.

A noção de limiaridade implica um território dotado de um espaço e um tempo particulares, previligiados. Um limiar separa dois espaços indica tempo a distancia entre dois os modos de ser, profano e religioso. O limiar é ao mesmo tempo o limite, a baliza, a fronteira que distinguem e opõem os dois mundos – e o lugar paradoxal onde estes dois mundos comunicam, onde pode efectuar-se a passagem do mundo profano para o mundo sagrado (....) o limiar, a porta, mostram de uma maneira imediata

e concreta a solução da

continuidade do espaço; daí a sua grande importância, porque são símbolos e veículos de passagem 62. 57

Marcel Mauss, Lo Sagrado e lo profano, Madrid, sd. Philip Auslander dedica o primeiro capitulo da primeira parte da sua obra From acting to performance, Londres e Nova Iorque, 1997, a uma reflexão sobre os autores contemporâneos cuja obra é determinada por parâmetros centrados na busca e definição de uma dimensão da performance teatral que tem como aspiração a comunicação com uma dimensão intangivel, dos niveis universais da experiência. De modo particular, todos os conceitos que define serem correlativas ao termo “holy theatre” ( forjado por Peter Brook na obra The empty space, Nova Iorque, 1969). À luz da noção de um teatro cuja acção tem como finalidade uma revelação e regeneração inclui as noções de teatro definidas por Peter Brook, Jacques Copeau, Jerzy Grotowski e Antonin Artaud. 59 Émile Durkheim, The elementary forms of religious life, Nova Iorque, 1965. 60 Mircea Eliade, O sagrado e o profano – a essência das religiões, Lisboa, 2002, p.35 61 Cfr. Mircea Eliade, O sagrado e o profano – a essência das religiões, Lisboa, 2002,p. 25 - Hierofania: que algo de sagrado se nos mostra. 62 Mircea Eliade, Op. Cit., p.39 58

27

Partindo do principio que preside a noção de limiar,

Victor Turner ao analisar as

diferenças entre sociedades tradicionais e sociedades industrializadas no que concerne ao modo como se nestas tem lugar o lúdico, utiliza os termos liminoide e liminal

63

de modo

a descrever os tipos de acção simbólica, de carácter voluntário ou socialmente exigido, que foram transferidas do domínio do sagrado para o campo das actividades corporativas ou lúdicas, em virtude das consequências da industrialização e da divisão do trabalho. Desta transição, explica, ressalta uma consequência imediata: os novos comportamentos de pendor lúdico assumem aspectos que antes estavam reservados ao domínio próprio do ritual religioso na sociedades pré-modernas 64. Desta forma,

Turner, distingue fenómenos de carácter liminal e fenómenos de caracter

65

liminoid , ambos presentes nas sociedades pós-industrialização. Se Turner utiliza o termo liminoid para descrever tipos de acção simbólica que ocorrem em actividades lúdicas, voluntárias, que nas sociedades contemporâneas servem funções semelhantes às do ritual nas sociedades tradicionais ou pré-modernas, ao termo liminal faz corresponder o leque de actividades obrigatórias que implicam a filiação a um grupo. Se os fenómenos de carácter liminal tendem a predominar nas sociedades tribais e nas sociedades agrárias antigas, tendem a ser colectivos e cíclicos, integrados no processo social total articulando-se com os demais aspectos de carácter económico e político, os seus símbolos reflectem a história do grupo e a sua experiência colectiva ao longo do tempo e estão de acordo com a norma, por outro lado, os fenómenos de carácter liminoid florescem em sociedades fundadas em relações contractuais, nomeadamente, aquelas geradas com a revolução industrial. E se os fenómenos de natureza liminoid podem ser colectivos em função de uma derivação de fenómenos de natureza liminal, são geralmente produtos individuais, gerados sem sujeição a uma ordem cíclica e gerados à parte dos processos políticos e económicos centrais – são

63

Partindo do termo limiar ( derivado do termo límen ) tido como um lugar de passagem ou de transição, definido por um carácter temporário – um espaço de passagem entre dois espaços, sendo que os rituais ou performances estéticas correspondem a um alargamento conceptual e físico desse pequeno espaço a um espaço e alargado de uma determinada ocorrência particular. Cf R. Schechner, Op.cit.,p.54. 64 Vitor Turner citado por Richard Schechner in Op.cit., p. 58. 65 Partindo do termo limiar ( derivado do termo límen ) tido como um lugar de passagem ou de transição na arquitectura, correspondendo a um espaço de permanência de carácter temporário – um espaço de passagem entre dois espaços. Assim, os rituais ou performances estéticas correspondem temporal e espacialmente a um alargamento conceptual e físico desse pequeno espaço. Cf R. Schechner, Op.cit.,p.54.

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fragmentários e experimentais por natureza 66. Tendem a ser indiosincréticos e os seus símbolos estão mais próximos de um domínio pessoal-psicológico do que de um domínio objectivo-social. Desta forma são, continua Turner, frequentemente parte de criticas sociais ou manifestos revolucionários – livros, peças, pinturas, filmes, etc., expondo as injustiças, ineficácias e imoralidades das estruturas e organizações políticas e económicas 67. Aos processos de carácter liminal e liminoid 68 corresponde uma libertação da rotina e do estado quotidiano, bem como a definição de uma relação particular entre os participantes destas ( como o indicou para o ritual E. Durkheim), estabelecida em função da partilha de uma actividade comum – independentemente da subjectividade da experiência pessoal (esta só se define em função de uma situação determinada em função de um conjunto de elementos em presença). A participação directa na acção, notemos, significa uma unificação das vontades no sentido de um mesmo objectivo onde, por sua vez, as responsabilidades são partilhadas. Mas, mesmo que não exista uma participação directa na acção, a simples presença num acontecimento determina um comprometimento -

quer relativamente a esse mesmo

acontecimento – dotado de um tempo e espaço tidos como particulares em função da atitude que os enquadra – o seu enquadramento, quer relativamente a si mesmo e a todos os demais elementos em presença. Distinguindo liminal e liminoid Turner separa em dois grandes grupos os tipos de acção que nas sociedades contemporâneas são herdeiras de características próprias do ritual. Correlativo ao termo limiar encontramos o jogo. Uma das características próprias do jogo, diz Huizinga no Homo Ludens 69, recai sobre o modo especifico como define um intervalo de passagem entre a realidade comum e a esfera de uma actividade temporária, dotada de uma ordem própria 70. O espaço que o jogo

66

Victor Turner, “ Liminal and Liminoid” in Colin Counsell, Laurie Wolf , Performance Analisys – an introductory coursebook, Londres/Nova Iorque, 2001,.pp.202 - 209, p. 209. 67 Id.ibid. p. 209 68 No original inglês dada a inexistência de uma tradução directa. 69 Joan Huizinga, Homo Ludens, s.l., 2003. 70 Id.ibid., p.24

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circunscreve é qualitativamente diferente do que o rodeia, cuja homogeneidade quebrou 71. Um espaço onde a continuidade do tempo da vida quotidiana é suspensa, substituída por outra, tanto para jogadores como para espectadores.

O jogo tem a sua própria ordem, que se apresenta numa primeira instância, diz Huizinga, como um intermezzo, um interlúdio no quotidiano, cujo tempo e espaço são dotados de duração e significado próprios 72. Um acto ritual é dotado de todas as características formais essenciais do jogo – neste, a vida comum fica suspensa 73, sendo uma actividade livre, destituída de interesse material, cujo desenrolar se define dentro dos seus próprios limites de tempo e de espaço, de acordo com regras pré-definidas 74.

Às características do jogo presentes na arte, o poeta Ernesto Melo e Castro dedica em 1962, no âmbito de uma apresentação das características e potencialidades inerentes à poesia concreta, algumas considerações de grande pertinência no quadro da nossa reflexão. Partindo da poesia em particular para alargar as suas considerações à arte em geral, Melo e Castro situa as semelhanças entre e arte no modo como

equacionam todas as

potencialidades da vida, e apresenta um resultado livre, resultado que é valido em si próprio, mas não esgota nem as potencialidades nem da vida, nem de quem cria o poema, de quem encontra o resultado e o propõe 75.

É certo que a vida quotidiana inclui elementos ritualizados – tratam-se de rituais profanos e operativos que se incluem no hábito. Se a performance nunca poderá constituir um ritual no sentido religioso, o mecanismo performance partilha processos e consequências tanto com o ritual como com o jogo.

71

Ernesto Grassi, Arte e Mito, Lisboa, sd, p.101. Joan Huizinga, Op. Cit. p25. 73 Id.ibid., 34 74 Id.ibid, p.29. 75 Ernesto Melo e Castro, “ “ E.M. de Melo e Castro, Texto lido na Feira do Livro/1962” in Ana Hatherly e E.M. Melo e Castro, PO. EX – Textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, 1981, pp. 95-101. 72

30

O funcionamento de todos estes implica a circunscrição de um limiar e a consequente instituição de uma ordem, de um tempo e de um espaço próprios 76, distintos da demais realidade. Os elementos de ritualização presentes no mecanismo performance assentam na sua operacionalidade enquanto repetição que instaura um re-centramento por meio de um descentramento e, consequentemente, a dinâmica do processo de evidenciação próprio dos dispositivos repetitivos descentrados, ao qual chamaremos, daqui em diante, processo negativo de revelação de uma positividade.

Se António Pinto Ribeiro nos diz que o que distingue um ritual de um acontecimento, é o facto de aquele decorrer segundo tempos e espaços próprios e diferenciados do acontecimento linear, das possibilidades do real, ou seja, da apresentação de possibilidades não contidas no real 77, o que o mecanismo performance revela é que precisamente e inversamente, que numa mecânica próxima do agir ritualizado, o mecanismo performance empreende na ruptura de um limiar a instauração um 76

Não obstante virmos a constatar a utilização do termo ritual na designação de várias práticas performativas, no domínio social para que um conjunto de acções constituam um ritual é exigido o cumprimento de parâmetros de comprometimento e enraizamento social: um ritual implica a partilha de uma experiência assente numa memória colectiva, num presente partilhado e num futuro relativamente ao qual determinada comunidade partilha, também, as suas expectativas. Verificaremos que estes artistas operam uma ritualização do profano. Um ritual, diz-nos Lucy Lippard no seu Overlay – Contemporary art and the art of pre-history, Nova Iorque, 1983, p.160, só preenche o seu verdadeiro sentido quando é preenchido por um impulso comunitário que relaciona o passado ( a última vez que foi realizado) e o presente ( o ritual que está a ser realizado) e o futuro ( vamos realiza-lo de novo?). Um ritual, segundo esta perspectiva, só o é enquanto acção de carácter liminal, se seguirmos a linguagem de Vitor Turner. É precisamente acerca destas questões que num artigo de 1977 intitulado “Participation Performance” in Allan Kaprow; Jeff Kelley (ed.) Essays on the blurring of art and life, Berkeley, Los Angeles, 1993, p.185, o artista americano Allan Kaprow (n.1927) aborda a questão do ritual partindo da discussão dos problemas levantados pela questão da participação na performance. Neste artigo Kaprow reconhece a impossibilidade de um artista instituir ou realizar um ritual – dado o seu contexto e as suas implicações sociais. No entanto defende que dado o número restrito de participantes que constituiam as audiências dos happenings e dada a homogeneidade cultural dessa mesma audiência - o que lhes dá a possibilidade de se definirem como participantes em virtude da partilha de interesses, linguagem e contextos comuns, o happening permitia em virtude da ritualização dos gestos e das acções definir acontecimentos com contornos cerimoniais. Intervenções cuja origem estava não na crença nem no costume mas no próprio artista. Podemos assim falar em aspectos do ritual na arte como o fez Gilberto Cavalcanti no seu texto “Aspectos do ritual na arte contemporânea” in Colóquio Artes, nº 22, Abril 1975, p.36-43. Neste mesmo texto, Cavalcanti rematará a principal questão levantada pela performance como ritual. Nomeadamente no que é relativo à origem e da natureza da energia sobre a qual se constroi, de modo a ser tida enquanto um ritual. Assim sendo, se a dimensão comum que serve de agente aglutinador, que condensa tanto a energia como o poder dos rituais religiosos é definida por dimensão do “não humano”, no domínio da performance esta corresponde, segundo Cavalcanti, ao que designa por “desejo utópico”. O domínio de uma vontade de regeneração e transformação que encontra por meio da acção o seu sentido e uma possibilidade de concretização. p. 36-37. 77 António Pinto Ribeiro, Op.cit., p.105.

31

enquadramento ao qual corresponde uma determinada atitude, revelando que à realidade comum, ao acontecimento linear – ao domínio da repetição nua,

subjazem todas essas

possibilidades supostamente não contidas no real.

Esse real é, no entanto, aquele que se tece, na trama da representação pela recognição. Por conseguinte,

torna-se necessário e possível pela mão de Deleuze, ponderar o

funcionamento do mecanismo performance na revelação do jogo das repetições nuas e vestidas, no sentido do plano onde fluem as últimas, numa ordem da diferença, para lá do território do conceito e da representação 78.

3. Dispositivo de representação descentrado: gesto ready-made.

Não é apenas, nem tão pouco, por meio de uma simples descontextualização ou de uma multiplicação dos pontos de vista que se define a instauração do sub-representativo.

O acesso ao território do sub-representativo é determinado pelo descentramento de cada representação componente, que no caso do mecanismo performance são essencialmente gestos e acções. Esse descentramento traduz-se pela deformação, pelo desvio, pela privação do seu centro referencial no território da recognição: situação imposta pelo mecanismo performance ao 78

Continuamos a referir-nos à representação como relação estrita entre objectos e conceitos, e não podemos deixar de ter em conta as implicações que esta acarreta, neste ponto sobre o qual agora nos debruçamos. Partindo da ideia que Craig Owens delimita no último item do seu artigo “Representation, Appropriation and Power” in S. Bryson; B. Kruger; L. Tillman; J. Weinstock (ed.), Beyond Recognition, Representation, Power na Culture, Berkeley, 1992, pp.88-116, na qual citanto Frederic Jameson lembra que a formulação modernista da representação, assenta numa terminologia religiosa que a define como a figuração que encorpora, transmite e exprime verdades transcendentes, devemos sublinhar dois pontos. Primeiro, que conscientes desta posição, temos vindo a delimitar uma ideia que nos impossibilita inscrever a performance nesta linha do modernismo, visto defendermos uma ideia da arte da performance como uma arte que priva com limites sub-representativos. Logo, como temos vindo a ver, mesmo que a performance disponha e utilize, necessariamente, meios da representação, esta não só não se esgota como não coincidente forma estrita com estes, mas também não é a consequência de qualquer coisa que estes enquanto representação contenham naturalmente. Assim, e em segundo lugar, define-se então a questão de uma arte que é por si detentora ou não de uma verdade. E o que temos vindo a ver é que se existe a evocação de alguma verdade nesta arte, esta não é pensada como coincidente com a representação mas com tudo o que se funda na experiência directa e vivida do quer que seja, nomeadamente com um domínio que é o da intensidade.

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gesto e à acção – dispositivos de repetição, pela apropriação, deslocação e articulação que lhes impõe definido um enquadramento cuja correlativa atitude se pretende própria da predisposição para a experiência estética - ao modo de um ready-made 79..

Assumindo todo o gesto enquanto repetição por meio da qual se significa, a performance opera - ao enquadrar acções compostas por gestos enquanto arte, implicando esta um correlativo universo de expectativas, ou domínio de revelação estética, na acção composta por gestos, uma descontextualização e um descentramento. O gesto assume, pelo descentramento e potencial re-centramento – definido num espaço limiar, o papel de um gerador 80 ou de

uma potência de diferença e revelação num

processo negativo de afirmação de uma positividade.

Delimita-se uma situação próxima da que nos fala Deleuze quando verificamos, ademais, que não se trata da exclusivamente de uma repetição, mas sim da diferença que evoca a diferença – esse que é o domínio possível do sub-representativo. Onde se torna possível que a obra de arte, diz Deleuze, se torne um verdadeiro teatro, feito de metamorfoses e de mutações. Teatro sem nada fixo ou labirinto se fio (Ariadne enforcou-se) 81..Ou onde a arte nos permite ser o que deveríamos ser, pelas palavras de Artaud: vitimas queimadas na pira, a transmitir sinais por entra as chamas 82 O gesto ou a acção descentradas o gesto articulados enquanto representações componentes instauram uma ordem de diferença. Gesto ready-made.

79

Termo que corresponde à particular forma de arte definida a partir de 1913 por Marcel Duchamp (18871968), segundo a qual objectos de série próprios da realidade quotidiana, ou partes destes, eram integrados na construção de um novo objecto definido enquanto artístico. Se inicialmente tais “construções” foram feitas, di-lo o próprio, como formas de distracção, é ao momento em que o artista as realiza no contexto americano que se deve a génese do termo - no ano de 1915, e a sua correlativa definição. O que está implicado no readymade, num poderoso desafio à norma e à convencionalidade é o que o critico de arte françês Pierre Restany afirmou ser o baptismo artístico do objecto - ou o acto responsável pela abertura da arte no sentido da realidade da vida e da existência, não só em termos materiais mas, essencialmente, devido à possibilidade que fundou no sentido da partilha de responsabilidade, ao nível da criação, com o próprio espectador. Isto na medida em que é a este que cabe a aceitação ou reconhecimento de tal objecto enquanto arte. Por isso, os ready-made de Duchamp, diz Pierre Restany a Pierre Cabanne: fazem deslizar a estética na ética e a arte na moral. Pierre Restany e Pierre Cabanne “ Dialogue entre Pierre Cabanne et Pierre Restany sur l’avant-garde” in L’avant gard au XXe siécle, Paris, 1964, p.8. 80 Esta é a ideia que Allan Kaprow defende no seu artigo de 1987 : “The Right Living”, Op.Cit., p.223 81 Giles Deleuze, Diferença e Repetição, Lisboa, 2000 p.122 82 Antonin Artaud, Op. Cit., p. 15

33

4. Descentramento, enquadramento, intuição e o processo negativo de afirmação de uma positividade 4.1. Enquadramento

Um ritual é precisamente isso, mostrar um pormaior, num pormenor. Albuquerque Mendes

O recurso a mecanismos próprios do agir ritualizado, o descentramento e a deslocação das representações para contextos de significação distintos dos que lhes são habituais, forçam a delimitação de outros territórios de experiência e significação. Devemos questionar que mecanismo activo nos permite reconhecer uma actualização operada pela acção num espaço limiar do que está em potência, superando a distância entre o que é aceite e dado pacificamente ao nosso juízo enquanto arte e tudo o que não o é em aparência no hábito, mas que poderá ser reconhecido enquanto diferente, delimitando uma predisposição, em virtude de um particular enquadramento. Devemos também questionar de que modo esta situação se relaciona com a qualidade “a-estética” que preside a noção inicial do readymade, se tomamos como dispositivo fundamental neste processo o gesto como ready-made.

Tomando por base a teorização definida por Erwin Goffman (1922-1988) no estudo Frame analysis – An essay on the organization of Experience 83, onde

são analisados os

mecanismos que definem o grau de significação dos comportamento e das relações humanas convencionais em função dos enquadramentos e rotinas sociais, assumimos que a particularidade da atitude que se define numa/por uma performance em relação à realidade ( adiante chamaremos a essa relação intuição

na senda de Greenberg) é

determinada pelo enquadramento a que, no seu funcionamento, o mecanismo performance sujeita essa mesma realidade.

Verificámos já que, circunscrevendo as representações componentes descentradas articuladas pela dinâmica da repetição na acção, o novo enquadramento que lhes é imposto força-as a um re – centramento, segundo uma lógica própria, num espaço limiar. As 83

Seguida na sua tradução francesa - Erwin Goffman, Les cadres de l’expérience, Paris, 1991.

34

consequências, de natureza dupla, traduzem-se quer na definição de um enquadramento único correspondente à combinatória espaço tempo do desempenho do mecanismo performance - de uma performance em particular,

quer no subsequente renovado

enquadramento da realidade em geral.

É ao enquadramento que a performance deve a sua condição de limiaridade: um enquadramento consiste na definição de uma atitude particular face a uma dada situação. O enquadramento é o responsável pela definição de uma performance num plano distinto da demais experiência, ou experiência em geral caracterizada

pela

dispersão e pela

multiplicidade da experiência de coisas dispares que não estabelecem entre si uma relação e não formam por si um todo – dotando-a das qualidades de auto-suficiência, individualidade, coesão e unidade - não obstante a multiplicidade dos seus componentes. Em função do enquadramento, seguindo E. Goffman, as acções passam a ser consideradas num domínio que as projecta para além da sua literalidade ou funcionalidade. Simultaneamente, o enquadramento define um enfoque e delimita uma unidade. Consiste assim numa predefinição que orienta a conduta, num conjunto de princípios organizacionais que estruturam os acontecimentos e o correlativo comprometimento subjectivo de cada um nos acontecimentos 84 ou seja, uma atitude. A predefinição que impõe, por conseguinte, determina as próprias atitudes ou a relação entre sujeito, objecto e representação. No limite, e tal viremos a verificar adiante,

é ao

enquadramento que cabe a imposição dos limites entre os palcos de intensidade onde se joga a dinâmica conectiva das multiplicidades – a experiência, e consequentemente, dos significados ou actualizações nesta geradas. Por isso, verificaremos de igual modo, que o enquadramento condensa em si todas as potencialidades de um processo de expansão.

Desta forma, o enquadramento circunscreve a orientação e a particular conjugação de todos os factores envolvidos – o sistema de conexões estabelecido – na acção empreendida. À acção enquadrada Goffman chama sequência.

84

Cf. Erving Goffman, Les cadres de l’expérience, Paris, 1991, p.19.

35

Activada por um corpo-motor, a sequência desempenhada pelo mecanismo performance, mais não é do que um encadeado de representações componentes descentradas, de dispositivos ready-made. Assim, todos os aspectos envolvidos e consequentes do funcionamento do mecanismo performance destacam-se em função do enquadramento, não só da demais experiência da realidade numa condição de limiaridade, como se articulam de acordo com uma relação particular, uma focused interaction 85 - determinada entre e pelos diferentes elementos ready-made da sequência não somente entre si, mas também com quem a empreende e nela se encontra implicado ( incluindo também quem apenas observa, presencia, como já vimos).

Desta forma, se

o enquadramento consiste também

no modo como as acções são

conjugadas na sequência, e se as entendermos enquanto repetições ( acções) empreendidas sobre repetições (acções e gestos componentes de representação, dispositivos ready-made), é a repetição que preside a dinâmica que institui o próprio enquadramento e correlativa atitude responsável pela abordagem do que decorre numa performance, como território de potências a serem actualizadas pela experiência. A performance mostrará, fruto de alargamento da noção de enquadramento – num processo histórico de expansão - e herdeira da técnica da colagem, da acção dos expressionistas americanos e da noção de ordenação de John Cage, que um enquadramento do que pode ser experimentado enquanto arte não coincide necessáriamente com os limites físicos de uma tela ou de um objecto, com os sons de uma escala. Que pode ser uma atitude que enforma a experiência em geral ou a experiência de um momento em particular. Ou o que Kurt Shwitters ( 1887-1948) designou por estado Merz 86. Por conseguinte, e atendendo aos dois primeiros exemplos, o que é enquadrado já não corresponde a um objecto particular circunscrito pelos seus próprios limites fisicos, mas ao que se inscreve num espaço limiar. Ou, de outra forma, aos limites formais da tela, da escultura ou do palco corresponde a moldura conceptual do enquadramento enquanto atitutde pronta-a-aplicar a toda a realidade. 85

Cf. Erving Goffman, Two studies in the sociology of interaction, Middlesex, 1972, particularmente a definição deste termo no prefácio. 86 Aprofundaremos adiante este conceito.

36

4.2. Atitude, a arte em geral ou a outra face da vida

No capitulo

Intuition and aesthetic experience

do livro Homemade Esthetics –

observations on art and taste 87, Clement Greenberg explica o possível alargamento da experiência estética à realidade em geral enquanto uma mudança de atitude condicionante da intuição 88 - do modo como a realidade é intuída vulgarmente para o modo como o é esteticamente.

Segundo este trata-se, precisamente, de uma consciência, de uma abordagem particular face à realidade que distingue a intuição vulgar e comum desta, de uma intuição estética.

Mas Greenberg defende ainda que se tudo pode ser intuído de um modo vulgar – primário – informando, orientando e definido como forma essencial de conhecimento, logo, tudo pode também ser intuído esteticamente. Ou seja, sendo fundada a intuição estética na experiência, tudo o que é experienciavel, qualquer coisa que seja que entra na nossa consciência de, pode ser intuído e experienciado estéticamente 89 - significando isto que, tudo o que é intuído de um modo primário pode ser intuido estéticamente. Logo que a toda a realidade preside em potência uma qualidade estética, actualizada em função de uma atitude particular, uma intuição estética.

Na medida em que, segundo Greenberg, não se separa o que é estético do que é artístico, e que a distinção entre a arte em geral ( uma arte que pode ser realizada por qualquer pessoa em qualquer lugar) e o que o mundo concordou em chamar arte, reside no plano da convenção, do hábito:

entre a arte que é apresentada nas formas que são

convencionalmente reconhecidas enquanto artísticas e a arte que não é fixada em tais 87

Clement Greenberg, Homemade Esthetics. Observations on the art and taste, Oxford, 1999. Importa delimitar o sentido com que este conceito é aqui utilizado. Na medida em que Greenberg nos fala de intuição como forma de conhecimento primário da realidade, devemos incluir o sentido com que o usa numa definição segundo a qual é relativo ao modo como algo é conhecido, ou ao conhecimento de determinada coisa em virtude do modo como é revelada aos sentidos. Nesta medida, no que diz respeito ao domínio estético, devemos ter em conta que Greenberg se refere ao modo e à possibilidade de tomada de conhecimento das características e da natureza estética das coisas. Sentido que é assim utilizado fora de uma especulação filosófica mas numa próximidade da raiz latina do termo – intueri, relativa a olhar para , notar. 89 Id.ibid., p. 4. 88

37

formas 90,

a arte coincidindo com a experiência estética em geral, significa apenas, mas

não tão simplesmente, uma mudança de atitude no sentido da sua própria consciência e seus objectos 91. Assim, o que se torna importante notar prende-se com o reconhecimento de uma qualidade artística, subjacente a toda a realidade 92 e dependente de uma atitude, quer concordemos com Greenberg quer não, na sujeição global do principio estético à afectação sensorial.

Completa-se a relação lógica entre os conceitos limiar, enquadramento e atitude.

O enquadramento condiciona uma atitude perante o que circunscreve, essa atitude faz diferir, ao modo de uma ruptura, o que é circunscrito da demais realidade, situada fora dos limites da sua circunscrição habitual, criando um limiar.

Assumir que qualquer aspecto da realidade é passível de ser enquadrado, significa assumir que qualquer aspecto da realidade é passível de se revelar de uma forma distinta daquela a que está condenado no hábito e na norma. Este é o território da arte geral ( de que fala Greenberg), ou é o da outra face da vida conforme Pierre Restany). Assim sendo, vemos como podemos considerar o enquadramento enquanto algo que é, também,

uma atitude responsável pela

criação de

uma predisposição particular

relativamente à própria realidade. Que cria um espaço de abertura, disruptivo relativamente ao habitual, para o entendimento enquanto diferente daquilo que ao nível da superficie se repete como igual. A este processo de entendimento enquanto diferente do que ao nível da superfície se repete como igual, chamaremos processo negativo de revelação de uma positividade, assumindo como seu principal dispositivo o gesto e a acção enquanto repetição nua, o gesto e a acção enquanto representações componentes. Dotadas da particularidade do descentramento, 90

Id.ibid., p. 5-6 Id.ibid., p.5 92 Assume particular interesse verificar como do mesmo modo num capitulo da obra The De-defenition of Art, Chicago, 1983, intitulado De-aestheticization dedicado ao minimalismo e Arte Povera, Harold Rosenberg, acaba por concordar depois da defesa de uma arte que se afirma des-estetizada, que: contudo as qualidades estéticas são inerentes às coisas quer estas sejam ou não obras de arte. A qualidade estética não é um elemento que existe separadamente, para ser banido à vontade do artista.p. 35. E o que esta constatação implica é, do mesmo modo, assumir a existência de uma qualidade estética inerente a todas as coisas, quer sejam estas convencionalmente consideradas arte, quer não. 91

38

reconhecendo nesta condição o poder catalizador da revelação do que existe em potência e que se actualiza em cada acção, em cada acontecimento, da repetição vestida, logo da repetição que opera sobre a repetição, do diferente que opera sobre o diferente. O gesto e a acção enquanto dispositivos ready-made. O facto de Duchamp ter definido o ready-made enquanto algo isento do poder de suscitar uma avaliação ou apreciação no domínio do gosto, como o disse a Pierre Cabanne do seguinte modo: a escolha do ready-made é sempre baseada na indiferença visual, e ao mesmo tempo numa ausência total de bom ou de mau gosto 93, tem um propósito evidente. Propósito que o define como potência de diferença estabelecida relativamente ao habitual, daquilo que se situa fora dos limites e prisioneiro da convenção. Que a sua escolha recaia sobre um objecto cuja existência é ditada fora dos limites do gosto tem como propósito a sua exclusão activa do território do hábito, e acima de tudo, do território da convenção. O gosto, responde Duchamp quando questionado acerca daquilo em que este consiste: é um hábito. A repetição de uma coisa já aceite 94. E para este, é no hábito que reside a convenção.

Somos conduzidos no sentido daquilo que notou Artur C. Danto:

os ready-mades

serviram para desligar o conceito de arte de toda uma tradição da filosofia estética, que – através do seu maior exemplo, a Critica da faculdade de Julgar (1790) de Immanuel Kant – faz do gosto o facto central na análise da beleza 95. No entanto, o que está afinal em questão no ready-made de Duchamp, não é que um ready-made seja ou não portador de qualidade estética, mas sim, que este se define como algo que, em virtude de se excluir a uma

abordagem comum fundada no gosto, define novos limites e formas de

relacionamento com o próprio objecto 96. 93

Marcel Duchamp, Engenheiro do tempo perdido – entrevistas com Pierre Cabanne, Lisboa, sd., p.70. Id.ibid.,p.70. 95 Arthur C. Danto, “Beauty for Ashes” in Neal Benezra e Olga M. Viso, Regarding Beauty: a view of late twentieth century, Washington, 1999, pp.183-197, p.185. 96 Atendendo à deslocação contextual e conceptual operada pelo ready-made, definida em função de um enquadramento de um objecto ou realidade que é assim destacado em função de uma apropriação e de uma escolha, de entre a multiplicidade do que é aparentemente idêntico, temos naturalmente, de Ter em conta o correlativo e consequente o envolvimento ao nivel da construção dos significados, não só por parte do artista, mas também de quem com este se confronta. Segundo Pierre Restany, esta apropriação consagrada no baptismo artístico do objecto comum define-o efectivamente como uma obra de arte na medida em que o artista-inventor assume a responsabilidade moral desse acto. Cf. Pierre Restany, Yves Klein, Paris, 1982, p.169. Neste sentido, a responsabilidade moral de que nos fala Restany é relativa a uma escolha e limitação 94

39

Trata-se pois de instaurar uma revelação por via do descentramento. Ou ainda, e passando para o domínio da performance, ao verificarmos que

numa

performance cada representação componente é um ready-made – um gesto repetição, descentrado ou deslocado do seu território de significação habitual para um novo enquadramento tido como artístico e que instaura a distância analítica própria ao restored behavior, verificamos que se opera um recentramento numa lógica de significação distinta.

Pela ausência do que se espera presente é forçada a revelação do que se tem, em função do hábito, como ausente.

Por conseguinte, pela ausência num particular opera-se a revelação da presença no todo. Verificamos que está em questão com o ready-made é uma lógica de aproximação negativa - que por sinal preside a noção de anti-arte - e cuja finalidade é uma positividade global que supera a definição de arte no plano da convenção. O ready-made enquanto repetição é, nesta medida, o dispositivo por excelência do processo negativo de revelação de uma positividade. A repetição instaurada como repetição do mesmo num enquadramento distinto daquele em que circula enquanto repetição do mesmo, reservado ao que é singular e insubstituível - a intrínseca indiferença visual que caracteriza de raiz o ready-made segundo Duchamp no território da estética, revela pelo processo negativo da carência de singularidade na repetição particular que apresenta o que subjaz em potencialidade enquanto diferente a tudo o que na norma é dado tido como igual – logo, uma positividade. que Thierry de Duve no seu Ressonances du ready-made – Duchamp entre avant-gard et tradition, Nimes, 1989, define por função enunciativa. Em virtude da qual um qualquer objecto assume a qualidade de obra de arte e lhe permite concluir que o ready-made é uma obra de arte reduzida ao enunciado – isto é arte (p.49). Em função desta redução, tendo em conta a afirmação de de Duve, ponderamos a natureza do próprio processo de escolha, apropriação bem como de posterior reconhecimento ou não enquanto arte. Seguindo John Dewey, a qualidade estética que poderá ser inerente ao acto enunciativo. Na sua obra de 1943 Art as Experience, s.l.,1984, p.45 Dewey mostra que não só o próprio processo do pensamento, que não é independente do objecto ou da experiência, é dotado de uma qualidade estética na medida em que difere apenas dessas experiências que são tidas como estéticas nos seus materiais. O material das belas artes consiste em qualidades ; o da experiência tendo uma conclusão intelectual são signos e símbolos não tendo uma qualidade intrínseca, mas representa para coisas que podem noutra experiência ser qualitativamente experienciadas, como a própria estética é inseparável da experiência do pensamento. Logo esta deslocação implica por si que o ready-made, independentemente de ser ou não considerado um objecto artístico, envolva um processo. Um processo de localização conceptual e atribuição de significados , ou seja, de experiência intelectual que necessáriamente acarreta uma marca estética para ser por si mesma completa, p.45, que o implica e envolve de imediato num processo de natureza estética.

40

À ausência do que no plano do juízo e do gosto na norma é distinto, corresponde, uma potência da positividade num território cuja amplitude o supera.

Ademais, o gesto ou acção ready-made operando enquanto restored-behavior implicam pela atitude instaurada,

a consciência vivida da própria repetição dada à percepção,

deslocando a percepção comum para o território da apercepção 97, trazendo para o plano da experiência consciente o processo de afirmação negativa de uma positividade. Do que é dado no hábito como repetição, mostrado em função de um determinado enquadramento e atitude como diferente ou, mais, como potencialidade de diferença. o mecanismo performance enquadra o jogo da repetição nua e da repetição vestida.

O resultado evidente do processo instaurado sobre o processo negativo de afirmação de positividade implicito aos dispositivos ready-made, pela sequência no mecanismo performance reside num alargamento

radical do território de circunscrição do que é

artístico (correlativo a um processo histórico de expansão): a positividade tudo permeia em potência é revelada em função do enquadramento-atitude. O teatro acontece todo o tempo, onde quer que se esteja. A arte só facilita a persuasão de que é esse o de que é esse o caso 98 .

4.3. Arte-pronta-a-revelar, arte-pronta-a-ser-revelada

Verificámos que consequências aparentemente paradoxais decorrem da utilização do dispositivo gesto ready-made. Verificamos uma deslocação e a simultânea possibilidade de abertura a um novo território. Deslocação no sentido da definição da representação componente enquanto uma potência - com o ready-made, no gesto por Pierre Cabanne designado anti-arte, Duchamp integra uma nova positividade onde surge uma atitude diferente do criador no próprio centro do

97

Que consiste numa percepção atenta, acompanhada de consciencia, José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, Lisboa, 1991, p.34 98 John Cage citado por Richard Kostelanetz, in Op.cit., pag. 19 p.199.

41

facto bruto que é a obra, doravante imbuída de poderes explosivos 99. O que por sua vez significa uma abertura, um alargamento –

uma nova abordagem da realidade e da

consciência que desta se têm. Logo, confirma-se a possibilidade da arte em geral de que fala Greenberg, que intui John Cage e que desejaram Allan Kaprow 100, Wolf Vostell e J.J. Lebel. Confirmando-se, ainda, o axioma de J. Beuys – todo o homem é um artista.

Falamos então de uma arte que pode ser realizada a qualquer momento, em qualquer lugar, por qualquer pessoa. Arte-pronta-a-revelar, arte-pronta-a-ser-revelada.

Desde que o

sistema relacional implicado articule representações componentes de acordo com um enquadramento por meio do qual se opere um distanciamento, se delimite um tempo e um espaço próprios onde a realidade passe a ser intuida de uma forma distinta da que preside a intuição do habitual. Concluindo-se que qualquer condição é dotada da possibilidade de ser arte, dependendo isto da abordagem/atenção/consciência – significando isto dizer atitude e correlativo enquadramento, de quem a experiência.

Assim, se o que o mecanismo performance enquadra e delimita um território de revelação da singularidade e da diferença no aparentemente mesmo em virtude da atitude que instaura, por outro - e este é um aspecto notável - é a própria performance (recorrendo ao processo negativo de revelação de positividade por meio da sua articulação sobre repetições descentradas na utilização de dispositivos ready-made)

que se

constitui

também como essa atitude, esse enquadramento, relativamente a toda a realidade antes não considerada arte. Allan Kaprow notou-o relativamente ao happening, afirmando tratar-se de uma atitude acerca do envolvimento com o que está a acontecer. Não precisa de ser num palco, não tem de ser anunciado 101.

99

Pierre Cabanne, “Prefácio da Primeira Edição Francesa” in Marcel Duchamp, Op.cit.,p.9. Ver os seguintes textos onde este artista refere a sua aspiração por uma arte que posa coíncidir e ser a própria vida “Notes on the Creation of a Total Art” de 1958, “Participation Performance” de 1977, “The real experiment” de 1983, “The right living” de 1987. Todos estes se encontram coligidos por Jeff Kelley na já citada obra On the blurring of art and life, Berkeley, Los Angeles, 1993, páginas 10-14, 181-188, 223, respectivamente. 101 Allan Kaprow, “ Nontheatrical Performance” (1977), in Op.cit., pp.163-180, p. 174 100

42

Atitude esta que se estabelece como um condicionamento. Tanto estabelecido em função de um novo enquadramento (potência de revelação) de uma repetição nua,

como

responsável pela instauração de um outro enquadramento, um outro enfoque alargado na qual toda a realidade sensivel (como lhe chamou Yves Klein), perceptivel ( como lhe chamou Jean-Jacques Lebel) ou intuida ( C. Greenberg) tem lugar.

Nesta medida não só todo o universo se torna o plano de impressão da revelação de uma qualidade artística que potencialmente lhe subjaz, como a potência implicada por meio da acção na performance, é aquela que dança, subterraneamente encoberta pela repetição nua, nos domínios de repetição vestida.

Repetição que instaura repetição, repetição sobre repetição,

diferença revelada pela

repetição do aparentemente mesmo num território reservado ao diferente na aparência mas repetição na profundidade.

43

III. O conceito e o processo histórico de expansão 1. Performatus e um território de instabilidade

Em essência a performance é um acto único realizado num meio de cujas características se apropriou e que os limites de um tempo irrepetível abraçam. 102 Bartolomé Ferrando

digamos imediatamente que a experiencia religiosa da não-homogenidade do espaço constitui uma experiencia primordial, homologável a uma «fundação do mundo» Mircea Eliade

Dificilmente enquadrável ou coincidente com uma fórmula estável, o termo performance conhece um espectro de aplicabilidade amplo e variável. Partindo da sua raiz latina de acordo com a qual performare significa dar forma, numa relação estreita com o termo performatus significando acabado de formar, é hoje aplicado a partir do inglês onde é relativo ao desempenho de uma qualquer actividade 103, à execução, ao modo como algo se concretiza. Extravasando os limites estritamente artísticos e no que a estes concerne os limites reservados tradicionalmente às artes de execução 104 - como o teatro ou a dança, o conceito de performance corresponde a

acções humanas ou

desempenhos tecnológicos.

Em função dos capítulos anteriores, estamos aptos a concluir que é o enquadramento a que são sujeitas e o consequente distanciamento analítico que este instaura, em função da composição da sequência definida enquanto restored behavior ou um encadeado de componentes ready-made, que um determina que um conjunto de acções se definam enquanto uma performance no plano específico da performance art. 102

Bartolomé Ferrando, “ A Performance como Linguagem” in 1º Festival Internacional de Poesia Viva, Figueira da Foz, 1987, p.177, pp. 177-179. 103 Segundo o recente Longman Dictionary of English Language and Culture, 1998,Essez, p. 1000, o termo performance corresponde tanto à acção ou acto de desempenhar uma peça na presença de um público, ao modo de desempenhar uma actividade ou um trabalho, à habilidade de uma pessoa ou de uma máquina para desempenhar bem uma tarefa, como pode ser usado relativamente a algo que exija trabalho, esforço ou preparação. 104 Conforme uma das aplicações do termo segundo este sentido, in D.C./A.S. “Performance” in Soriau, Éttienne (Coord.), Vocabulaire d’esthétique, Paris, 1999, p.710.

44

Do amplo leque de possibilidades a incluir no termo performance – que se desenham desde o ritual ao desporto, passando pelos papeis socialmente desempenhados no quotidiano e pelas artes performativas uma noção subjaz, segundo Richard Shechner a sua aplicação global, sendo esta que qualquer acção que é enquadrada, apresentada, focada ou exibida é uma performance 105. Segundo Marvin Carlson toda e qualquer performance existe enquanto acção, interacção e relação. Contudo, este faz ainda notar que,

se existe um ponto certo relativamente à

performance no domínio da arte, reside no facto de que esta é sempre performance para alguém, alguma audiência que a reconhece e valida como performance mesmo quando, como é ocasionalmente o caso, essa audiência é o próprio 106. Verificamos então que no cerne da constactação de Carlson - pela noção de reconhecimento, se encontra subjacente a noção de distância analítica inerente a empreendimento da sequência.

Em 1996, no contexto do AnnArt 7 – International Living Art Festival, o performer Roland Miller escreve: a performance não é acerca de coisas. Ela é alguma coisa. A performance, do meu ponto de vista não tem de ser imitativa, não é necessáriamente o produto de mimésis ou representação. A performance não tem sempre uma função facilmente definivel. (...). Nos anos 60 ( e noutras alturas) a performance foi uma expressão de dissidência 107.

Para além do que concerne ao desempenho e à subjectividade do enquadramento que determina e condiciona o seu grau de significação no domínio dos desempenhos humanos, poderemos apenas Ter como dado assente que não existe um limite histórico ou cultural estável para delimitar o que é ou não uma performance. A esta instabilidade corresponde o desdobramento conceptual que a própria noção de desempenho impõe. Cada performance contribui para a definição geral de performance - se a estabilização do conceito de performance art corresponde a uma

impossibilidade

determinada pelas suas próprias características, verificaremos que o desdobramento do

105

Richard Shechner, Performance studies, , Routledge, Londres/ Nova Iorque, 2002, p.2. Marvin Carlson, Performance – a critical introduction, Londres/Nova Iorque, 2002, p.2. 107 Roland Miller, Performance Art, AnnArt 7 –International Living Art festival, At. Ann Lake, Transilvania, Roménia, 24-27 de Julho 1996 in http://www.cosys.ro/etna/annart7/miller/miller.htm 106

45

próprio termo corresponde a uma sintomatologia que reitera a sua própria natureza aberta e experimental, intensiva e conectiva.

Assumindo um desempenho enquanto medium, a performance lida com uma flexibilidade conceptual e operativa correlativa a uma ausência de regras para quebrar 108. Cada performer faz a sua própria definição de performance no processo de execução, de modo que cada trabalho se torna uma combinação inteiramente inesperada de eventos 109, afirma Roselle Goldberg 110 -

responsável pela

primeira sistematização historiográfica da

performance art – traçada do futurismo aos anos 70 do passado século. Do mesmo modo sublinha a particularidade gerada da coincidência com uma combinatória tempo-lugarenquadramento irrepetível, deste medium-mecanismo.

No texto editado por Robert Nickas em 1984 - Performance a hidden history, Roselee Golberg manteve o enfoque de acordo com o qual abordou pela primeira vez a história da performance art desde o futurismo. Deste pequeno texto podemos concluir quatro pontos essenciais: que a performance havia sido desde sempre e até então, um medium aberto e experimental que atraíra artistas empenhados na superação das limitações impostas pelas linguagens artísticas estabelecidas (ou seja como um medium com potencial subversivo), orientando a arte num sentido através do qual se pode afirmar enquanto veiculo de ideias e acções; que à performance corresponde uma história própria, caracterizada por períodos de intensidade durante os quais lidera o desafio à tradição agindo enquanto vanguarda e, como tal, constitui um catalizador da história da arte do século xx 111; que a performance implica uma particular relação fenomenológica entre observador e arte, na medida em que é expressão de artistas que desejaram desafiar a percepção do observador da arte e os limites dessas percepções; e que - aponta ainda Goldberg, se por um lado a natureza da 108

Cfr. Robert Nickas, “Introduction” in Gregory Battcock e Robert Nickas, The art of performance, a critical anthology, , Nova Iorque, 1984 ( 1ª ed. ), p X. 109 Roselle Goldberg, “Performance, a Hidden History” in Gregory Battcock e Robert Nickas (ed.), The Art of Performance – a critical anthology, Nova Iorque, 1984 (1ªed), pp. 24-36, p.25. 110 Roselle Goldberg é a autora da obra de referência Performance Art from futurism to the present cuja primeira edição data do ano de 1979. Nesta obra, para além de definir uma sistematização muito completa dos artistas que recorreram, durante período compreendido entre os primeiros anos do século XX e a década de 70, ao gesto como arma contra as convenções da arte estabelecida, defende, como o fará nos trabalhos subsequentes, que a performance surge ao longo desse século como um meio de desbloquear e solucionar momentos de estagnação. Como um verdadeiro catalizador de novas linguagens e formas. 111 Roselle Goldberg, “Performance – A hidden history” in Gregory Battcock e Robert Nickas, Op.cit, p.25

46

performance consiste no modo como desafia uma definição precisa por implicar todas as artes ( linguagens artísticas, entendamos) e a própria realidade ( dispositivos ready-made, acrescentemos) por outro, caracteriza-a o facto de ser arte em tempo real criada por artistas que se relacionam de forma muito próxima com o público 112 .

Encontramos o desenvolvimento da abordagem de Goldberg no artigo que Robyn Bretano, assina no catálogo da exposição que empreendeu, em 1994, uma planificação da história da performance: Outside the frame- performance and the object – a survey history of performance art in the USA 113. Se desde o Performance from futurism to the present, Goldberg

justifica o poder

subversivo da performance pelo recurso ao gesto - os gestos foram constantemente utilizados como uma arma contra as convenções da arte estabelecida

114

, Bretano leva a

cabo, partindo dessas premissas, um desenvolvimento que as dota de maiores implicações. Defende que a performance significou um momento de autonomização do gesto implicando o reconhecimento da sua autonomia enquanto significante. Estamos, assim, perante o reconhecimento do gesto enquanto dispositivo de representação componente. Bretano segue a directriz de abordagem traçada por Golberg segundo a qual recai sobre o gesto a responsabilidade da subversão das convenções formais e (d)as premissas racionais da arte modernista, mas também porque aumentou a nossa consciência do papel social da arte e, por vezes, serviu como um veículo de mudança social 115.

Voltando à instabilidade do termo performance, notamos as contrapartidas positivas da situação, históricamente verificadas e apontadas por Robert Nickas na já citada antologia The art of performance, a critical anthology.

112

Id.ibid., p.24 AAVV, Outside the frame – performance and the object – a survey history of performance art in USA since 1950, Cleveland Center for Contemporary Art, Cleveland, 1994 114 Roselee Goldberg, , Performance art – since futurism to the present, , (1a ed. 1979), Londres, 2001, p.7. 115 Robyn Bretano, Op.cit., p.32. 113

47

Na introdução a esta obra, Nicklas afirma que relativamente ao termo performance art, a falta de uma definição estrita foi de facto uma vantagem, sem fronteiras claras e determinadas, a performance era um território aberto desde os seus inicios 116.

No entanto, podemos verificar que no espectro flexível desta abertura existem pontos referenciais. Detectamos, seguindo Richard Shechner no estudo citado, o desempenho do mecanismo performance em todo o acto ou levar a cabo, que poderá ou não ter por consequência a interactividade ( se implicar a presença de outras pessoas para além do agente), que implique representações componentes e a presença de pessoas, desde que seja sujeito a um determinado enquadramento, pode por isso e consequentemente, ser estudado e analisado enquanto tal.

Desta forma, se no território das artes a performance se pode definir como um género de arte maior, onde se podem incluir as artes do corpo, que constituem uma prática artística, um grupo, e que se definem como as artes que utilizam o corpo e a sua fisicalidade – que organizadora e produtora de sentidos se designa por corporalidade – como instrumento fundamental e necessário para a efectivação e finalização destas artes 117, por outro, enquanto sub-domínio particular destas artes do corpo, situado num território de fronteiras nómadas, onde se cruzam a dança, a pintura, escultura e poesia o termo performace art 118, ou em português performarte como aponta Jorge Lima Barreto 119 utilizando o termo do performer Manoel Barbosa - , é o território, que pela acção implica a actualização de uma permanente diferença. Essa é a característica do mecanismo performance.

A performance art, é um campo complexo e em constante mudança no seu próprio direito, torna-se muito mais assim quando tentamos atende a qualquer consideração justa acerca desta, a densa rede de interconexões que existe entre este e ideias de performance 116

Robert Nickas, Introduction in , Gregory Battcock e Robert Nickas, The art of performance, a critical anthology, Nova Iorque, 1984 ( 1ª ed.), p.X 117 António Pinto Ribeiro, Op.cit., p.111. 118 Segundo o Longman Dictionary of English Language and Culture, Essez, 1998, p.1000, este termo corresponde a uma arte que tem algum teatro e algo para ver ou/e para ouvir. Definição que se aproxima muito do que John Cage afirmou ser o teatro – toda e qualquer situação em que existam coisas para serem vistas e ouvidas – cf. John Cage in R.Konstelanetz, Op.cit. p. 119 Jorge Lima Barreto, Musa Lusa, 1997, Lisboa, p.174.

48

desenvolvidas noutros campos e entre esta e as muitas questões intelectuais, culturais e sociais

que

são

levantadas

por

quase

todos

os

projectos

de

performance

contemporâneos 120. No território especificamente artístico Roselee Golberg aponta: os termos que a partir dos anos 70 se espalharam para descrever vários aspectos da performance – body art, living sculpture, autobiography – são uma indicação das muito diferentes aproximações a um medium tomado por artistas contemporâneos 121. Em 1983, aquando da Instalação/performance O Desenvolvimento da 3ª Diagonal, de Rui Orfão

no CAPC ( então C.A.P. AC), foi impressa uma série de 100 exemplares de um

catálogo documentando o trabalho performativo levado a cabo por este artista entre 1980 e 1983. Não obstante a importância deste documento para o estudo e documentação da obra deste artista, assume particular importância o texto que lhe serve e introdução. Consiste num pequeno texto de Jacques Donguy, onde é sistematizada historicamente a utilização do termo performance.

Se Ulrike Rosenbach (n.1943), num texto de 1982 afirma que o termo performance surgiu em Nova Iorque no decorrer de uma das primeiras performances do artista Vitto Acconci

(n.1940) 122, Jacques Donguy especifica:

a responsabilidade da primeira

utilização do termo neste contexto é de H. Hein, que o introduz no artigo Performance as an aesthetic category editado no Journal of Aesthetics da Primavera de 1970. E ainda noutro artigo sobre Vitto Acconci - Vitto Acconci on activity and performance, da edição de Maio de 1970 da revista Art and Artists.

120

Marvin Carlson, Op. cit. p.7 Roselee Goldberg, Roselle Goldberg, “Performance – A hidden history” in Gregory Battcock e Robert Nickas, Op.cit, p.34. 122 Segundo a artista Ulrike Rosenbach, (n.1943) no seu Videokunst, foto, Aktion/performance, feministische kunst, Frankfurt, 1982, p.38, este termo passou a ser utilizado após uma das primeiras “performances” do artista Vitto Acconci (n.1940) em Nova Iorque. Esta consistiu na leitura por parte do artista de uma carta que havia recebido nesse mesmo dia a um grupo de pessoas que sentadas em cadeiras dispostas por filas numa sala, foram sujeitas a uma longa espera até que o artista iniciasse a leitura. Neste sentido, afirma Rosenbach, este termo é relativo a nada mais do que uma qualquer apresentação e o termo foi utilizado por Acconci de um modo irónico, relativamente ao facto de aparecer em público representando o papel de si mesmo. 121

49

Segundo Donguy, o conceito performance terá tido a sua origem na cena musical, quer por meio da cultura rock, mas também pela ideia de John Cage “tudo é musica”.

Enquanto práticas correlativas à performance Donguy cita, no quadro da década de 60, as dérives dos situacionistas, o grupo Gutai no Japão 123, algum trabalho de Piero Manzoni (1933 - 1963) e as Antropometrias de Yves Klein (1929-1962) em 61. E também os hapennigs de Kaprow nos Estados Unidos. Por sua vez, o correlativo termo body art, diz Donguy, apareceu num artigo da Arts magazine de Cindy Nemser, em Setembro de 1971. Verificamos um recuar aos anos 60. 2. A complexa mistura experimental dos 60´s. Theatre of Mixed Means e Intermédia.

O que o termo performance 124 veio cobrir na sua retroflexão no sentido dos anos 60, corresponde ao que Marvin Carlson definiu como a complexa mistura experimental dos anos 60 125. 123

Gutai Bijutsu Kyokai: Associação de Arte Concreta, responsável por pioneiras manifestações de uma arte inclusiva da acção e das suas consequências plásticas. Importa no entanto sublinhar, que diferentemente da performance ou do happening, em particular, as actividades ou acções levadas a cabo pelos artistas deste grupo não tinham como função funcionar por si enquanto obra – ou seja, um fim em si, mas que cada criação visava uma posterior efectivação ou definição como uma outra obra que não somente o acontecimento. Este grupo constituído em 1954 manteve a sua actividade até 1972, formado por 18 artistas da vanguarda liderados por Jiro Yoshihara (1904 –1972), que havia sido um dos pioneiros da pintura abstracta japonesa. O que importa sublinhar é a orientação da arte gerada sob a filosofia deste grupo, no sentido da busca de formas de arte de cariz participatório, inclusivo do tempo, do espaço e da acção, incluindo o corpo como material, enfatizando a importância do processo e introduzindo materiais e objectos banais em eventos teatrais, acções individuais e environments. Nesta medida, ao ponto de confluência que significou a filosofia deste grupo corresponde a combinação de influências e pontos de referências diversos, dada a multiplicidade dos domínios de actividade dos quais eram provenientes os seus elementos: Kimiko Ohara, Kazuo Shiraga e Atsuko Tanaka tem actividade antecedente no campo das artes plásticas, Saburo Murakami do Direito, Shozo Shimamoto da literatura, e Yasuo Sumi da economia, somente para citar alguns dos seus elementos. Entre 1955 e 1956 são definidas as linhas conceptuais da actividade deste grupo quer na primeira exposição do grupo em Asihaya, perto de Osaka, bem como em algumas obras dotadas de uma poderosa carga simbólica e tornadas paradigmáticas como Desafiando a lama ( Duro ni idomu) (1955) de Kazuo Shiraga consistindo na actividade do artista manipulando com toda a superficie do seu corpo deitado uma superficie de lama imprimindo-o posteriormente contra grandes telas, ou obra de Murakami Saburo em que este rasga com o seu próprio corpo em movimento uma sucessão de paineis formados por folhas de papel: atravessando varios paineis de papel (1956) ou ainda a obra Vestido eléctrico de Atsuko Tanaka, também de 1956. Nesse mesmo ano a revista Life dedicou uma reportagem fotográfica a este grupo e no ano de 1958 teve lugar o Festival Gutai em Osaka. 124 Considerar o happening sob a cúpula do termo performance não é uma situação pacífica, sendo-nos, no entanto permitida pela definição de performance delimitada pelo conceito do enquadramento. Considerando o espectro alargado do termo performance, como um interface referencial em constante adaptação e

50

À qual tão cedo quanto 1968 o critico de arte americano Richard Konstelanetz (n.1940) dedica a obra The Theatre of Mixed Means 126.

O que este crítico, escritor, artista e editor nova iorquino que acompanhou de perto a complexa mistura experimental, inclui no conceito de Theatre of Mixed Means, são quatro formas particulares de arte, ou géneros - como as designa. Essencialmente, o que os define é a declarada distância relativamente ao teatro definido de acordo com os modelos renascentistas. Traduzindo-se esta situação pela rejeição do desempenho da acção sujeita ao enredo, às normas da sincronia e ao respeito pela complementaridade. No teatro de mixed means os performers não desempenham papeis -

levam a cabo

tarefas 127.

O que Kostelanetz pretende cartografar com os quatro géneros que enuncia, são todas as situações que se enquadram numa definição de teatro que seja o mais liberal possível 128. Definição esta, segundo a qual qualquer situação em que pessoas actuem para outras, em que exista o desempenho de uma acção ou o empreendimento de um sequência - podemos acrescentar, independentemente de ser suposto ou não que esses espectadores formem um público, seja considerada teatro. Ou seja, corresponde ao mecanismo performance. Para os dois primeiros géneros, Kostelanetz toma o termo que em 1958 Allan Kaprow 129 utilizou para descrever o seu 18 happenings in six parts. Este termo coincide totalmente com a noção de enquadramento, atitude, ou predesposição.

transformação, como fez Roselle Golberg ou outros historiadores da performance ou experimentalismo, como por exemplo e recentemente o justifica Nick Kaye no seu Site-especific art, performance, place and documentation, Londres, 2000, p.105-118, o termo performance é capaz de incluir o happening. Dificilmente se traçará uma definição estável de performance, considerando que o que está em questão no happening é um conjunto de acções enquadradas, delimitadas e conjugadas de modo particular à luz da sua coincidencia comum tempo e um espaço particulares por meio da experiência, o termo performance é da máxima adequação sem implicar uma perda ou minoração da sua especificidade. 125 Marvin Carlson, Op.cit., p.99. 126 Richard Kostelanetz, The Theatre of mixed means, Nova Iorque, 1968. 127 Cf.Id.ibid., p. 8. 128 Id.ibid. p. 7. 129 O termo happening foi cunhado pelo artista americano Allan Kaprow em 1958. Daí em diante generalizouse de forma a caracterizar qualquer tipo de acontecimento coincidente com um evento único, geralmente

51

Consistindo segundo Kaprow,

numa

assemblage de eventos desempenhados ou

percepcionados num local e num tempo. O seu envolvimento material pode ser construído, tomado directamente do meio envolvente e as actividades levadas a cabo podem ser inventadas ou simplesmente actividades comuns. Um happening, tal como um teatro sem palco, pode acontecer num supermercado, na condução ao longo de uma auto-estrada, sob uma pilha de retalhos, e ainda na cozinha de uma amigo, seja de uma vez ou sequencialmente. Um happening é desempenhado de acordo com um plano sem pesquisa, audiência ou repetição 130.

Em 1959 G. Brecht

utiliza também o

termo event 131. Um event abarca implicações

distintas do happening na medida em que as próprias coordenadas do acontecimento determinam a sua existência enquanto arte, dispensando a actualização em performance – não é necessário a performance acontecer para que a peça exista, sendo no entanto crucial que possa ser realizada num tempo e num espaço

repetível ( isto é suficiente para

distinguir tal trabalho de poesia) 132. O termo perpetuar-se-á pela década de 60, fluindo pela rede Fluxus, tomando corpo sob a influência de John Cage com quem, Brecht e Filliou, na descoberta conjunta do processo de expansão redigem Teaching and Learning as performing arts.

Aos quatro géneros de Kostelanetz correspondem as designações: happenings puros, happenings encenados, a performance em palco e environments cinéticos. O primeiro versa as formas de teatro que incluindo o acaso implicam uma sucessão imprevisível de acontecimentos em função do carácter vago do seu guião; o segundo a um tipo de happening cujo decorrer é restrito a um tempo e a um espaço determinado e fixo – tendo por consequência a separação do público e dos performers, implicando pela maior passividade a que relega esse primeiro a um distanciamento dos happenings puros em função de uma aproximação da performance em palco/encenada. Este terceiro género é acontecendo ao ar livre, no qual pessoas se juntam e executam instruções previamente desconhecidas. Este termo será adiante aprofundado. 130 Allan Kaprow citado por Richard Kostelanetz, “ Happening” in Dictionary of the Avant-Gards – music, film, visual arts, dance, theater, Nova Iorque, 2000 131 Michel Giroud e Sylvie Jouval, “Cronologia Comparada” in Robert Filliou, Genio sin talento, Barcelona, ...., p. 156. 132 Thomas Crow, The Rise of The Sixties, Londres, 1996, p.131.

52

condicionado não só por um tempo e um espaço fixos – e por fixo Kostelanetz quer dizer pre-determinados, mas também a correlativa concepção e planeamento prévio do decorrer das acções, nas quais a audiência não participa senão observando.

Mais tarde Kostelanetz fará coincidir o termo happening e mixed means na definição de performance art 133, sem nunca abandonar a distinção entre Mixed media e o termo dois anos antes forjado por Dick Higgins: intermedia. Cunhado e defendido no ano de 1966 pelo artista fluxus Dick Higgins (1938-1998) no artigo “Intermédia” 134, este implica - diferindo por esta via dos mixed media -

uma fusão

conceptual de todos os elementos da obra.

Se é comum aos quatro géneros mixed media de Kostelanetz - nos quais se inclui o happening -, o facto de possibilitarem segundo este, uma leitura distinta e individual de cada um dos seus elementos componentes – dos musicais, dos visuais e dos literários, Higgins defende também que diferindo de uma situação de simultaniedade ou mistura de meios, a intermedialidade implica que nenhum dos elementos enunciados possa existir sem o outro, dada a intimidade interdependente que os liberta de um sistema relacional em função da sua articulação de acordo com uma lógica de fusão 135.

133

Richard Kostelanetz, Dictionary of the Avant-Gards – music, film, visual arts, dance, theater, Nova Iorque, 2000, p.474. 134 Dick Higgins, “ Fluxus: Theory and Reception” in Ken Friedman (ed.), The Fluxus reader, West Sussex, 1998, p. 222. 135 E a questão da conjugação das diferentes artes e seus meios numa forma artística que as condense numa expressão simultânea num único momento dado aos sentidos implica atender ao projecto oitocentista da obra de arte total: gesamkunstwerk. A gesamkunstwerk wagneriana – a obra de arte que deseja coincidir com a totalidade perceptiva da realidade, em função de operar uma síntese de todas as artes numa única forma artística. Importa delimitarmos as linhas de divergência entre o projecto oitocentista e as experiências intermediais e mixed media. São desenhadas, num primeiro momento, sobre aos propósitos que animam a criação vanguardista: a rejeição da convencionalidade e a noção de síntese assente na apropriação e articulação de meios, formas e materiais não artísticos para um mesmo plano e com um mesmo papel que os convencionalmente tido por artísticos. Os resultados pretendidos não visam ao modo wagneriano uma síntese de carácter exclusivamente artístico mas antes uma incursão no domínio da realidade convencionalmente tida como não artística, com uma atitude sensível própria da que pauta a aproximação e recepção do que é convencionalmente tido como artístico. Estas duas linhas condensam segundo Allan Kaprow no artigo de 1958 “Notes on the creation of a total art”, in Op.cit, p.10, as condições que permitem que estas novas obras de arte totais, socialmente empenhadas e comprometidas se afirmem como propostas verdadeiramente novas, como as defendeu anos mais tarde, no artigo de 1966 – “The happenings are dead long live the happenings” in op.cit.,pp.59-65.

53

Ilustrando esta distinção num artigo publicado em Portugal em 1987 no contexto do 1º Festival Internacional de Poesia Viva 136 , o artista do fluxus refere: um bom exemplo de um meio misto é a ópera: nunca se está em dúvida sobre qual elemento da performance é musical, qual é dramático e qual é o mise-en-scéne visual. Mas no que diz respeito aos componentes variados de um happening de há vinte anos, o elemento único não existe verdadeiramente excepto com referência ao seguinte. Eles estão fundidos 137. Assim continua, com as formas que têm entrado em evidência desde então, anotações gráficas para música e outras artes dramáticas e musicais, o gráfico adquire o seu significado – a sua própria função – pela sua referência a uma falta de estrutura externa.

Com efeito,

será partindo da definição posteriormente adiantada por Kostelanetz -

segundo o qual intermedia corresponde a um termo que se refere às novas formas de arte que foram inventadas pela conjugação de materiais e conceitos de um género tradicional com outro ( ou outros), ou pela integração da própria arte em algo previamente considerado não artístico 138 que entendemos

como Higgins as faz coincidir com um

aspecto essencial do processo artístico da modernidade – coincidindo com o que defenderemos ser um processo histórico de expansão correlativo ao alargamento noção de enquadramento.

Referindo-se quer à colagem cubista quer à assemblage dada, citando o surrealismo e os happenings, o enfoque fluxus de Dick Higgins é o de que todos os trabalhos são, em qualquer sentido, intermediais, na medida em que, na altura da sua própria concepção eles amalgamam um ou mais meios tradicionais 139. Com efeito, a obra corresponde pois, segundo este, a uma fusão conceptual – poesia visual, visões poéticas, musica em acção e acções musicais, happenings e acontecimentos

136

Que teve lugar na Figueira da Foz nos meses de Abril e Maio de 1987, pela mão de Fernando Aguiar responsável pela organização e também membro do Conselho Coordenador juntamente com o poeta Ernesto de Melo e Castro e Rui Zink. 137 Dick Higgins, “Alguns Conceitos sobre poesia intermédia”, in 1 Festival internacional de Poesia Viva, Figueira da Foz, 1987, pp.196-181, p.196. 138 Richard Kostelantez citado por Pedro Cunha Reis in Problemática Genérica da Poesia Concreta, Dissertação de Mestrado em Literatura Comparada, FLUL, Lisboa, Janeiro de 1995, p. 136. 139 139 Dick Higgins, “Alguns Conceitos sobre poesia intermédia”, in 1 Festival internacional de Poesia Viva, Figueira da Foz, 1987, pp.196-181, p.196.

54

que são ligados, conceptualmente por música, literatura e artes visuais, e cujo cerne reside entre todos estes 140. Isentando-os dos parâmetros de sujeição hierárquica, complementariedade e sincronia, permitindo um alargamento tal que se quer, no limite, coincidente com toda a realidade e com a totalidade da experiência. Inclusiva do corpo e da acção e de modo particular – de uma nova forma de percepção e relação com essa mesma realidade, dela geradas. Num outro texto já de 1993 – consignado no verbete intermédia 141 do Dictionary of the Avant-Guards editado por Kostelanetz em 2000 142, é feita a distinção entre intermedia de multimédia. Neste texto o critico defende que se o termo intermédia se referia em 1966 aos novos géneros de arte que combinavam aspectos de dois ou mais géneros de arte, o termo multimédia implicará algo muito menos dramático – a inclusão de vários media artísticos e diferentes tipos de materiais, num mesmo trabalho.

A ténue linha onde assenta a distinção que Kostelanetz defende acaba por coincidir, afinal, na distinção que Higgins traçou entre intermédia e mixed means.

Por conseguinte, se a distinção entre os diferentes elementos componentes da obra é em parte responsável pela filiação no domínio do senso comum da performarte ao universo exclusivo das artes cénicas e performativas – as artes do corpo de que fala António Pinto Ribeiro 143, verificaremos que a performarte deve menos ao teatro que a uma prática da pintura que processou um alargamento

do seu enquadramento a toda a realidade pela

mecânica da colagem e pela dinâmica do gesto, à musica descoberta na sonoridade e sua organização, e mais tarde à poesia e à dança.

140

Dick Higgins, “ Fluxus: Theory and Reception” in Ken Friedman (ed.), The Fluxus reader, West Sussex, 1998, p. 222. 141 Richard Kostelanetz e Geof Huth, “ Intermedia” in Richard Kostelanetz, Dictionary of the Avant-Gards – music, film, visual arts, dance, theater, Nova Iorque, 2000, p. 305 142 Richard Kostelanetz, Dictionary of the Avant-Gards – music, film, visual arts, dance, theater, Nova Iorque, 2000. 143 António Pinto Ribeiro, Op. cit.

55

A preferência pelos resultados da experiência em intermedialidade em detrimento dos conteúdos veiculados por meio de uma

narrativa em simultaniedade, distancia o

mecanismo performance do teatro 144 . Assim, submetendo a performance a duas características gerais, Kostelanetz explica o processo histórico alargamento que a subjaz: a performance art partilha dois elementos. As diferentes partes funcionando em desarmonia, na tradição da collage, que é baseada no principio de juntar elementos que normalmente não se encontram juntos; acontecer ao vivo, dado que uma peça gravada, seja um video ou uma cassete audio, é destituida de espontâneidade 145. Por conseguinte sintetisa: o que o termo performance art veio cobrir de forma generalizada a partir dos anos 80,

corresponde a um género apresentacional (que havia) previamente

sido chamado happenings ou mixed means theather - e que Kostelanetz descreve como sendo, tão simplesmente, uma performance ao vivo, assentando na dança, música, drama, e por vezes em imagens em movimento, que se estende posteriormente à identificação de eventos teatrais mais modestos, frequentemente envolvendo um performer que é normalmente o seu próprio director. Diferindo estéticamente – em virtude da influencia exercida pelo minimalismo e pela arte conceptual 146, continuado que vimos incluir-se na complexa mistura experimental dos anos 60.

De acontecimentos privados à pesquisa das rotinas diárias, passando por acontecimentos com contornos rituais, produções multimédia, eventos e relatos auto-biográficos, o que se começa a definir internacionalmente a partir dos anos 60 sob a designação de happening

144

É a ainda importante ter em conta a diferença entre a performance e teatro de vanguarda, onde de facto, a improvisação e a interacção por parte da audiência também pode acontecer e estar presente. A esta distinção Silvio Gaggi dedica em 1984 alguns pontos do seu artigo publicado dois anos depois na revista Leonardo, vol.19, nº1, 1986, pp.45-51, com o titulo “ Sculpture, Theater and Art Performance: Notes on the convergence of the arts”. Neste artigo defende que a performance é uma forma de arte ainda mais radical que as mais vanguardistas formas de teatro (sendo que se refere particularmente ao teatro de S. Beckett) na medida em que rejeita categoricamente todos os principios “miméticos” ou narrativos, exceptuando, naturalmente alguns exemplos pontuais cuja classificação (enquanto teatro ou performance) depende mais da tradição de onde provêm os artistas que os realizam do que de qualquer qualidade que lhes seja inerente. 145 Richard Kostelanetz, “Performance art” in Richard Kostelanetz, Dictionary of the Avant-Gards – music, Nova Iorque, 2000, p.474. 146 Richard Kostelanetz, “Performance art” in Richard Kostelanetz, Dictionary of the Avant-Gards – music, film, visual arts, dance, theater, Nova Iorque, 2000, p. 474.

56

ou fluxus e aktions, incluido hoje no domínio das artes sob o termo geral performance (em parte em virtude do trabalho pioneiro de Roselle Goldberg). A instabilidade do conceito performance decorre da particularidade do seu enfoque. Do que é enquadrado em função da operacionalização do mecanismo performance.

3. O Processo Histórico de Expansão Com o happening os nossos actos tornam-se rituais e a nossa vida quotidiana transforma-se.

Allan Kaprow 147

Em 1973 Ernesto de Sousa referir-se-á

148

ao que designou por factor de desintegração

contido na obra de arte verdadeiramente moderna (que) contém em si a sua própria destruição. Assente na rotura da concepção de espaço e do envolvimento - no quadro que não consente a moldura,

a escultura não consente o plinto que os separem do

envolvimento real de que fazem parte, o factor de desintegração de que Ernesto fala implica a definição de um espaço onde - tal como Kaprow o enunciara anos antes - todos seremos actores, prontos a viver a vida como situação estética; e autores isto é, absolutamente responsáveis num espaço criado por pensamentos e acções 149. A situação enunciada por Ernesto corresponde à radicalização de um processo histórico de expansão, em virtude do qual a operacionalidade do mecanismo performance implicará a coincidencia da noção de enquadramento com a noção de atitude.

Jean-Jacques Lebel, numa linha de ideias próxima, delimita um particular conceito de happening num texto datado de 1966 150. Neste texto, Lebel define um conceito alargado ( ao qual corresponde aquilo que temos vindo a definir dentro dos limites do termo performance art), ao qual correspondem não só aos happenings própriamente ditos, mas também a experiências diferentes que se situam 147

Citado por J.J. Lebel, El Happening, Buenos Aires, 1966, nota 1, p.41. José Ernesto de Sousa, “ Os 100 dias da 5ª Documenta”; Lorentis, nº11, Fevereiro de 1973, in Isabel Alves e José Miranda Justo (org.), Ser moderno...em Portugal, Lisboa, 1998, pp.55-66. 149 Id.ibid. 150 Jean-Jacques Lebel, “Sigma....” in Jean-Jacques Lebel e Arnaud Labelle- Rojoux, Op. cit., p. 126. 148

57

na mesma corrente de ideias: teatro total, o acontecimento fluxus, a impressão, a dança e o concerto (depois de Cage) 151 ), mas - e essencialmente, conclui que a experiência em si tem um valor distinto do seu resultado ( estéticamente e comerciavelmente apreciável ou não). Guiado por estas premissas, Lebel afirma: a experiência criadora é o seu próprio fim 152. E qualquer experiência poderá sê-lo.

Verificamos em Ernesto e em Lebel a consciência do funcionamento do mecanismo performance, pronto a aplicar, pronto a revelar. Arte-pronta-a-revelar, arte-pronta-a-serrevelada.

Segundo esta via, a noção de atitude envolvida nos procedimentos do mecanismo performance

coincide com a noção cageana de teatro, considerando que qualquer

situação na qual existam coisas para serem sentidas, vistas e ouvidas – percepcionadas ( intuídas, diria Clemente Greenberg), é teatro 153. Sabemos já que na base da atitude que enquadra e revela tudo o que é dado à percepção enquanto teatro, está a natureza das representações componentes implicadas no mecanismo performance. Genéticamente codificados de acordo

com uma nova ordem semântica

assente na descontextualização, restruturação e refuncionalização, os gestos e acções readymade condensam o universo da problemática abordada por Pierre Restany enquanto o baptismo artístico do objecto. Correlativo a um poder fundador, diz

Restany, que

estabelece de uma só vez quer um código, quer uma filosofia geral da visão 154. Delimitando um tempo e um espaço específico, forjando o território de significação neste consignado em função de uma particular atitude que o é, o enquadramento da performance é correlativo ao que temos vindo a designar por processo histórico de expansão.

O processo histórico de expansão significa o alargamento dos limites de circunscrição da realidade tida como artística ao ponto da sua coincidência subjectiva com uma atitude. Em função desta é determinado um processo de interdependência estrita entre a particular 151

Id.Ibid., p.126. Id.ibid., p. 123. 153 John Cage entrevistado por R. Kostelanetz in Op.cit., p.51. 154 Pierre Restany, 1960:L’année hors limites” in Hors Limites, l’art et la vie 1952-1994, Paris, 1994, pp.2235, p.23. 152

58

realidade criada e quem a experimenta, num tempo e num espaço precisos. A esta atitude corresponde, como vimos, a noção de enquadramento.

O processo de expansão a que nos referimos e que representa na sua radicalização o processo negativo de afirmação de uma positividade, traduz-se pela instauração de uma dinâmica de problematização, experimentação e radicalização dos meios – formal e conceptualmente, determinando a metamorfose dos limites formais de um produto numa atitude perante a realidade. Esta realidade poderá ser toda e qualquer realidade - o processo histórico de expansão inclui todas as possibilidades e combinatórias. Faz incessantemente rizoma.

3.1 Unidade constituída de multiplicidade e estado Merz. O driping e algo que simplesmente acontece.

Delimitada a partir das vanguardas históricas, a dinâmica do processo histórico de expansão que é correlativa ao que designámos por processo negativo de revelação de uma positividade, conheceu momentos de particular aceleração: na

atitude Merz de Kurt

Schwitters e na prática do drip de Max Ernest que toma e faz emergir o corpo no gestualismo de Jackson Pollock (1912-1956), no processo de organização sonora de John Cage e na sua activa utilização do processo negativo de afirmação da positividade ( que melhor exemplo desta processo que o concerto

4’e33”? ), na teorização de Marshal

McLuhan no domínio dos media – nomeadamente

no que concerne à conectividade

implicita à ideia de aldeia global, no trabalho de tradução e divulgação do budismo Zen – a forma é o vazio e o vazio é a forma - por via do ensino e trabalho de tradução de D.T. Suzuki ( 1870-1966), na poesia Beat, Artaud - O Teatro e o seu Duplo

155

na crueldade e sua definição na obra de Antonin

, nas tradições artísticas e performativas não ocidentais

bem como outras expressões como o circo, o vaudeville e o music hall 156. 155

Por Teatro da crueldade, Artaud defende uma ideia que se aproxima da noção de um fenómeno extremo que age como catalizador da revelação de uma verdade latente a todas as coisas: A peste apodera-se das imagens que estão dormentes, uma desordem latente, e expande-as, de súbito, nos gestos mais extremos;

59

O processo de expansão traduzido na coincidencia subjectiva do enquadramento com uma atitude foi, no curso do século XX, catalizado por alguns momentos

- focos - de

intensidade. 3.1.2. Unidade constituída de multiplicidade

O primeiro dos focos enunciados coincide com o cubismo – o grande responsável pela mais importante revolução plástica sobre a superfície plana do quadro 157 definido em função de uma técnica particular, cuja exploração esteve particularmente reservada à arte do século XX – a colagem 158. Ou a colecção da multiplicidade num espaço unitário, em também o teatro toma os gestos e os impele até ao limite. Tal como a peste, o teatro refunde todas as ligações entre o que é e o que não é, entre a virtualidade do possível e o que já existe na natureza materializada.(...). O teatro devolve-nos os nossos conflitos dormentes com todas as suas potências e dá a estas potências nomes que aclamamos como símbolos..; Antonin Artaud, O teatro e o seu duplo, Lisboa, 1996, p.28. 156 Na sua já citada obra Marvin Carlson sublinha a importância de outras manifestações, de localização recuada no tempo, cujo perfil é, segundo este totalmente coincidente com o do que hoje podemos enquadrar nos limites (instáveis) da performance. Segundo este, tais manifestações, situadas fora do conceito de teatro incluem os músicos, os mimos e malabaristas e mesmo os equilibristas, na Época Clássica, bem como na Idade Média os trovadores, bardos, ministreis, poetas, saltimbancos e os grupos mistos de enterteiners que eram em Inglaterra designados por “gleemen”. Cf. Marvin Carlson, Op.cit., p.83. No entanto, devemos sublinhar a diferença da performance como a temos vindo a definir destas variadas expressões: esta reside uma consciência do gesto e do corpo tornados eles mesmos uma pura medialidade – ou seja da carga que é atribuída a cada gesto e acção na coincidência neste do indivíduo com a consciência da sua própria experiência. 157 Pierre Cabanne, “Cubisme” in Pierre Cabanne e Pierre Restany, Op.cit., pp.170-183, p.170. 158 A progressiva inclusão de elementos da realidade na superficie pictórica foi explorado de modo particular, muito cedo por Pablo Picasso (1881-1973), Georges Braque (1882-1963) e Juan Gris (1887-1927) ( São datadas de 1912 as primeiras obras de Picasso com elementos colados: A carta, onde é integrada um selo italiano verdadeiro e na Natureza-morta com palhinha, que inclui não só um pedaço de palhina de cadeira como uma corda; bem como aquela que é considerada a obra prima dos pappiers collés da autoria de Braque: Natureza morta com fruteira e copo). As experiências cubistas definidas no domínio da colagem, quer os papiers collés, quer as collages assentam no trabalho levado a cabo desde 1909 por Braque e Picasso, no sentido da articulação dos elementos pictóricos segundo uma linguagem própria, essencialmente de acordo com o entendimento da pintura enquanto, ela mesma, um objecto na realidade, mais do que uma simples ilusão do mundo visual. Era pois uma consequência lógica da noção de quadro como um objecto estruturado. É neste sentido que as suas pesquisas se orientam no sentido de uma nova formulação da realidade plástica, liberta da convencionalidade ilusionista, procurando, como o afirmou Pierre Cabanne definir uma pintura que desse uma representação absoluta da realidade a partir do conhecimento real do objecto, Pierre Cabanne, Pierre Cabanne e Pierre Restany, L’avant-gard au XX siécle, 1969, p.10. Procura esta que determinou a incursão no domínio físico da realidade – os pappiers collés e as collages trazem a própria realidade para o domínio da tela. No Segunda metade do século, particularmente nos Estado Unidos a utilização da colagem afirmou-se como uma técnica recorrente e muito utilizada pela vanguarda artística – da poesia à musica. Exemplos desta situação são não só as composições de John Cage, como a poesia de W. Burroughs, directamente influênciada pelas experiências dadaístas, em modo particular de Tristan Tzara com as quais contacta em Paris na década de 50, sendo que ao procedimento do “recorte” que implica a posterior estruturação por meio da colagem este poeta atribui a possibilidade única de superar os modelos

60

virtude da incorporação de diversos materiais e objectos próprios da realidade, préexistentes, ready-mades, segundo um nova lógica relacional sobre um suporte.

Tal colecção e disposição de diferentes fragmentos da realidade desprovidos das suas disposições utilitárias ou contextualização comum, explorada e progressivamente expandida no sentido da tridimensionalidade, assumirá responsabilidade da definição de um território alheio aos domínios da pintura nem da escultura convencional. Este novo território corresponde ao que se veio a designar por assemblage 159. 3.1.3. Estado Merz

Se a técnica da colagem - que rapidamente se difundiu para lá do ciclo cubista, assumiu uma particular expressão entre as primeiras vanguardas a partir de 1914, funcionando enquanto agente catalizador de novas experiências plásticas definidas pelo alargamento da realidade pictórica e plástica no sentido do espaço envolvente – elastificando o enquadramento, importa que nos demoremos numa expressão particular da assemblage, definida numa linha de continuidade relativamente à prática da colagem aplicada

à

pintura 160.

Trata-se do que Kurt Schwitters (1887-1948) consignou na palavra Merz. Merz trata-se de uma palavra privada de significado específico, ao modo das palavras forjadas no espírito dadaísta ( a partir da palavra Komerzbank usada numa assemblage, no ano de 1919). Corresponde, no entanto, a um conceito peculiar. Em 1919 Schwitters escreveu: a palavra Merz indicia essencialmente a combinação, para fins artísticos, de todos os convencionais da criação literária: os recortes destroiem todas as falsas construções e modelos da realidade in W. Burroughs citado por G. Caveney, Op.cit., p.97. 159 O termo assemblage foi cunhado e utilizado pela primeira vez pelo artista françês Jean Dubuffet (19011985) em 1953 de modo a designar as suas composições da época, onde progressivamente abandonou o óleo para explorar a inclusão na tela de novos materiais, particularmente nas suas séries de litografias baseadas em colagens de papel datadas de 1952. Mas no ano de 1954 Dubuffet alargou o domínio de abrangência do termo a trabalhos de carácter tridimensional feitos de materiais e objectos diversos preexistentes. Nesta medida, este rapidamente foi adoptado sofrendo no léxico artístico, sofrendo um alargamento no sentido da correspondência a uma técnica própria da arte contemporânea segundo a qual, como já vimos, diversos objectos e materiais – fragmentos da realidade, são colados sobre uma superfície, dispostos num recipiente ou colados entre si, assumindo um carácter tridimensional. 160 Cf. John Elderfield, Kurt Schwitters, Nova Iorque, 1985, p. 94.

61

materiais,

e,

técnicamente,

o

principio

da

igual

distribuição

dos

materiais

individualmente... 161.

Merz define uma atitude, uma predesposição. O estado Merz é aquele institui a igualdade de e entre todos os materiais e todas as formas e enquanto processo de trabalho significa, mais do que um qualquer género artístico ou meio, assemblage. Dada a sua natureza não discriminativa, o estado Merz é aplicável – pronto a aplicar e revelar, não só a todas as artes, mas também à relação entre estas – da pintura, à poesia, ao desenho, à prosa e ao teatro. Sob o estado Merz, todos os materiais e todas as formas se tornavam passíveis de serem trabalhados e utilizados enquanto artísticos. Após a instituição da mecânica da colagem com o momento cubista, o estado Merz denota a progressão do processo de expansão no sentido da subjectividade de uma atitude, da intuição de que fala Greenberg. Segundo Pierre Restany define-se uma distância fundamental entre a colagem cubistas e as colagens merz – as merzbiller. Esta distância assenta, defende o crítico françês, num universo de expressividade formal determinado por uma mudança estrutural - por uma inversão das relações: pois o que sucede nas merzbiller é que o object trouvé, o bilhete de autocarro, o pacote de tabaco, não têm mais o papel de acrescento mas de elemento de base. É a pintura enquanto pintura que se tornou o elemento suplementar 162.

Se à tela havia sido

permitido, num primeiro momento cubista,

ser depositária de

fragmentos da realidade, o que o conceito Merz de Schwitters veio implicar prende-se com a consquista da tridimensionalidade. Os fragmentos antes reservados à superficie bidimensional conquistaram o espaço tridimensional em virtude de uma rebelião relativamente aos limites impostos pelo enquadramento da tela, constituindo-se como assemblages. Colando-se entre si e no espaço. Verificamos que no processo de expansão Schwitters operacionaliza o estado Merz partindo da colagem criando a partir de 1919 as 161

Kurt Schwitters, in www.groveart.com Pierre Restany “1960: L’année hors limites” in Hors Limites, l’art et la vie 1952-1994, Paris, 1995, pp.2235, p.23.

162

62

merzbilder, por meio da sobreposição de objectos sobre as telas a óleo, a consquista do espaço verifica-se quando em 1920, Schwitters cria uma construção Merz - uma colagem que inclui o espaço negativo e o tempo na percepção da obra, gerando outros espaços em torno de quem a defronta: uma Merzbau 163. Assim,

na progressão empreendida pelo

processo, a assemblage inclui a dimensão espaço-tempo definindo consequentemente o que hoje chamamos environment, em português, envolvimento.

Instituída a mecânica da colagem, conquistada a realidade destituida da imposições hierarquicas por meio da atitude Merz e descoberta a revelação do diferente pela repetição no gesto ready-made, estavam em jogo todos os dados que articulam o que designaremos por processo de expansão de natureza inclusiva – ou o que se traduz pelo alargamento ao ponto da coincidencia do que fora o enquadramento fisico da obra enquanto produto, ao domínio de uma atitude subjectiva perante a realidade.

É o processo que se desenrola no sentido da arte geral, se tomarmos a designação de Greenberg. A mecânica da colagem, o conceito Merz e o dispositivo componente ready-made, aliadas às conquistas espacio-temporais – fluidificantes - , da action painting herdeira do automatismo surrealista, pontuam o processo de expansão para o qual o contributo de John Cage será fundamental.

3.1.4. O driping e algo que simplesmente acontece.

Quando em 1958 o artista americano Allan Kaprow (n.1927) 164 dedica ao pintor Jackson Pollock, um artigo onde delimita as possibilidades que a pintura deste deixara em aberto, 163

A primeira merzbau de Schwitters data de 1920, realizada na casa do artista em Hannover e destruída durante um bombardeamento em 1943. Esta consistia numa escultura-pintura-arquitectura que se foi disposta tridimensionalmente determinando uma organização espacial inclusiva de qualquer espectador. 164 Allan Kaprow (n. Atlantic City a 23 de Agosto de 1927). Com uma sólida formação académica – entre 1945 e 1949 esteve na University de Nova Iorque comoprofessor, tendo passado de seguida por um mestrado em filosofia na Universidade de Nova Iorque que abandona, para se dedicar sob a orientação de Meyer Shapiro na Columbia University de Nova Iorque, ao seu Mestrado em História da Arte, do qual resultará em 1952 uma tese em torno da obra de Mondrian: Piet Mondrian: A Study in Seeing, Allan Kaprow dedica-se às

63

previu alguns dos mais importantes contornos que delimitaram o perfil da produção artística da década seguinte. No artigo intitulado The legacy os Jackson Pollock 165, Allan Kaprow aponta e sistematiza aqueles que defende terem sido os aspectos verdadeiramente inovadores da obra de Pollock. Em Outubro do ano seguinte, Kaprow apresenta em Nova Iorque, no apartamento em que consistia a Reuben Gallery, um acontecimento a que chamou 18 hapennings in 6 parts 166. Este significou, num primeiro momento a materialização da exploração do conjunto das possibilidades filiadas à prática pictórica de Pollock.

Segundo Kaprow, esta “peça” definia-se, de um modo muito simples, como uma coisa que acontece : um Happening 167.

artes plásticas desde cedo. Nos anos de 1947 e 1948 estudou pintura com Hans Hoffman na Hans Hoffman School of Arts em Nova Iorque e após 1952 iniciou um percurso singular, (expondo pela primeira vez sozinho em 1953) que o conduzirá à criação do Happening em 1959. 165 Allan Kaprow, “The Legacy of Jackson Pollock” in Op. cit. pp.1-9. 166 Segundo a descrição feita por Adrian Henri no seu Environments and happenings, Londres, 1974, p.91, este happening que teve lugar no espaço da Reuben Gallery, um apartamento em Nova Iorque, consistiu numa colagem de acontecimentos, acções, sons e matéria plástica. Para isso Kaprow dividiu o espaço da galeria em três espaços com folha de poliéster, sendo que algumas das superfícies deste material foram pintadas ou serviram de suporte para a colagem de materiais vários. O happening consistiu na definição de uma sequência de actividades envolvendo seis performers e 75 participantes, consistindo em sequências de movimentos seguindo linhas paralelas e fazendo ângulos rectos, com pausas antes da entrada de cada espaço e ritmados por sons. Estas sequências de movimentos consistiam quer em meras actividades físicas e gestos, quer na reprodução de actividades quotidianas. A informação acerca dessas actividades e do modo como as desempenhar foi dada à audiência antes e à chegada, de modo a que nestas pudesse participar, com os seus executantes: Allan Kaprow e os artistas Robert Whitman, Sam Francis, Alfred Leslie, George Segal e Lucas Samaras. Nos intervalos de cada acção foram projectados filmes e slides nas paredes. 167 O termo happening foi utilizado pela primeira vez por Allan Kaprow no seu texto entitulado Something to take a place: a happening em 1959, publicado nesse mesmo ano na revista literária da Rutgers University – The Anthologist e que se tornou, no seu conteúdo essencial, o script do happening 18 happenings in 6 parts. A escolha deste termo assenta na vontade de definir um conceito que isente aquilo a que se refere de qualquer relação com qualquer outro domínio artístico, bem como na vontade de Kaprow de dotar aquilo a que se refere de um perfil de espontâniedade - de que o quer ocorresse num happening fosse visto como um acontecimento espontâneo gerado naquele e daquele único e preciso momento, algo que acontece por acontecer. Segundo Allan Kaprow no seu texto “ Happenings in the New Yorke Scene” in Op.cit., pp.15-27, existem algumas qualidades particulares que caracterizam os happenings. Em primeiro lugar, não obstante serem acontecimentos, que simplesmente acontecem distingue-os dos demais acontecimentos o facto de neles se pressentir que algo de especial está em curso. Não assentam em nenhuma narrativa, nem têm uma estrutura, são um número de ocorrências com audiências muito pequenas, que podem acontecer em qualquer espaço, geradas na acção e privilegiando a improvisação. No seu artigo de 1967 “Pinpointing the happenings” in Op. cit., pp.84-90, Kaprow completa a caracterização dos happenings, alargando-a. Kaprow começa por lembrar que são sempre actividades propositadas onde não existe separação entre a audiência, o artista e a criação da obra, entre a concepção e a concretização. Continuando sistematiza o happening em seis categorias: aqueles que têm um carácter intimista e são realizados para pequenas audiências que permanecem

64

A nova regra introduzida por esta peça ao jogo comunicacional assentou no alargamento do espaço antes reservado aos limites da tela ao espaço tridimensional, envolvente do corpo do espectador e do próprio artista, de modo a incluir nesse mesmo espaço da obra não só o espectador como ainda o tempo e a acção 168. A nova regra trazia consigo uma quarta dimensão – equacionando o jogo do corpo-lugar. Implicando a coincidencia do acto criativo com o tempo da acção enquadrada – uma coisa que acontece. Desde então, essa coisa que acontece ou um happening,

passou a

corresponder a um tipo de performance caracterizada por um forte pendor visual, distinta da performance teatral em virtude da isenção de uma convencional sujeição a uma narrativa, bem como pela participação do espectador da obra nas actividades e acções suas constituintes.

Um happening é uma assemblage de acções realizados ou percebidos em tempos e em espaços diferentes. Os seus envolvimentos materiais podem ser construidos, usados tal como são ou ligeiramente alterados 169.

Quando no mesmo ano de 1958 Kaprow realiza os seus primeiros environments, este define-os como uma

evolução natural da assemblage, que composta por múltiplos

materiais ( de natureza plástica, sonora, táctil) se estende no espaço, adquirindo dimensões tais, de modo a incluir o próprio espectador. Eram assim uma consequência natural de um

perto dos artistas performers, os happenings que incluem grandes audiências, e ainda aqueles que consistem apenas em pequenas ocorrências. Inclui ainda happenings definidos pelo percorrer de um percurso – que impliquem a deslocação da audiência por vários lugares, happenings com um pendor dominantemente conceptual definidos pela leitura de frases e possível decorrente acção e, finalmente um tipo de happening que se envolve directamente na vida quotidiana, ignorando audiências e enquadramentos artísticos decorrendo do enquadramento e da atenção dada às situações e acções em que se participa e que se leva a cabo. Algumas características gerais do happening : tendência para utilizar materiais variados, tempo limitado, acções não hierarquizadas, simultâneas e fragmentadas, ciclos de acontecimentos determinados segundo uma estrutura não narrativa, utilização do ruído, participação do artista e incorporação da audiência na performance. 168 Tais intenções já tinham sido postas em prática por muitos artistas alinhados numa opção dadaísta: nas suas animadas Soirés do Cabaret Voltaire, ou pelo surrealismo como o testemunha a famosa peça apresentada em 1924 Rélâche, aplicação da “oscilation” pelo pintor surrealista Max Ernest já nos Estados Unidos ( no inicio dos anos 40) entre outras situações. No entanto estas experiências do momento antes da II Grande Guerra nunca foram levadas ao ponto de uma sistematização e afirmação como forma e meio artístico. 169 Allan Kaprow, Some recente happenings, Nova Iorque, 1966.

65

processo desenvolvido pelo artista entre 1953 e 1956, tendo como ponto de partida a prática pictórica do expressionismo abstracto 170 e da colagem.

Este é o domínio de uma técnica de acção-colagem.

Os environments, resultantes da instauração da mecânica da colagem sob a atitude ahierarquica Merz, dinamizada pelo imediatismo de raízes surrealistas aprendido com a action painting, implicaram enquanto consequência na sua incursão no suporte temporal, a inclusão no trabalho artístico, de agentes outros que não o artista e com estes (pessoas que agem, logo pessoas e acções), do imprevisto e do acaso.

Dos environments como colagens tridimensionais - merzbau, à inclusão nestas de pessoas e objectos foi um passo, apenas muda o suporte. O processo de expansão conquista a partir da tela e dos suportes fisicos o suporte tempoespaço: a colagem estimula a imaginação: eu comecei a querer colar o impossível – a colar acção, a fazer colagens de pessoas e coisas em movimento 171, disse Kaprow. Consequentemente, acompanhamos o processo de expansão no sentido da definição de um happening. Se nos environments a acção dos participantes se limita à vivência de um espaço determinado, como acontecia nas Merzbau de Schwitters, nos happenings os espectadores passam a agentes por meio da implicação numa acção orientada, que são conduzidos a desempenhar. Centrado no desempenho e relações definidas em função deste, o envolvimento criado deixa de ser um pressuposto obrigatório. Com o happening o objectivo estende-se a um substracto outro: o entendimento de toda a realidade gerada pela e na acção como lugar de experiência estética, de uma arte geral. 170

Allan Kaprow iniciou a sua prática artística no domínio da pintura com Hans Hoffman (1880-1966) na Hans Hoffman School of Fine Arts em Nova Iorque nos anos de 1947 e 1948. A influência professor a quem é atribuída a responsabilidade da ligação entre as primeiras vanguardas e a arte americana do segundo pós-guerra, foi particularmente importante. De origem Austríaca, frequentador do meio artístico parisiense nos anos de 1904-1914, H. Hoffman fundou em 1915 uma escola de artes em Munique, sendo no entanto nos Estados Unidos, para onde imigra em 1933, que se virá notabilizar, quer como professor na Arts Student Leage em Nova Iorque, quer como fundador, no ano de 1934 da Hans Hoffman School of Fine Arts. 171 Cf. W. Seitz, Art in the age of aquarius,1955-1970, Washington, 1992, p. 47

66

E, naturalmente o alargamento imposto por esta expansão radical não encontra correspondentes no território da estética, desvinculada, naturalmente, da realidade em geral. Em 1971, Udo Kulterman constacta que os happenings são acontecimentos estéticos que têm lugar no contexto da realidade. Estes suscitam emoções e criam formas que não podem mais ser retiradas com as ferramentas da estética convencional 172.

Verificamos que os primeiros happenings, particularmente na cena nova iorquina, situaram

numa

linha de continuidade lógica quer

se

de conteúdo quer de estrutura,

relativamente aos environments. Acrescentando-lhes a dimensão espacio-temporal. A técnica da colagem deixou de ser aplicada somente a objectos para ser aplicada também a acções - o que é tido como artístico deixou de coincidir com o resultado das acções para coincidir com estas.

Desta forma, voltamos a seguir Richard Kostelanetz que nos diz que se Jackson Pollock olhava a tela como a área na qual o pintor agia e representava as suas acções, Kaprow nos happenings puros, removeu a tela, por assim dizer, e tornou a própria acção ela mesma um acontecimento artístico 173. Allan Kaprow quando entrevistado por Richard Shechner em 1968, refere o seu percurso como pintor na linha do expressionismo abstracto, afirmando que havia deixado a pintura em virtude da sua natureza circunscrita – como o teatro, cujo espaço teatral é a própria tela. Mas sublinha: por muito grande que seja um cenário, nunca deixa de ser um cenário. Se se trabalha no centro está tudo bem, mas à medida que se chega aos lados deve parar-se e eu não gosto de parar 174.

Por isso mesmo, podemos encontrar nestas palavras o substracto que alimentou a passagem do progressivo alargamento do enquadramento à sua coincidência com uma atitude; da tela como arena e de alguns environments ao happening - passagem presidida pelo enfoque

172

Udo Kulterman Art and life, 1971, p.80. Richard Kostelanetz, The Theatre of mixed means, Nova Iorque, 1968, p. 16 174 Simón Márchan Fiz, Del arte objectual al arte de concepto – epilogo sobre la sensibilidad “postmoderna” , Madrid, (5ªa edi.) 1990., p.195 173

67

colocado na acção com todas as implicações nesta envolvidas (tempo e espaço, acaso e indeterminação, implicação e criação, enfim – arte coincidente com a experiência). E na continuação desta ideia Kaprow acrescenta:

que deste modo, simplesmente renunciei

completamente a ideia de criar, através dos quadros, metáforas figurativas de dilatações ou extensões espaciais e temporais. ( eu sempre pensei na minha pintura em termos temporais mais que espaciais). Senti um grande alivio em “sintonizar-me” com o mundo que me rodeava e participar directamente, ser realmente e não só metafóricamente um artista de acção. E apenas no momento, me dei conta que o meu caminho passava longe da tela, da galerias, do cenário 175.

Define-se uma filiação directa a Pollock. O ponto em que este deixara a arte ocidental permitia, segundo Kaprow, uma dupla deslocação definida numa correlação estrita em si mesma: a da inclusão do artista na própria obra e o alargamento da obra a toda o espaço e realidade material. O que acabou por implicar a inclusão do espectador e a própria acção no enquadramento formal do produto ou obra. Assim, um dos primeiros

factores

que Kaprow sublinha como responsável de tal

deslocação é relativo à aplicação da técnica surrealista da oscilation como a utilizara Max Ernest (1891-1976), ou drip 176 aplicado em telas de grandes dimensões estendidas no chão – dimensões e disposição que forçaram a inclusão do gesto e do corpo na própria pintura, acrescentamos nós.

O driping, ou a prática do drip,

acarretou o envolvimento físico do artista que se

movimenta e em torno da tela, implicando todo o seu corpo na técnica do dripping, determinando o lugar da pintura como o domínio de um confronto de múltiplas forças tensionais próprias do corpo-lugar (definindo o que Rosenberg chamou uma arena). Ao estender as telas de grandes dimensões no chão, envolvendo-se – agindo, Pollock abriu a via para a expansão da pintura ao mundo circundante e à consequente emersão da experiência – introduzindo a acção por via do corpo na pintura. Nesta coincidência o artista passa a estar, efectivamente, no seu trabalho. E por isso, no limite, passa a ser

175 176

Id.ibid., p. 196. Situa-se entre 1947-1952 o período em que Jackson Pollock inicia a exploração e utilização do dripping.

68

também no e o seu trabalho – lembremos as palavras de Pollock: pintar é um estado de existência, pintar é auto-descoberta, cada bom artista pinta o que ele é 177. Este corresponde a outro dos aspectos sublinhados por Kaprow e a um ponto por nós já aflorado.

Porque estar no seu trabalho 178, ser parte do trabalho em virtude de uma

coincidência definida sobre o denominador do gesto, implicou uma relação intima entre o resultado e fazer – uma relação indicial . Consequentemente, Pollock não representa – o resultado nas suas telas, são indices da curvatura imposta pelo seu corpo- lugar num tempo. A sua pintura resulta, na forma mais denotativa, do funcionamento do triangulo corpo-lugar-acção 179.

Ao isentar as suas obras da familiaridade dos moldes da representação o confronto com estas significará, que o nosso mundo da convenção e do hábito é substituído por aquele criado pelo artista 180. Traduzindo-se esta situação, continua Kaprow, no facto das telas de Pollock deixarem de constituir pontos de referência isolados determinados por limites específicos - quer em função da sua escala que implica envolvimento do observador (base a partir da qual, aponta Kaprow, se pode desenvolver o environment 181 na medida em que inclui o espectador) quer pelas formas nestas definidas

- indices de uma acção, rasto de um movimento,

impossibilitadas por isso de serem inscritas em quaisquer normas da representação pictórica, nas leis da simetria ou da composição por serem limitadas não determinam um principio ou um fim nem tão pouco um ponto de referência interno.

Kaprow sistematiza, conscienciosamente, o processo de expansão no modo como se traduz na obra de Pollock. A indiosincresia desta tradução ressoa nas palavras de Cunha e Silva, quando este nota que a pintura de Pollock é uma geo-estrategia que usa o corpo diacrónico 177

Jackson Pollock entrevistado por S.Rodman, in Conversations whith artists, Nova Iorque , 1957, coligido na obra de Lea Vergine, Art on the cuttinng edge, Milão, 2001, p.20 178 Expressão utilizada por Allan Kaprow, “The Legacy of Jackson Pollock” in Op. cit.,pp.1-9, p.4. 179 Paulo Cunha e Silva, Op.cit., p. 178. 180 Allan Kaprow, “The Legacy of Jackson Pollock” in Op. cit., pp.1-9, p. 5. 181 Cfr. definição de environment forjada por Frank Popper na sua obra Arte, acción y participación – el artista y la creatividade de Hoy, Barcelona, 1980, p.38 – todo o environment artístico (“escultórico” diria F. Loyer) se refere á disposição de um espaço interior, onde o objecto de arte pode entrar em contacto com o meio ambiente, ou pelo contrário estar totalmente excluído dele. Criar um environment equivale pois a ampliar a proposta plástica e ao mesmo tempo a circunscrevê-la a um espaço provisório da sua própria “significação” plástica.

69

como tática. Implica tempo e espaço na gestação do movimento. É uma arte de um tempo, de um espaço e de um sujeito, recorrentemente infinitos, na vontade de a partir de uma tela de dimensões limitadas, abraçar todo o mundo 182.

Os limites da tela são relativizados, as referências limitrofes do enquadramento físico indiciam toda a potêncialidade da metamorfose em atitude. Por isso, nota Kaprow, nós não entramos na pintura de Pollock em nenhum lugar (ou em centenas de lugares), nenhum sitio é todos os sítios, mergulhamos dentro e fora quando queremos. Esta descoberta levou a um ponto de que a sua arte dá impressão de continuar para sempre – uma verdadeira noção de que Pollock ignorou os confins do campo regular em favor de um continuum que continua em todas as direcções simultaneamente, para lá das dimensões literais de qualquer trabalho 183.

Consequências radicais estão implicitas nesta expansão-potência-de-metamorfose.

E

nesse sentido

Kaprow pressentiu que o ponto em que Pollock deixara a pintura

enformaria as alquimias dos 60’s, na descoberta dos significado da própria normalidade, possibilitando que as preocupações dos artistas se deslocassem no sentido do espaço e dos objectos da nossa vida quotidiana, sejam os nossos corpos, as nossas roupas, quartos, ou se necessário, a vastidão da 42nd street. Não satisfeitos com a sugestão através da pintura dos nossos outros sentidos, devemos utilizar as substâncias especificas da visão, som, movimentos, pessoas, odores, toque. Objectos de todo o tipo são materiais para a nova arte; tinta, cadeiras, comida, luz eléctrica, néon, fumo, água, meias velhas, um cão, filmes, e um milhar de outras coisas que serão descobertas pela presente geração de artistas 184.

182

Paulo Cunha e Silva, Op. cit., p.177 Allan Kaprow, “The Legacy of Jackson Pollock” in Op.cit., pp.1-9, p. 6 184 Id. Ibid. p.9 183

70

3.2. Silêncio de música convencional

O nosso tempo é um tempo para atravessar barreiras, para apagar as velhas categorias Marshal McLuhan

Quando em 1959 Kaprow apresentou 18 happenings in six parts a um restrito público Nova Iorquino, este acontecimento condensou a confluência de multiplas linhas de intensidade. Carregada de um universo potencial sem precedentes: o aparecimento do happening – uma forma composta de combinar a pintura, colagem, som, teatro, aspectos da dança, e interacção de grupo – epitomiza a confiança de uma década de incessante inovação 185, di-lo W. Seitz.

O resultado

desse cruzamento traduzia a definição de environments onde

a

responsabilidade criativa da acção deixava de estar reservada ao artista para ser alargada ao próprio espectador ( quer em termos da construção efectiva da obra, mas também do próprio sentido, situações que acabam por coincidir). Incluindo assim tudo o que se gerasse entre os factores em presença e os elementos em questão. Logo o resultado aglutinava, nada mais nada menos, que a definição de um acontecimento – um happening.

Um sistema inter-relacional de conexões múltiplas definidas e experienciadas em níveis de intensidade. Algo que acontece como arte. Ou simplesmente aquilo que Udo Kulterman 186 define como uma nova unidade, na qual a dança, o teatro, o cinema, a escultura e a pintura, a arquitectura e a musica, bem como os seus materiais e práticas, são combinadas

como aspectos da realidade quotidiana e

definidas por um termo cujo carácter neutral evite a sua associação a qualquer domínio da arte. 185 186

W. Seitz, Art in the age of aquarius,1955-1970, Washington, 1992, p.47. Udo Kulterman, Art and Life, Nova Iorque, 1971.

71

Por isso, sintetisando acrescenta Kulterman: os happenings são eventos artísticos feitos de cor, luz, espaço movimento, som, ruídos, formas e muito mais. Os artistas que fazem happenings descontextualizam fragmentos da realidade, criando com eles novas interrelações, transformando-os, usando parametros aparentemente arbitrários, num processo que normalmente parece ilógico, as que é frequentemente estéticamente satisfatório 187.

Esta foi a radicalização que o happening representou relativamente à pintura, ao teatro, e todas a arte que implicam a definição de um limite convencional relativamente à vida. Mas para esta que tenha acontecido e se a action painting e a assemblage permitiram a elastificação dos limites do espaço plástico à inclusão do gesto e da própria realidade sob a forma de fragmentos ( quer sob forma de objectos quer de acções), a dinâmica desta radical possibilidade, que permite a passagem do alargamento à coincidência deveu-se à influência de John Cage no meio artístico Nova Iorquino. Cage mostrou a arte em geral que subjaz a toda a realidade, sendo apenas necessário que se organize enquanto tal. Segundo Pierre Restany 188, devemos ter em conta que a passagem da assemblageenvironment ao happening corresponde ao momento em que Allan Kaprow, entre outros artistas que pontuaram a prática do happening nova iorquino nos primeiros anos de 60 e o Fluxus, conhecem John Cage (entre 1956 e 1958 nas aulas de composição na New School for Social Research ).

E se o que é a obra coincide com um acontecimento tido como um processo ao qual preside um inevitável grau de indeterminação e de acaso, sob a influência do compositor ou melhor -

do organizador de son - como o próprio define, John Cage 189, tanto a

187

Id.ibid., p. 80. Pierre Cabanne e Pierre Restany, L’avant-gard au XX siécle, p. 292 189 O compositor americano John Cage (1912-1992) afirmou-se como uma das mais importantes personalidades da vanguarda europeia do segundo pós-guerra, cuja influência se estendeu a todas as artes não só por meio das suas composições mas também pelos seus escritos e personalidade. A sua formação em composição teve inicio em Los Angeles no ano de 1931, tendo sido continuada com Shoenberg. Data de 1937 o ano em que começa a trabalhar como pianista acompanhante de dança, primeiro na UCLA e do seguinte quando começa a trabalhar na Cornish School of arts em Seatle onde não só conhece Merce Cunningham começa, no ano de 1938 a utilizar o piano preparado. Data da década de 40 o seu interesse e o inicio das pesquisas em torno da musica e filosofia oriental, da filosofia de Mestre Eckhart bem como a 188

72

indeterminação como o acaso passaram a ser tidos como aspectos constituintes da obra, dado que esta é tida não como coincidente com um produto mas com uma atitude. A tarefa de um compositor, de um organizador de son é como a de um filosofo, a de cartografar a realidade sonora – abrir processos destituídos de principio ou fim – puros sistemas dotados de núcleos de conexões e relações segundo uma determinada organização que põe em curso um processo.

Quando em 1967 Cage escreveu acerca da influência de Marshal McLuhan na sua obra, sintetisou numa frase o cerne daquilo que designa por nova arte e nova música. A nova arte e a nova musica não comunicam concepções como uma concepção individual em estruturas ordenadas, mas implementam processos que são, como as nossas vidas quotidianas o são, oportunidades para percepção (observação e escuta) 190.

Tão cedo quanto o ano de 1937 Cage havia delimitado o perfil daquilo que designou como sendo o futuro da música, no seu texto The Future of music: Credo 191. Nesse pequeno texto encontramos as bases conceptuais que atravessam a sua obra e o seu pensamento. As mesmas directrizes que em 1965 pautaram o primeiro happening português.

Partindo do princípio de que não existe silêncio, de que toda a realidade é pontuada por sons, por ruido, Cage propõe um novo território de exploração da experiência auditiva. Um território que extravasa os domínios da música, dos instrumentos convencionais e, consequentemente, das formas de composição e escrita do que pode ser experimentado

viagem pela Europa, em 1949, onde conhece Pierre Boulez, das suas investigações em torno do silencio e da sua introdução, por via de Morton Feldman ao circulo artístico nova iorquino de vanguarda, particularmente em torno de alguns pintores alinhados pela prática do “expressionismo abstracto”. No decorrer da década de 50 ( a partir de 1951) inicia a exploração da noção de acaso como forma de composição – aquilo que designou por “chance operations”, particularmente enquadrado pelo I Ching, aplicando-o em diversos sistemas composicionais que o conduziram, por sua vez à noção de indeterminação. À década de 60 ficou reservado o reconhecimento da sua obra que prosseguiu sob as linhas definidas em torno dos conceitos de acaso e indeterminação. Cfr. Sadie Standley (ed.), The New Grove Dictionary of music and musicians, Vol.4, Londres, Nova Iorque, 2001, pp.796 – 804. 190 John Cage, “ McLuhan’s influence” in R. Kostelanetz (ed.), John Cage, Nova Iorque, Washington, 1970, pp.170-171, p.171. 191 Que foi entregue como comunicação na Seattle Arts Society em 1937 e aqui seguido no catálogo John Cage 80, Bratislava, 1992, sp.

73

como o que até então havia sido experimentada como musica no território exclusivamente reservado ao som musical. Um território que implica uma radical expansão uma efectiva coincidencia do enquadramento com uma atitude. Ao termo música contrapõe o termo organização som – versada sobre todo e qualquer som que possa ser ouvido – todo o território do som, tendo como fim, na sua exploração e domínio, o controle, a organização num sistema. O que está é questão é a noção de organização como um principio – o principio da organização ou a comum habilidade do homem de pensar 192 . E as suas implicações extravasam o território comum da experiência estética ou da composição musical. Implica um alargamento dessa mesma experiência ao ponto da sua possível coincidencia com toda a realidade e como consequência, que o sistema resultante desse processo de organização ultrapasse os limites da criação artística. Tido como forma de pensamento centrada numa sistematização possível da realidade sensível, define-se nos limites próprios do discurso filosófico, que é a estética.

Esclarece-se assim a possibilidade da referência a uma estética cageana.

A obra prática e teórica de Cage fundam uma estética: propõem-se revelar e definir um possível enquadramento estrutural da própria realidade, uma possível organização desta. Não se limitam à criação e exploração da realidade sonora dentro dos limites e da legitimação do que a musica e a noção de som musical haviam, até então permitido. Cage propôs-se cartografar indiscriminadamente – no que diz respeito a material e métodos –, numa atitude radicalmente inclusiva, toda a realidade sonora.

Fundam-se no ano de 1952 dois acontecimentos fundamentais na dimensão histórica do processo de expansão: um agora designado proto-happening e o concerto 4’e 33’’.

192

Id.ibid., sp.

74

Em colaboração com David Tudor, Charles Olson, Merce Cunningham e Robert Raushenberg, Cage leva a cabo

na Black Mountain College 193 aquilo que a bibliografia

define como um proto-happening, ou o primeiro happening conhecido. Designado por Untitled event 194, tratou-se de uma concerted action – como lhe chamou, ou um acontecimento onde pintura, dança, projecções, som, musica, poesia e uma conferencia são combinados e sobrepostos, ao modo de uma colagem, incluindo nesta sobreposição e colagem, nesta assemblage, o próprio público 195.

Estava em causa uma confluência de factores muito diversos. Um desejo de intermedialidade – se tomamos o termo do futuro aluno de Cage -

Dick Higgins, a

influência de Kurt Schwitters (pela obra The Dada painters and poets: An Anthology de Robert Motherwell, publicada em 1951 nos Estados Unidos onde figura o texto “Merz”) e a obra de Artaud ( O teatro e o seu duplo ) 196, catalizaram em extensão espacio-temporal a prática da colagem que Cage vinha a aplicar sistemáticamente no ultimo ano. Determinando como resultado um acontecimento conscientemente tido

como fusão e

momento de experiência compósita.

A melhor coisa que nos aconteceu nas aulas de Cage – escreveu em 1959 Dick Higgins – foi o sentido de que qualquer coisa acontece, pelo menos potencialmente.(...)....a coisa principal foi a realização das possibilidades, que tornou mais facil utilizar escalas mais pequenas e uma maior gama de possibilidades do que as que a nossa experiência prévia

193

Id.ibid., sp. Neste Untitled event a audiência foi disposta em quatro secções triangulares com vértice coincidindo no centro, sendo que assim a acção em que consistiu teve lugar no espaço em torno dos triângulos formados pela disposição das cadeiras destinadas a essa audiência. John Cage vestido de smoking fez uma palestra de 45’ pontuada por silêncios, citando Mestre Eckart e apresentando o budismo zen, e Charles Olson e M.C. Richards leram poemas. David Tudor tocou um piano preparado e Merce Cunningham dançou em torno da audiência, incessantemente perseguido por um cão errante. Robert Raushenberg passou música popular dos anos 20 e 30 num gramofone velho e Tim La Farge e Nick Cernovich projectaram filmes e slides. Cada cadeira tinha um copo vazio, destinado a ser cheio com café no fim da peça, definindo-se como o elo relacional entre a própria peça, os artistas e a audiência. E sobre tudo isto, no tecto, estavam penduradas dispostas em forma de cruz algumas das primeiras telas brancas de Robert Raushenberg. 195 Depois deste evento Cage realizou outras obras dentro dos mesmos pressupostos e objectivos, de carácter múltisensorial como o “Musicircus” e “HPSCHD”. 196 Cfr. John Cage citado por Llorenç Barber in John Cage, Madrid, 1985, pp.30-31. 194

75

nos levou a esperar. No limite, claro, isto contribui para o desenvolvimento dos happenings 197.

Quatro anos após o referido Untitled event, Cage começou a leccionar na New School for Social Research, em Nova Iorque (durante o período compreendido entre 1956-1960), a disciplina de composicção musical, atraindo para as suas aulas um conjunto peculiar de artistas, oriundos das mais diversas áreas. Entre outros, estiveram presentes como alunos Allan Kaprow, Al Hansen, Dick Higgins, George Brecht 198, Florence Tarlow e o fotógrafo Scott Hyde ( na aula de 1958) 199 e La Mont Young. E entre os visitantes destas aulas estiveram personalidades como o realizador Harvey Gross, George Segal, Jim Dine e Larry Poons 200.

Nestas aulas,

discutiu e apresentou aos seus alunos alguns dos fundamentos sobre os

quais se erigiram as suas pesquisas em torno da indeterminação, do acaso e da fundação da experiência na não dualidade 201, não só enquanto princípios existenciais, mas também enquanto técnicas artísticas a aplicar no sentido da efectivação de uma arte que procura 197

Dick Higgins, “On Cage’s classes” in R. Kostelanetz (ed.), John Cage, Nova Iorque, Washington, 1970, pp.122-124, p. 124. 198 A influência exercida sobre George Brech nestas aulas define de modo essencial e estabelece a relação entre o pensamento de Cage e o movimento Fluxus. Na linha da influência de Cage, em 1957 George Brecht publica Chance Imagery centrando-se na questão do acaso: procura as suas origens no Dadaísmo, no Surrealismo e na obra de Jackson Pollock, bem como o aborda, tomando como possibilidade a criação de composições recorrendo ao I Ching. 199 Cfr. Al Hansen, “On Cage Classes” in R. Kostelanetz (ed.), John Cage, Nova Iorque, Washington, 1970, p.121, pp.121-122. 200 Cfr, id.ibid., p.122. 201 Particularmente orientadas pelo estudo da Doutrina da mente universal de Huang Po, o Taoismo e o I Ching, bem como, e de modo muito importante, pelo estudo do budismo Zen com DT. Suzuki (1870-1966). A figura de DT. Suzuki é dotada de notável importância sendo por isso necessário que lhe dediquemos algumas linhas. Nomeadamente no que diz respeito à responsabilidade que sobre este recai relativamente à autoria de importantes estudos sobre o budismo publicados pela primeira vez numa lingua ocidental: o Inglês, como o Studies in Zen Buddhism (1927-1934), Studies in the Lankâvâtâra Sûta (1933), Zen Buddhism and Its influence on Japanese Culture (1938) . Tão cedo quanto 1897 Suzuki viajou para os Estados Unidos, nomeadamente para La Salle no Illinois com o intuíto de cumprir a função de assistente de Paul Carus, o presidente as Open Court Publishing Co, na tradução do clássico taoista Tao Te Ching, sendo que depois de 1949, após notável percurso académico no Japão, voltou a este país para ensinar Budismo Mahayana como professor convidado na Columbia University. Não só por meio dos seus estudos publicados em Inglês como por meio das suas lições na Columbia University, Suzuki possibilitou o contacto da cultura e mundo ocidental com o Budismo Zen, numa relação cujos frutos se definiram particularmente ferteis no domínio das artes. Domínio onde exerceu uma forte influência no sentido da superação dos conceitos e formas mentais predefinidas no sentido de uma experiência directa da realidade – a experiência simples que é a fundação de todos os conceitos como nos diz no seu Introdução ao Zen-Budismo, S. Paulo, 1992, p.54.

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operar

um distanciamento relativamente ao egocentrismo característico da produção

estética ocidental desde o Renascimento 202. Combinando um leque particular de influências ( budismo Zen, Taoismo, as criações de Satie de 1915, experiências em torno do ruído feitas nas primeiras décadas do século por Russolo) em composições musicais de carácter radical que se estendem ao domínio da performance (primeiro do happening, como vimos),

Cage procurou, sublinhando a

importância do envolvimento pessoal, uma desconstrução por meio da arte, do dualismo próprio da lógica e pensamento ocidental, no sentido da descoberta da realidade a cada instante como o lugar de revelação. Da revelação de uma realidade sensível que está presente em toda a realidade, a todo o momento – para lá da convencionalidade e da lógica, onde não existe sequer a antítese 203 ( para lá da representação).

202

Cf. Kristine Stiles, “Performance art” in, Kristine Stiles e Peter Selz, Theories and documents of contemporary art: a sourcebook of artists writings, Berkeley, Los Angeles, Londres, 1996, p. 682. Torna-se oportuno ponderar a influência da teoria que Marshal McLuhan desenvolvia ao momento sobre John Cage, entusiasta declarado do trabalho deste. Ao que devemos atender dada a presente questão prende-se com esta noção de superação da herança renascentista, no domínio das artes e da representação da realidade. Nomeadamente no que diz respeito à convencionalidade da representação fundada sobre os princípios da perspectiva euclideana, e das suas consequências no sentido da separação e impossibilidade de envolvimento do espectador, na experiência evocada pela arte que determina assim uma percepção do mundo assente essencialmente em termos de uma realidade visual, situação que segundo McLuhan tende a conhecer o seu fim em virtude do surgimento de uma nova realidade – a dos novos media de informação, responsáveis pela instauração de uma nova ordem de experiência, próxima da dos povos não alfabetizados. Ordem esta que implica a integração e valorização de todos os aspectos da realidade física, em vez de uma exclusiva atenção focada na visualidade ou em qualquer aspecto único da percepção, como o diz: os povos primitivos e préalfabeto integravam o tempo e o espaço como um e ao vivo num espaço acústico, sem horizontes, sem barreiras, em vez de no espaço visual.A sua representação gráfica é como um raio-x. Nela põem tudo o que conhecem, em vez de porem somente o que vêem (...). O circuito elétcrico está a recriar em nós a orientação multidimensional do espaço dos “primitivos”. Marshal Mc Luhan, Op. cit., pp.57-58. É por esta mudança que McLuhan prevê uma nova realidade e nova ordem de existência : a de um mundo definido como uma “global Village”, um Happening simultâneo. O que significa é a determinação de uma nova realidade da expressão cultural fora dos parâmetros da exclusividade da convenção – uma expressão que se aproxima dos novos contornos da realidade existencial onde todos os sentidos, o tempo e o espaço são envolvidos. Não é difícil averiguar o paralelos entre este aspecto da teoria de McLuhan e os pressupostos da arte de Cage e particularmente da sua Teoria da Inclusão, e do happening. E neste sentido, num texto de 1967, entitulado McLuhan’s influence, Cage sistematiza os pontos desta influência na sua obra. Segundo este é McLuhan que se deve a lúcida constactação da profunda mutação em curso nas sociedades contemporâneas à qual é correlativa uma nova arte e uma nova música cujas funções se condensam na finalidade despertar os sentidos para o disfrutar do meio e envolvimento quotidiano, relativamente ao qual não existe mais qualquer separação. Terminado este texto Cage afirma , relativamente a McLuhan que nãa passa um momento sem que o meu ser seja influênciado por ele e a ele esteja agradecido. John Cage, “McLuhan’s influence”, in R. Kostelanetz (ed.), John Cage, Nova Iorque, Washington, 1970, pp.170-171, p.170. 203 Cf. John Cage, Silence, lectures and writtings, Middletown, 1967, onde nos primeiros textos podemos ver a orientação dos seus propósitos neste sentido.

77

Onde se move a indeterminação e o acaso, onde tem lugar o imprevisto, uma impossível simultaneidade e o imponderável: esse é o domínio do que teorizou sob a designação de Theory of inclusion.

No limite, podemos constatar que Cage opera uma radicalização do estado Merz, servindo como notou Restany como um filtro existencial em perfeita osmose com a vida, o catalizador da acção espontânea que vai criar a obra de arte ao mesmo tempo que o acontecimento 204 . Verificamos pois como a radical expansão implica uma radical e total inclusão, cuja ilustração paradigmática podermos encontrar nos 4’33’’ – peça criada por Cage na Black Mountain College, em 1952. Durante os 4’33’’ da duração desta peça, constituída por três partes – 33’’, 2’40’’ e 1’20’’, executada pelo reconhecido pianista David Tudor em Woodstock, Nova Iorque no dia 29 de Agosto de 1952, este limitou-se a sentar-se, silenciosamente, ao piano, pontuando o inicio e fim de cada uma das três partes com o abrir e fechar da tampa do piano.

E tudo o que se ouviu foi silêncio de musica convencional.

O espaço deixado por esse particular silêncio foi preenchido por uma outra música – aquela que preenche a nossa vida mas que habitualmente não ouvimos – os ruídos do quotidiano, o som do vento nas árvores, o som das gotas da chuva contra o telhado, o burburinho da plateia surpresa - a musica dessa peça se tornou a preferida de Cage, segundo o qual é a que se pode ouvir sempre que estivermos quietos 205.

Cage revelou inexistência de silêncio e a que à realidade preside uma constante presença do som. Radical coincidência do enquadramento com uma atitude pela via do processo negativo de afirmação de positividade. Som constante, alguns destes sons organizados em musica, outros não. Mostra por isso que só há sons na música, uns escritos, outros não. Os que não estão escritos aparecem nas

204

Pierre Restany, L’autre face de l’art, Paris, 1979, p.26 John Cage citado por Marshal McLuhan in Marshal McLuhan e Quentin Fiore, The medium is the massage, na invenctory of effects, (1ª ed.1967), 2001, p.199.

205

78

partituras como silêncios 206. Consequentemente, todo e qualquer som poderá ser ocasionalmente, parte de uma peça, de uma peça de som organizado.

Data de 1987 o texto em que Allan Kaprow sintetizava a influência da obra de Cage sobre os artistas que haviam gravitado em torno das suas aulas na New School for Social Research , no pequeno texto “The Right Living” 207. Segundo este, o que Cage implicara no seu modo de fazer música era passível de se estender às demais artes e traduzia-se por duas deslocações fundamentais. Compreendidas pela prática sustida das operações de acaso para seleccionar e compor sons e as durações de uma peça, e o acolhimento do ruído na composição como equivalente ao som musical convencional 208.

Cage pontua históricamemente um momento de aceleração e condensação do processo de expansão, empreendendo um alargamento sistemático, num momento histórico e artístico mais receptivo que aquele que presidira as primeiras vanguardas 209 da experiência da arte, no sentido de uma arte geral. 206

Llorenç Barber, op.cit., p.33. Allan Kaprow,” The Right Living” in Op. cit., p.223 208 Id. Ibid., p.223 209 Não obstante a influência um tanto marginal das primeiras vanguardas na génese do happening e das neovanguardas que retomam o seu ímpeto mas que não implicam uma necessária continuidade, é importante lembrar que a performance como forma artística utilizada no sentido do teste dos limites e das convencionalidades artísticas, com um perfil verdadeiramente experimental, já tinha sido utilizada pelas vanguardas históricas como foi o caso do Futurismo, o Dadaísmo, vanguardas russas como o Construtivismo, o atelier de teatro da Bauhaus e do Surrealismo. No entanto sem levarem a cabo a sua exploração sistemática como um meio artístico independente. Tanto o dadaísmo como o surrealismo se debruçaram sobre a natureza e consequências actividade criativa espontânea - lembremos as colagens aleatórias de Hans Arp e os poemas de Tristan Tzara a partir de fragmentos de frases tirados de um chapéu e as soirés do Cabaret Voltaire em 1916 bem como a famosa e já referida peça de Erik Satie Relâche, de 1924 na qual participaram Marcel Duchamp, Man Ray e Francis Picabia. O futurismo, por sua vez, centrando-se na apologia da acção e da inclusão da realidade empririca no território da arte numa sintese da vida e da arte ( lembremos entre os vários manifestos do Futurismo inaugurados pelo Manifesto de 1909, particularmente o conteúdo do Manifesto do “Teatro de Variedade” de 1913, bem como as experiências de L. Russolo (18861947) a partir 1913 no domínio do ruído – bruitismo, ou a arte do ruído, como lhe chamou nesse mesmo ano no Manifesto A arte dos ruídos) incluiu e sublinhou a importância da performatividade. E devemos ainda lembrar os pontos sobre os quais se define o programa elaborado por Vladimir Tatlin (1885-1953) para o grupo Construtivista, em 1920, segundo o qual a ideia de arte deveria ser aniquilada em função de uma arte colectiva, a da vida. Cfr. acerca dos propósitos programáticos de Tatlin, Udo Kulterman, Art and Life, Nova Iorque, 1971, p.70. Torna-se ainda relevante notar que o conhecimento documental de tais experiências passou a estar disponível ao público e à comunidade a partir dos anos 50. Kristine Stiles lembra no seu artigo “Performance Art” in Kristine Stiles e Peter Selz, Theories and documents of contemporary art: a sourcebook of artists writings, Berkeley, Los Angeles, Londres, 1996, pp.679-698, p.679, que “Dada painters and Poets” uma antologia de escritos de artistas editada por Robert Motherwell, foi publicada em 1951. O “Marcel Duchamp” de Robert Lebel apareceu em 1959. E o Kunstverein fur Rhineland un Westfalen 207

79

Richard Kostelanetz conclui e sistematiza na seguinte frase de 1970 o domínio desta influência: de facto, por fazer arte com materiais que não são normalmente familiares à arte, Cage, com o seu amigo Marcel Duchamp, também definiu precedentes antitéticos para a pop art, object trouvés, escultura industrial e muito mais; e Allan Kaprow, um pintor esporádico que originou essa forma de performance conhecida por happenings, testemunha que, apesar de não subscrever todas as inovações radicais de Cage, “ele ensinou-nos a sermos livres” 210.

Colocando-se nessa linha de libertação, Kaprow permitiu-se avaliar as consequências

e

assumir a vanguarda de algumas das possibilidades abertas por Cage. Por isso escreve: como Cage trouxe o mundo do acaso e do ruído para a sala de concertos (seguindo Duchamp, que fez o mesmo na galeria de arte), um próximo passo era simplesmente mover para fora, no sentido do mundo incerto e esquecer os dispositivos de enquadramento da sala de concertos, da galeria, do palco, e daí em diante. Esta foi a fundação teórica do happening... 211.

Voltamos a verificar que essa é a liberdade de assumir não só a existência de uma arte em geral, mas também que esta arte, e seguimos agora as palavras de Robert Fillou, é o que torna a vida mais interessante que a arte 212.

Bases definidas como

os pontos da confluência de linhas de

influência múltiplas,

análisamos a par dos momentos de aceleração próprios do processo de expansão inclusiva as situações que constituem, segundo Restany esse qualquer tipo de síntese plástica da informação artística da nossa época (operada a partir de Nova Iorque) em que consistiu o happening. mostrou “Dada: documents of a movement” em Dusseldorf em Setembro de 1959. Devemos ainda sublinhar que na obra publicada por Robert Motherwell em 1951 nos Estados Unidos figura o texto de Shwitters – Merz. 210 Richard Kostelanetz in , Richard Kostelanetz, John Cage, Nova Iorque, 1970, p.201 211 Allan Kaprow, “The Right Living” in Op. cit, p. 225 212 Robert Filliou (1926-1987)- artista françês que assumiu particular relevo no fluxus apartir dos primeiros anos de 60) citado por Jean de Loisy in “ Bouleversements de situations” in Hors Limites – l’art et la vie 1952-1994, Paris, 1995, pp.14-20, p.20. Cfr.

80

Entendendo-se aqui esta expressão como o momento particular de agregação das principais linhas de força próprias à arte do século XX, definindo-se como uma sintese cuja manifestação primeira ocorre em Nova Iorque, mas que logo de imediato aflorará noutros focos artísticos sobre as mesmas bases, como decorrência natural de um processo anterior. Por isso, continuando, Restany afirma que tais sínteses não acontecem por acaso, por um fenómeno de ruptura ou de pré-revolução; essas tentativas são sub-entendidas, nutridas e precedidas por uma experiência evolutiva, um período de concentração espiritual e de experiências isoladas durante o qual as ideias estão no ar 213.

O resultado do encadeamento da mecânica instituida pela colagem com a atitude Merz e com a constactada herança de Pollock, traduz-se numa dupla e simultânea deslocação: da pintura que se entende ao espaço e de todos os elementos da realidade que invadem o espaço pictórico. Correlativamente, o processo de expansão implica em intima e estrita relação biunivoca com o consequente enquadramento como atitude a possibilidade do reconhecimento de uma arte geral ( C. Greenberg), agenciando campos, práticas e de territórios de acção. Trata-se da multiplicidade de que Jean-Jacques Lebel nos falará, seguindo a senda de Gilles Deleuze e F. Guattari 214, ao definir o happening. Uma multiplicidade intermedial, poderiamos dizer, nunca pensada fora das suas implicações éticas, problematizada sobre o binómio arte- vida.

As relações entre a arte e a vida, pensadas em termos de exclusão, participação, ou coincidencia foram trazidas para o domínio da arte e do seu discurso pelas propostas utópico/regeneradoras das vanguardas históricas. O processo histórico de expansão é simultâenamente traduzido e actualizado em cada desempenho do mecanismo performance, constituindo um enquadramento/atitude pronto a aplicar, pronto a revelar.

213 214

Pierre Restany, “Happening” in Pierre Cabanne e Pierre Restany, Op. cit., p.296 Cf. ponto 2.1 desta reflexão, particularmente a partir da p. 89.

81

3.3. Praxis vital , ser e tempo e o Corpo-lugar. 3.3.1. Praxis Vital

Na sua obra da década de 70 - A Teoria da Vanguarda 215, Peter Burger debruça-se sobre as relações entre as vanguardas, as neo-vanguardas e as invectivas destas no sentido da coincidência da arte com o que designou por praxis vital. Abordar esta obra impõe-se em virtude de um esclarecimento das implicações da operacionalização do mecanismo performance no contexto da vanguarda artística que enquadra o desenvolvimento do processo de expansão. Independentemente da caracterização

(que recentemente

Carlos Vidal contestou

vivamente colocando-se na senda de Hal Foster 216) que Peter Burger faz das neovanguardas, definindo-as como uma repetição ( fársica segundo Carlos Vidal 217) que institucionaliza as vanguardas históricas, em função da qual implica a negação dos seus próprios princípios vanguardistas ( ideia de que em função da repetição negam-se numa consequente institucionalização 218) - problema que não iremos abordar, o que este fornece no seu Teoria da Vanguarda é um quadro teórico (traçado na linha historiográfica do materialismo histórico) para a reflexão da vanguarda na suas relações com a vida prática, no âmbito do que caracteriza por sociedade burguesa. 215

Aqui seguida na sua edição portuguesa: Teoria da Vanguarda, Lisboa, 1993. Particularmente das posições que define na sua obra The return of the real: The avant-gard at the end of the century, Cambridge, 1996, onde este autor define uma abordagem ao problema da vanguarda, pela qual se alinha Carlos Vidal no seu recente e já aqui citado livro A representação da Vanguarda – contradições dinâmicas na arte contemporânea, que seguindo o conceito freudiano de acção diferida (segundo a qual um acontecimento só é registado como traumático somente por um acontecimento posterior que o evoque) o aplica à vanguarda, sendo no entanto, que esta envolve, no entanto, noções de reconstrução e antecipação. Neste sentido é Foster que parte para a definição de um acérrimo contraponto à posição definida por Peter Burger no seu Teoria da Vanguarda. Foster reinvindica para as neo-vanguardas um lugar de originalidade que Burger lhes negou ao defini-las como meras repetições destituídas de ímpeto e originalidade das primeiras vanguardas. Acerca da refutação da posição de Burger Cf. a obra citada de Hal Foster, pp.8-18. 217 Como o define no seu Representação da Vanguarda. Contradições dinâmicas na Arte Contemporânea, Oeiras, 2002. 218 Peter Burger, Teoria da Vanguarda, Lisboa, 1993, p.101 216

82

Segundo este, os movimentos artísticos da vanguarda europeia nascem como instâncias de auto-crítica 219, visando não só as instituições em que a arte se integra, como a arte como instituição 220 ( ambos de carácter burguês), no sentido de superação destas por meio de uma consequente negação do conceito burguês de autonomia da arte, tendo então por objectivo uma integração da arte na praxis vital 221. Ou seja,

a responsabilidade da

desvinculação da arte relativamente à vida prática,

determinada enquanto um processo histórico e socialmente condicionado 222, reside na afirmação da arte enquanto um domínio

autónomo,

significando

uma arte cujos

propósitos existem sem um compromisso social. Situação atingida, explica, com o

esteticísmo novecentista (significante da perda do

carácter político dos conteúdos na arte, numa arte que deseja ser apenas arte) e enquadrada pela instituição arte, correlativa quer o aparelho de produção e distribuição da arte quanto às ideias dominantes em arte numa época dada e que determinam essencialmente a recepção das obras 223. Que é o que, segundo Burger, as primeiras vanguardas europeias vêm atacar. A finalidade deste ataque, por sua vez, seria a de reconduzir a arte à praxis vital, de modo a que aí conservada, actuasse no sentido da sua transformação. Ataque que não é dirigido

ao

conteúdo, mas sim ao lugar que arte ocupa e assume na sociedade. É nesta medida que, para Burger,

os propósitos da vanguarda e do seu ataque assentaram não só numa

redefinição do lugar da arte na praxis vital, mas determinaram que esta redefinição fosse enquadrada por uma outra reorganização: a da própria praxis vital por meio da arte 224.

219

Peter Burger faz uma clara distinção entre o que é a auto-critica e a critica imanente ao sistema. Esta última - uma critica que se move em domínios restritos da arte, onde populam várias concepções distintas, difere da primeira que se define como uma critica que abrange a arte na sua totalidade – momento em que a arte pode compreender objectivamente as épocas anteriores, Peter Burger, Op.cit, p.50-51. 220 Peter Burger, Op.cit., p.19 221 Na linha do materialismo histórico o conceito de praxis é relativo à vida real dos homens, aquela que tem como oponente a ideologia, tida como uma falsificação imaginária e distorcida dessa mesma vida real. Acerca da relação do conceito de ideologia e da sua relação com a praxis na doutrina do materialismo histórico cf. texto “A ideologia e a utopia: duas expressões do imaginário social” in Paul Ricoeur na sua obra Do texto à acção, Porto, s.d., pp.373-385. 222 Peter Burger., Op.cit., p.87 223 Id.ibid. p.52 224 Id.ibid. p. 91

83

No entanto, segundo este, todas estas invectivas estiveram votadas ao fracasso - em virtude da assimilação das suas propostas de ruptura pelo sistema e pela própria instituição arte, aspecto que defende ter sido particularmente sublinhado pelas intenções das neovanguardas (as vanguardas definidas a partir dos anos 60). Neovanguardas estas tidas assim como repetições ( num sentido negativo isento da noção da diferença) das primeiras vanguardas, e votadas, à partida – e por isso mesmo,

à

condição de autonomia 225. Isto em virtude da assimilação das vanguardas pelo sistema.

Por conseguinte, segundo este prisma, qualquer propósito da neovanguarda veio negar a intenção vanguardista de integração de arte na vida por meio da própria praxis vital transformada, visto não se tratar senão de uma arte autónoma a tentar integrar-se na praxis vital – objectivo impossível, visto ser necessária para tal reinvindicação que arte se defina como instância de auto-crítica. Independentemente da discussão em torno desta posição, importa sublinhar que pensar este fracasso implica pensá-lo na exclusividade dos moldes de uma sociedade e das instituições burguesas como Burger as aborda. Não tendo todavia em conta que o que está em causa no potêncial cruzamento da arte com a vida, implicada pela atitude, como as neo-vanguardas a utilizaram. O contrário será negar o funcionamento do mecanismo performance. A transformação implicada neste situa-se no plano da construção da própria significação da realidade. A instituição do funcionamento do mecanismo performance enquanto mecanismo do processo de expansão e recurso próprio da vanguarda, não é objectivamente determinada por um conjunto programático de disposições de perfil utópico-político 226 movidas pela intenção de transformar os contornos da praxis vital mas, por meio da coincidência que, por meio da sua operacionalização na sequência, a arte opera com a realidade ritmada pela cadência do jogo das repetições nuas e vestidas. Implica partir do principio que entre a arte e a praxis vital existe apenas uma ténue distância, passível de ser superada. A distancia que se perfila entre o enquadramento formal e o enquadramento como atitude.

225 226

Id.ibid., p.110 Como é o caso das vanguardas históricas e tão claramente o provam os seus vários manifestos.

84

Logo, que a revelação das potencias que se equacionam no quotidiano sob as repetições nuas, não decorre da necessidade disruptiva do choque como forma de ataque às formas convencionais da arte autónoma de que Burger nos fala, mas de sim da definição de um alargamento, de uma expansão e correlativa atitude, que acarreta como consequência a revelação de uma positividade global, definida de acordo com uma nova abordagem preceptiva (intuitiva, como o disse Clement Greenberg) de toda essa realidade.

Pensar este alargamento, equacionar este processo de expansão,

significa equacionar

também o envolvimento de quem intuí com essa mesma realidade. No limite, trata-se da possibilidade de pensar, é no plano do modo como cada um se relaciona com a realidade corresponde a revelação enquanto arte e de todo um universo potencialmente estético subjaz essa realidade. 3.3.1. Ser e tempo

Nas notas que acompanharam e antecederam a elaboração da obra o Ser e o Tempo 227, Martin Heidegger afirma que a elaboração de uma definição de tempo deve ser tomada como um passo na direcção do discurso interpretativo do Ser-aqui (Dasein) 228. O ser-aqui como o ser-se no mundo. Significando o ser-aqui ser-se de uma determinada maneira no mundo ao modo de uma realização, mas essencialmente de um ser-com os outros em

interacção, implicação,

relação. Significa partilhar um mesmo mundo, ou de acordo com a nossa linha de ideias, partilhar um mesmo enquadramento – o que tem uma determinação ontológica 229.

Interessa-nos partir destas breves observações de Heidegger para definirmos um plano relacional entre acontecimentos, tempo e espaço e o indivíduo como ser no mundo, sem no entanto, aprofundarmos as implicações desta última definição.

227

Que aqui seguimos coligidas na obra El concepto de tiempo, (prólogo, notas e tradução de Raúl Gabás Pallas y Jesús), Madrid, 2001. 228 Conforme a tradução citada na nota anterior. 229 Martin Heideger, Op. cit., p.36

85

Se segundo Heidegger ( à luz da Teoria da Relatividade) o tempo é aquilo em que se produzem acontecimentos 230, e ao espaço não corresponde nenhuma identidade absoluta mas algo que se define em virtude dos corpos e energias nele contidas, (conexões num sistema, diriamos nós) logo, não existem nem um tempo absoluto nem uma simultaniedade absoluta.

Todavia, existem sim, afirma, tempo e espaço definidos em função de acontecimentos e inter-relações. De conexões, relações, linhas de fuga e de confluência. Focos de intensidade, linhas de abertura. Operacionalizados por sua vez, em função de um corpo motor – um agente, que os experiencie – os intua (ao modo de Greenberg) e, a partir do qual este mesmo, num universo de significação da realidade, se significa. Neste sentido, é numa dinâmica inter-relacional, determinada em função de uma acção 231 ( que significa a contextualização e significação de um movimento– mesmo que não implique aquilo que Ricoeur define por acção sensata 232) que se funda um acontecimento – no qual simultaneamente se determina o espaço em que decorre, bem como o tempo em que tem lugar.

Por conseguinte, uma arte fundada na acção – confluência energética e em intensidade, lugar de actualização das potências, definem um domínio relacional, e os próprios limites 230

Id.ibid. Op.cit.,p.29 De que acção falamos nós? Importa esclarecer o termo acção neste domínio. Segundo a entrada “Action” no Vocabulaire d’esthétique de Éttienne Soriau,Paris, 1999, p. 37-41, uma acção corresponde a uma operação pela qual uma força, seja material, seja espiritual, se manifesta através de um jogo de seres ou acontecimentos, p.37. Este termo conhece uma aplicação múltipla no domínio da estética. No domínio particular em questão falamos de uma acção distinta da acção própria do teatro ou da dança, visto não se sujeitar e não ser, a materialização de um texto, tema ou peça. Sendo por isso mais próxima, em termos de enfoque, da dita acção material - a que é relativa somente à expressão do corpo independentemente do texto. A acção material e espontânea que se aproxima, assim da acção do quotidiano. Neste sentido, a acção não é a manifestação nem o veiculo de materialização de uma mensagem prévia, mas é ela mesma o lugar, tido por si próprio como o de uma revelação e da definição dessa mensagem. No limite, dando-lhe um enfoque artístico, é o lugar da revelação da relação entre a arte e o mundo, como nos diz Kristine Stiles, no seu artigo “Uncorrupted Joy: International Art Actions” in Out of actions - between performance and the object 19491979, Nova Iorque, Londres, 1998, pp.227-329, p.227 : Quando o corpo é utilizado na acção, este exemplifica os meios pelos quais toda a arte é relacional com o mundo. 232 No contexto da construção de um conceito de razão prática, Paul Ricoeur no seu “ Do texto à acção – ensaios de hemenêutica II”,Porto, sd., parte de uma teoria da acção onde este conceito se associa às condições de inteligibilidade da acção sensata - entendendo-se por esta a acção da qual pode ser dada conta e aceite como inteligível, que é tida como sensata no âmbito de um determinado universo de condições de aceitabilidade definidas por uma certa comunidade de valor e de linguagem, p.238. 231

86

espaço-temporais da sua ocorrência. Consequentemente, se a reflexão sobre o tempo pode conduzir à reflexão ontológica em torno do eu sou, e este se determina num momento, e o momento no tempo em função de um agir, o eu sou define-se na inter-relacionalidade dos acontecimentos e pelas acções. Se o tempo define o lugar do ser no mundo e é a acção que cria o tempo, a acção define o lugar do ser- no-mundo.

Isto conduz-nos, à acepção de que a operacionalização do mecanismo performance por meio da instituição de uma sequência articulada no tempo e no espaço – implicando a definição em intensidade de acontecimentos, terá por consequência a emersão da questão ontológica, mas também da edificação da representação da realidade – o binómio arte-vida de que falam as vanguardas, como lugar do ser-no-mundo, no âmago da arte.

Implica ademais uma coincidência: uma acção dispositivo ready-made significa-se ao ser impressa por um agente, um corpo-motor,

sobre a tela da

realidade fenomenal -

definindo-o como um ser-no-mundo. Essa é a implicação da transformação que acima referimos, situada no plano da construção da própria significação da realidade. 3.3.2. Corpo-lugar

Por conseguinte, o corpo motor que empreende a sequência acarreta a dimensão ontológica no seu desempenho - a relação estrita entre um corpo, um lugar e o tempo a estes relativo em função de uma acção – que ultrapassa o movimento na medida em que o contextualiza, o significa 233, diz Paulo Cunha e Silva, implica não só a significação do próprio corpo – que se significa através da relação que estabelece com o meio; (e) o suporte desta relação é o movimento, como do próprio espaço e tempo dessa ocorrência.

Consequentemente, implica também a subjectivação das noções de espaço e de tempo permitindo que sejam pensadas enquanto passiveis de serem, sujeitas a uma curvatura, uma fluidificação impostas por esse corpo motor - o que institui o movimento, o que implica a dinâmica da repetição. E o inverso concorre para a mesma conclusão. Segundo 233

Paulo Cunha e Silva,, p. 161.

87

Paulo Cunha e Silva, na mesma linha de ideias podemos, no limite, admitir que um corpo móvel é um corpo estático num meio móvel, num espaço fluído. Esta alteridade de perspectiva reforça a construção da complementariedade e despoltaria o problema: já não há uma corpo e um lugar, há um corpo-lugar 234.

Quando o pintor americano

Jackson Pollock (1912-1956) confrontou pela prática do

driping a tela com um gesto, envolvendo-se fisicamente na pintura que se tornou no seu resultado um indice 235 do movimento descrito num determinado tempo e num determinado espaço, o critico Harold Rosenberg escreveu – o que se estava a passar na tela não era uma imagem, mas um acontecimento 236 .

À arte definida na acção, corresponde um lugar que se torna, como o referiu o mesmo critico acerca do mesmo pintor, inseparável da biografia do artista 237 - a própria pintura é um “momento” na mistura adulterada da sua vida (....). A pintura-acto é da mesma substancia metafisica que a existência do artista. Em virtude destas constatações Rosenberg conclui distinção entre a arte e a vida

238

a nova pintura quebrou toda a

. Território do processo de expansão. Um action-painter

será, assim, um corpo-actor que faz da tela o seu palco. E do seu palco a sua vida 239.

Ao falar de uma pintura-acto e ao cunhar o termo action-painting, Rosenberg condensou nestes o cerne das potêncialidades implicadas nesta prática.

234

Id.ibid., p.162. Voltamos a recorrer à noção de índice na senda de Rosalind Krauss, particularmente na definição que elabora no seus textos “Notes on the Index: Part 1” e “Notes ont he Index: Part 2” in the Originality of the avant-gard and other modernist myths, Cambridge, Massachusetts, Londres, 1999, que por sua vez o define na linha da pharenoscopia de Charles Sanders Pierce, segundo a qual um índice, distinguindo-se dos simbolos baseia o seu significado numa relação física com os seus referentes. Sendo pois da ordem do fragmento – é pois um fragmento de algo ou está em continuidade com este algo. Tratando-se assim de uma parte do todo ou uma parte que pode ser tomada pelo todo – como, uma pegada na areia, uma impressão digital, uma mancha de cor resultante de em gesto. 236 Harold Rosenberg “ The american action painters” in Charles Harrison e Paul Wood, Art in Theory 19001990- An Anthology of Changing Ideas, Oxford, Cambridge, 2001, p.581 237 Id.ibid., p. 582 238 Id.ibid., p.582 239 Paulo Cunha e Silva, Op.cit., p. 177. 235

88

Rosenberg não falou de uma arte de execução, mas de uma arte de acção. Implicando, consequentemente,

a definição de uma linha de

abertura

pela qual se fluidifica a

possibilidade de uma arte como acção. Dado que o que está em questão se prende com a deslocação da atenção do produto resultante de um fazer (poiêsis) enquanto

objecto

artístico para o agir (praxis). Se um fazer/executar se determina sempre em função de um produto seu resultante na medida em que tem um fim diferente dele mesmo 240, implicando sempre algo outro que não sim mesmo como o resultado acabado, o agir contém em si mesmo o seu próprio fim 241. Poucos anos mais tarde, sabemos já, Lebel escreve: A experiência criadora é o seu próprio fim.

4. Fórmula Happening.

Não há mais monólogo, mas diálogo, troca, circulação 242 Jean-Jacques Lebel .

De acordo com o axioma de Jean-Jacques Lebel, confirmando a conclusão de Pierre Restany segundo o qual momentos de particular confluência de ideias significam a definição de novas formas artísticas, a história dita que depois o primeiro happening na Reuben Gallery a cena artística da vanguarda nova iorquina foi pontuada por sucessivos destes acontecimentos. Red Grooms, Jim Dine, Claes Oldenburg e Robert Whitman 243 exploraram também as possibilidades dessa arte – delimitando o seu perfil, o seu carácter particular e a sua 240

Cf. Giorgio Agamben que estabelece a diferença entre fazer e agir partindo da citação da passagem da Ética a Nicómaco de Aristóteles da qual esta afirmação é uma passagem, in “Notas sobre o Gesto” in M.Teresa Cruz (coord.) Inter@ctividades ...,, Lisboa, 1997, p.20. 241 Daí que se defina um percurso natural da arte que se inclui na tradição da pintura mas centrada na acção – action painting, para uma arte centrada no próprio gesto inaugurando a performance como forma de arte, para uma arte onde, assumindo-se a qualidade medial do gesto que implica o corpo nessa total medialidade, seja o próprio corpo o lugar por excelência da sua inscrição da própria arte, como se verificou na body art. 242 Jean-Jacques Lebel, “Sigma des arts et tendences contemporaines, Bordeaux – conférence-démonstration de Jean-Jacques Lebel”, in Jean- Jacques Lebel & Arnaud Labelle-Roujoux, Poésie directe – happenings, interventions, Paris, 1994, p. 129. 243 Nos primeiros anos de 60, particularmente entre 1960-1965, anos que concentram os mais famosos happenings, estes artistas realizaram alguns dos mais conhecidos e mais citado happenings deste período: Jim

89

filosofia própria. Mas a história confirma, também, que a particularidade do tempo de concentração espiritual e de experiências isoladas, não se cinjiu ao território americano. Paralelamente, afloraram noutros pontos do globo as consequências e a síntese das experiências isoladas, próprias de um momento em que as ideias andaram no ar, na definição e exploração de novos territórios artísticos pelos meandros das possibilidades abertas pela mecânica da colagem e a lógica da indeterminação, que ditando a inclusão do gesto na pintura, da acção e do tempo nos limites formais dos produtos plásticos ou poéticos, elastificados ao domínio das atitudes. 4.1 Do experimentalismo à indeterminação e organização sonora, da verbivocovisualidade ao poético performativo.

Corria o ano de 1967 quando José Augusto França, o mais influente critico português do momento, pretendeu um levar a cabo um esclarecimento do termo happening.

Mas a palavra já corria pelo meio artístico nacional, associado a Jean-Jacques Lebel, à música experimental e à poesia visual, sendo que esta última, por meio da vingança da parataxe se lançara havia anos no desenvolvimento e aplicação das potêncialidades do processo histórico de expansão. À música experimental, por sua vez, associara-se também e

desde cedo uma abertura

radical aos ingredientes da complexa mistura experimental dos anos 60. 4.1.2. Do experimentalismo à indeterminação

Num contexto onde é a Fundação Calouste Gulbenkian que se destaca pela realização dos Festivais Gulbenkian de Música ( 1957 - 1970) e pela constituição quer de uma orquestra própria ( denominada Orquestra Gulbenkian a partir de 1971) quer de um coro profissional (1964), bem como pela concessão de bolsas e pela encomenda de obras a compositores portugueses e organização de cursos e de concursos nacionais de composição ( 1965, 1968,

Dine (n.1935) The car crash em 1960 na Reuben Gallery de Nova Iorque, Claes Oldenburg (n.1929) Store days II, na The ray gun factory company, Nova Iorque em 1962, Robert Whitman , american Moon, 1962, Reuben Gallery, Nova Iorque, 1960.

90

1971, e 1974) 244, caracterizado pela inércia e incapacidade manifestada das entidades oficiais e privadas para sustentar iniciativas dinamizadoras da vida cultural 245.

Logo em 1961, pela mão do Circulo de Cultura Musical ( formado em 1934), K. Stockhausen realiza acompanhado pelo pianista dos 4’e33’’ de Cage – David Tudor, dois concertos, um em Lisboa outro no Porto, e também uma conferência e um colóquio no Goethe Institut de Lisboa.

O Circulo Cultural Musical, que dois anos mais tarde promove o concerto de John Cage no Tivoli, organizou-se então, juntamente com a Juventude Musical Portuguesa (1948), à margem dos imperativos estéticos governamentais 246, optando por propostas radicais face ao gosto vigente, mas de impacto superficial num meio fechado, pouco conhecedor divorciado, inconsciente ou deliberadamente, da música e dos seus problemas 247.

No entanto, no plano da história, o alinhamento dos criadores - os operadores do processo de expansão, estava já ao momento definido.

Logo em 1961 Jorge Peixinho ( 1940-1995) - apontado por Jorge Lima Barreto no seu Musa Lusa 248, como o compositor português responsável por uma obra globalmente revolucionária que estabelece a ruptura entre o modernismo e a vanguarda 249- se revela como um elemento essencial deste processo. Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em Roma, aí estudou com Boris Porena e Goffredo Petrassi na Academia de Sta. Cecilia onde obteve o diploma de aperfeiçoamento em 1961. Havia estudado Piano e Composição no Conservatório de Lisboa e após a conclusão do diploma em Roma trabalhou com Luigi Nono em Veneza e posteriormente, 244

Rui Vieira Nery e Paulo Ferreira de Castro, Sinteses da cultura portuguesa, História da Música, 1991, p. 177. 245 Id.Ibid., p.177. 246 Jorge Lima Barreto, Op. Cit. , p. 19. 247 Como o testemunham os artigos acerca destes concertos, nomeadamente o artigo critico da revista Arte Musical, nº16-17, Julho de 1962, “Stockhausen em Portugal”. Um panorama critico do contexto musical em portugal na década de 60 é feito por Jorge Peixinho entrevista que lhe é endereçada no nº 110 de 6 de Novembro de 1963 do Jornal de Letras e Artes. 248 Jorge Lima Barreto, Op. Cit. , p. 19. 249 Id.ibid., p.19

91

ainda com Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen nos Meisterkurse da Academia de Basileia. Também passou por Darmstad, onde participa nos cursos internacionais durante a década de 60. O seu universo de expectativas e a sua preparação destacam-no, desde cedo, no meio artístico nacional, ao qual oferece no inicio da década

de 60 um conjunto de obras

inovadoras (...), centradas numa radical pesquisa tímbrica e formal, e decorrentes da assimilação do pensamento serial europeu 250. Numa entrevista dada ao Boletim do Circulo Cultural Musical 251, onde é apresentado já então como um dos valores mais notáveis entre os compositores da nova geração. (E) não só entre os compositores portugueses, pois já conquistou um lugar de muito prestigio no plano internacional. Familiarizado com as mais ousadas práticas experimentais do nosso tempo... 252, Peixinho responde à questionada validade da musica electrónica. Aí defendea enquanto um meio técnico de produção e manipulação essencial no contexto da música experimental contemporânea, que implica a fundamental abertura de duas perspectivas, definidas por uma associação e por uma reintegração cuja mecânica são, no fundo, as do processo de expansão.

A primeira prende-se com a associação da musica electrónica à musica instrumental ( ou vocal), englobando fontes sonoras de diferente natureza e proviniência

num mesmo

processo criativo, e a Segunda a reintegração do interprete, seja numa interferência directa no controlo de intensidade e noutras dimensões sonoras, seja na montagem das próprias estruturas constitutivas, introduzindo, na música electrónica, as possibilidades de indeterminação oferecidas pela forma aberta 253.

A mecânica do processo de expansão estava em curso na arte portuguesa, e se o enfoque da entrevista se centrava na musica electrónica dado contexto da vinda de Stockhausen a Portugal, Peixinho introduz - entre outros conceitos 250 251

252 253

fundamentais ao processo de

Rui Vieira Nery e Paulo Ferreira de Castro, Op.cit., p. 179 “Jorge Peixinho” in Boletim, Circulo Cultural Musical, nº4, Novembro de 1961, II ano, p. 9 e 10. Id.ibid, p. 9 Id.ibid., p . 10

92

expansão, aqueles que orientaram quatro anos mais tarde um happening que teve lugar na Galeria Divulgação

de Lisboa,

pela mão de poetas experimentais e músicos,: a

indeterminação de Cage e a concepção sonora não-hierarquizada, a forma aberta.

Entre 1967 e 1969, Peixinho colaborará nos projectos de composição colectiva promovidos e dirigidos por Stockhausen em Darmstad, onde também Álvaro Cassuto (1938) participara em 1960 enquanto bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. De igual modo Filipe Pires ( 1934) os frequenta em 1963 e 1969, tal como Emanuel Nunes (1941) desde 1964 (e nos cursos de Pousseur e Stockhausen da Escola Superior de Música de Colónia) 254. A estes compositores, corresponde,

segundo

a quem se acrescenta Constança Capdville (1937- 1992) Rui Viera Nery e Paulo Ferreira de Castro,

a geração de

compositores que emergem no estagnado e timorato meio musical português do meio do século 255 indelevelmente marcados pelas vanguardas do segundo pós-guerra. Dos quais se destaca, no quadro do processo de expansão, Peixinho. Conectando as linhas de força do inicio da

década de 60 – a musica experimental e a

poesia visual, a Galeria Divulgação e a SNBA sob direcção e programação de Fernando Pernes e o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa ( fundado em 1970) depois, a relação prolifera com Ernesto de Sousa

e destas a abertura para uma das facetas do

processo que na década de 70 se ramifica, multiplica em processo exponencial. 4.1.3.Da verbivocovisualidade ao poético performativo ou o alargamento do campo poético.

Na entrevista que em 1963 o Jornal de Letras e Artes endereça a Jorge Peixinho, lê-se acerca da sua actividade - é um dos raros compositores portugueses dignos de atenção e único talvez cuja posição de vanguarda é assumida em plena consciência, numa atitude coerente, livre de compromissos e contemporizações 256. Reconhecido, teve facilitado do seu campo de acção.

254

Rui Vieira Nery e Paulo Ferreira de Castro, Op.cit 180 Id.ibid., p. 178 256 “Jorge Peixinho” in Jornal de Letras e Artes, nº 110, 6 de Novembro de 1963, p. 1, 12 e 13, 255

93

No ano que se sucedeu à visita de Stockhausen a Portugal, aquando do literal lançamento do livro IDEOGRAMAS 257 pelo poeta Ernesto de Melo e Castro (n. 1932) na Feira do Livro em Lisboa – 1962 - este explicou o processo de expansão já posto em prática por meio da vingança que operou na e pela poesia, segundo mecânica semelhante à da colagem nas artes plásticas e à concepção sonora não hierarquizada na música, desde os primeiros anos de 60 258. A vingança da parataxe – expressão de Décio Pignatari 259, não só libertara a poesia do jugo da coordenação subordinativa abrindo a língua ao estabelecimento de relações de elementos da escrita e também da fala que não são subordinativas , que são de justaposição, de combinação, são permutacionais – e isso é o cerne da poesia experimental 260, como permite à palavra que seja usada como um objecto ao qual não é exigido que abdique da sua carga semântica – a verbivocovisualidade 261 – pura intermedialidade, é o seu novo território. É o território sobre o qual opera a poesia concreta, que se associa por via do poético ao que designámos por processo de expansão em curso, consistindo, pelas palavras de Melo e Castro, num modo diferente de realização do poético. Onde, o fluxo sonoro é substituido por uma tensão plástica, espacial, portanto 262.

A sintaxe da colagem é uma parataxe, absolutamente, revelando a estrutura, sem artificio ou nada a esconder, permitindo trabalhar com signos verbais e signos não verbas simultâneamente 263. O poema é visto e lido em simultâneo, objectivando-o em função da libertação do descritivo.

257

Ernesto Melo e Castro, IDEOGRAMAS, Guimarães Editores, 1962 Cfr. Ernesto Melo e Castro entrevistado em Agosto de 2004. 259 Décio Pignatari fundou em S. Paulo, em 1952 com os irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos o grupo Noigandres com uma revista-livro do mesmo nome. Das actividades experimentais do grupo, centradas na exploração visual e sonora dos signos poéticos nasceu, entre 1953 e 1956 o movimento de poesia concreta. 260 Ernesto Melo e Castro, Entrevistado em Agosto de 2004. 261 por Pedro Cunha Reis in Problemática Genérica da Poesia Concreta, Dissertação de Mestrado em Literatura Comparada, FLUL, Lisboa, Janeiro de 1995, p. 62. 262 Ana Hatherly e E.M. Melo e Castro, PO. EX – textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, 1981, pp. 95-101, p. 97 263 Ernesto de Melo e Castro, Entrevista, Janeiro 2005. 258

94

Em 1959, Ana Hatherly (n.1929) - elemento chave na operacionalização e radicalização do processo de expansão traduzido na exploração do signo e em algumas performances pontuais 264, havia dedicado um artigo editado no Diário de Notícias 265 às particularidades da poesia concreta -

que designa por um condensado-determinado -

ou um extremo de

síntese ao qual os poetas chegam a partir de uma necessidade, que é a da descoberta do novo e do diferente. O cerne deste artigo corresponde ao seu segundo parágrafo: a poesia concreta, diz Hatherly, ao eliminar a melodia suspende a música, ao eliminar a gramática suspende o discurso, ao eliminar o verbo suspende o desenho. E apesar disso, pode continuar sendo musical, explicita e activa porque, suprimindo a descrição, cria a imaginação. Assim, a imagem interrompida pode ser mais sugestiva que a completada; a ideia obscura, mais atraente do que a demonstrada; o ritmo controlado desenvolver mais força 266.

O que esta, evolutivamente natural - se seguirmos a ideia de Hatherly, exploração do poético vinha implicar condensava-se no que António Aragão (n.1924) – o elemento central do happening na Divulgação,

definiu por campo de possibilidades, num artigo

editado em 1963 no Jornal de Letras e Artes, a propósito do livro Ideogramas.. Entendendo a arte enquanto um jogo - um jogo necessário onde as possibilidades são incontáveis, e que na poesia concreta esse jogo chega a reduzir a própria estrutura do poema a um módulo essencial de objecto-plástico 267 , António Aragão defende que a poesia concreta se joga no tempo e no espaço, aí onde o objecto-poético se corporiza : o poema concreto procura ser um objecto resolvido em si e por si e não um interprete de outros objectos como se processa na poesia discursiva 268. Expandindo-se no sentido da

264

No catálogo Ana Hatherly – Obra Visual 1960.1990, Lisboa 1992, p. 75, Ana Hatherly sintetisa a sua actividade no processo de expansão: O meu trabalho começa com a escrita – sou um escritor que deriva para as artes visuais através da experimentação com a palavra. (...) . O meu trabalho começa também com a pintura – sou um pintor que deriva para a literatura através de um processo de conscencialização dos laços que unem todas as artes, particularmente na nossa sociedade. 265 Ana Hatherly, “ O idêntico inverso ou lirismo ultra-romântico e a poesia concreta” in Diário de Notícias, 17 de Setembro de 1958, in Po.Ex. P. 91-94 266 Id ibid. 267 António Aragão, “A Arte como Campo de possibilidades” in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 7 de Agosto de 1963; e em PO. EX – textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, 1981, p. 102- 105. 268 Id.ibid, p. 104.

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visualidade,

a poesia experimental portuguesa cruzará o território do concretismo,

orientar-se-á no sentindo do espaço e conquistará também o tempo.

Em 1966 - um ano depois do happening na Divulgação e um ano antes do happening na galeria Quadrante, Melo e Castro esclarecerá numa entrevista dada ao Jornal de Letras e Artes aquando da sua exposição “Poemas Cinéticos”, como da abertura operada pela poesia concreta - em virtude da adopção de uma sintaxe de justaposição que fez tender a poesia para o ideograma, o visualmente significativo, esta passa para a tridimensionalidade propondo, de forma inevitável problemas de movimento, portanto de energia 269.

No mesmo ano, este poeta redige o esboço para um Manifesto da poesia experimental portuguesa 270, a ser publicado nas revistas Operação 1 e 2, intitulado Experimental – Estrutura 271. Neste admite a potencialidade da acção da escrita no sentido do desencadeamento de novos conteúdos semânticos – um processo negativo de afirmação de positividade, diriamos nós,

pela revelação da potêncialidade insuspeitada inerente à linguagem,

radicalizando a abertura proposta pela poesia concreta,

apresentando o método

estruturalista como uma síntese que pode levar-nos até uma escrita criadora – através do aprofundamento e estudo das leis da própria linguagem 272. Para lá das conquistas espaciais da poesia concreta é urgente - afirma - levar mais além a experimentação por meio do estudo das leis complexas que regem a linguagem, em virtude do método cuja aplicação é ilimitada: pode ir-se até à invenção de novos alfabetos partindo do actual, pode suprimir-se o uso das palavras, podem reinventar-se os sinas de uso

269

Ernesto de Melo e Castro, “Entrevista – E. M. de Melo e Castro” in Jornal de Letras e Artes, 29 de Junho de 1966, Lisboa, pp. 2 e 15, p. 2. 270 Como é esclarecido na obra antológica Po-Ex: textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, 1981, (1ªedição), p. 67- 68, a intenção de redigir um Manifesto de poesia experimental, prendeu-se, no contexto do lançamento das revistas Operação –I e 2 organizada por Ana Hatherly e Ernesto Melo e Castro e lançada em Abril de 1967 com a especificidade das coordenadas teóricas adoptadas para estas revistas, nomeadamente para a Operação 2, Ana Hatherly e Melo e Castro resolveram também elaborar um manifesto onde exporiam os seus propósitos e explanariam as suas semelhanças e as suas diferenças. No entanto, conclui a nota, estes não conseguiram chegar a um acordo quanto ao teor desse Manifesto. Sendo pois o Manifesto acima apresentado um dos projectos elaborados nesse sentido. 271 Ernesto de Melo e castro, PO. EX – textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, 1981, p.70. 272 id.ibid, p. 71

96

corrente quando colocados num outro contexto, pode partir-se de um verso e descobrir nele mil cargas significativas insuspeitadas 273 .

Lançadas em 1967 na Galeria Quadrante, a Operação 1 e a Operação 2 justificaram a preparação desse momento como um happening. O segundo happening realizado por este conjunto de poetas experimentais e músicos activos no processo de expansão e que jamais formaram um grupo.

A parataxe enquanto sintaxe de justaposição funciona de modo semelhante à mecânica da colagem: a justaposição permite o alargamento à própria acção 274. Para o processo de expansão impresso pela poesia aos anos de 60, Pedro Cunha Reis 275 define o conceito alargamento do campo poético. O que se traduz, afirma, na utilização de materiais e meios de difusão diversos e incomuns para o poético,

implicando a possibilidade de serem estabelecidas

relações de

concomitância ou afinidade com actividades e suportes também incomuns para a poesia 276. A poesia concreta, conclui Melo e Castro no texto da apresentação de 1962 - é uma tentativa mais de alargar o campo desses objectos para as trocas humanas, facilitando, aprofundando até, as relações não óbvias, subtis, entre os valores plásticos das coisasimagens, dos seres, da linguagem e das situações em que eles se encontram 277.

Da verbivocovisualidade ao poético performativo, do experimentalismo à indeterminação e organização sonora, foi necessário apenas um passo – do campo do alargamento do poético e da organização não hierárquica, germinou o primeiro happening português que na Galeria Divulgação de Lisboa, em 1965, concentrou os vectores de força e os agentes veiculados no meio artístico nacional, ao processo de expansão e à operacionalização do mecanismo performance.

273

id.ibid., p. 71. Ernesto de Melo e Castro, Entrevistado em Janeiro de 2005 275 Pedro Cunha Reis, problemática genérica da Poesia Concreta, Diss. De Mestrado em literatura Comparada, FLUL, Lisboa, Janeiro de 1995. 276 Id.ibid. 108 277 E.M. de Melo e Castro, “ Lido na feira do Livro de 1962” in PO. EX – textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, 1981, p101. 274

97

Notavelmente no mesmo ano de 1965, a Divulgação trouxe a Portugal uma exposição do espanhol Manolo Millares,

na inauguração da qual se deu inicio, em 3 de Março à

digressão do recém-formado grupo vanguardista ZAJ com um concerto ZAJ 278 - uma sucessão de breves acções ou eteceteras, como os denominou Juan Hidalgo, que nada tem a ver com um concerto tradicional 279. Os eteceteras são acções que seguem uma estrutura definida que não admite nem a improvisação nem a participação do publico, compostas por dispositivos ready-made: fragmentos quotidianos oferecidos ao publico fora do seu contexto, através de gestos, deslocações, frases escritas, silêncios e pela exibição de objectos. Em funcionamento desde 1963, a Divulgação assumia então um total protagonismo na cena lisboeta, substituindo o domínio que até então a galeria Diário de Noticias havia tido 280. Nesse ano em que era editada a “História da Arte Portuguesa do século XIX”, esta promoveu o CONCERTO E AUDIÇÃO PICTÓRICA, hoje lembrada como os primeiros happenings realizados entre nós, e aí se desenvolveriam acções de cooperação entre diversos modos de arte : música, teatro e intervenção plástica 281. 4.2. Happening Pictural, estética do gesto e pintura-acção.

No mesmo ano em que colabora com os artistas experimentais no happening do lançamento das Operação 1 e Operação 2 na Quadrante dirigida por Artur Rosa, José-Augusto França debruça-se sobre a problemática da incursão do gesto na pintura, escrevendo acerca do que designou por happening pictural. 278

ZAJ foi constituido em 1964 pelos músicos Juan Hidalgo, Walter Marchetti e por Ramón Barce, aos quais se junta em 1967 Ester Ferrer, artista plástica. No Manifesto ZAJ, redigido em Madrid em 1964 lê-se: ? Qué es zaj? Zajes zaj porque zaj es no-zaj. ? cómo es zaj? Zaj es como un bar. La gente entra, sale, está: se toma una copa y deja una propina. Os dois primeiros conhecem-se em Darmstad em 1958, através de John Cage e David Tudor, a sua primeira apresentação em público como ZAJ consistiu numa homenagem a John Cage, com a particularidade de que não repetem a partitura original da obra, mas interpretam livremente o silêncio. O período que assume maior importância na história do ZAJ define-se entre 1964 e 1973, época marcada pela realização de inúmeros concertos, o primeiro realizado na Divulgação em Lisboa, festivais, escrita e arte postal. Momento em que se assume como um dos grupos mais importantes da vanguarda internacional. Essencialmente, ZAJ assume-se como uma atitude, fundada na filosofia cageana, sintetisada por Daniel Charles no seu artigo “ ZAJ el circulo de los compositores desaparecidos” in ZAJ, Madrid, 1996, pp.41-49, p 42 em 2 pontos: 1) há que praticar a arte como vida e 2) a vida como arte. 279 José António Sarmento, “EL Recorrido ZAJ” in ZAJ, Madrid, 1996, pp. 15-24, p. 17. 280 Gonçalo Pena, “ Instituições, galerias e mercado” in António Rodrigues (com.), Anos 60, anos de ruptura – uma perspectiva da arte portuguesa nos anos 60, Lisboa, 2000, sp. 281 Bernardo Pinto de Almeida, “O anos 60 ou o principio do fim do processo da modernidade”, in Fernando Pernes (coord.)Panorama Arte Portuguesa no Século xx, , Porto, 1999, p. 227.

98

Apesar de não condensar um dos mais activos e conectaveis planos de intensidade do sistema a-ordenado do processo histórico de expansão, a actividade de José Augusto França faz rizoma, aqui e ali, com os mais importantes planos deste sistema.

Então colaborador da revista Art d’Aujourd’hui completa antes do virar da década o doutoramento em Letras e Ciências Humanas na Sorbonne. Tendo por precedente a mobilidade tentada na Galeria de Março – a primeira a orientar o seu esforço para perspectivar a arte moderna portuguesa 282 que dirigiu até ao fim (1954), é na SNBA dinamizada pelo mesmo Fernando Pernes - que dirigia também a Galeria Divulgação ( de 1964 a 1966 no cargo de Secretário-Geral da SNBA) 283 que França realiza no ano de 1964, um conjunto de conferências no Curso Livre de História da Arte. É nesse mesmo ano que tem lugar na SNBA, sob a orientação de Jorge Peixinho e Pierre Mariétan o Curso de Música Contêmporânea da SNBA, numa realização conjunta entre esta instituição e o Jornal Letras e Artes então dirigido por Azevedo Martins 284.

Em 1965, J.A.França programa, em continuidade relativamente às conferencias do ano anterior, os cursos de História e de Sociologia da Arte e de Estética na SNBA 285.Onde a 282

Gonçalo Pena, Op.cit, sp. Gonçao Pena, Op.cit, sp. 284 De acordo com a Arte Musical, nº3 de Julho de 1964, pp. 660-661, o programa deste curso condensou a realização de oito conferências e oito concertos, tendo por objectivos: a) informar sobre e expandir a música que hoje se compõe; b) demonstrar que esta evolução histórica é permanente; c) conduzir os músicos, compositores e instrumentistas a praticar as novas ‘obrigações’ ( ajudá-los a desenvolver a sua técnica e a sua maneira de conceber a música; d) conduzir os não músicos, artistas ou não a renovar as suas necessidades de música e a integrar a nova evolução numa problemática estética geral. Correlativamente, os temas das conferências : 1. Génese e Evolução da Música Moderna. Debussy, Stravinsky ( Jorge Peixinho); 2-3. A Escola Vienense e o Dodecafonismo, Shonberg e A. Bery ( J. Peixinho), Webern ( P. Mariétan); 4. A Musica Serial ( Mariétan); 5. As Formas. Stockhausen ( Mariétan); 6. Fenomenologia e Estilo.Jonh Cage. ( Mariétan); 7. Boulez (J. Peixinho); 8. A música de Origem não Europeia. A música electrónica ( J. Peixinho). 285 De acordo com artigo publicado no Jornal de Letras e Artes de 20 de Janeiro de 1965, p.6os cursos apresentados por josé augusto frança incluem oito lições, numa continuidade relativamente ao conjunto de conferencias programado no ano anterior. Nestes propõe-se tratar os problemas da arte do século xx, estudando a evolução da pintura contemporânea , atraves do desenvolvimento de dusas correntes que servem pesquisas e situações estéticas e sociológicas diferentes: uma corrente “metamorfica”, definida pela transformação fisica das estruturas, e uma corrente “ metafórica”, definida pela ateração poética do sentido das estruturas. Aos demais conjunto de sessões ficaria reservada unálise da arte portuguesa do século XI, bem como uma série de conferências da responsabilidade do Arquitecto Nuno Portas tendo por objecto uma análise metódica dos sucessivos problema de concepção e criticos, que vulgarmente se vêem dissociados, procurando entender os aspectos técnicos ou profissionais, não em sentido estrito mas nas suas implicações culturais, isto é, no que nos liga à vida, no que refletem de necessidades renovadas e, portanto, de interesse geral. 283

99

partir de 1967,

leccionou no “Curso de Formação Artística”, Ernesto de Sousa (1921-

1988) - um critico vindo do cinema que se assumirá como peça no xadrês do processo de expansão a partir dos primeiros anos de 70. Com este,

por sua vez,

Peixinho virá a colaborar em diversos momentos, quer

individualmente (1965: Curso de Cinema Experimental no Cineclube do Porto 286; 1966: O Gebo e a Sombra de Raul Brandão no Teatro Experimental do Porto, a qual Ernesto de Sousa encena e para a qual Peixinho cria a música; 1969: Nós não estamos algures ) quer com o grupo de música contemporânea de Lisboa ( c. 1972: Almada Nome de Guerra).

Na sequência do que define por estética do gesto, traçando uma linha genealógica que filia o enfoque dado à acção na arte contemporânea a uma tradição pictórica europeia, e seguindo de perto as linhas gerais sobre as quais se estrutura um ensaio assinado por Fernando Grade, publicado a 6 de Janeiro de 1965 no Jornal de Letras e Artes: Ensaio sobre o espírito de descoberta ou o gesto, a acção e a matéria na pintura nova 287, José Augusto França edita em 1967 na obra Oito ensaios sobre arte contemporânea 288, um ensaio onde avança o termo Happening Pictural.

Tal como Goldberg e mais tarde Bretano defendem - e devemos salvaguardar que o universo referencial dos seus discursos é totalmente distinto do de França que se vincula exclusivamente à história da pintura - o gesto é o responsável pela deslocação do enfoque da atenção sobre o resultado para o que se passa para que a imagem nasça 289. José-Augusto França aponta Van Gogh ( 1853-1890)

como

o responsável pela

sistematização que conduz a essa deslocação ( por um primeiro passo dado no sentido do enfoque sobre o fazer que poderá conduzir ao enfoque sobre o agir) e Kandinsky (18661944) como o responsável pela efectiva abertura, gerada da pesquisa plástica e da prática pictórica levada a cabo em torno de 1914, de todas as possibilidades implicadas na

286

Cfr. Miguel Wandshneider e Maria Helena de Freitas (coord.) Ernesto de Sousa – revolution My body, p. 69 e no qual colaboram também, Ângelo de Sousa, Armando Alves, Eduardo Calvet de Magalhães, Carlos Morais e Óscar Lopes. 287 Fernando Grade, “ Ensaio sobre o espirito de descoberta ou o gesto, a acção e a matéria na pintura nova” in Jornal de Artes e Letras, 6 de Janeiro de 1965, p.6, 11. 288 José-Augusto França, Oito ensaios sobre Arte Contemporânea, Lisboa, 1967, p.75-95, p.84. 289 Id.ibid.,p.81.

100

estética do gesto. Por Ter sido este artista quem condensou a coragem de -

diz França -

se confiar inteiramente a um gesto de pincel e de ser a marca deixada por esse gesto 290.

A esta coincidência - e é de uma coincidência que J-A França fala já então - de um fazer com o ser, nascida e efectivada

numa e por uma acção, ficou a dever-se, conclui, a via

que conduziu no segundo pós-guerra, num desencadeamento de gestos como se o horror da carnificina constituísse uma espécie de choque nervoso impossível de assimilar 291 - à action painting americana e à prática pictórica designada por informal 292, e neste último caso, pela mão de A. Wols (1913-1951).

Mais tarde, a importância do gesto enquanto catalizador de uma sobreposição entre fazer e ser foi explorada num artigo assinado por Hubert Kloker, segundo o qual Alfred Wols trouxe

para a pintura no seu gesto

a

catástrofe individual e existencial numa

imediaticidade sem distância 293 - num gesto que espelha a natureza da sua existência, traduzindo o conteúdo da sua biografia, coincidindo nela. É no conceito estética do gesto que se cristaliza o eixo genético de uma linha genealógica, traçada sobre o território da pintura europeia primeiro, e ramificada pelo gesto de Jackson Pollock depois para a América, segundo a qual o código é determinado por uma expressão pictural (que) refere-se ao vivido e aquilo que está sendo vivido 294.

Se na sua incursão ao domínio da estética do gesto França utiliza o termo happening, destituindo-o da linhagem referencial a que nos podemos habituar posteriormente a partir do trabalho de Rosellee Golberg – a das vanguardas históricas onde o recurso ao gesto é situado num contexto mais lato do que o da mera reflexividade das contingências históricas por este mediadas, é porque o situa num domínio exclusivamente pictórico – o seu universo 290

Id.ibid., p.82 Id.ibid., p.83. 292 Designação correlativa à designação art informel, cunhada em 1950 pelo critico Michel Tápie relativamente ao trabalho do pintor alemão A. Wols (1913-1951) e posteriormente alargada ao particular desenvolvimento da pintura europeia nas décadas de 40 e 50 que se definiu em paralelo relativamente ao desenvolvimento do Expressionismo Abstracto americano. Com este partilha as raizes no automatismo surrealista e nos seus pressupostos bem como uma aproximação à realidade pictórica assente no gesto cujos resultados se definem por uma pintura sujeita à sua expressão. 293 Huber Kloker, “ Gesture and the object, liberation as Aktion: a European component of performative art” in, Out of Actions..., pp.159-195, p.164. 294 José-Augusto França, Oito ensaios sobre arte contemporânea, Lisboa, 1967, p.83 291

101

de expectativas dispensa as relações implicitas ao próprio termo forjado em território americano quase uma década antes, e no modo como numa edição francesa datada do ano anterior à edição deste ensaio J. Jacques Lebel havia consistentemente teorizado.

França destitui-o ainda, da sua relação com o processo de expansão, situação de total pertinência dado o universo referencial em que o inclui – falta em que Fernando Grade, não incorrera no ensaio de 1965.

Tomando a aquarela de 1910 de Kandinsky enquanto ponto referencial da posterior evolução sofrida pela pintura ocidental,

no sentido do que designa por pintura nova –

processo através do qual se originou toda uma revisão de processos críticos em estados de exaustação, como, verbi gratia, o formulário ultrapassado concerne à perspectiva e ao fundo, Fernando Grade debruça-se sobre as transformações sofridas na arte das cinco décadas que se seguiram à primeira aguarela abstracta. Desenhando uma sequência que do simultaneismo da acção e do pensamento constante da action painting, lhe permite concluir não ser arriscado subentender-se que qualquer homem é um artista em potencial, assume como consequência natural deste encadeado que

se atingirá uma plataforma

posicional em que a arte começará a funcionar como algo susceptivel de ser descoberto ou “achado”. No ensaio de Fernando Grade encontramos a ideia que viemos a defender no espectro da expressão processo de

expansão,

coincidindo o seu epicentro na constatação das

implicações da inclusão do tempo no espaço pictórico – um território de revelação e sensibilidade: uma proposta de velocidade e antipremeditação, sintetizáveis num gesto automático enquanto forma única capaz de o preencher e esgotar. 4.2.1.Pintura-acção

Se França encontra em Wols a tradução efectiva da assunção do Georges Mathieu (n.1921)

gesto na pintura,

éa

que Grade atribui o primeiro passo dado no campo do

102

gestual, em virtude do qual se abrem as portas a uma pintura compositiva de cariz verdadeiramente revolucionário 295. Aproxima Wols e Mathieu a herança de uma prática de raízes no surrealismo, em percursos marcados pelo automatismo, que os conduz na década de 40 a uma via onde o gesto presidido pelo imediatismo se deposita em indice na pintura. Mas assume particular importância a referência a Mathieu 296.

Georges Mathieu instaurará o processo de expansão na Europa do segundo pós-guerra, aproximadamente a partir de 1947, defendendo incondicionalmente que ao gesto de pintar preside um inédito potencial gerador de significados. Mas não só. Mathieu assumirá a presentificação do gesto de pintar como um aspecto de interacção e construção de significados. Assumindo que da percepção conjunta de um gesto se pode gerar a partilha de emoções e sensações, independentemente deste se tratar de um significante ou de um significado. Admite então, que um gesto ou um movimento geram planos onde se

articula um particular processo comunicacional de natureza afectiva,

isento da normatividade da significação. Mathieu assume e defende a existência do gesto em estado bruto, num grau de isenção de qualquer significação. Abrindo a

possibilidade de assumir que a cada gesto pode

corresponder um significado novo, gerado ineditamente da multiplicidade implicita ao sistema de conexões constituído por um acontecimento. Desta forma, assume que o gesto de pintar implica a instauração de uma nova ordem de significado – consignada em cada tela, cada tela enquadrando um universo significante próprio, correlativo aos indices nesta inscritos pelo gesto, numa confluência única de espaço/ tempo gerando tornados signos.

295

Fernando Grade, Op. Cit., p. 6. O problema do reconhecimento da obra de Georges Mathieu é o assunto sobre o qual se debruça Kristine Stiles no oitavo ponto do ser artigo Uncorrupted joy: International Art Actions. Aí questiona não só o porquê do não reconhecimento do contributo da obra plástica e teórica de Mathieu para a história da arte e particularmente para a história da performance, como a má recepção de estas foram alvo, particularmente nos Estados Unidos. Independentemente das respostas que avança, importa sublinhar que na Europa, não só o modo como na rapidez, imediaticidade, espontaniedade, risco e envolvimento da acção que leva a cabo no acto de pintar, como na presentificação e tomada de consciência da pintura enquanto domínio de uma acção, que, ademais levou a cabo diante de um público implicando o problema da participação na criação, a sua obra teve repercursões várias. Entre as quais devemos destacar a influência sobre os jovens artistas do Accionismo Vienense e sobre o performer português Manoel Barbosa que com este priva em Paris de 60. 296

103

Na edição de 24 de Abril de 1963 do Jornal Letras e Artes é publicado em Portugal, sob o titulo sob o título Da Dissolução das Formas, um excerto da obra de l´Abstrait au Possible, de Georges Mathieu 297. Cuja edição data do ano em que, em Nova Iorque, Allan Kaprow apresentava o seu 18 happenings in 6 parts.

Constatando que a obra de arte situa-se hoje na encruzilhada de três noções: as de objecto, de acto, ou de comportamento. No limite de cada uma delas encontramo-nos em face de destruições quer existencial ( a matéria por si mesma), quer histórica ( o acto, quer dizer o acontecimento inscrevendo-se no tempo e por si mesmo), quer dialética ( o comportamento, quer dizer a consciência por ela mesma. Mathieu empreende sobre um modelo positivista uma síntese do processo da história da arte ocidental, pautado pelo mote da semelhança e da representação, conduzido pela abstracção à dissolução de uma estética, passando por uma fase intermédia de uma pintura não-significante, conduzindo à

abertura para

destruições futuras. Estas últimas, condensando um dos aspectos da revolução empreendida na pintura que se liberta da representação e da semelhança assume um carácter de fundo, esse que se prende com a instauração de novas ordens de significação, sob a lógica anteriormente explanada: com o efeito em todos os tempos a significação precedeu o sinal, daqui em diante a relação sinal-significação foi, pela primeira vez, invertida, provocando uma fenomenologia categoricamente nova no domínio da expressão orientando uma estruturação igualmente nova das formas a partir de uma nada total. Segue-se que a improvisação rege agora quase a totalidade da duração do acto 298. Tornada acto em função da espontaneidade do gesto é pelo primado significação que

a pintura

deste sobre a

torna-se resultado de uma decisão ou não decisão:

comportamento - este primado do gesto sobre a significação pode levar, por outro lado, aos mesmos fins, ou antes aos mesmos não-fins pelo desvio do acto na sua potencialização: o comportamento, e levar a pintura a não ser mais do que o resultado de uma decisão ou de uma não decisão 299.

297

Georges Mathieu, De l´abstrait au possible, Ed. Cercle d´art contemporain, Zurique, 1959. Georges Mathieu, “ Da dissolução das Formas” in Jornal de Letras e Artes, 24 de Abril de 1963, pp. 8-10. 299 Id.ibid. 298

104

Assim, às telas que incluem o gesto, correspondem as telas elemento no sistema múltiplo de um acontecimento.

Às telas-acontecimentos correspondem as primeiras action-painting públicas realizadas na história da pintura 300. É Kristine Stiles quem toma a expressão de Harold Rosenberg para descrever o processo pictórico de Georges Mathieu 301, consignado em grandes telas geradas de um nervoso gestualismo simultâneo de uma narração dirigida a um público 302 - nomeadamente o acontecimento do qual resultou a tela Bataille des Bouvines, apresentada no Salão de Maio em Paris no ano de 1954 303. Kristine Stiles justifica a apropriação do termo action-painting pela

constatação da

presença de implicações performativas do processo de pintura de Jackson Pollock e atendndo à hipótese do critico Harold Rosenberg de que a pintura se tinha tornado uma “arena” para um acontecimento, um encontro entre o artista e o material 304, e senão, acrescenta noutro texto, para a História e as suas batalhas 305.

A pintura-acção pública de Mathieu situa-se no limiar do happening e da performance, centrando-se em torno das noções de signo enquanto matéria ou signo ele mesmo preexistindo o seu próprio significado, implicando a consciência de que o acto de pintar funda um acontecimento 306 do qual se geram, em partilha, os significados. Voltamos aos primeiros pontos da nossa reflexão: o alargamento do enquadramento ao ponto da sua coincidencia com uma atitude, por via da inclusão do gesto na pintura à luz da herança 300

Cf. Kristine Stiles, “Performance art” in Kristine Stiles and Peter Selz (Ed.), Theories and documents of contemporary art: a sourcebook of artists writings, Los Angeles, Londres, 1996. p.680-681. 301 Id.ibid., p.680-681 302 Citemos aquelas que são tidas como as mais importantes: Bataille des bouvines – 1954, Paris; Bataille de Hataka , 1957, Tóquio; e a performance que levou a cabo em Viena em Abril de 1959 no Theater am Fleischmarkt. 303 Bataille des Bouvines teve lugar em Paris a 25 de Abril de 1954 Salon de Mai tendo como duração aquele que é tido como o tempo exacto da lendária batalha francesa ( que teve lugar no século XIII). Mathieu vestido com um traje evocando indumetárias medievais realizou uma pintura enquanto narrativa-experiência dos factos históricos. 304 Kristine Stiles “Performance art” in Kristine Stiles e Peter Selz, Op.cit., p.680-81. 305 Kristine Stiles, “ Uncorrupted Joy: International art actions” in Out of actios, between performance and the object 1949-1979, pp. 227-329. p.287 306 Cfr. os seguintes textos de G. Mathieu: Au-delá du Tachisme, 1963; le previlége d’être, 1967; De la Révolte à la renaissance, 1973.

105

surrealista da colagem e do automatismo – processo histórico de expansão, conduz-nos à assunção, com Mathieu, de que a experiência simples assume a origem de todos os significados. Em Mathieu, ao gesto automático do qual resulta uma imagem caligráfica que designa por signo, corresponde um significado que não mais é do que a expressão da intensidade experimentada no e do acontecimento, em que simultaneamente se inscreve e funda, ao modo de uma confluência. Corresponde ao domínio de uma nova incarnação dos sinais, ou o território de uma das possibilidades construtivas da elaboração de uma linguagem nova a partir de estruturas e sinais inéditos 307.

Empreendendo a dinâmica do processo de expansão, coube a Georges Mathieu elastificar pelo gesto o enquadramento pictórico para a escala dos acontecimentos, e de modo particular, ao modo como implicam a construção dos significados ou não-significados. Todavia, a escala das forças motrizes que condicionam e orientam a vida, foi aberta ao enquadramento por Yves Klein (1928-1962), como o pressentiu França,

naquela que

constitui segundo Pierre Restany (n.1930), a efectiva viragem da arte europeia no sentido do que designou como sendo a outra face da arte 308 – essa que não é outra senão a da vida, a de toda a realidade. A essa outra face da arte,

Arnaud Labelle-Rojoux defende corresponder uma outra

história da arte - a que se define como uma corrente de impregnação de todas as formas artísticas que perpassam o século XX. Aquela que cremos coincidente com o processo histórico de expansão e que corresponde ao que Labelle-Rojoux define por

arte-acção 309

- cuja natureza libertária a situa, de

acordo com Jean- Jacques Lebel, no território de uma outra história do pensamento 310. ´ 307

Georges Mathieu, “ Da dissolução das Formas” in op. Cit. p.10 Na obra que já citámos - L’autre face de l’art, publicada em 1979, onde desenvolve a ideia da existência de um percurso alternativo e desviante da arte ocidental definido apartir do ano de 1913, tando como passado o voluntarismo das primeiras vanguardas, definindo-se plásticamente em função de um correlativo discurso semântico. A este Pierre Restany chamou a curva desviante. 309 Arnaud Labelle-Roujoux, in Arnaud Labelle-Roujoux e Jean-Jacques Lebel, Poésie Directe – happenings, interventions, Paris, 1994, p.13. 310 Id.ibid., p.65. 308

106

4.2.2.happening pictural

Ao que José-Augusto França designou por

happening pictural 311

corresponde uma

realidade particular, gerada em torno do ano de 1958, na obra do nicense Yves Klein - as Antropometrias 312 .

O nome, diz Pierre Restany, é da sua autoria – nascido na noite de 23 de Fevereiro de 1960, quando presencia no apartamento parisiense de Yves Klein, um modelo feminino desnudo imprimindo o seu corpo nu, coberto do busto aos joelhos de uma emulsão azul, contra uma folha de papel estendida no chão e outra fixa numa parede, sob a orientação do pintor: Os vestigios assim colocados sobre o papel figuravam a parte central do corpo, seios, busto e coxas, ao modo dos signos antropomorficos 313.

Klein

dota de vida tudo o que na história da pintura foram instrumentos. O modelo

assume o papel de um pincel vivo 314 - corpo motor dispositivo ready-made tornado corpoindice depositário em latência dessa vida. O enquadramento alarga-se o domínio da atitude, 311

José- Augusto França, Oito ensaios sobre arte contemporânea, Lisboa, 1967, p. 84 A primeira experiência de Klein envolvendo os modelos como pinceis vivos e que é situada como o antecedente directo das suas antropometrias reporta-se a 5 de Junho de 1958. Segundo a descrição de Sidra Stich no seu catálogo Yves Klein, Madrid, 1995, p.172, esta consistiu na realização de uma pintura monocroma para uma audiência selecta de convidados presentes num jantar no apartamento do seu amigo Robert Godet. Sob a orientação de Klein, um modelo feminino, coberto com tinta azul espalhou-a com o movimento do próprio corpo sobre uma grande folha de papel estendida no chão. Diferentemente as Antropometrias realizadas apartir de 1960 consistiram na impressão dos corpos pintados dos modelos ( antropometrias positivas segundo a designação dada por Pierre Restany) sobre superficies de papel ou linho, ou ainda, ao vazio deixado pelos corpos das mesmas por meio da aplicação de tinta sobre a superficie pictórica com o modelo sobre esta ( as antropometrias negativas, também conforme a designação de Pierre Restany). Klein realizou também antropometrias mistas, utilizando a impressão e a aplicação da tinta em torno da silhueta do modelo. Realizadas no seu atelier e uma vez publicamente – a 9 de Março de 1960, na Galerie Internationale d’Art Contemporain em Paris, no percurso que conduziu Klein às antropometiras estão as marcas – impressões dos corpos, deixadas no tatami pelos praticantes de Judo ( Klein foi praticante e professor de Judo) bem como a imagem do contorno da silhueta de uma homem deixada pelo corpo de um homem queimado pela radioactividade em Hiroshima, vista por Klein no Japão em 1953, o afectou profundamente. Representavam disse Klein, a permanência do corpo, da carne, mesmo que imaterial. A maior parte das antropometrias foram realizadas sobre papel, sendo que existem também algumas realizadas sobre tecido. A maioria das ultimas foi realizada no ano de 1960. Estas podem ser divididas, segundo categorização de Restany, em antropometrias estáticas e antropometrias dinâmicas, resultando as primeiras de uma impressão simples e as segundas do rasto dos corpos em movimento impressos sobre a superficie. A maioria das antropometrias foi realizada em IKB sobre suportes brancos. 313 Pierre Restany, Yves Klein, Paris, 1982, p.88. 314 Expressão de Yves Klein, utilizada no seu ensaio de 1960 le vraie devient réalité, citado por Paul Schimmel in “ Leap into the void: performance and the object” in Out of actions, Nova Iorque, 1998, pp.17121, p.33. 312

107

a pintura assume uma carga dominantemente ontológica: para mim a pintura hoje não o é mais em função do olho: ela é em função da única coisa que não nos pertence: a nossa vida 315.

Nas impressões de Klein, o corpo indice traduz a mesma intensidade do corpo motor – manifesta a ordem que subjaz todas as coisas, alheia à ordem do pensamento discriminativo: corpo ready-made tornado indice revelador da positividade que assume uma natureza absoluta (tal como nas suas monocromias iniciadas em Nice em 1946 e no Vazio - Galeria Iris Clert, Abril de 1958, o que está em questão é a evocação de uma ordem distinta da que se presentifica no universo da representação) no enquadramento da tela, que o recebe em impressão. A vida que não nos pertence é o supremo conceito e a realidade fundamental, a manifestação da energia cósmica. A sensibilidade pictórica é identica, com a percepção desta realidade imaterial e por isso divina: tudo o que não nos pertence é da Ordem de Deus. A vida é o absoluto 316.

E de forma distinta da tinta indice de movimento, as antropometrias de Klein não são indices de uma acção-confronto em movimento – são indices da carne e do corpo, significante da vida e potência desse movimento. Diz Pierre Restany:

ao identificar o

fenómeno pictural a um fenómeno existêncial, Yves Klein radicaliza caracteristica imaterial, e dá-lhe o valor de um absoluto. O objecto de arte não é a pintura (um outro objecto) mas a vida ( um principio universal) 317. E neste domínio não estamos longe dos propósitos formulados quer por Cage quer por Kaprow, nestes mesmos anos. Está em causa tocar uma possível ordem sensível que subjaz toda a realidade.

Ou mais radicalmente ainda: o que esta em causa é tocar por meio da sensibilidade o próprio élan que atravessa a vida, porque, como sublinhou Klein -

a sensibilidade é a

moeda do universo, do espaço, da grande natureza, que nos permite comprar a VIDA no estado de matéria primeira 318. 315

Yves Klein, 1959, citado por Pierre Restany, L’autre face de l’art, Paris, 1979, p.90. Pierre Restany, “Who is Yves Klein” in Flash Art, nº116, Nova Iorque, Março, pp.60-, p.61. 317 Pierre Restany, L’autre face de l’art, Paris, 1979, p. 91. 318 Yves klein, 1959, por ocasião da exposição Fur Statik de Tinguely na galeria Schmela em Dusseldorf, citado por Pierre Restany in L’autre face de l’art, Paris, 1979, p. 93. 316

108

Klein diz-se um pintor,

mas nas suas Antropometrias estiveram presentes todas as

implicações da arte nascida de uma acção e

indicialmente correlativa a esta na sua

expressão plástica, bem como todos os principais aspectos de um happening. Trata-se de uma arte que não se esgota na sua expressão plástica - que é acerca de uma outra coisa que não aquilo que se condensa materialmente na superficie da tela. E aqui reside certamente um aspecto que levou a que no dia 9 de Março de 1960, Klein tivesse apresentado publicamente uma realização de Antropometrias 319: para que fosse testemunhado aquilo acerca do qual esta arte é – nascida de um domínio tensional, do qual o artista se assume ao modo de um happening, o condutor.

Se a filiação do termo de Kaprow às primeiras experiências europeias definidas desde cedo nessa particular concentração espiritual que se desenhou nos primeiros anos de 60, orientando a arte no sentido da sua outra face, no processo histórico de expansão, foi comum, cedo se forjaram outras designações, se abriram novos campos conceptuais. O palco artístico europeu respondeu ao desafio lançado pelas primeiras vanguardas, pelo gesto na pintura de Pollock, pela obra de Artaud e de Cage, pela pintura de Mathieu e de Klein, pelos poetas Beat e por Kaprow, e incorreu no processo histórico de expansão com propostas insufladas de um conteúdo político,

social e filosófico que o happening

desconhecia em território americano.

Para estas foram forjados, no quadro da complexa mistura experimental dos anos 60, termos como Poesie direct, acktion, intervention e mais tarde polyphonix. 319

Que teve lugar em Paris na luxuosa Galerie Internationale d’Art Contemporain pela produção de Maurice D’Arquian que a projectou como um grande espéctaculo de acção – um acontecimento privado e exclusivo de uma única noite. Foram convidadas uma centena de pessoas – na sua maioria donos de galerias entre os quais se incluiam alguns artistas e criticos. Esta teve inicio às 11 da noite, hora apartir da qual os elementos da assistência foram chegando e tomando os seus lugares. No espaço vazio da galeria estavam dispostas no chão e penduradas na parede folhas de papel branco num canto, nos lugares reservados a uma orquestra tomaram lugar três violinistas, três violoncelistas e três cantoras. Estes iniciaram a execução da Sinfonia monótona ( vinte minutos de som continuo seguidos de vinte minutos de silêncio) que pontuou toda a execução das antropometrias. Estas iniciam quando três modelos nuas entram no espaço, trazendo na mão baldes com tinta azul e, sob a ordem de Klein vestido a rigor, se cobrem com esta e de seguida duas delas imprimem os seus corpos pintados contra as folhas dispostas verticalmente e a terceira contra o papel no chão, as primeiras pressionado os peitos, ombros, abdomen e parte superior das pernas contra a superfície e a terceira deslocando-se ou sendo arrastada. Passados os quarenta minutos da actuação foi inicado um debate de Klein com a audiência.

109

4.2.3

No decorrer da década de 60,

O l’happening

paralelamente ao processo de assimilação da fórmula

happening, o termo happening conheceu uma relativa fluidificação no meio artístico e critico português, de forma inconsistente e

adquirindo contornos que traduzem

o

afastamento das linhas de força próprias ao seu universo de origem.

No inicio da década, o Jornal de Letras e Artes traz pelos seus colaboradores estrangeiros o termo happening ao meio cultural português. Na edição de 31 de Julho de 1963, no artigo de primeira página assinado por Thomas Curtiss – O teatro de vanguarda nos Estados Unidos, inclui-se uma imagem de Allan Kaprow no decurso de um happening. Traçando a história do teatro americano off-Broadway, desde os anos 10 à década de 60, não existe no corpo genealógico sobre o qual se edifica qualquer referência ao happening. Reservada à legenda da imagem, nesta se lê: foi no decurso do inverno de 1957-1958 que o pintor Allan Kaprow apresentou pela primeira vez os happenings, nos estados unidos. Na sua origem, um happening era concebido como uma arte de justaposição, uma colagem de acontecimentos, mas muito cedo esta concepção foi ultrapassada pelo carácter irresistivel desta combinação de acontecimentos 320. Mais elaborada que qualquer descrição presente no texto, esta nota que define sucintamente a mecânica do happening, filiando-o a Kaprow e aos últimos anos da década de 50, não esclarece no entanto do que se trata.

Será o happening na Galeria Divulgação: CONCERTO E AUDIÇÃO PICTÓRICA, que mais tinta fará correr acerca da forma de arte que nos mesmos anos Lebel assume como arma de combate. O happening na Divulgação catalizará a

necessidade de um

esclarecimento.

320

Tomas Curtiss, “ O Teatro americano off.broadway” in Jornal de Letras e Artes, 31 de Junho de 1963, Lisboa p. 1-2

110

Se o acesso combate verbal entre Manuel de Lima e Jorge Peixinho nas páginas do Jornal de Letras e Artes de 20 de Janeiro de 1965 321 e de 10 de Fevereiro 322 seguinte se centrou essencialmente em questões afectas à música, nomeadamente da sustentabilidade das referências Cageanas deste evento, deixando de lado o esclarecimento daquilo em que consiste um happening, bem como qualquer outra teorização acerca do assunto, será por conseguinte,

a referência feita por Arnaldo Saraiva, um ano mais tarde no mesmo

periódico, que despoletará o esclarecimento teórico do happening, com referência directa a Jean-Jacques Lebel.

O texto Carta do Brasil – um novo “espectáculo”: happening, da edição de 6 de Julho de 1966 do Jornal de Letras e Artes 323 começa pela interrogação ao leitor acerca da memória de uma sessão levada a efeito pelos experimentalistas portugueses na Livraria Divulgação de Lisboa, seguida de uma descrição deste evento. Esta

referência terminada com a

constatação de que depois desta jornada – que noite -, (...), continuaram de pé muitos academismos, permaneceram tranquilos muitos salões literários, mas, que eu saiba, ninguém mais quis fazer experiencias que tais, oq eu é de lamentar quando há tantos olhos sedentos de novidade, tantas boas viúvas de alegria, tantas almas pedindo arroubos artísticos 324, serve de introdução à descrição de alguns happenings levados a cabo no Brasil, realizados na senda dos poetas concretistas por jovens pintores, realizando pois versões dos escândalos recentemente postos em voga na Paris de Jean- Jacques Lebel ( que publicou há pouco a biblia do happening) 325. Da apresentação destes eventos Arnaldo Saraiva conclui que do happening se pode dizer que é: uma psicoterapia de grupo, com a vantagem de dispensar o psiquiatra, assumindo o mérito da capacidade de fusão de vários campos da criação individual e colectiva. Mais conclui: o happening é bem uma arte de um

321

Manuel de Lima, “ Concerto e audição pictórica sob a orientação de Jorge Peixinho na Galeria Divulgação” in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 20 de Janeiro de 1965, p. 11. 322 Jorge Peixinho, “Resposta a Manuel de Lima” in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 10 de Fevereiro de 1965, p. 5.; Manuel de Lima, “ Quando os Androides de Cage renegam o dono” in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 10 de Fevereiro de 1965, pp. 5 e 12. 323 Arnaldo Saraiva, “ Carta da Brasil. Um novo “espectáculo”: happening” in Jornal de Letras e Artes, nº247, Lisboa, 6 de Julho de 1966, pp. 1 e 3, 324 id.ibid., p.3. 325 Id.ibid., p. 3

111

tempo voltado para a acção, de um tempo em que o homem quer interferir e responsabilizar-se pelo devir histórico, e se recusa a ser um simples assistente dele 326.

Na edição seguinte deste periódico serviu de esclarecimento ao termo uma inteira transcrição do texto de Lebel, atrás analisado. A este excerto preside o

insólito titulo O “Lappening” 327

- denunciando

pelo

afrancesamento da palavra inglesa a origem do contacto português com a termo - seguido de um esclarecimento justificado nas seguintes palavras por redactor anónimo: a propósito do happening Ter suscitado entre nós alguns problemas que nos aprecem exprimir uma certa confusão em relação à atitude e aos designios que presidem este tipo de espectáculo 328. Os completos e fundadores esclarecimentos do termo, da mão de Lebel, fazem parelha com a insistência da classificação do happening no domínio do espectáculo. Em referências outras o afranseamento manteve-se, traduzindo o impacto do trabalho de Lebel no panorama artístico europeu.

Passados dois meses sobre a publicação do excerto do texto de Lebel e quase dois anos sobre o primeiro happening na Divulgação, o mesmo Jornal de Letras e Artes abre as portas do meio cultural português à descrição

pormenorizada de três happenings

referênciais na história da arte, notáveis na história da performance. No artigo Três “Lappenings” 329, é descrito o happening de Oyvind Fahstrom que teve lugar no Moderna Museet de Estocolmo em Novembro de 1964, o happening Dechirex de Jean-Jacques Lebel que teve lugar em Paris em 25 de Maio de 1965 no contexto do Festival de Livre Expressão e, por último, um happening de Kaprow, de 1962.

Mas as referências aos “lappenings” ou a qualquer tipo de arte próximo do que Lebel descrevera no artigo publicado em 1966 em não se perpetuaram. Nem mesmo quando João Vieira, um dos artistas que empreendera a aventura pariesiense do KWY, realiza nos

326

Id.ibid.p.3 “ O “Lappening” ”in Jornal de Letras e Artes, nº 248, Lisboa, 13 de Julho de 1966, p. 1e2. 328 Id.ibid., p. 1e2. 329 “ Três Lappenings”, Jornal de Letras e Artes, 14 de Setembro de 1966, Lisboa, p.11. 327

112

primeiros anos de 70, numa recentemente aberta galeria – Galeria Judite Dacruz 330 - as acções o Espírito da Letra (1970: exposição Dura, Ritual; 1971: Exposição Mole), encontramos referências consistentes ao

sucedido. Somente Ernesto Melo e Castro,

avançado no processo de expansão entende as implicações do trabalho de João Vieira então, explanando-o num artigo editado na Colóquio Artes de Fevereiro de 1971: João Vieira letra a letra 331. 4.3. Desterritorialização, multiplicidade, intensidade e Crueldade. Derivação.

Foi o termo de Kaprow – ou a fórmula happening 332 - se tomarmos a designação de Restany cujas implicações são mais latas, que foi reinvindicado para o acontecimento que teve lugar num apartamento veneziano e no Grande Canal sob a forma de um cortejo de gondolas, a 14 de Julho de 1960 e que é, por consenso historiográfico considerado o primeiro happening europeu 333.

330

Galeria aberta em Outubro de 1969 que funcionará até Outubro de 1974. Fundada por Judite Siqueira , João Poppe, Henrique Mozer e António Costa, assumindo-se no panorama do comércio de arte em Portugal no inicio da década de setenta – de acordo com Gonçalo Pena, como uma galeria outsider. Nas cida da nova situação confusa de mercado de arte surgida em meados de 1968, esta inspira-se em modelos estrangeiros, sendo que funcionava com contractos de avenças, o que significou uma mudança de gestão, em direcção a um modelo que não era habitual nas transações realizada na mesma altura por outros “marchands” no país. Cfr. Gonçalo Pena, “ Instituições, galerias e mercado de arte ...” in António Rodrigues ( Com.), Anos 60, anos de ruptura – uma perspectiva da arte portuguesa nos anos sessenta, Lisboa, 1994, sp. 331 Ernesto Melo e Castro “ João Vieira letra a letra” in Colóquio Artes, nº1, 2ª série, Lisboa, Fevereiro de 1971, pp. 25. 332 Como Pierre Restany designa o happening enquanto a prática artística a que Kaprow chegara, no seu L’autre face de l’art, Paris, 1979, p.70 333 Este happening inscreveu-se no contexto da exposição organizada por Jean-Jacques Lebel e por Allan Jouffroy designada por L’Anti-Process 2, na Galeria II Canale em Veneza sucedendo a exposição L’AntiProcess 1 decorrida em Paris no mesmo ano. No happening de Veneza, entitulado L’enterrement de la chose de Tinguely, participaram Jean Tinguely (1925-1991), Allan Jouffroy, o poeta Gregory Corso, Peggy Guggenheim entre outras personalidades do mundo artístico. Este consistiu numa homenagem a Nina Thoeren, recentemente violada e assassinada em Los Angeles e amiga de Lebel. Assumindo o papel de um ritual, este happening consistiu drapear de preto de uma escultura de Tinguely que foi posteriormente velada como um cadáver, sendo que entre velas e incenso, a actividade prosseguiu com a leitura por Lebel de excertos de textos do Marquês de Sade intercalados com gravações de ruídos vários e mais cheiros. O happening continuou posteriormente sob a forma de uma procissão de gondolas subindo o Grande Canal até Laguna de San Giorgio onde a coisa foi deitada à agua, as gondolas formaram um circulo e flores brancas foram deixadas no local. Cfr. a sinopse deste happening publicada na obra Poésie Directe – happenings, interventions de Jean-Jacques Lebel e Arnaud Labelle Rojoux, Paris, 1994, pp.99-101.

113

Da autoria de Jean-Jacques Lebel (n.1936) 334 - pintor da transversalidade como o designou Félix Guattari 335 e acérrimo defensor de uma arte fundada na multiplicidade, em conjunto com poeta Allan Jouffroy, este primeiro happening europeu foi, como o fora o 18 happenings in six parts na Reuben Gallery, um particular ponto de confluência.

Jean-Jacques Lebel -

poeta, artista plástico e activista político que cruzou a prática da

pintura e da colagem fortemente influênciadas pelo surrealismo 336, por uma aproximação particular à cultura beat e à herança teórica de Antonin Artaud, procurou no happening a definição de uma pratica artística efectivamente transgressiva, assente numa linguagem dotada de uma dimensão política e social de potência transformadora. Neste encontra, através da acção como ponto único da possível dissolução da primeira das antinomias - sujeito e objecto/ser e realidade,

a possibilidade de explorar reexaminar os

territórios intocados da realidade artística, cultural e histórica 337.

Aquando do L’enterrement de la chose, Jean-Jacques Lebel

não tinha tido contacto

directo, com a formula happening de Kaprow, nem tão pouco ouvido falar deste, disse-o em entrevista a Arnaud Labelle Roujoux 338.

O termo happening, Lebel ouvira-o no contexto do jazz dos anos 50 – significando um acontecimento a que não se podia faltar, um acontecimento especial 339 . No que concerne 334

Nascido em 1936 em Paris, Jean-Jacques Lebel cedo se alinha por uma prática próxima do surrealismo: participa a partir de 1958 nas exposições surrealistas. Priva nos últimos anos de 50 com os poetas beat em Paris e torna-se, nos primeiros anos de 60 responsável pela criação do primeiro happening na Europa. Nestes primeiros anos de 60 participa também, em Nova Iorque em happenings com Claes Oldenburg e Allan Kaprow. Entre 1964 e 1967 organiza o Festival de la libre expression em Paris ( no American Center), onde reúne multiplas personalidades do meio artístico e intelectual de vanguarda, europeia e americana. A partir de 1976 organiza Poliphonyx. Entre o primeiro happening europeu em 1962, da sua autoria e a década de 90 realiza inúmeros happenings, conferencias-demonstrações, performances e poesia directa.Cf. a cronologia na obra que publica com Arnaud Labelle-Rojoux, Poésie Direct, happenings, interventions, Paris, 1994, pp.161165. 335 No seu texto de 1988 – Jean-Jacques Lebel – painter of transversality. 336 Desde muito cedo Jean-Jacques Lebel contactou com o surrealismo de uma forma directa. Filho do primeiro biógrafo de Marcel Duchamp – Robert Lebel, cresceu no próprio meio dos artistas surrealistas e dadaístas. Entre os amigos próximos da familia encontrava-se Man Ray, Marcel Duchamp, Meret Oppenheim, e André Breton com quem estabeleceu uma relação de maior próximidade. Cf. Kristine Stiles, “Uncorrupted Joy: international art actions” in Out of actions, Londres, 1998, Londres, pp.227-329, p.253. 337 Cfr. Jean- Jacques Lebel, El Happening, Buenos Aires, 1966, p.10 338 Jean-Jaques Lebel e Arnaud Labelle-Rojoux, Poésie directe, happenings, interventions, Paris, 1994,p.55. 339 Jean-Jacques Lebel in Id.ibid., p.24.

114

ao processo de expansão,

a herança que o acompanhava era a lembrança de Schwitters

( tanto pintor como poeta), não de Kaprow porque não tinha ouvido falar dele. E também das grandes inventores do dada, da poesia-acção, em Zurich, em Berlim ou noutros sitios: Hugo Ball, Baader, Janco, Tzara, Picabia, Duchamp. E havia Artaud, como já o disse, e depois havia Niezsche e todos os que contribuiram para o levantamento libertário contra a civilização ocidental apodrecida e à sua superação 340.

Ao significado do conceito happening chegou por meio do contacto com os poetas Beat, então instalados em Paris: Allen Ginsberg, Gregory Corso, William Burroughs, dotando-o de particularidades marginais à formula happening de Kaprow.

O primeiro contacto com o termo happening decorre no ano de 1957-1958, numa das soirés literárias na cave parisiense da Livraria Inglesa, organizadas pelos poetas beat então instalados nesta cidade: Allen Ginsberg, Gregory Corso, William Burroughs. Aí não só o ouve num poema de Gregory Corso 341 como virá a Ter acesso ao elán particular veiculado na criação destes poetas: o que designa por uma força telúrica, apenas encontrada, afirma, em Artaud - uma atitude transgressiva, insurreccional, nómada e intensiva que determina em coincidencia a arte indissociável da experiência vivida. Atitude que poucos anos mais tarde fará corresponder ao termo e prática que designou por Poesia directa. O conceito Poesia directa no qual se inclui o happening, decorre, segundo Lebel,

da

linha e da prática de Artaud, de um teatro de operações mágicas por um lado e, por outro lado, no contexto da mutação introduzida por John Cage ( abolição da fronteira entre a arte e a vida, escuta do quotidiano) de tirar as linguagens dos seus contextos e suportes convenvionais 342. Quer ao happening primeiro, quer à poesia directa que o abarca depois, corresponde segundo Lebel

uma radicalização do processo histórico de expansão que cataliza a

340

Id.ibid., p. 44. O poema de Gregory Corso em questão é o poema de 1957 entitulado Two weird happenings in Harllem, publicado em 1958 no livro Gasoline. Neste poema que Lebel ouve pela primeira vez numa das sessões na cave da livraria Inglesa em Paris, este vê descrito e representado um universo de acontecimentos psíquicos, quase alucinações. Cf. J.-J Lebel inJ-J Lebel e Arnaud Labelle-Rojoux, Poésie Directe...., p.24. 342 Jean-Jacques Lebel, El Happening, Buenos Aires, 1966, p.13 341

115

história da arte do século XX no sentido de uma desterritorialização da prática artística, relativamente a qualquer limite ou ponto de referência, no sentido da sua definição enquanto conjugação de níveis de intensidade assentes na tessitura da experiência, assumindo a poesia, a prática artística, o texto vivido como psicose experimental, como “caminhada do esquisófrénico” 343. Se, como vimos anteriormente, a

radicalização do processo

de expansão implica a

coincidência do enquadramento com uma atitude, sendo que esta se define no plano da relação comum entre cada um e o domínio da representação da realidade, à efectivação deste processo corresponde para Lebel a prática artística do happening, por meio do qual se desenha a cartografia existêncial de um território a-limitado, não do múltiplo, mas da multiplicidade. À operacionalidade do mecanismo performance corresponde o território da multiplicidade. 4.3.1.Intensidade e multiplicidade

É na senda da definição de rizoma avançada na década de 70 por Félix Guattari e Gilles Deleuze 344, que Lebel articulará o conceito poesia directa e re-articulará a sua definição de happening. Ao verificarmos a apropriação de vários termos associados a esta definição no discurso deste, entendemos as relações directas entre um possível molde explicativo da arquitectura de um acontecimento e sua potencialidade implicita e a noção de rizoma.

Intensidade e domínios a-limitados - são conceitos na órbita da especificidade do rizoma na teorização de Guattari e Deleuze,

que o definem enquanto o sistema próprio da

multiplicidade, que se subtrai ao domínio exclusivo da lógica bi-univoca da dualidade e da complementariedade entre sujeito e o objecto, realidade natural e realidade espiritual, não remetendo nem para o Uno nem para o múltiplo mas somente para um domínio interrelacional aberto, isento de limites iniciais ou finais bem como de qualquer tipo de modelo estrutural ou gerador. 343

J.J. Lebel in J.J.Lebel e Arnaud Labelle-Rojoux, Op.cit., p.14 Definido no texto “Rhizome”, publicado em 1976 pelas Ed. De Minuit e integrado como introdução na obra Capitalisme et Schizophrénie - Mille Plateaux, publicada em 1980 pelas mesmas Ed. De Minuit.

344

116

Defindo por seis características ( conexão e heterogenidade, principio da multiplicidade, principio da ruptura a-significante e principio da cartografia e da decalcomania), um rizoma distingue-se do sistema árvore (como o de um livro clássico, dizem Guattari e Deleuze) ou de raiz fasciculada, em virtude da sua não inclusão em qualquer tipo de estrutura ordenadora ou definição segundo um eixo gerador, em função do qual, por sua vez, se garante o seu desenvolvimento mas no qual está implicito o

sacrificio de um

potêncial número de combinações – uma redução das leis de combinação. Um rizoma é estranho a toda a ideia de eixo genético, bem como de estrutura profunda. Um eixo genético é como uma unidade pivot objectiva sobre a qual se organizam estados sucessivos 345, nesta medida o sistema rizomático, definido numa rede de conexões de cadeias semióticas, é genéticamente alterado em cada nova conexão estabelecida. Define-se, consequentemente, como um sistema não localizável dentro do conceito de limite porque se assume permanentemente conectavel e revertível, com entradas e saídas múltiplas, sempre alteráveis: conectando um ponto a qualquer outro ponto - formando linhas de segmentariedade, de estratificação como dimensões 346, nenhum - fundando linhas de fuga,

de des-territorialização

347

ou outro ponto a

; estabelecendo relações

entre estados de natureza distinta, signos de ordens diversas e até mesmo não-signos – e esse é o domínio da multiplicidade,

definido-se numa constante impermanência, uma

ordem de mutação constante, uma permanente circulação de estados 348.

Esta conexão incessantemente

mutável

de estados ou regiões de intensidade,

irreprodutivel porque desordenada e sem referência fundadora, procedendo por variação, expansão, conquista e captura 349 sem qualquer sujeição a uma hierarquia, forma as cadeias semióticas inter-relacionáveis e constituintes do rizoma.

345

Félix Guattari e Gilles Deleuze, Op. cit., p.18. Id.ibid., p.31. 347 Id.ibid., p.31. 348 Id.ibid., p.32. 349 Id.ibid, p.32 346

117

Sem inicio ou fim, os seus constituintes são precisamente multiplicidades passiveis de serem conectáveis, sem relação genética ou filiação formal, com outras -

palcos, ou

regiões de intensidade vibrantes, definidas pela heterogenidade.

Sendo que estas multiplicidades são em si, também rizomáticas, distintas do múltiplo porque sem referência ao uno ou único, dissolvem a dualidade pelo seu alheamento às dimensões sujeito-objecto, dado que são somente determinações – grandezas e variedades de medida, intensidades não sujeitas a nenhuma unidade de comparação ou distinção, a nenhum processo de comparação.

Localizando-se assim entre as coisas – um rizoma é um sistema de intensidade entre as coisas – está sempre no meio é um inter-ser 350 e por isso nunca localizável mas definivel como uma direcção perpendicular, um movimento transversal que as transporta umas e a outras, ribeiro sem começo nem fim, que galga as suas duas margens e ganha velocidade no meio 351. A intensidade, como verificámos já, joga-se em energia comparação, legitimando

a

exclui-se aos limites da

multiplicidade bem como a sua qualidade conectável: a

condição do seu ser é irredutivelmente dependente da experiência de si por meio do qual é. É por estes meandros que se esquiva, na anulação da dualidade, à lógica das duas grandes ordens da generalidade de que fala Deleuze no seu Diferença e Repetição – a ordem quantitativa das semelhanças e a ordem qualitativa das equivalências.

À radicalização do processo de expansão corresponde a coincidencia do enquadramento com uma atitude e consequentemente, da arte enquanto experiencia de intensidade e o acontecimento entendido enquanto um sistema rizomático. O processo expansão traduzido na máxima desgastada da abolição dos limites entre a arte e a vida empreendida pelas vanguardas históricas e neo-vanguardas, visa no limite, a conexão incessante e a abertura imprevisivel da experiência sensivel a todos e quaisquer domínios. Trata-se não só da expansão implicada no alargamento de um limite fisico e formal a um desempenho, mas consequentemente, deste enquanto multiplicidade conectável ao devir das conexões 350 351

Id.ibid., p.36 Id.ibid., p.37

118

empreendidas. Como num acontecimento, o que está em questão no rizoma é a relação com a sexualidade, mas também com o animal, com o vegetal, com o mundo, com a política, com o livro, com as coisas da natureza e do artificio, em tudo diferente da relação arborescente: todos os tipos de devir 352.

Um rizoma não parará de conectar cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrências remetendo para as artes, as ciências, as lutas sociais. Uma cadeia semiótica é como um tubérculo aglomerando actos muito diversos, linguisticos, mas também perceptivos, mimicos, gestuais, cogitativos 353.

Este é o perfil de um sistema de relação de multiplicidades – esse que Lebel afirma ser possível na arte por meio de formas como happening 354 - uma dança sagrada que não se dirige apenas aos olhos mas a todos os sentidos 355. Como este, o rizoma define-se a partir de uma experimentação tomada a partir da própria e na realidade, estabelecendo conexões partir de intensidades vividas, como um mapa que se opõe a um decalque dizem Guattari e Deleuze 356. Por ser aberto a alterações, modificações - por ser reversivel. Por ser uma construção que se inclui, por sua vez, no próprio rizoma. O rizoma faz o mapa e não o decalque. O mapa opõe-se ao decalque porque é orientado para uma experimentação tomada sobre o real. O mapa não reproduz um inconsciente virado sobre si mesmo, ele constroi-o. Ele concorre para a definição dos campos, para desbolcagem do corpo sem orgãos, à sua abertura máxima sobre um plano de consistência. Ele faz, ele próprio, parte do rizoma 357.

À definição de happening avançada por Lebel na senda do rizoma de Deleuze e Guattari, corresponde uma raiz filosófica anterior, filiada anos antes a Antonin Artaud.

352

Félix Guattari e Gilles Deleuze in Op.cit., p.32 Id.ibid., p.14 354 J-J. Lebel, in J-J.Lebel e Arnaud Labelle-Rojoux, Op.cit., p.59 355 J-J. Lebel, Lettre ouvert au regardeur, 1966 in id.ibid., p.126 356 Félix Guattari e Gilles Deleuze, Op.cit., p.18 357 Id.ibid., p.20 353

119

É sobre a herança de Antonin Artaud que Lebel edifica a sua prática e toerização do processo de expansão: uma única linha vectorial é capaz de ser traçada, atravessando a prática artística que opera sobre este processo, partindo do dadaísmo no empreendimento da des-estruturação das fundações e filiações limitadas, das práticas e linguagens artísticas a conceitos, instancias, formas ou normas, permeando o pulsar telúrico da poesia beat, as ordenações sonoras de Cage, as colagens, environments e happenings de Kaprow.

A esta linha vectorial corresponde a condição de liberdade do pressuposto de instancias superiores,

equacionada por uma espécie de mistura schizo de todas as linguagens

possíveis, os vocabulários, de todos os fonemas, de todos os sons tal como se praticam através do mundo, mistura que advém directamente do pensamento poético ele próprio, antes de se constituir em literatura, em pintura, em musica, em linguística, em discurso codificado 358. Confluindo nas neo-vanguardas que afloram nos primeiros anos de 60 – ou na complexa mistura experimental, num inconformismo que se perfila por uma sublevação colectiva do pensamento 359 enformando

o que Pierrer Restany

designa, como verificámos, na

particular confluência de concentração espiritual e de experiências isoladas 360.

Cuja tradução se definiu, segundo Lebel, numa emergência quase sincronoma de muitas contra-linguagens, o desenvolvimento simultâneo de muitos movimentos de revolta. Houve o free-jazz, o happening, a poesia sonora, fluxus, a beat generation, o movimento antipsiquiátrico, uma nova aproximação à esquisofrenia como pensamento selvagem, como obra, como linguagem (...), o anarquismo como movimento político que emergiam sobre a cena mundial, e ainda, do lado da arte, o grupo gutai, a action painting, os neo-dadaístas, os noveaux realistes, o cinema underground, o cinema da novelle vage, o living theater e diversas outras troupes e comunidades teatrais inovadoras, etc, estes movimentos eram contemporâneos, por vezes interconectados. Muitos referiam-se explicitamente a Artaud. Intensidade explosiva! 361.

358

Id.ibid., p.15 Id.ibid., p.37 360 cfr nota nº 296 361 J-J. Lebel in J-J Lebel e Arnaud Labelle-Roujoux, Op.cit., p. 37 359

120

4.3.2.

Crueldade e um esforço colectivo de sacralização

É teorização publicada passados 32 anos e uma guerra mundial sobre a primeira edição do Teatro e o seu Duplo de Antonin Artaud - corria o ano de 1966, que Jean-Jacques Lebel define as linhas mestras de uma forma de arte que caracteriza enquanto um esforço colectivo de sacralização 362.

No seu Le happening, Lebel defende uma arte que institui uma renovada aproximação preceptiva à realidade, superando os limites do conhecido numa pretensa aproximação à dinâmica própria da vida. Nessa teorização pressentimos as aspirações condensadas por Artaud em torno da noção teatro renovado.

No Teatro e o Seu Duplo, publicado pela primeira vez em 1934, Antonin Artaud carrega a noção de obra de arte de um poderoso poder de revelação. Um poder semelhante a aquele cuja manifestação é própria dos momentos presididos por condições extremas, como as que descreve decorrentes das pestes 363. A estas situações

correspondem situações de revelação do que está latente, do que

permanece no domínio das potências ocultas geradoras e motrizes de toda a existência. Do território da verdade onde reside a origem do teatro e a vocação da arte e cuja revelação é de natureza e qualidades indeterminadas, geradas em função uma gratuidade imediata que provoca actos sem utilidade ou proveito actual 364, numa relação com uma força outra que gere e move todas as coisas - uma força espiritual que inicia a sua força espiritual na sensibilidade e dispensa por completo o real 365 - a ordem do absoluto que, por sua vez, quando manifesta implica uma dissolução na ordem universal. A verdade, coincide para Artaud com a Vida – o que se move sob as formas e sob o conhecido, o cerne frágil que as formas nunca alcançam 366, a-representacional.

362

J-J. Lebel, El Happening, Buenos Aires, 1966, p.8 Artaud deu particular atenção às pestes de 1502 e de 1720, estudando as suas origens e a sua história. 364 Antonin Artaud, O teatro e o seu duplo, Lisboa, 1996, p.25 365 Id.ibid., p.26 366 Id.ibid., p. 15 363

121

Ao teatro renovado cabe o papel mediador

em função do qual

um implicito

aprofundamento e uma agudização do estado perceptivo da sensibilidade - esse que é o objectivo da magia e dos ritos, de que o teatro é apenas um reflexo 367, determinam uma nova relação não operativa com a realidade.

À semelhança da peste a arte é dotada de acordo com Artaud, de um poder catalizador, nomeadamente sobre as colectividades – entre as quais esta se apodera das imagens que estão dormentes, uma desordem latente, e expande-as, de súbito, nos gestos mais extremos; também o teatro toma os gestos e os impele até ao limite. Tal como a peste, o teatro refunde todas as ligações entre o que é e o que não é, entre a virtualidade do possível e o que já existe na natureza materializada 368.

É a partir das possibilidades por uma arte investida de tais poderes que se desenha a concepção de uma vida renovada pelo teatro, no sentido de uma totalidade. Porque, o que importa verdadeiramente, diz Artaud, é romper a sujeição do teatro ao texto e recuperar a noção duma espécie de linguagem única a meio caminho entre o gesto e o pensamento 369. Uma existência renovada em função de uma arte que assume um papel redentor de uma existência privada da condição de totalidade – o teatro cujo sentido se reveste da vida em que o homem, sem receio, se torne senhor do que ainda não existe e lhe dê existência. Uma nova condição de existência gerada da aniquilação das formas e da conduta mantida num grau de superficialidade operativa - uma nova condição onde o conhecido seja esgotado, consumido e em que somente da destruição e daquilo que é extremo se possa gerar o que é novo. A tudo o que não nasceu pode ainda ser dada vida, se não nos contentarmos com permanecermos meros organismos com funções de registo 370.

O que Artaud propõe por via do teatro renovado é uma nova condição de existência gerada da aniquilação das formas e da conduta mantida num grau de superficialidade operativa –

367

Id.ibid., p. 89 Id.ibid., p.28 369 Id.ibid., p. 87. 370 Id.ibid., p.15. 368

122

uma nova condição onde o conhecido seja esgotado, consumido e em que somente da destruição e daquilo que é extremo se possa gerar o que é novo. Porque, o teatro é o tempo do mal, por excelência, o triunfo dos poderes obscuros que são alimentados por um poder ainda mais profundo, até à extinção 371 . Esta é a subversão que Artaud propõe ao teatro, à poesia, à cultura e, no limite à vida do século XX. É este o eixo que Lebel aponta como a base da arte libertária desse mesmo século: são estes os pressupostos que orientaram, anos mais tarde as suas formulações teóricas sobre o happening e performance. Este é o eixo da coincidencia entre arte e a vida, instituido pela operacionalização do mecanismo performance na correlativa coincidencia entre enquadramento e atitude e afirmação de positividade por meio de um processo negativo. Na base da possível transformação proposta por Artaud está a acção.

Ao agir no teatro corresponde, segundo Artaud,

um

momento de revelação -

da

exteriorização do que é intimo e profundo, daquela que se parece definir como a única liberdade possível cuja manifestação primeira é a

crueldade. Trata-se de dar à

representação teatral o aspecto duma fogueira devoradora, de levar, pelo menos uma vez ao longo do espectaculo, a acção, as situações, as imagens, àquele grau de incandescência implacável que no domínio psicológico ou cósmico se identifica com a crueldade 372 . Esta última que é a condição de toda a acção, como o escreve numa carta de 13 de Setembro de 1932: o que a crueldade significa, do ponto de vista do espírito é o rigor e a lucidez – é o domínio de uma consciência particularmente aguda, um impulso vital 373 que atravessa toda a existência. A crueldade que significa uma descida às profundezas e ao que é realmente, o domínio das forças negras e vitais. Condição de toda a acção é, como verificámos, o jogo das repetições nuas e das repetições vestidas. É por meio da acção que o teatro deve afectar de modo directo, a sensibilidade. Para isso – para que a acção tenha lugar, Artaud propõe a anulação do enquadramento fisíco da acção no palco. Propõe que tanto o palco como a sala sejam suprimidos, para que a acção se defina em uma espécie de local único, sem separações nem barreiras de nenhuma espécie e que se tornará precisamente o teatro da acção. Será restabelecida uma 371

Id.ibid., p. 31 Id.ibid., p. 87. 373 Id.ibid., p. 95 372

123

comunicação directa entre o espectador e o espectáculo, entre o actor e o espectador, pelo facto de o espectador colocado no meio da acção, ser por ela envolvido e trabalhado 374.

Qualquer local passa a ser adequado para que o que é o teatro possa acontecer, não sendo por isso necessário um palco ou um cenário, nem tampouco que sejam representados textos. O Artaud pretende é a definição de teatro enquanto uma acção directa dos temas, factos ou obras conhecidas 375 no sentido da criação de um espectáculo

de natureza integral,

fundado, naturalmente, na crueldade – a condição de toda a acção, ou natureza de todas as coisas. Desta forma, um teatro da crueldade -

crê Artaud,

é o domínio gerador de uma

consciência particular, de um impulso vital que desperta e revela no sentido de uma existência de carácter integral: de uma vida renovada pelo teatro onde cada um tem o poder de criar e trazer à existência o que ainda não nasceu, em virtude da superação de uma condição de mero organismo com funções de registo 376, por meio de um teatro que é esse no qual as imagens fisicas violentas esmagem e hipnotizem a sensibilidade do espectador apanhado pelo teatro como por um remoinho de forças superiores. Um teatro, que, ao abandonar a psicologia, relata o extraordinário, leva à cena conflitos naturais, forças naturais e subtis, e se apresenta acima de tudo, como uma força excepcional de derivação 377 . No limite, o teatro da crueldade funciona opera de acordo com uma lógica semelhante à do mecanismo performance. 4.3.3.

Derivação

Na Lettre ouvert au regardeur, de 1966, Lebel defendeu que o happening traduziria o resultado da revisão integral do conceito de obra, em virtude da cooperação que institui entre criador e espectador.

374

Id.ibid., 93-94 Id.ibid., p. 95 376 Id.ibid., p. 15 377 Id.ibid., p.81 375

124

Definindo-o como uma estrutura aberta ou um campo ilimitado de possibilidades intervenções- , o happening é como Lebel o deseja e pratica, um domínio de errância, do transbordar das belas artes sobre a vida: fazendo apelo às técnicas até agora dissociadas e tidas como incompativeis; fazendo do espectador um receptor activamente comprometido num apanhado de polivalencias - uma espécie de criador dotado de múltiplos modos de percepção e ligação em simultâneo; fazendo do autor um intercessor, um piloto; sendo tirado

colectivamente de

um fundo

psiquico

supra-individual;

recusando-se a

despersonalizar-se em virtude da integração numa cultura reduzida aos bens de consumo; enfim, termina Lebel: concebe-se como abertura do ser, como experiência psico-física e não como industria 378. Nesta medida Lebel afirma o happening como uma forma de combate de

preemencia

vital, definido com o objectivo claro da revelação de tudo o que se encontra oculto, por meio da libertação das forças inconscientes e de definição de um novo estado perceptivo ou, como Lebel lhe chamou – de uma revolução do sistema perceptivo 379 com ponto de partida na tranformação do ser 380. Lebel retoma a proposta de Artaud - lembra a necessidade da renovação pelo único meio pelo qual esta é possivel: a sensibilidade. Lebel fala do desvelamento da natureza do inconsciente enquanto território deixado intacto pelo zelo da norma e do estabelecido, enquanto domínio e da origem do próprio processo artístico – o território do fluxo libertário selvagem do inconsciente de ele vem, é, como eu o vejo, na origem de todo o processo artístico 381, onde por meio da acção, é revelado. E aquilo a que Artaud chamou crueldade.

No limite, trata-se como Artaud pretendeu - e Lebel retoma essa pretensão evolvendo-a no contexto da sociedade industrial que conhece - de redefinir o lugar social da arte e a sua função no sentido de uma renovação. Para nós, diz Lebel, hoje, mais do que nunca tratase de reconquistar a função mágica pela qual a arte foi expulsa pela civilização tecnocrática e a industrialização da cultura 382.

378

J-J. Lebel in J-J. Lebel e Arnaud Labelle-Rojoux, Op.cit., p.119 J-J. Lebel, Lette ouvert au regardeur, in Id.ibid., p.119 380 Id ibid., p.119 381 Id ibid.,. 82 382 Id.ibid., p. 17 379

125

Trata-se pois de evocar e tornar experienciaveis as forças motrizes da vida, do inconsciente e de cada ser, na arte. Trata-se por isso mesmo - como se tratou para Artaud, de instaurar esse combate em torno das proibições cuja violação é, para a arte actual, uma questão de vida ou de morte 383. E para que tal combate - que visa a superação da crise instaurada pela mediação industrializada da relação arte/vida, por meio da instauração de um estado extremo de crise gerado da violação da norma e do instituido pela evocação de tudo o que se funda nos limites, num retorno aos instintos – sobretudo o instinto de vida 384 . Lebel propõe a radicalização dos limites que enquadram a diagnosticada crise com o objectivo da superação dos seus fundamentos originários. Tal como acontece com o Teatro da Crueldade de Artaud, Lebel propõe a instauração no seio da vida e com os seus próprios meios, dispositivos ready-made, de uma situação extrema – onde no cenário do conhecido se instaure o conflito - a situação limite cujo potencial gera mudança. Como uma peste. Nesse sentido, Lebel empreende sobre a dinâmica da derivação, na obra Le Happening 385 uma definição dessa forma de combate. O happening, disse-o numa entrevista a Arnaud Labelle-Roujoux, nasceu de um contexto de crise – ou antes, de uma confluência de crises. Definidas relativamente ao mundo artístico e o seu enraizamento no universo social – em relação a uma pintura que parecia inteiramente canalizada no sistema dos salons (...), das galerias, dos museus - quer dizer do ciclo infernal do mercado, relativamente ao movimento surrealista,

à possibilidade de crise que as primeiras vanguardas haviam

deixado latente e, ainda, à crise

gerada do contexto social e político onde o racismo, o

colonialismo, a Guerra da Algéria se definiam como realidades muito presentes 386. O happening corresponde para Lebel à procura de um estado inicial das coisas, uma natureza selvagem da arte e do acto criativo – de uma necessidade de deserção, de

383

Id.ibid., p.13 Id.ibid., p. 38 385 J-J. Lebel, El Happening, Buenos Aires, 1966. 386 J-J. Lebel in J-J. Lebel e Arnaud Labelle.Rojoux, Op. cit., , p.44 e também na p. 52 onde retoma este assunto. 384

126

nomadizar, partir para lá das fronteiras e das normas, aí onde as leis do mercado não têm mais curso, aí onde só conta a intensidade da viagem 387. Na base estratégica deste combate está, por sua vez, a intervenção directa na realidade, enquanto um meio de expressão directa e sem intermediários 388 – numa atitude que postula um laço profundo entre o vivido e o alucinatório, o real e o imaginário 389, implicando o envolvimento num só momento de todos os domínios da existência. Conscientes e inconscientes.

Assim, happening como Lebel o defende, consiste ao modo de uma transgressão, uma intromissão disruptiva no sistema da normalidade – um virus libertário 390, actuante ao nível do inconsciente, em momentos únicos de intensidade nos quais se revelam as relações profundas entre cada um e a realidade. Esta posição influênciará radicalmente a prática da performance em Portugal. Um happening poderá ser assim, diz Lebel, todo o acontecimento percebido e vivido por muitas pessoas como uma superação dos limites do real e do imaginário, do psiquico e do social 391.

Verificamos a partir dos textos redigidos por Lebel na década de 60 acerca do happening, que este

procura a partir das premissas de Artaud, tecer as implicações da formula

happening no sentido de uma implicação social e espiritual. O seus fins assumem os contornos de uma demanda política, e aí esta forma de arte passa a ser dotada de um conteúdo que esta desconhecia ainda na sua definição primeira, em território americano.

Ao happening enquanto combate, correspondem segundo Lebel algumas características essenciais. Características que

ultrapassam implicações meramente artísticas ou estéticas – são

vocacionadas e definem-se actuantes no plano da realidade social, são relativas a problemas de natureza social. 387

Id. Ibid., p. 55 J-J. Lebel, El Happening, Buenos Aires, 1966, p. 26 389 Id.ibid., p. 19 390 J-J. Lebel, Le Happening, virus libertaire,1989, in J-J. Lebel e Arnaud Labelle-Rojoux, Op.cit., p156-157. 391 Id.ibid., p. 28 388

127

Assim, se o combate encetado pelo happening se dirige a tudo o que na sociedade se assume como

uma proibição, uma limitação ou uma norma, a primeira destas

características prende-se com a reinvindicação do livre funcionamento da criação – isenta da normatividade do gosto ou das regras de mercado. Por conseguinte, implica a recusa de políticas culturais de carácter lucrativo e formadoras de opinião. No limite, o combate empreendido visa a abolição da aberrante relação do sujeito e do objecto ( observador/observado,explorador/explorado,espectador/actor,

colonizador/colonizado,

alieanador/alienado, legalidade/ilegalidade, etc.), separação frontal que até aqui domina e condiciona toda a arte moderna 392. Por sua vez, em território europeu será uma companhia de teatro americana quem desenvolverá, a partir de 1964 a exploração profunda das premissas artaudianas – o Living theatre fundado por Judith Malina e Julian Beck, esilado na Europa desde 1964.

Em 1964, aquando do convite para a realização de uma performance de beneficiencia no American Students and Artists Center em Paris, estes grupo que trabalhara antes sobre e a partir do texto, começa a trabalhar sobre os seus exercícios de actuação. O resultado foi o Mysteries – And Smaller Pieces. Não era uma peça. Não tinha script e virtualmente não tinha diálogo. Foi criado por Beck e Malina e pela Companhia ela própria. Em séries de oito, nove, dez cenas, baseou-se nos escritos do teórico de teatro Antonin Artaud.(...) Beck e Malina descreveram os Mysteries como “séries de acontecimentos teatrais que exploram todos os sentidos físicos, localizando simultaneamente os defeitos e glorias fisicas no presente estado do homem 393. O objectivo era claro: eliminar o guião e o director de cena do teatro. Consequentemente, os Living theatre criaram situações onde público se misturou com actores, em momentos de verdadeira criação em intensidade, pela exploração dos limites. A partir de então, o Living theatre não voltou mais a trabalhar em teatros convencionais.

392

Id.ibid., p .13 Martin Gottfried, “ Revolutionaries – The living theatre”, 9 de setembro de 1966 in Opening Nights – theater criticism of the sixties, Nova Iorque, 1968, p. 332. 393

128

Pela mão de Ernesto de Sousa, o Living theater catalizou situações em Portugal, no ano de 1977, no contexto da programação afecta à exposição por Ernesto comissariada, a Alternativa 0. 5.

Ernesto de Sousa e Egídio Álvaro

Ao despontar dos primeiros anos de 70, correspondem os primeiros passos dados por Ernesto de Sousa no sentido do território relativo ao processo de expansão. Assumindo um papel chave na dinamização do meio artístico português destas décadas, Ernesto agitou metodologicamente, o experimentalismo em Portugal. A ele se deve o fomento

de

oportunidades,

uma

das

fontes

para

o

conhecimento 394,

lembra

retrospectivamente Manoel Barbosa em entrevista.

Este crítico cujo percurso

se polariza entre um discurso de tónica neo-realista

e o

alinhamento pelas propostas e ideias definidas a partir de 60 pelo paradigma conceptual, traduzindo-se

no que Miguel Wandshneider defendeu como correspondendo a uma

descontinuidade biográfica implicando uma radical reconversão de gosto 395, encontrando uma descontinuidade sob a aparência da continuidade 396. Posição esta problematizada em Dissertação de Mestrado por Mariana Santos 397 e refutada por João Fernandes e Miguel Leal 398 em momentos distintos, definirá o contraponto da actividade - no domínio do 394

Manoel Barbosa, Entrevistado em Agosto de 2004. Miguel Wandschneider e Maria Helena de Freitas ( Coord. ), “Descontinuidade biográfica e a invenção do autor” in Ernesto de Sousa/Revolutiion My Body, 1998, pp.14-24, p.14. 396 Mariana de Lemos Pinto dos Santos, Percurso teórico de Ernesto de Sousa. Vanguarda e outras Loas. Dissertação de Mestrado em história da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2003., p.5 397 Mariana de Lemos Pinto dos Santos, Percurso teórico de Ernesto de Sousa. Vanguarda e outras Loas. Dissertação de Mestrado em história da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2003. Tendo por base o trabalho de Miguel Wandshneider no catálogo Ernesto de Sousa – Revolution My Body, editado aquando da exposição com o mesmo nome na Fundação Calouste Gulbenkian em 1998, Mariana Santos debruça-se sobre essa suposta descontinuidade biográfica em Ernesto de Sousan procurando analisar e estabelecer a partir da noção de “auto-invenção do autor” em Wandshneider uma continuidade e fazer a ligação entre que parece ser inconciliavel. Nomeadamente, ao reivinicar a vanguarda dos anos 70 como herdeira das propostas neo-realistas. p. 6. 398 Comparação sublinhada por Mariana Santos na tese acima citada, desenvolvida nos trabalhos de João Fernandes “ Perspectiva, Alternativa Zero vinte anos depois”, Perspectiva, Alternativa Zero, Porto, 1997 e Miguel Leal, Desmembramento, desmaterialização, reconstrução: para uma abordagem às mutações do conceito de escultura na arte portuguesa entre 1968 e 1977, Dissertação de Mestrado em História da Arte em Portugal, Faculdade de Letras do Porto, 1999. 395

129

alinhamento por propostas de vanguarda,

de um outro crítico cujo raio de acção se

desenha entre Paris e Portugal: Egídio Álvaro.

Se em Ernesto de Sousa podemos encontrar a partir de 1972 uma lúcida consciência do processo de expansão, num domínio que extravasa o performativo, reflectindo um projecto abrangente que se confunde - esse sim, com a sua própria biografia – o de um território onde e pretende cruzar a arte e a vida em festa – onde esta assume uma função social, pedagógica, será Egídio Álvaro quem essencialmente concentrará a dinâmica da sua tradução no performativo, definido notáveis focos de intensidade, desenhando linhas de abertura.

Ambos concentraram a responsabilidade de na altura se assumirem como os criticos e dinamizadores de arte mais activos em Portugal 399. Egídio Álvaro será responsável por um conjunto de eventos centrais na história deste medium em Portugal e por Portugueses. João Fernandes 400 define o contraponto definido pela actividade destes dois criticos enquanto uma dicotomia antinómica, devida a uma separação fundada no paradigma françês, que Egidio seguia em consequência dos seus contactos com o domínio da performance em França, e o paradigma internacional que Ernesto procurava materializar no contexto português, a partir das rupturas que descobrira no contacto com as novas linguagens conceptuais e pós-minimalistas presentes em exposições como Wen Attitudes Became Form e a Documenta V 401.

Posição refutada por Egídio Álvaro, para quem as noções de paradigma françês e paradigma internacional avançadas pelo João Fernandes são totalmente alheias à realidade. Nenhum destes existe 402. Considerar a referida antinomia, de acordo com os fundamentos adiantados por João Fernandes,

significa excluir França do palco das

propostas da vanguarda internacional.

399

João Fernandes in Confesso . Albuquerque Mendes, Fundação de Serralves, 2003, p.21 Id.ibid. 401 Id.ibid. 402 Egídio Álvaro entrevistado em Fevereiro de 2004, Lisboa. 400

130

Agindo a partir de Paris, onde chega em 1962 e de onde colabora regularmente com o Diário de Notícias, funda nessa capital em 1979 a Galeria Diagonal - espaço que traduz a efectivação da plataforma de conexão internacional, relação

entre o meio artístico português e

o meio

que vinha estabelecendo desde 1974 com o ciclo Perspectiva 74,

organizado na Galeria Dois de Jaime Isidoro no Porto. Em território português, Egidio Álvaro operacionalizará um conjunto de relações, acontecimentos e eventos que se definem paralelos à actividade de Ernesto de Sousa. Este, relacionado com o meio artístico internacional a partir de Portugal onde desenvolve trabalho critico e onde é mais suportado pelo poder político, artístico e cultural 403, fará perpassar o seu posicionamento estético e teórico numa linha menos operativa.

Numa carta endereçada a José Rodrigues e datada de 9 de Novembro de 1968 – uma década volvida sobre o primeiro happening de Kaprow, dada a conhecer no estudo subjacente à exposição Ernesto de Sousa/ Revolution My Body 404, por Maria Helena de Freitas e Miguel Wandshneider, Ernesto de Sousa fala de um projecto com pretensões de modificar a face da terra 405. E a este projecto de nome Clube de Ensaio 406 corresponde uma programação na qual o happening é incluído numa fiada de situações de convívio: os espectáculos, os bailes ( muito intelecuais), os happenings, e outras situações de convívio atrairão gente, e inclusive gente de massas 407. No ano seguinte refere, numa carta dada a conhecer no mesmo catálogo 408, o projecto de participação numa Exposição-Happening na Galeria Quadrante, em Lisboa, então dirigida por Artur Rosa. Tratava-se da Conferência-Objecto dos poetas visuais. Sob o tema da obsolescência e centrada na vanguarda, Ernesto de Sousa fala de uma Exposição mutável 403

Manoel Barbosa Entrevistado em Agosto de 2004, Lisboa, p.4 in Ernesto de Sousa/Revolution My Body, FCG-CAM, Lisboa, Junho de 1998 405 Id.ibid., p73. 406 Cfr Ernesto de Sousa na carta a José Rodrigues in Id.ibid., p. 73. Que deveria ter lugar no edificio devoluto de uma fábrica falida em Sintra, Rio de Mouro, onde se prope instalar um estudio de fotografia, uma sala para teatro experimental, sessões de cinema, uma sala para esculura de grande formato e constituirse como o primeiro museu de arte moderna em Portugal. 407 Miguel Wandshneider e Maria Helena de Freitas (coord.) Ernesto de Sousa – revolution My body, FCGCAM, Lisboa, Junho de 1998, p. 73 408 Id.ibid., p. 74 e 75 404

131

(o próprio público se encarregará das mutações), acontecimentos ( com tiros, “música”, etc.)... 409.

De nenhuma das duas cartas poderemos concluir ao que Ernesto se pretende referir ao utilizar a palavra happening, no entanto percebemos que se associam a situações que se pretendem disruptivas relativamente ao meio cultural estabelecido, que implicam

a

participação e intervenção, aquilo que de acordo cm uma expressão que forjará anos mais tarde, se poderia enquadrar numa criação de situações 410.

Em 1971, numa carta endereçada ao mesmo José Rodrigues, Ernesto fala na vontade de realizar um happening a sério, para o qual contaria com a participação de Jorge Peixinho, a decorrer numa qualquer praia nos arredores de lisboa e para o qual procura evitar o titulo happening, de forma a evitar compromissos com formas algures já verificadas 411. Propõe por isso o nome ENCONTRO PARA UM RITUAL. Com este, retoma a vontade enunciada aquando do projecto em Sintra: de reunir Lisboa e Porto nesse acontecimento, diluindo a atomização do meio artístico nacional. Pouco tempo depois Ernesto falará da importância do ritual como festa, para a qual enquanto rotura, tende a arte de vanguarda.

Num artigo de titulo Performar, publicado na revista Opção em 1978, Ernesto de Sousa avança, partindo do termo performance, uma síntese do que afirma ser o sentido comum das performing arts. Por entre o intrincado conjunto de interferências poéticas – num tipo de escrita que de acordo com a divisão proposta por Isabel Alves e José Miranda Justo na antologia de textos de Ernesto de Sousa Ser Moderno...Em Portugal 412 caberia na vertente c) ou seja, uma combinação da a) vertente reflexiva, mais teorizante e a b) a vertente poética, mais 409

Ernesto de Sousa, “Carta a Bartolomeu Cid dos Santos, Lisboa, Janeiro de 1969 in Id.ibid. Expressão que se tornará querida a Ernesto de Sousa, nomeadamente aquando da exposição de 1977 Alternativa 0. Adiante debruçar-nos-emos sobre esta situação. Ernesto de Sousa, “ Alternativa 0 - uma criação consciente de situações” in Colóquio Artes, nº31, 2ª série, Fevereiro de 1977, p.45-53, p.45. 411 Ernesto de Sousa in Miguel Wandshneider e Maria Helena de Freitas (coord.) Ernesto de Sousa – revolution My body, FCG-CAM, Lisboa, Junho de 1998, p.80 412 Isabel Alves e José Miranda Justo (org.), Ernesto de Sousa, Ser moderno.... em portugal, Lisboa 1998, p. 10 410

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fragmentária, por vezes aparentada com escrita “imediata” 413 - Ernesto de Sousa, já familiarizado com os pressupostos teóricos e com as práticas da vanguarda internacional, associa o termo performance ao desempenho-de- um-designio , de um “papel” no teatro, no circo ou na vida 414. Contextualizando-o ainda

nos meios de vanguarda onde a

utilização remeteria para uma globalidade a que chama as artes da acção, lúdicas ou ainda da festa 415.

Fiel à sua aproximação ao conceito de vanguarda, Ernesto de Sousa filia a qualidade estética destas artes a uma mesma raiz na qual se

fundam os movimentos sociais

revolucionários - do Maio de 68, da actuação dos Provos em Amesterdão e durante dois anos em Portugal num acto de cumprir o que se pensara ou sonhara aqui e agora 416. O

acto performativo, o performar associado a uma qualidade estética, dá corpo a uma

ideologia utópica e revolucionária - que institui o sonhado num presente – como se o acontecer contivesse todo o acontecimento, todo o consenso, todo o futuro 417 . Se a realidade contemporânea é catastrófica, numa condição revelada pela sintomatologia da subversão dos conceitos e definições, pela aceleração das vanguardas de uma nova forma de memória a que corresponde um particular registo da memória, há uma forma de arte que propõe a superação desta. Esse é o sentido comum das performing arts

às quais

corresponde uma actividade estética que é a da investigação dos limites. Do que nos limita, aqui e agora. A pretexto de um esclarecimento sobre o performar, encontramos neste texto uma síntese dos vectores que vinham sustentando o discurso de Ernesto de Sousa relativo às vanguardas.

No entanto, a sua consciência das implicações da performance na radicalização dos processos, meios e conceitos é algo difusa.

413

Id.ibid, p.10 Ernesto de Sousa, “Performar” in Opção, Maio de 1978, p.40 415 Id ibid. 416 Id.ibid. 417 Id.ibid. 414

133

É num texto sobre João Vieira: Da letra ao texto/ do texto ao contexto: João Vieira 418 , publicado no ano seguinte na revista Colóquio Artes, que Ernesto

procura esclarecer o

termo performance, numa arrumação histórica do processo de expansão que lhe está associado. Mas limita-se a enunciar os termos e nomes afectos ao que verificámos coincidir com a complexa mistura experimental de 60, enraizando-os em Artaud. Contextualizando a palavra no universo das artes-de-acção, Ernesto de Sousa recua à fixação de Duchamp na América, aponta a action painting de Pollock e o environment.

Mas não os explica,

indica com enfase o nome de Kaprow e o que designa por

“movimento” happening para concluir: no conjunto das experiências tendia-se para uma arte mais participante e ambiental, feita por todos. Diminuir a distância entre a arte e a vida – era o denominador comum das diversas declarações. (...) . A obra interessava cada vez menos em si própria: transformava-se em processo: o objecto em projecto. As atitudes tomavam forma e, na confluência de certas descobertas conceptuais, minimais ou da arte povera, a etética da não-obra precisava-se como arte pós-objectual, pós-representativa e pós-perceptiva. Ernesto contextualiza, não problematiza, não explora teóricamente como o fizera pontualmente para explicar o indissociavel da vanguarda, o que designámos por processo de expansão.

E a arte de vanguarda - em Ernesto nos artigos de 70, é uma arte que se associa à fundação de um novo momento, um começar – um zero, enquanto única atitude revolucionária.

Em 1972 no artigo o Estado Zero, Encontro com Joseph Beuys, Ernesto fala, seguindo Robert Filliou, de um possível estado de criação permanente, correlativo à anulação dos desejos e à anulação dos objectos: a dupla vertente por meio da qual as roturas na arte moderna justificam o postulado de Hegel “ o desejo devora os objectos”. Fundando-se no momento referêncial de 1919 – Duchamp põe bigodes na Gioconda, a história da arte sofre uma conversão no sentido de uma arte necessária.

418

Ernesto de Sousa, “Da letra ao texto/ do texto ao contexto: João Vieira”, Colóquio Artes, nº 42, Setembro de 1979, p.

134

Essa arte necessária corresponde ao estado zero, uma nova pedagogia ou uma utopia com uma saída possível que se traduz numa técnica de solidariedade, de reconciliação: reconciliar a parte e o todo, buscar a energia essencial de todas as acções, renunciar a toda a acummulação artística superfula dos ultimos séculos ( indiferença estética) afirmação de uma nova valência estética, uma arte necessária.

Esta implica, assim, a radical positividade que encontramos explicada na aproximação de José Miranda Justo ao zero em Ernesto de Sousa. Este evoca também a positividade que permeia o zero teorizado por Ernesto de Sousa, mas determinada sobre o binómio tradiçãoaventura.

Trata-se aí de um zero positivo,

desemboca no começo da infinidade dos números

naturais. Mas também na certeza de que esse zero é o sinal da radical presença a um tempo e um ligar, a um “agora e aqui” 419, afirma José Miranda Justo. Evocando no sistema relacional que impõe sempre uma estrutura em função da qual existe enquanto zero positivo – que impõe o “começar” a percorrer a sequência dos números naturais. Esta sequência dos números naturais e uma “estrutura fixa”. Uma estrutura, é sociológicamente falando uma tradição, um dispositivo de leitura do mundo julgado conviniente 420, José Miranda Justo conclui que é de uma abertura que se trata essa positividade. Dado que conclui, que se a “estrutura” é a “tradição”, então a tradição, sem se desmantelar, está em cada momento não só aberta à sua própria reinterpretação indeterminada (livre), mas também aberta à infinidade das conotações possíveis, que é como quem diz, aberta à “aventura” 421. Ou seja, mantendo-se o sistema de representação necessáriamente cedido pelo passado – a estrutura, cada momento pressupõe ou possibilita a equação sobre esses pressupostos de uma revelação, uma aventura. Essa encerra a positividade de que temos vindo a falar ao longo desta reflexão: matar as palavras, matar os símbolos, redução a zero 422. 419

José Miranda Justo, “ Posfacio – Ernesto de Sousa: “o fim do Mundo” ou depois da tautologia” in Isabel Alves e José Miranda Justo (org.), Ernesto de Sousa, Ser moderno.... em portugal, Lisboa 1998, p.295 420 Id.ibid., p.295 421 Id.ibid. p. 295 422 Ernesto de Sousa in Miguel Wandshneider e Maria Helena de Freitas (coord.) Ernesto de Sousa – revolution My body, FCG-CAM, Lisboa, Junho de 1998, p.92

135

A indiferença, para essa foi Duchamp quem abriu todas a possibilidades no seu acto, oferecendo por contrapartida a opção, logo uma liberdade, diz Ernesto. E se essa indiferença corresponde a uma afirmação de tudo em tudo, caracteriza-a dois modos operatórios: um passivo e outro activo. O activo, que se opõe ao primeiro enquanto trabalho a quente versus trabalho a frio, opera por meio da festa : pertencem-lhe os happenings e a criação de situações diversas, atitudes compremetedoras: a revalorização do jogo e do risco ( tautológico).A participação e a anulação das diferenças entre “ actor e espectados” são objectivos imediatos.

Essa nova pedagogia é fornecida pela vanguarda, di-lo no ano seguinte no artigo os 100 dias da 5ª Documenta. A indiferença postulada no artigo do ano anterior traduz-se neste artigo, na afectação da vanguarda à recusa das relações culturizadas e mortas do sistema, à qual essa opõe um novo estar no mundo. Essa é a nova pedagogia que Ernesto reconhece nas directrizes da vanguarda ( fim dos exclusivismos, humor, participaçao, libertação formal, valorização do efémero, repensamento do meio envolvente e suas relações, estudo do corpo próprio, ludificação, utilização consciente e prática – não utopia, investigação do tempo existencial, estetização da investigação autobiográfica), por meio das quais se torna possível uma reinvenção da FESTA e a activa participação,

cujo reverso é a morte da obra de arte como

comprometimento e disfrute minoritário. A Festa empreende a concretização da utopia, traduz a rotura com os sistemas fechados e as linguagens contaminadas, implica o diálogo e a permanente transformação, a comunicação e a participação num sistema semânticamente a-hierárquico. Por conseguinte, é a arte vanguarda que se assume como uma tendência para a rotura 423 no contexto do que vimos a entender como a complexa mistura experimental dos 60 e na sua continuidade pela década de 70, e que justifica a sua dedicação e representa para Ernesto de Sousa todas as necessidades de uma sociedade revolucionária, di-lo em 423

Ernesto de Sousa, “A ordem o acaso e a festa” in Vida Mundial, 13 de Março de 1975, p.43.

136

entrevista ao Diário Popular - O meu interesse pelas actividades de vanguarda, em matéria de Arte, está ligada a uma preocupação revolucionária.

No artigo A Ordem, o Acaso e a Festa, publicado em 1975 na revista Vida Mundial, Ernesto parte da referência a-critica e não desenvolvida à Obra Aberta de Umberto Eco para, ao fundamentar-se na desaparição da ideia de centro, no fim da ideia de ordem, na morte de deus ( Hegel) e na dessacralização, defender a ideia de um único presente ao qual se impõe a ideia de começar enquanto única realidade revolucionária, como anteriormente citámos já. Este implica o fim do naturalismo e o fim do (antigo) humanismo. Neste artigo, Ernesto procura defender que somente a prática estética de vanguarda contribuirá para o estabelecimento de uma política revolucionária, elencando um conjunto de postulados segundo os quais a caracteriza. Estes não são mais do que uma descrição das linhas gerais da prática artística da vanguarda do segundo pós-guerra. E o zero, o começo, representa a possibilidade da fundação por meio da arte, de situações cujas regras se joguem face às combinatórias nestas presentes: constituindo por isso, também e no legado do gesto de Duchamp e consequente indiferença, uma descoberta do presente negando o a priorismo de que – cada olhar sobre o mundo é já uma teoria, e portanto contém um assassinato – na prática – de todo o presente 424.

Tal pressupõe a radical linha de força que atravessa a vanguarda:

a pretensão do

alargamento do campo de abrangência da arte à própria vida à qual subjaz uma descoberta de um estado zero por via de uma radical expansão. Ecoam as palavras de Kaprow, que no citado artigo de 1958 (The legacy of Jackson Pollock), delimitou os contornos

da década de 60 – segundo aquilo que chamou as

alquimias dos 60’s. Estas determinariam o perfil desse momento no qual Kaprow escreve que os jovens artistas de hoje já não precisam de dizer “eu sou um pintor o “um poeta” ou um “bailarino”. Eles são simplesmente artistas. (Porque) tudo na vida estará

424

para eles

Ernesto de Sousa, “Alternativa 0” in Isabel Alves e José Miranda Justo (org.), Ernesto de Sousa, Ser moderno.... em portugal, Lisboa 1998, p. 73

137

aberto. Eles vão descobrir a partir das coisas comuns o significado da normalidade. E não vão tentar torna-las extraordinárias, mas irão apenas constatar o seu real significado 425 .

Processo de revelação de uma positividade.

Ao qual em 1989, sob a interrogação Oralidade, futuro da Arte? Ernesto dedica uma aproximação no artigo editado na 81ª edição da revista Colóquio Artes. Às consequências da compreensão do qual, para a compreensão da modernidade atribui uma hipotética importância comparável à descoberta que o heliocentrismo teve para a sua época. Asssumindo o processo inerente ao ready-made a capacidade da descoberta do estético naquilo onde não é suposto existir, entre o que é estético e o que não é, entre objectos naturais e objectos fabricados, apropriados uns e outros pelo e para o homem, este traduz-se não só no que define por um saber absoluto, um saber em acção, como no que designa por glorificação do anti-acaso (o a instalação de acasos objectivos) 426.

Será Egídio Álvaro o agente responsável a partir de 1974 pela dinamização das propostas artísticas portuguesas que à luz do discurso de Ernesto, se afirmariam festivas. Como pela teia dos factos veremos, Ernesto de Sousa assume a responsabilidade por alguns momentos de intensidade, notáveis, é certo, mas sem capacidade de gerar efectivas linhas de abertura no sentido de uma continuidade, como sucedeu com os eventos programados por Egídio. Uma história das situações que propiciaram desenvolvimento e manifestação de linhas de abertura no processo de expansão radicado na performance, em Portugal, é tecida, quase exclusivamente pela sua actividade, tal como o seu esclarecimento pelos textos 427 e catálogos que redigiu e organizou. 425

Allan Kaprow, “The Legacy of Jackson Pollock”in Op.cit., p.9. Ernesto de Sousa, “Oralidade, futuro da Arte”, in Colóquio Artes, nº 81, Junho de 1989, p...... 427 Textos de Egídio Álvaro acerca da Performance: 1979: performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au portugal, Paris; le temps du rituel paien, Apresentado à Université du MirailToulouse; 1981: performances – Diagonale, Paris; 1982: Créativité sans frontiéres, Intervention 2, Paris; Lár est dangereux, Alternativa 3, Almada; 1983: Performances au feminin; maison de la culture de Rennes; 1984: La performance est olymorphe, art is action, Kassel; La performance Portugaise, Centre Georges Pompidou, Paris; 1985: Trois Festivals, Interface 1; Paris; Le rasoir sur la peau, Susanne Krist, Interface 1 , Paris; 1987: Rotterdam- Cascais, Interface 2; Paris; la performance – un dialogue en Direct, Alternativa 5, Porto; 1988:L’art de la performance: une revolution du regard, ligeia, nº2, Paris; 1990: Les languages du corps dans 426

138

A sua posição relativamente ao meio cultural e artístico português - tomada a partir do exterior, é critica e discordante. Assumida publicamente desde 1972 no texto que assina para o catálogo da EXPO AICA 72, atravessa depois a tónica que delimita todo seu discurso relativo à realidade portuguesa. Nomeadamente no que concerne ao núcleo de críticos associados à AICA portuguesa dado que – as suas escolhas eram muito diferentes das minhas. Eles alinhavam pelas repercursões em Portugal da arte internacional conhecida pelas revistas. Eu defendi então a emergência de uma arte regional, ligada às características culturais de cada país 428.

Esta posição aglutinará outros críticos-artistas portugueses no projecto encetado a partir de 1973 na revista Artes Plásticas, nomeadamente Rocha de Sousa e Lima de Freitas, sendo curioso notar que Egídio a assume essencialmente em textos produzidos para Portugal. É no artigo “Salão da Critica” editado no quarto número desta revista, datado de Junho de 1974 429 que este sistematiza em três situações um diagnóstico da crítica portuguesa.

Assumindo que em qualquer uma destas situações o discurso tende a cortar a arte da cultura, a conceder-lhe um estatuto ora menor ora hiperatrofiado, a atribuir-lhe uma função caricata ou deprimente 430, e tomando coordenadas que haviam já orientado Rocha de Sousa em 1973 no artigo “Distribuição da Arte” publicado no mesmo periódico 431 -, situa estas três situações em: um terrenos estético, com a enumeração sábia e fastidiosa de correntes, tendências, nomes e a alusão velada à história da pintura no ocidente ( guardando sempre um respeitoso atraso de informação). O terreno económico, que comporta dois vectores: por uma lado vender, vender a todo o custo e o mais caro possível, la performance, Ligeia, nº7/8, Paris;1998: Diagonale/ espaçe critique, un combat culturel, Latitudes, nº4, Paris; L’art au portugal au landemain du 25 Avril, Latitudes, nº6, Paris. 428 Egídio Àlvaro, Entrevistado em Fevereiro de 2004, p.2 429 Egídio Álvaro, “ Salão da Crítica”in Artes Plásticas, Porto, 1974, p. 8-11. 430 Id.ibid, p. 8. 431 Rocha de Sousa, “ Distribuição da Arte” in Artes Plásticas, nº1, Porto, 1973, p. 4-5., onde afirma que a atenção da crítica, no que respeita às relações de produção dentro do sector das artes plásticas, tem sido principalmente dirigida para características estéticas dos objectos propostos ao consumo, numa base que se resolve sempre à margem da realidade socio-cultural portuguesa. Nesta medida, a crítica formou-se e desenvolveu-se entre nós a partir de uma necessidade de referência imediata à diversificação formal dos produtos, reflectindo sobre objectos que pareciam não conter respostas às condições de absorção do meio e cuja natureza decorria sobretudo de um número de dados culturais vindos do exterior., p. 4

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par assim aceder à riqueza material e à admiração (colorida pela inveja) dos colegas e outros; por outro lado, denunciar o impasse desta impossível feira de vaidades e de interesses. Um terceiro terreno, de mais profundas raizes, continua contudo a encontrar prosélitos: o terreno da revolução ou da acção 432.

A esta síntese deve juntar-se a critica dirigida aos supostos poderes velados que se movem sob a realidade cultural portuguesa. Poderes estes sujeitos a pequenos interesses e jogos de poder, no contexto de um poder decisório ditado por uma burguesia funcionalizada, actuante no sentido de uma atrofia da vitalidade e evolução cultural 433. Num país onde a actividade cultural empreendida por entidades responsáveis se define sobre uma conduta de características esquisofrénicas, alheia à realidade cultural do país ao ponto de suscitar no estrangeiro pela natureza dos seus projectos, uma risada geral de comiseração e o considerar-se Portugal como um país subdesenvolvido, apto a financiar como um grande, os projectos mais dementes, mais inadaptados às nossas realidades socio-culturais, mais afastados das nossas realidades 434 . O exemplo citado por Egídio remete para o grande projecto de uma exposição no Porto e em Lisboa do artista alemão Wolf Vostell, referida como veremos, por Ernesto de Sousa no seu artigo sobre o Fluxus, datado de 1978. As bases desta leitura crítica da situação cultural portuguesa são históricamente fundamentadas no texto que serve de introdução ao catálogo da exposição Identidade Cultural e Massificação , comissariada por Egídio na SNBA em 1977. Neste conclui que as teses que determinam as coordenadas da perspectivação histórica da arte portuguesa do século XX veiculam a ideia, a triste impressão de que tudo o que entre nós aconteceu ou foi produzido não passa, afinal, de uma projecção, de assimilação ( mal feita, na maioria dos casos, se acreditarmos nos cronistas)e de uma reestruturação de modelos estrangeiros sem verdadeira equivalência no nosso padrão cultural específico 435.

432

Egídio Álvaro, “ Salão da Crítica”in Artes Plásticas, Porto, 1974, p. 8-11, p. 8. Egídio Àlvaro, La performance Portugaise in Performance Portugaise, Centre Georges Pompidou, Paris, 1984, sp. 434 Egídio Àlvaro, “ Euforia do mercado, Entusiasmo revolucionário, desilusões e lucidez” in Figurações Intevenções, SNBA, Lisboa, Maio de 1980, p. 9. 435 Egidio Alvaro, Identidade cultural e Massificação, SNBA, Lisboa, Dezembro de 1977, sp. 433

140

O sentido único que Egidio atribui ao discurso destas teses tem origem - defende, em fenómenos facilmente detectáveis e situados na órbita da rara produção literária e critica acerca da matéria, sendo que a existente se assume, em virtude do aparelho conceptual a que se socorre, uma forma de apoio às próprias situações responsáveis por essa rarefacção: a ausência de dialogo e contestação; a manipulação inconsciente ou não dos dados históricos conhecidos, a tendência para

a redução da realidade às concepções da

daqueles que detêm o poder de circulação e de informação artísticas; estratégia de informação visando inflectir a prática artística no sentido das conviniencias e das previsões; eliminação, pelos meios mais variados, de toda a oposição de peso; exacerbação da necessidade colectiva de mitos, graças aos mass-media, às estruturas de perpetuação dos esquemas culturais estabilizantes e hipervalorização dos epigonos 436. Assumindo que a directriz conceptual desta exposição assenta na tentativa de revelação das características que determinam uma configuração de uma identidade cultural portuguesa, Egídio pretendeu assim e como um contraponto à situação que diagnostica como dominante, apresentar uma soma de indicios, um panorama daquilo que, na nossa cultura, pode constituir elemento concreto de “diferença” em relação ao exterior 437.

Face ao diagnóstico de um quadro sombrio, pintado pela actividade institucional e critica que nem a revolução de Abril consegui alterar - significando depois do momento de agitação um retorno ao mesmo, Egídio assume vir propor uma outra realidade com a qual se identifica e da qual assume responsabilidade.

No texto editado em 1979 onde documenta os Encontros Internacionais de Arte e os Ciclos de Arte Moderna no IADE – Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au Portugal 438, aponta que das alterações à realidade

vigente

impostas pela revolução decorreu também a criação, contra ventos e marés, de verdadeiros espaços de liberdade ou ilhas de resistencia activa à mediocridade institucionalizada (...). Continuando preemptóriamente – é nesses espaços de liberdade que vão tomar forma e

436

Id.ibid. Egidio Àlvaro, Identidade cultural e Massificação, SNBA, 1977. Sp. 438 Egídio Àlvaro, Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au Portugal, Lyon, 1979 437

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desenvolver-se iniciativas que permitirão, entre outras coisas, o surgimento de um território muito particular de expressão plástica onde a arte corporal, performances, rituais e intervenções de todos os géneros elaboram novas linguagens adaptadas às necessidades da sociedade em transformação e aos desejos e possibilidades dos artistas (...) 439.

Por conseguinte, Egídio assume e reinvindica a responsabilidade de ter transformado, a partir de 1974, um Portugal pleno de handicaps centenários numa placa giratória de intervenção no espaço urbano 440, e de facto, a responsabilidade cabe-lhe a ele.

Defendendo na década de 80 – quando acarreta já a responsabilidade da organização e criação de notáveis momentos conducentes à expressão do processo de expansão na arte portuguesa por meio da performance, que a performance é por excelência uma arte de intervenção no espaço e notavelmente de intervenção urbana, traduzindo uma necessidade por meio de uma linguagem nova capaz de quebrar os bloqueios da estrutura cultural existente, caracterizada pela acção directa do corpo num espaço 441.

Necessidade esta que se assume como uma necessidade maior face à qual a arte actual responde com a performance: toda uma corrente da arte actual se virou no sentido dessa necessidade maior: utilizar técnicas e suportes de expressão que permitam um verdadeiro contacto com a imaginação colectiva, um corpo a corpo com o tecido vivo da cidade 442, pois, como continua em 1982, com a performance no espaço urbano, são duas grandes linhas do pensamento contemporâneo que se juntam: essa que procura alargar o campo de intervenção do artista; aquela que quer definir um novo espaço colectivo do qual a arte não estará mais ausente 443. Ecoa as teorias de Marshal Mcluhan, ecoa as directrizes de coincidencia de arte com a vida reinvindicada pelas vanguardas e ecoa as posições de Lebel face à psicologia e imaginário colectivo. A viva voz o que verificamos é uma consciência efectiva das implicações da 439

Id.ibid. Id.ibid. 441 Egídio Álvaro, Performance Portugaise, Centre Georges Pompidou, 1984, sp. 442 Egidio Àlvaro, Performance Art dans la ville, Champy, 1982. 443 Id.ibid. 440

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performance no que designámos por processo de expansão, consignado na afirmação de que com a performance o artista cria o seu lugar e ai desenvolve acções que o transformam, que o transfiguram 444.

Numa análise retrospectiva, assinada por Egídio em 1988 na revista Ligeia de edição parisiense, consignada num artigo intitulado: L’art de la performance une revolution du regard que encontramos uma notável síntese da noção de performance. Neste artigo, o crítico esclarece as relações que se estabelecem entre os elementos componentes da performance, o espaço, o corpo do artista, a duração,

o público directamente

implicado na acção, e conteúdos na abertura de um novo .

Reconhecendo que existe uma zona tangencial, onde a performance se confunde no seu inicio com aquilo que temos vindo a incluir na complexa mistura experimental dos anos 60, - happening, fluxus, body art, a performance nos anos 70, corresponde ao que este critico afirma ser o fim da neutralidades. Impondo a dissolução da hegemonia da distância e da ausência enquanto vectores da experiência estética - Distância, mesmo quando o corpo estava presente (dança, teatro, momo), em graus diversos. Ausência quando, de forma clara. Se trata sobretudo de contemplar um produto ( quadro, escultura) - a performance que define tão objectivamente enquanto a acção efémera que se desenvolve numa duração exacta, assenta sobre um espaço complexo, requer a presença de um corpo agente, é alheia à sujeição a um conteúdo particular, comporta as suas próprias leis de duração temporal e abarca um público interventivo que se define enquanto um dos componentes da acção.

O espaço da performance é alimitado – ou melhor, os seus limites são os contidos na própria performance. Qualquer espaço abarca uma performance -

e o espaço da

performance abarca zonas de confluencia, nós de energia, sobrepondo um espaço material e um plano intangivel, definindo a acção e conduzindo a um processo de descoberta que modela o estado perceptivo requerido pela performance. Neste, o corpo mostra, agindo enquanto operador de passagens de códigos conhecidos para códigos, entre realidades sociais e realidades transbordantes. 444

Id.ibid.

143

E voltamos aos capitulos inciais - o corpo que age articula dispositivos ready-made na sua acção – o próprio corpo é um ready-made, diz-nos por outras palavras Egídio Àlvaro. E por isso logo conclui que as suas linguagens ( gestuais, fónicas, de vestuário, as suas atitides e tudo o que é não verbal e que passa por vezs pela sensualidade e pela cumplicidade) constituem os vectores de aproximação do real e disso que se tornará de seguida a performance. Á medida que se completa a sua trajectória, ele aprece como um revelador e como um transformador. Este corpo age na performance de acordo com uma duração correlativa a duas componentes: o programa e o ritmo. Se o ritmo é pessoal, o programa assenta em linhas de força, que orientam a acção. No texto les languages du corps dans la performance 445, o mesmo Egídio refere a supremacia que o papel do corpo adquiriu na performance relativamente ao papel que desempenhara na história da arte, por meio do qual a performance se torna uma ferramenta de descoberta – a performance não é um espectáculo é um gesto definitivo vivido em público, é uma constatação que define linhas de abertura. A revolução que a presença do corpo veicula na performance traduz-se, podemos concluir pelo texto de Egídio, em três pontos fundamentais: age como um catalizador e proporciona-se como suporte de novas linguagens. Em terceiro, subjaz-lhe uma nova liberdade que se traduz na dupla situação de: implicar um alargamento dos efeitos da comunicação bem como

um novo modo de

conceber a criação artística enquanto efémera, experiencial e não comercializável.

Consequentemente, encontramos na tripla vertente desta Segunda situação as motivações que permearam os focos de intensidade, nódolos que inscrevem a performance na história da arte em Portugal, e a arte portuguesa no palco da criação internacional, na década de 70. Poderemos antes dizer, que permitem inscrever – porque adensam e dão espessura a espectativas e predisposições - algo semelhante ao que nos anos 60 correspondeu à complexa mistura experimental de que fala Marvin Carlson, na história da arte portuguesa dos anos 70, preparada por uma década de 60 caracterizada segundo Rocha de Sousa, por

445

Egídio Álvaro, “les languages du corps dans la performance” in Ligeia, Paris, 1990

144

um dessassossego inovador 446, não obstante uma distinta impositiva e decisiva identidade discursiva, filosófica, política, cultural 447.

Rituais, intervenções, happenings, acções, situações e comportamentos,

cristalizam em

torno da revolução de 74, essencialmente na órbita da actividade de Egídio,

focos de

intensidade bem como territórios de criação colateral, quer experiencial quer conceptual e geograficamente. Integram-se no território instável da performance, respondendo às exigências do desafio paralelo à abolição das fronteiras, quer da experiência estética enquadrada no que se define por convencionalmente artístico, mas também das fronteiras entre os diferentes géneros e práticas recenseadas ( relembrando Carlos Vidal - o desafio decisivo que é por um lado a tentativa de anexar ao mundo da arte tudo o que não se tem atribuído nenhum valor estético, abolindo os confins entre arte e não arte, entre estético e não estético, e por outro lado abolir os limites entre a arte e a vida 448). Segundo Ernesto Sousa, o desafio da afirmação de tudo em tudo.

IV. Focos de Intensidade/ Linhas de Abertura

1. 1965. 1967. 1954. 1970. 1971. 1972. 1979. 1958. 1973. 1974. 1/10

Por detrás da superfície das imagens visíveis outras sucessivas imagens nos dão a substância das coisas. Ernesto de Melo e Castro

Num Portugal mergulhado num desassossego inovador 449 que determina o principio do fim 450 e o fim de um regime, que é atravessado por uma revolução e um subsequente

446

Rocha de Sousa, “ Anos 60 – Lirica do desassossego” in António Rodrigues (com.), Anos 60, anos de ruptura – uma perspectiva da arte portuguesa nos anos 60, Lisboa, 2000, sp 447 Manoel Barbosa, Entrevistado em Agosto 2004, p. 1 448 Tiziano Santi, “Art at the Limit” in Vanished Paths, crisis of representation and destrution of the arts ..., Milão, 2000, p.21. 449 Rocha de Sousa, “ Anos 60 – Lirica do desassossego” in António Rodrigues (com.), Anos 60, anos de ruptura – uma perspectiva da arte portuguesa nos anos 60, Lisboa, 2000, sp

145

momento de generosidade 451 - um novo príncipio 452 - momento a ser pesado na balança do rescaldo do momento revolucionário com o desapontamento, diz o discurso critico que lhe corresponde inicialmente uma expectativa centrada no aparecimento de novas linguagens, paralelas à

definição de um renovado dinamismo nos pólos de criação,

nomeadamente Lisboa 453. Situação a que outros designam por rotura 454 para ser por outros refutada enquanto uma descontinuidade 455, na passagem de uma situação a outra – de uma estética da forma a uma estética de atitude 456, definida num Portugal dos anos que significaram, para os artistas portugueses, a procura de uma identidade cultural 457 no quadro de uma espécie de uma euforia e paixão do pensamento que depois se perdeu em grande parte 458.

450

Cfr. Manuel Villaverde Cabral “ Paris, Portugal: dos anos de 1950 aos anos de 1970” in AAVV, KWY, Paris, 1958-1968, Lisboa, 2001, p. 56, que começa em 1961 com o compromisso colonial, em virtude do qual o regime num momento em que procurava des-ideologizar-se, envolveu neste compromisso toda a cultura - massificando e alienando as jovens elites.... A guerra colonial foi o principio do fim. 451 Silvia Chicó, “ anos 70 – antes e depois do 25 de Abril de 1974” in Fernando Pernes (Coord.), Panorama arte portuguesa no século XX, Porto, 1991, p.255. 452 Maria de Jesus Ávila, “Agitação e experimentação”, in Arte Ibérica, nº32, Lisboa, Fevereiro 2000, pp.2632. 453 José Augusto França, “ Os anos de 1960 em Portugal” in AAVV, KWY, Paris, 1958-1968, Lisboa, 2001,pp. 454 António Rodrigues, in AAVV, Anos 60, anos de ruptura – uma perspectiva da arte portuguesa nos anos 60, Lisboa, 2000, sp. 455 Importa Ter aqui em conta a utilização da palavra descontinuidade e não do termo ruptura. Este último, que alimenta grande parte da bibliografia relativa a estas década é aqui, conscientemente posto de parte por Bernardo Pinto de Almeida. Na linha da refutação a esta ideia ( que é, por sinal a que preside a perspectiva apresentada por António Rodrigues no âmbito da exposição da qual é comissário - Anos 60, Anos de Ruptura. Uma perspectiva da arte nos anos sessenta, Lisboa, 1994) encontramos a posição de Bernardo Pinto de Almeida no seu texto “Os anos 60 ou o princípio do fim do processo da modernidade” in Panorama da arte portuguesa no século XX, Porto, 1999, p.213. Devemos Ter em conta que implicar a noção de ruptura é suficiente para nos situar e obrigar a atender ao debate no qual é central a problemática da evolução da arte e os diversos modelos explicativos gerados em torno da mesma. Carlos Vidal, partindo dos problemas levantados à arte pelas vanguardas artísticas do século XX (históricas e neo-vanguardas), dedica na sua recente obra - A Representação da Vanguarda – Contradições Dinâmicas na Arte Contemporânea, Oeiras, 2002, algumas páginas ao esclarecimento das implicações e do peso do uso deste termo. Tomando como referencial a posição do critico americano Clemente Greenberg, Carlos Vidal elabora uma tese partidária da posição segundo a qual não existem rupturas em arte, mas sim dobras. Situação que lhe permite elaborar toda uma teoria no sentido da refutação de uma ideia evolutiva da arte, que vem, por sua vez, por em causa a própria ideia de ruptura. 456 Bernardo Pinto de Almeida , “Os anos 60 ou o princípio do fim do processo da modernidade” in Fernando Pernes (coord.) Panorama da arte portuguesa no século XX, Porto, 1999 457 Egídio Álvaro, Entrevistado em Fevereiro de 2004, Lisboa. 458 Eduardo Prado Coelho, “ Anos 60: as clausuras infinitas” in , Circa 68, Porto, 1999, p 53.

146

A esse depois, corresponde o desapontamento a que se refere Silvia Chicó 459 e o retorno ao mesmo 460, de que nos fala hoje o fundador em 1970 da Galeria Ógiva, em Óbidos, José Aurélio.

Bernardo Pinto de Almeida, no artigo “Os anos 60 ou o princípio do fim do processo da modernidade” 461, defende que Portugal,

o artisticamente novo que pauta a década de 60 em

deriva de um afastamento dos movimentos artísticos relativamente ao âmbito

ideológico do discurso modernista. Segundo este, esse novo é correlativo ao princípio do fim do processo da modernidade paralelo a uma aceleração da história que não é exclusiva ao Portugal onde se rasgam diaclases no seu corpo de chumbo 462. O corpo de chumbo que corresponde ao corpo constituído pelas estruturas socais e políticas que se haviam mantido na década de 50. Esse será a partir de 1961 um corpo transversalmente fendido pelo compromisso colonial. Os anos 1960 irão ser os mais complexos para todos, mais diferenciados, plurais e abertos nas suas tensões, arrastando com eles, numa mudança social, económica e cultural paulatina, tanto o regime como as oposições tradicionais 463, conclui Manuel Villaverde Cabral. São anos que se imprimem numa década de explosão 464 diz João Pinharanda - entusiasta dos 60 portugueses ao ponto de os caracterizar como a década mais prolifera e das mais importantes no decurso do século. Pinharanda defende num artigo editado na revista Arte Ibérica, que o centramento da prática artística sobre o objecto nos anos 60 implicou a instauração de um clima de rotura vanguardista apenas comparável ao que presidira o

459

Silvia Chicó, “ anos 70 – antes e depois do 25 de Abril de 1974” in Fernando Pernes (Coord.), Panorama arte portuguesa no século XX, Porto, 1991, p.255. 460 José Aurélio, Entrevistado em Fevereiro de 2005, Lisboa 461 Bernardo Pinto de Almeida, “Os anos 60 ou o princípio do fim do processo da modernidade” in Panorama da arte portuguesa no século XX, Porto, 1999, p.213 462 Analogia à metáfora de Fernando Rosas, seguindo quem os anos 50 correspondem aos anos de chumbo, Cfr. Manuel Villaverde Cabral, Op.cit., a brecha mais funda correspondeu aos movimentos espontâneos de apoio a Humberto Delgado que, já perto do final da década, em 1958, se abriu uma espécie de brecha na cortina de chumbo; embora vibrante o movimento foi fugaz. De facto, a massa de gente que apoiou espontaneamente Humberto Delgado contra a ditadura não consegui abalar a unidade das elites relevantes do regime – a começar pelo exercito e acabar no grande capital – nem sequer obter apoio do exterior. (...) os anos cinquenta não acabavam, pois, da mesma maneira como tinham começado. 463 Manuel Villaverde Cabral Op.cit., p. 55 464 João Pinharanda, “ Continuidades e rupturas” in Arte Ibérica, Fevereiro de 2000, Lisboa, pp.18-25

147

futurismo dos ano 10 465, bem como uma notável sintonia com as propostas internacionais. A esta rotura - diz Pinharanda, correspondeu uma pulverização de nomes, tendências a agentes, cuja efectividade se confirma pelos acontecimentos de Abril do ano de 74 da seguinte década. Segundo João Fernandes e Fátima Lambert 466 a noção de rotura artística aplicada aos anos 60, decorre

das movimentações que implementam ideologicamente uma posição

divergente face ao regime político então vigente 467. Ao entusiasmo de Pinharanda, Miguel Wandshneider 468 - centrado no foco nodal que o ano de 1968 constitui na história internacional e no período de que é objecto a exposição Circa 1968 ( 1965 - 1975) 469 - ,

contrapõe um afastamento e da desincronia do contexto

artístico português relativamente aos centros internacionais, enquanto uma evidência incontornável 470. A sua posição baseia-se na constatação da escassez da das referências em periódicos portugueses a momentos que

reflexão critica e internacionalmente

significaram a consagração do paradigma pelo qual se pautava a criação artística da vanguarda. Momentos tais como a Documenta V de 1972 e a Bienal de Paris do ano anterior.

No entanto, não obstante a dessintonia detectada, Wandsnheider admite que nos últimos anos de 60 e primeiros de 70 se verificou um aparecimento de convenções nitidamente referidas ao novo paradigma, traduzindo-se numa elastificação das acepções dominantes. Precisando, Wandshneider explica a especificidade da situação portuguesa afirmando que o que é especifico na situação artística portuguesa não é a ausência de artistas e obras sintonizadas com o novo paradigma, mas antes a dificuldade e a demora com que esse paradigma se enraizou ascendeu a uma posição dominante 471.

465

Id.ibid., p. 18 Fátima Lambert e João Fernandes, Porto 60/70- os artistas e a cidade, Porto, 2001, p. 21. 467 Id.ibid. 468 Miguel Wandshneider, “A lenta e difícil afirmação da vanguarda num contexto de mudança” in AAVV, Circa 68, Porto, 1999, p. 29-45. 469 AAVV, Circa 68, Porto, 1999. 470 Miguel Wandshneider, “ A lenta e difícil afirmação da vanguarda num contexto em mudança” , in AAVV, Circa 68, Porto, 1999, p. 31. 471 Id.ibid. p33 466

148

Facto que se funda na ausência quer de uma estrutura de suporte e de apoio organizacional, bem como de um movimento capaz de assegurar o rápido desenvolvimento da vanguarda – o que Maria de Jesus Àvila designou como uma rede que permitisse a sua consolidação como expressão dominante 472. Ao ano de 1975, os sintomas desta falha são legíveis - defende Wandshneider, numa presumida ausência de manifestos, exposições de grupo ou de espaços que previlegiassem artistas ligados às novas abordagens 473.

No entanto, Wandshneider acrescenta outros elementos ao leque dos factores responsáveis pela inexistência de um movimento de vanguarda em Portugal. Capaz de os consignar no quadro global das mudanças estruturais que operam transformações fundamentais no contexto artístico português nessa década, Wandshneider sintetisa-os na constatação da criação de um circuito de galerias, até então inexistente, que fez disparar o volume e o ritmo das exposições individuais e colectivas, e consequentemente as oportunidades de os artistas mostrarem o seu trabalho 474, e correlativamente na formação de um mercado de arte. Estes aspectos traduzem a formalização de um processo de institucionalização da arte contemporânea no contexto de um mercado recém-formado, essencialmente centrado em artistas de gerações anteriores e que cedo se revelou demasiado especulativo. Mercado este que no início da década de 70 se cristalizará numa rotinização, cujas consequências se perfilam por uma abdicação dos valores de experimentação e contestação, numa artificialidade das cotações do mercado, ditada pelo surto especulativo e pelo carácter local de um mercado destituído de padrões internacionais e comparação; substituição da avaliação estética pelo sucesso comercial e como critério de apreciação dos artistas e das obras 475.

472

Maria de Jesus Ávila, “Agitação e Experimentação” in, Arte Ibérica, Fevereiro de 2000, Lisboa, pp.26-31, p. 26 473 Miguel Wandshneider, “ A lenta e dificil afirmação da vanguarda num contexto em mudança” , in AAVV, Circa 68, Porto, 1999, p. 31., p. 35 474 Id.ibid. p.35. 475 Id.ibid, p.37

149

Não obstante a efectiva constatação da ausência de um movimento na vanguarda que a leitura dos dados históricos nos obriga a fazer, o diagnóstico de Wandshneider não atende a outros sintomas que complexificam a leitura da tessitura histórica e cultural destes anos. Nomeadamente aqueles que se concentram nos anos expectantes da primavera marcelista 476, vindo a constituir verdadeiros focos de intensidade geradores de linhas de abertura no sentido das décadas seguintes. Viremos a constatar com Wandshneider, a efectiva existência de artistas e obras sintonizados com os paradigmas internacionais, verificando, de igual modo, a sua integração numa estrutura de suporte informal.

É certo que não obstante as causas diversas daquelas que motivaram internacionalmente a contestação das instituições artísticas e sua correlativa mecânica especulativa em prol de uma arte não comercializavel emiscuída de motivações de coincidência e partilha da mesma dinâmica da vida, no Portugal das décadas de 60 e 70, se verificaram momentos de efectiva sintonia e conectividade com as directrizes conceptuais e motivações da vanguarda internacional. Se a contestação à instituição arte se verificou desnecessária em virtude da ausência de um objecto dessa mesma contestação ( acontece mesmo o contrário pelas reinvindicações constantes de um museu de arte contemporânea ), verificamos que essa ausência obrigou a um outro alinhamento – uma arte que não tem onde se enquadrar institucionalmente ( mesmo que o enquadramento seja a reinvindicação de uma ausência de enquadramento), acontece sem esse enquadramento.

Tendo por ponto referencial o ano de 1977 e a exposição Alternativa 0 – ao qual Wandshneider atribui a constituição de um movimento de vanguarda ligado às propostas conceptuais num sentido lato, lembramos os sintomas omitidos no seu diagnóstico e questionamos a efectividade daqueles que permitem concluir a aglutinação em movimento da vanguarda portuguesa após a Alternativa 0. O que nos permite averiguar os limites dos focos de intensidade e das suas correlativas linhas de abertura. Omite o Manifesto de Vigo, assinado em Agosto de 1974 nesta cidade – por contingências ditadas por um passado recente - mas redigido em Valadares; omite os 476

Raquel Henriques da Silva, “João Vieira: das letras aos corpos”, in AAVV, João Vieira – Corpos de Letras, Porto, 2002

150

correlativos Encontros Internacionais de Arte e consequente e posterior instituição da Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira; a actividade das Galerias Alvarez ( Porto) e da Galeria Ógiva ( Óbidos), os passos dados pelo C.A.P.C. e a dinâmica aglutinadora e estrutural mesmo que algo informal que estes focos assumiram no panorama artístico nacional e, logo após a revolução, internacional. Isto se considerarmos a baliza do ano de 1975. E outros dados engrossam esta lista, definidos fora da órbita da actividade de Ernesto de Sousa. Efectivam-se a partir da transição da década – e é Maria de Jesus Ávila no já citado artigo quem o aponta, verificando a correlativa descentralização dos focos de manifestação e criação das propostas mais avançadas.

Fernando Pernes (n.1938) num balanço assinado na Colóquio Artes de Outubro de 1972, avança um esboço da história da arte da década 60-70. A tónica do retrato aí consignado é pautada pela ideia de um Portugal que artisticamente se oferece na máscara de um “novo riquismo” que mal disfarça ainda arrastado atraso estético 477. Traçada sobre 3 alineas marcantes esta caracterização foca a neutralização do espirito de contestação ou de intervencionismo social na vida artística do país; inexistencia de qualquer museu e pouco interesse oficial pela arte, compensados no florescimento de galerias comerciais e na dilatação duma classe de compradores favorecendo uma visão artesanal da qualidade executiva e abafando o eventual evoluir de movimentos experimentais ou de manifesto sentido provocatório; alucinante crescimento de um clima de especulação mercantil que se centraliza em cerrados jogos de valores domésticos, tornando o apoio critico aos artistas mero processo publicitário de “promoção de vendas”, e se procura manter na preservação de confrontos internacionais 478.

O balanço dos três seguintes anos na mesma Colóquio Artes, será assinado por Rui Mário Gonçalves. Paradoxalmente, onde seria possível esperar uma progressiva adaptação e sintonização com conceitos operativos e ferramentas conceptuais próximas da vanguarda, verificamos um processo inverso. Às propostas que se alinham num progressivo desafio às 477 478

Fernando Pernes, ”Lisboa/Porto”, Colóquio Artes , Outubro de 1972 Id.ibid., , p. 36-37

151

categorias dominantes, corresponde uma incapacidade de leitura, sendo que facilmente podemos ler no discurso de Rui Mário Gonçalves os indicios da situação que preocupara Pernes. Em 1973 Rui Mário Gonçalves (n.1934) refere uma impressão geral de calmaria espectante, baseando-se na equação das inovações por parte dos artistas e das transações comerciais por parte do publico comprador, alinhando-se com o contexto por Pernes criticado. Revela-se incapaz de ler as propostas vanguardistas definidas na senda do processo de expansão, encetadas nesse ano por artistas como Ana Vieira, João Vieira, Espiga Pinto e João Dixo. Citados como autores de obras de dificil comercialização 479

e apelidados .de

humoristas ou líricos em virtude dos espectáculos que levam a cabo. À referida incapacidade, corresponde a rudimentaridade das ferramentas conceptuais utilizadas, sintetisada no juízo no qual encontramos o eixo de cristalização da sua posição face às novas propostas artísticas: a acreditar que o abandono da pintura de cavalete determina uma dimensão vanguardista decisiva, teríamos que procurar entre os artistas citados até agora que o de mais moderno foi apresentado pelos pintores este ano. Mas creio que o que de mais valido se faz entre nós é ainda no domínio da pintura, do desenho, da gravura, e um pouco menos, na escultura. E em algumas destas modalidades, aqueles artistas exprimem-se por vezes também 480.

Tendo por referência a Colóquio Artes alinhar os factos que nos anos em torno da Revolução sintonizaram a prática artística nacional com a vanguarda. Visando cobrir essa lacuna, é editado em Outubro de 1973 o primeiro numero da revista Artes Plásticas. Fruto da colaboração entre a Galeria Alvarez e o critico Egídio Álvaro - então sediado em Paris, esta revista teve por objectivo

essencial mostrar

arte nacional e internacional de

vanguarda 481.

Os problemas estruturais sobre os quais se vinha desenvolvendo a prática artística em Portugal, correlativos a aqueles diagnosticados por Pernes e evidenciados pelo discurso de

479

Rui Mario Gonçalves,” Lisboa e Porto, 1972.1973”, Colóquio Artes, nº 14, 2ª série, Outubro de 1973, p. 36-39. p 37 480 Id.Ibid. , p 37 481 Egidio Àlvaro, Entrevistado em Fevereiro de 2004

152

Rui Mário Gonçalves, haviam sido já discutidos em 1967 na reunião que designou por 1º Encontro de Críticos de Arte Portugueses. Neste encontro decorrido no Centro Nacional de Cultura 482, vários críticos propuseram-se discutir e avançar um balanço do panorama cultural do momento. Rui Mário Gonçalves que secretariou a reunião sistematizou os objectivos que a orientaram em três pontos essenciais: discutir certos problemas estéticos

e técnicos

relativos à arte contemporânea; discutir as possibilidades profissionais da crítica de arte em Portugal e chamar a atenção do público para um serviço cultural que lhe é prestado 483.

Interessou aos organizadores deste encontro – Adriano de Gusmão, José- Augusto França (n.1922) e Nuno Portas, bem como aos demais críticos presentes - Ernesto de Sousa (n.1921-1987), Fernando Pernes e Salette Tavares, Bruno da Ponte, Nelson di Maggio, Estevão Sasportes e José Luis Porfírio 484, reflectir sobre as condições da produção artística nacional, a situação material dos artistas, o interesse do público pelas artes plásticas, o domínio relacional entre crítica-historiografia e produção, bem como sobre a consequente dinâmica do mercado da arte. Entre a constatação da inexistência de saídas profissionais para os artistas portugueses, correlativa à inexistência de um público interessado e à inércia do mercado de arte português, bem como a ausência de um ensino artístico adequado e a restrita área de acção dos críticos de arte, as moções apresentadas foram consignadas em oito pontos. Três dos quais relativos à intervenção e domínio de acção da Fundação Calouste Gulbenkian em pontos chave do universo cultural e artístico português. O primeiro destes atendeu à necessidade de contacto e abertura à criação internacional, o segundo a questões afectas ao estudo e ao aprofundamento dos domínios da arquitectura e urbanismo e, em terceiro, a necessidade de definição de uma estratégia de reconhecimento e diagnóstico da condição a cultura e vida artística portuguesa, de modo a permitir a aplicação de medidas e 482

Nos dias 28,29,30 e 31 de Março de 1967, sob os auspícios da Association International de Critiques d’Art.Cfr. Rui Mário Gonçalves, “O Primeiro Encontro de Críticos de Arte Portugueses” in Colóquio Artes, nº44, Junho de 1967, p.12, pp.12-17. 483 Cfr. Rui Mário Gonçalves, Op.cit. p.12. 484 A quem devemos acrescentar outras personalidade que estiveram presentes como Fernando Azevedo, Vieira de Almeida, Alfredo Margarido, Noronha da Costa, Selles Paes, Nuno Portas, Ferreira de Almeida, Fernando Guedes e o françês Henry Galy-Charles, entre outros cujos nomes não são citados no artigo acima mencionado.

153

formulas adequadas à solução dos problemas que lhe eram então inerentes. Os demais pontos, relativos à reestruturação da secção portuguesa da Association Internationale des Critiques d’Art, à redefinição da programação da SNBA e à divulgação e profissionalização da critica de arte, encerraram o rol das propostas, tidas como medidas a serem aplicadas com preemente necessidade. No que concerne às demais áreas artísticas, vários críticos vinham alertando para situações de natureza semelhante, expressas no universo específico das suas áreas de intervenção. Verificamos que são problemas que atravessavam diametralmente o tecido artístico e cultural português. Interessa tê-los em conta, atendendo à natureza expansiva e conectiva do processo. Num artigo editado na Colóquio Artes de Fevereiro de 1961 485, João de Freitas Branco referia um actual problema da música no nosso país, no contexto de uma população musicalmente inculta,

apontando a escassez dos concertos e recitais em salas de

espectáculo ou em estúdios radiofónicos fora do centro urbano da capital, sublinhando ainda o grave problema de base afecto à carência de instrução 486. Em 1963, José Estevão Sasportes – cuja presença constou no encontro no CNC,

assina na mesma revista o

Manifesto e apelo – a revitalização da dança e o seu lugar na educação 487. Neste artigo, refere a premente necessidade de uma concertada introdução da dança na escola em Portugal, no sentido da definição de uma estratégia para a efectiva radicação da dança no país, permitindo a abertura no sentido de uma prospecção de vocações, criação de um publico conhecedor e oferta de trabalho interessante dos bailarinos 488 . Por conseguinte, Sasportes propõe

a elaboração do programa de um curso onde se

integrem aulas sobre dança e educação artística em geral, sobre noções de psicologia infantil e juvenil, sobre iniciação musical e teatral, sobre a história da dança e suas relações com as demais artes, sobre a notação de movimento ( Laban ou Beneh), sobre a

485

João de Freitas Branco, “três aspectos fundamentais - a actividade musical da Fundação Calouste Gulbenkian” in Colóquio Artes, nº 12, Fevereiro de 1961, p. 45- 47. 486 Id.ibid. 487 José Estevão Sasportes¸ Manifesto e apelo – a revitalização da dança e o seu lugar na educação, in Colóquio Artes, nº24, julho de 1963, pp. 18- 21. 488 Id.ibid, p.21.

154

anatomia do bailarino, etc. 489, que deveria ser seguido, propõe, por um ciclo dedicado à educação pela dança.

Não obstante os diagnósticos pontuais, de evidente confluência relativamente ao consenso da discussão tida em 1967, cedo o tempo veio revelar que por si estes foram desprovidos do elán capaz de instituir uma mudança e uma nova dinâmica relativamente às questões e aos problemas de base que minavam o desenvolvimento da cultura artística . Tão pouco foi o Estado quem se ocupou da resolução destas questões. Nem ao momento de uma tentativa de sua redefinição contemporânea à transição marcelista, pautada por propostas liberalizantes, desenvolvimentistas e pró-europa 490 se conheceram alterações - a política cultural estatal manteve-se sob a tutela do novo governo de Marcello Caetano ( que toma posse a 23 de Setembro de 1968) dentro de moldes semelhantes a àqueles que haviam enquadrado os anos precedentes.

As variantes no verificado sistema de continuidade definem-se enquanto consequências colaterais,

resultados da movimentação de peças no xadrês económico. Estas

correspondem, segundo Wandshneider, a uma das causas da ausência do movimento de vanguarda em Portugal. Situadas no domínio da especulação e do mercado da arte

que

ditou uma transformação efectiva na oferta, procura e transacção de bens artísticos, as referidas variantes decorrem da procura da produção contemporânea portuguesa (dentro dos limites das tipologias da pintura e da escultura) por parte de empresas privadas 491. O já referido processo de institucionalização da arte contemporânea processou-se a partir de um começo empirico e tacteante, mas que vai ganhando forma através de uma “alta” vertiginosa de preços, que uma dinâmica inflacionista geral sustenta perigosamente, e de uma concorrência na escolha de artistas, sinal característico de um jogo oferta-procura

489

Id.ibid., p. 20. Cfr., “ Marcelismo: a liberalização tardia (1968-1974) in José Mattoso (dir.) História de Portugal, Vol.7, sd., pp. 545-563, p.547-551. 491 Nomeadamente empresas comerciais e bancárias com interesses determinados pela publicidade mecenática. Ponto alto da expressão deste mecenato foi a instituição do Prémio Soquil, patrocinado pela Sociedade Química Industrial Soquil a partir de 1968, tornado ao momento o mais importante prémio artístico português, mas devemos notar ainda, tal como o faz Rita Macedo na tese acima citada, o papel patrocinador levado também a cabo pela Sociedade Comercial Guérin S.AR.L, no mesmo ano. 490

155

comercial 492. Verifica-se então que a estratégica marcelista que dita as alterações no tabuleiro do xadrês económico, implicou o surgimento e a temporária manutenção de um mercado de arte, altamente especulativo, alimentado pela inflação gerada da agitação vivida no plano económico e agravada pela crise petrolífera internacional 493, mediado pelas novas galerias comerciais que proliferaram, tanto em Lisboa como, a partir de 1971, no Porto 494. Face ao que Gonçalo Pena 495 designou como sendo a novíssima situação do mercado artístico português 496, verificar-se-á que as galerias – quer as existentes e as que abrem portas, incorrem numa dinâmica comercial em detrimento de

uma actividade

exclusivamente expositiva 497. 1.1. De 50 para 60

A dinâmica comercial que acelerou o atomizado universo galerístico nacional, fluiu num meio pautado pelo ritmo da instabilidade política onde, desde 1961, o conflito africano e a emigração contribuíram como factores de mudança na historia do regime 498. Abrindo fendas no corpo de chumbo. Ao momento, pagava-se ainda a divida contraída com a liberdade de expressão e com a abertura ao exterior. A dívida de um regime sobrevivente no panorama da queda das ditaduras europeias, que privou o país da circulação de ideias e do confronto internacional, cingindo-o aos limites impostos pela censura e pautando-o pela política cultural e artística oficial que, por sinal, já não conhecia o vigor que a alimentara na década de 30. Afastado António Ferro do SNI ( em 1950), mudadas as regras dos salões oficiais e perdido o prestigio das representações oficiais internacionais, a encomenda de iniciativa

492

José-Augusto França, A Arte e a Sociedade Portuguesa no século XX, s.d., p.87 Rita Macedo, Op.cit., p.59 494 Acerca das galerias e dinâmica cultural da cidade do Porto nestes anos ver Fátima Lambert ; João Fernandes, Porto 60/70: Os artistas e a cidade, Porto, 2001. 495 Gonçalo Pena, “Instituições, galerias e mercados” in Anos 60, anos de Ruptura, Lisboa, 1994, sp. 496 Gonçalo Pena. Op.cit., p.. 497 Cf. Alexandre Melo, Arte e Mercado em Portugal: inquérito às galerias e uma carreira de artista, s.l., 1999, pp.29-51, onde podemos ver sistematizado o historial das galerias inauguradas entre 1964 e 1979 pp.79-83. 498 Cf. ,”Marcelismo: a Liberalização tardia” in José Mattoso (dir.) História de Portugal , Vol VII, Lisboa, sd. pp.545-567. 493

156

oficial restringiu-se, a partir de então e quase exclusivamente aos domínios da escultura e da tapeçaria 499. Com o decorrer da década de 50, o papel dos salões oficiais foi tomado pela SNBA 500 e a exposição dos trabalhos ficou reservada às poucas galerias existentes que, regra geral, estavam associadas a livrarias. Foi de modo particular a duas galerias lisboetas - à galeria fundada por José- Augusto França em 1952 - a Galeria de Março (1952-1954), e à Casa Jalco, que coube então a centralização das novas propostas.

Esta década, afirma João Pinharanda, propiciou a transformação das realidades sociopolíticas, culturais e artísticas de Portugal. Cabendo-lhe a configuração de uma realidade artística diversificada e coerente que se prolongará até princípios da década de 60 501. Diversidade esta, reitera num outro artigo,

entendida enquanto como factores de

instauração, no início de 60, de uma nova conjuntura artística 502. Se por um lado se verifica uma dominante caracterização da década de 50, que a situa artisticamente na órbita de uma continuidade por meio da qual se desenham as linhas de abertura para um anteriores 503 -

contexto

pautado pelo desenvolvimento dinâmico de propostas

nas palavras de José- Augusto França, outras linhas de abertura então

definidas, descontínuas e diversas, são da maior importância. A par da disputa que marcou a década confrontando neo-realistas e surrealistas com a abstracção – no fundo: figuração vs abstracção, e que arrastou nesta dicotomia o discurso critico, o surrealismo atinge - na opinião do mesmo José- Augusto França a maturidade ao ano de 1952 504, a abstracção geométrica conhece novas linhas de autonomização e pela escultura será Jorge Vieira a trabalhar no sentido da definição de uma outra linguagem.

499

João Pinharanda, “Continuidades e rupturas” in Arte Ibérica, nº32, pp.18-25, Lisboa, Fevereiro 2000, p.18 Sociedade Nacional de Belas Artes, cuja formação resultou da fusão de duas associações de artistas oitocentistas: a Sociedade Promotora (1860) e o Grémio Artístico (1890), funcionando desde 1901, alargou progressivamente o seu campo de acção, afirmando-se na década de 50 e primeiros anos de 60, essencialmente aquando do secretariado-geral de Fernado Pernes, como um importante lugar de exposição das novas propostas artísticas emergentes. 501 João Pinharanda, “El Arte portugués en el siglo XX” in António Costa Pinto (coord.), Portugal contemporáneo, pp. 244-274, p. 253. 502 João Pinharanda, Arte Ibérica, nº32, pp.18-25, Lisboa, Fevereiro 2000. p.20. 503 José-Augusto França, , A Arte e a Sociedade Portuguesa na Século XX, s.d., p.78 504 Aquando da exposição na Casa Jalco em Lisboa, de obras de Fernando Azevedo, Lemos e Vespeira, Cfr. José Augusto França, A arte em Portugal no século XX, 1991, (3ªedição), p.394. 500

157

E entramos no domínio das descontinuidades, da diversidade se seguirmos Pinharanda, ou dos fundamentos da serie de abordagens plurais inovadoras de que falam Fátima Lambert e João Fernandes 505. E verificamos já alguns indicios do processo histórico de expansão e seus coadjuvantes: o gestualismo que surge por volta de 1958 506 na pintura de A. Bual (n.1926) 507, João Vieira inicia a pesquisa em torno da letra que o conduzirá ao gesto e à performance no inicio de 70. E ainda, à década de 50 corresponderam momentos particulares no domínio de um novo modo de realizar o poético - Ernesto de Melo e Castro avançava já em 1955 por pesquisas concretistas com o seu soneto dos números e Ana Hatherly publicava no Diário de Notícias um artigo aflorando particularidades da poesia concreta com o qual publica também um poema concreto 508. Mas antes, a Academia Dominguez Alvarez 509 é fundada em 1954 na cidade do Porto, expondo dois anos depois a primeira retrospectiva da obra de Amadeo de Souza Cardoso (exposição que será posteriormente apresentada em Lisboa no SNI) no mesmo ano em que é criada em Lisboa a Fundação Calouste Gulbenkian. Fundação esta que logo em 1957 empreende a

I exposição de Artes plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian 510 bem

como dá inicio à atribuição de apoios para artistas portugueses no estrangeiro. A instituição da Fundação do coleccionador arménio veio colmatar o vazio de um foco institucional dotado de iniciativa e poder, levando a cabo uma actividade mecenática de envergadura,

pautada pela atribuição de prémios, aquisição de obras, realização de

exposições e referido financiamento da estadia de artistas portugueses no estrangeiro. A atenção dispensada

à sua actividade pelos críticos reunidos

no Encontro de 1967,

testemunha as expectativas depositadas na sua capacidade de intervenção.

505

Fatima Lambert e João Fernandes, Porto 60/70: os artistas e a cidade, Porto, 2001, p.20. Falam da década de 60 referindo que à semelhança do que sucedeu no estrangeiro, as mudanças mais radicais, traduzidas numa série de abordagens plurais inovadoras – atropelando as correntes ainda prevalecentes dos anos 50 – estimularam e encaminharam as sensibilidades estéticas e as propostas artísticas para a década de 60. 506 João Pinharanda, Arte Ibérica, nº32, pp.18-25, Lisboa, Fevereiro 2000., p. 20 507 João Pinharanda, id.ibid., p. 20 508 Ana Hatherly, “ O idêntico inverso ou o lirismo ultra-romântico e a poesia concreta” in Diário de Notícias, Lisboa, 17 de Setembro de 1959, in Po. Ex., Lisboa, p. 90-94. 509 Fundada em 1954 como Academia Dominguez Alvarez, pelo pintor Jaime Isidoro e António Sampaio. 510 Exposição de Artes plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, SNBA, Lisboa 7 a 13 de Dezembro de 1957.

158

Num alinhamento concertado por opções definidas em torno dos então designados modernos em detrimento das propostas veiculadas pelos tradicionalistas, a actividade da Fundação vinha agir nevralgicamente no território do gosto e das opções dominantes, impondo-se pelo poderio económico: aquilo que o S.P.N representara contra este sector estético em 1935-1940 representava agora a Fundação Calouste Gulbenkian – e de modo muito mais conclusivo, não só pela data avançada da sua acção, como pelo peso da sua autoridade económica. Se uma instituição tão rica como esta preferia os “modernos”, podia o público estar certo que este era o bom caminho... 511. A instituição da Fundação implicou uma radical abertura de possibilidades. E os vasos comunicantes definidos em virtude desta abertura veiculam uma dinâmica biunivoca: se o país se abriu ao universo internacional, por sua vez, foi também o universo internacional que passou a figurar como uma possibilidade de acolhimento, para os muitos artistas que nas décadas seguintes emigram - os bolseiros da Fundação. É com este fenómeno que se prende o notável acontecimento que opera na história da arte portuguesa a articulação da década de 50 com a de 60, na tónica da vanguarda internacional: a constituição do grupo KWY 512 ( Lourdes Castro (n.1930), René Bertholo (n.1935), Costa Pinheiro (n.1932), Gonçalo Duarte, José Escada, Christo (n.1935) e Jan Voss) em Paris. Palco de confluência de artistas portugueses e estrangeiros (Christo e Jan Voss) definido na órbita de um projecto comum de teor experimental, materializado numa revista e totalmente alheio ao circuito fechado da discussão e práticas artísticas nacionais, KWY de 1958 impõe uma ligação de intensidade entre o Portugal de chumbo e o universo artístico internacional, ritmado pelo processo de expansão.

O KWY abria com as letras ausentes do alfabeto português, a potencialidade da década de 60. Em 1977 Egídio Àlvaro consignou a caracterização desta década em duas grandes linhas de força: a emigração, forçada ou desejada, alternativa quase obrigatória às enormes dificuldades opostas à sobrevivência do criador, ou salto salutar para um ambiente mais 511

José-Augusto França, A arte e a Sociedade Portuguesa no Século XX, s.d., p.82 Formação que data do ano de 1958, Cfr. José-Augusto França, “Os anos 60 em Portugal” in AAVV, KWY – Paris 1958-1968, Lisboa, 2001, pp. 35-59, bem como os demais artigos e cronologia. 512

159

propício à eclosão das possibilidades latentes. E por outro, a permanência que se traduzirá, na prática, por uma resistência activa e constante às tentações de facilidade, aos compromissos, à força da mediocridade institucional, às solicitações de uma sociedade que começa a imaginar o artista como interlocutor privilegiado e inofensivo e a arte ( a sua compra e detenção) como símbolo de ascensão intelectual 513. Pontuado pelo rápido aflorar da exploração das potencialidadades da diversidade em expressão num contexto de desassossego inovador de que falou Rocha de Sousa, o curso da década de 60 conhece o desenvolvimento do processo histórico de expansão, centralizado em focos precisos, momentos pontuais, da música à intermedialidade, da pintura à intervenção e aos actos performáticos. Abrindo as premissas da década seguinte,

define relativamente a esta o que

consensualmente, entre os actores deste processo, se

assume ter sido um momento

momento fértil de inquietação criativa. O momento da discussão que se começou a esbater nos finais de 70, quando pelas palavras de Ernesto Melo e Castro terminou a inquietação, foi a vitória da ordem sobre a diferença. Foi a vitória do novoeiro sobre a luz. Não quer dizer que não haja pontos luminosos. Há mas são pontuais 514. Mas não podemos deixar de ter em conta – seguindo Silvia Chicó, que o que nesse ano de 74 a Revolução trouxe às artes foi, essencialmente, a possibilidade de fomentar um leque de expectativas já existentes, sobre as quais veio a assentar a parte da produção que na década de 70 se alinha por um perfil actualizado, activo e interveniente 515. Verificaremos que a mudança não implicou a criação de melhores condições e enquadramento para a divulgação e circulação da arte contemporânea, que o enquadramento do que aconteceu foi mais gerado de um leque de contingências do que de uma predisposição programática e concertada que atravessou o meio artístico e cultural nacional. Por isso mesmo, verificaremos o aflorar de atavismos reveladores da dinâmica provinciana deste meio e de uma violência latente. Efectivamente, como o constata Egidio Alvaro pela distancia da sua condição de emigrado, em 1979: paradoxalmente, o grande “boom”

513

Egídio Álvaro, Identidade Cultural e Massificação, SNBA, Lisboa, 1977. Ernesto de Melo e Castro, Entrevistado em Agosto de 2004. 515 Cf. Silvia Chicó, “Anos 70. Antes e depois do 25 de Abril de 1974”, in Fernando Pernes (Coord.) Panorama da Arte Portuguesa no século XX, Porto, 1999, p.255. 514

160

artístico dessa década charneira (64/74), se bem que tenha permitido o desenvolvimento de uma arte nascida de nada, sem verdadeiras raízes na cultura portuguesa (aliás tão aclamada pelos porta-voz da inteligentzia do país, sempre prontos a minimizar o contributo dos nossos artistas mais originais e mais inovadores) e a valorização dos artistas reduzidos à semi-clandestinidade, seja pela separação forçada criada pela emigração seja pelo apartamento sistemático, desejado por uma arte “oficial” irresponsável e incapaz , paradoxalmente, esse boom nunca serviu para quebrar as correntes que impediam os nossos artistas de tomar o seu lugar no panorama internacional da criação, nem de inscrever os seus projectos num dialogo com a Europa, ou com o Brasil... 516.

1.2. 60 e 70

A gente só é dominada por gente quando não sabe que é gente Ana Hatherly

É certo que a revolução de 74 implicou a restruturação do cenário social. Não obstante as liberdades consequentemente adquiridas,

verificaremos

não só que

depositadas na potencialidade da revolução foram logradas,

expectativas

como que o elán que

atravessou a década de 60 sob a tónica do processo de expansão pautado por uma feição utópica que se adensou em torno de 74 - que representa o despontar dos primeiros sinais de uma mudança de perspectiva e de cisão com as práticas e com os suporte codificados e com as imagens sem surpresa 517, conheceu nos anos seguintes um afrouxamento que dita alteração da sua feição inicial.

516

Egídio Álvaro, Performances, rituels, interventions en espaçe urbain, art du comportement au Portugal, 1979, s.l., s.p. 517 Id.ibid., sp.

161

Aos anos de intensidade vividos entre 1974 e 1980 518, segue-se um momento cuja bissectriz já não pode ser filiada em continuidade às experiências de 60.

As experiências artísticas que constituem focos de intensidade impressos no quadro da década de 70, constituídos em continuidade conceptual relativamente a uma predisposição em 60, significaram a possibilidade de um alinhamento e também de uma abertura da realidade artística nacional,

inéditas relativamente ao universo da prática artística

internacional. Significaram também uma radicalização dos meios e processos no sentido da alteração da ordem vigente. Verificamos que não foi um objecto de contestação situado no plano da instituição arte que motivou a desaquietação, mas essencialmente a margem de independência na qual os artistas se moviam, alheios a comprometimentos institucionais. Assim, notamos que históricamente o processo de expansão em Portugal na década de 60 e 70,

corresponderá ao

desbravamento de um território denso e de contornos pouco

definidos, onde cada iniciativa, nascida sob o estigma da condenação se pode definir na sua generalidade, numa posição ética de recusa e de pesquisa 519.

Procuramos na cartografia do processo trazer à luz o facto de que uma determinada atitude de teor transgressivo e dominantemente experimental, que permitiu a orientação da arte no sentido da coincidência do enquadramento com uma atitude,

dotada de uma particular

visibilidade em virtude de condicionantes várias depois da revolução Abril, tem as suas raízes no processo histórico de expansão, em curso na década de 60. Numa cronologia que acompanha os últimos anos do regime -

de 1961 a 1974,

e

curiosamente o conflito ultramarino, ambas as situações agem subterraneamente no sentido da des-estruturação da ordem instituída.

518

Intervalo ao qual corresponde quase na totalidade o estudo de Gonçalo Couceiro, recentemente publicado – Artes e revolução, 1974-1979, Lisboa, 2004. 519 Ana Hatherly e E.M. Melo e Castro, PO. EX – Textos Teóricos e Documentos da Poesia Experimental Portuguesa, Lisboa, 1981, pp. 95-10, p. 10

162

Da poesia concreta ao experimentalismo, passando por uma nova orientação conceptual da escultura e da pintura, um círculo particular de artistas, com filiações a outros emigrados, tornam-se agentes activos num palco de natureza peculiar. Definem um território de activa experimentação e contestação, em muitos assumido com essa posição ética de recusa e de pesquisa, pouco depois estabelecido como um vector de abertura, um domínio conectável

relativamente

algumas propostas e problemas que

pautavam, então, o sistema artístico internacional. Curiosamente, os focos de agregação e confluência destas experiências são essencialmente descentralizados, sublinhando na geografia do país, a desvinculação ao centro institucional.

Excepções são constituídas pontualmente pela actividade da SNBA secretariada pelo mesmo Fernando Pernes que dirigia a Galeria Divulgação e mais tarde também a Galeria 111 de Manuel de Brito – esta que numa primeira fase da sua actividade ( entre a abertura a 13 de Fevereiro de 1964 e o pós-revolução em 1974) criou as regras do mercado de arte em Portugal reunindo um enorme espólio e arriscando na novidade 520, a Galeria Quadrante para a qual Artur Rosa delineou na segunda metade de sessenta um projecto, nada comercial, destinado a transformar a quadrante numa galeria-piloto, e preenchendo assim a lacuna existente de uma galeria que orientasse o seu espaço exclusivamente para a juventude 521, e com o nascer da década de 70 a Galeria Judite Dacruz. No entanto, nenhuma delas empreendeu – ou por condicionalismos dos tempos ou por opção, uma actividade que programática e concertadamente versasse a vanguarda na senda do processo de expansão. Tal foi remetido, nesse momento particular sobre o qual nos debruçamos e na teia do curso das coisas, para o Porto - com a galeria Dominguez Alvarez dominantemente, a Cooperativa rvore ( 1963); para Coimbra onde em 1958 se fundou o C.A.P.C. e para Óbidos, onde em 1970 o escultor José Aurélio inaugura a singular Galeria Ógiva.

520 521

Gonçalo Pena, Op.Cit. sp Gonçalo Pena Op. Cit, sp.

163

1.3. CONCERTO E AUDIÇÃO PICTÓRICA.

As excepções

enunciadas, que pontuam a década de 60,

aglutinam importantes

ocorrências. Do que é referido como o primeiro happening em Portugal, sabemos já que teve lugar na Divulgação dirigida por Fernando Pernes, significando a confluência de importantes linhas de força do processo de expansão - da música e da poesia experimental –, linhas essas que dois anos mais tarde

enformam um

outro projecto de happening, mas na galeria

Quadrante.

Na já citada entrevista endereçada a Ernesto de Melo e Castro em 1966, a propósito da inauguração na Galeria 111 da exposição “ Poemas Cinéticos”, este esclarece o processo que empreende, de avanço pelos espaços deixados em branco entre a Poesia e as Artes Plásticas, enquanto um caminho inevitável para a arte de vanguarda, tal como o espaço morto entre a música e a Poesia que se está tentando ocupar com os chamados poemas fonéticos 522.

Nesta exposição

é mostrada uma colecção de poemas-objectos ilustrando uma possível

evolução do livro-como-objecto até ao poema tridimensional e cinético, passando pela valorização da página como entidade provocadora da acção e consequentemente integrando na própria dinâmica do poema o movimento de virar a página 523.

No lapso temporal que mediou o primeiro happening na Divulgação e o segundo happening na Quadrante, o processo de alargamento do espaço poético (como verificamos que o designa Pedro C. Reis) e a exploração do correlativo campo de possibilidades 524, compreendera a conquista do visual, do indeterminado ditado pelo movimento inscrito no tempo e no espaço, pelo poético.

522

Ernesto Melo e Castro, “Entrevista - E.M. de Melo e Castro” Jornal de Letras e Artes, 29 de Junho de 1966, Lisboa, pp.2 e 25, p. 2. 523 Id. Ibid. P. 2 524 António Aragão, “A Arte como “ Campo de possibilidades” in Jornal de Letras e Artes,, Lisboa, 7 de Agosto de 1963; e em PO. Ex, Lisboa, p. 102- 105.

164

Podemos encontrar uma

tradução dessas conquistas da visualidade ao movimento,

correspondem as exposições que balizam esse lapso temporal: a VISOPOEMAS e a Poemas Cinéticos.

Aquando da exposição colectiva VISOPOEMAS na Galeria Divulgação - inaugurada nos primeiros dias de Janeiro de 1965 com

trabalhos de alguns dos autores do Poesia

Experimental 525 - António Aragão, E.M. de Melo e Castro, Herberto Helder, António Barahona da Fonseca e Salette Tavares - , teve lugar a 7 de Janeiro o que foi organizado como o primeiro happening português. O que foi descrito como uma manifestação de neodadaismo 526 e que teve por nome CONCERTO E AUDIÇÃO PICTÓRICA. Num dos cartões-catálogo distribuídos lia-se um texto redigido por Melo e Castro: se a vanguarda é necessária na desmistificação das estratificações sociológicas anquilosadas ( quaisquer que elas sejam) a poesia experimental é já a maturidade do CAOS como rigor da invenção - vide princípio da entropia: medida de desorganização de um sistema. O grau de entropia do universo está em constante aumento. O trabalho do artista experimental é precisamente criar estruturas atomizadas de grande entropia pois quanto maior for a entropia dessas estruturas maior será e mais vasta será a informação possível – baseada no cálculo das probabilidades. O utente do poema que se aperceba das informações de que for capaz. Por isso e para isso que se experimentam os objectos e as pessoas em actos vulgares muito simples deliberadamente fora do seu contexto organizado quotidiano – redescobrindo o caos com as nossas mãos - experimentando 527.

Numa radical e madura consciência das implicações do processo de expansão, Melo e Castro sintetisa nessa última frase do texto citado o processo negativo de revelação de uma

positividade

que lhe é implicito. A consciência deste processo delimitou as

directrizes conceptuais do CONCERTO E AUDIÇÃO PICTÓRICA, no qual intervieram 525

A Revista Poesia Experimental - 1 editada em 1964 pelos “Cadernos de Hoje”, inclui para além de trabalhos de Herberto Helder, António Aragão, António Ramos Rosa, Salette Tavares, António Barahona da Fonseca e Ernesto de Melo e Castro, uma pequena secção onde de forma antológica se pretendeu levar a cabo um esclarecimento da tradição experimental. 526 Ana Hatherly, “ Uma Manifestação de Neodadaismo” in Diário Popular; Semana Musical, Lisboa, 28 de Janeiro de 1965, in Ana Hatherly e E.M. Melo e Castro, PO. EX – textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, 1981, pp. 46-48. 527 Ernesto de Melo e Castro, Id.ibid., p. 40-41.

165

António Aragão, Clotilde Rosa, E. M. de Melo e Castro, Jorge Peixinho, Manuel Baptista, Mário Falcão e Salette Tavares – um concerto experimental, um espectáculo de teatro musical 528.

Ana Hatherly, então critica de música do Diário popular descreveu para esse jornal o que aconteceu, o que na altura designa por espectáculo. Num programa 529 encabeçado a audição da peça Cartridge Music de John Cage, e subsequentemente dividido em duas partes - sendo cada uma delas constituída por seis momentos, encontramos notáveis apontamentos de humor e alguns jogos de palavras com tradução visual. Foram retirados e subsequentemente organizados, ao modo dos concertos fluxus, sons de objectos variados ( balões, brinquedos, pratos, guizos, badalos...), articulados com musica tocada num piano, e compostos com o desenrolar de uma acção preparada.

Na qual o

publico veio a participar espontaneamente, relação esta – entre público e intervenientes iniciais, mediada por Clotilde Rosa.

Após a audição da Cartridge Music de Cage seguiu-se o

designado O Funerão do

Aragal. Na descrição de Hatherly correspondeu ao que se segue: vi sentados a uma mesa alguns indivíduos comendo. Junto deles um caixão de defunto, verdadeiro, preto, decorado a fitas de prata. Dentro dele estava alguém que eu não via, mas supunha ser o denominado Aragal. Ruídos de talheres, de mastigação, de sílabas confusas, marcha nupcial tocada ao piano ( neste momento todos se lembraram do noivado do sepulcro), etc. quando terminou a refeição que demorou dez minutos, os indivíduos que até então tinham estado sentados à mesa dirigiram-se para o caixão e começaram a atirar lá para dentro: cascas de laranja, bocados de pão, flores, polvilhando morto de sal e pimenta. Então o número termina: ergue-se o morto vivo e retiram o caixão da cena 530. 528

Jorge Peixinho, “ Resposta a Manuel de Lima” in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 10 de Fevereiro de 1965, p. 5. 529 Ver programa no Ana Hatherly e E.M. Melo e Castro, PO. EX – textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, 1981, p. 47. 530 Ana Hatherly, Ana Hatherly e E.M. Melo e Castro, PO. EX – textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, 1981.

166

Foram feitos soar instrumentos informais e Jorge Peixinho bebeu água de um penico – BIDOTRAFICO. É na acesa troca de palavras levada a cabo entre Manuel de Lima e Jorge Peixinho nas páginas das edições de 20 de Janeiro e 10 de Fevereiro de 1965 do Jornal de Letras e Artes, que encontramos a definição - entre outros importantes esclarecimentos, das directrizes programáticas que fundaram este acontecimento.

Enquadrando o CONCERTO E AUDIÇÃO PICTÓRICA na categoria de um concerto de acordo com uma acepção tradicional, e partindo do principio de que os pressupostos deste acontecimento se regeram por uma filiação mimética e mal compreendida aos modelos conceptuais fornecidos por John Cage, o critico Manuel de Lima teceu um enredo de duras críticas ao acontecimento e seus organizadores. Manuel de Lima fundou as suas críticas num ataque a Jorge Peixinho, acusando-o da incapacidade de efectivar os pressupostos teóricos de John Cage. A consequência dessa incapacidade tornou-se manifesta num espectáculo, afirma, que se reduziu a uma torpe tentativa gratuita de escandalizar, visando em épater le bourgois, e levando à conclusão de que na ausência de uma profissão de fé pelo budismo zen pelos seus participantes e organizadores, a experiência realizada por Salette Tavares, Clotilde Rosa, António Aragão, M. Melo e Castro, Manuel Baptista, Mário Falcão e Jorge Peixinho, reflectiu uma falta de acordo e de conhecimento talvez mais profundo desta dilemática de Cage e por isso resultou num divertimento gratuito, num jogo de salão 531. Consequentemente afirma que impressão geral desse espectáculo se saldou por uma atitude ainda dadaística sem a virulencia do intervencionismo do primeiro dadaísmo 532.

Referindo, acertadamente no conceito, estranha e desajeitadamente na ortografia, que o Concerto e Audição Pictórica se tratava não de um concerto mas de um hapnings, logo

p.47-48 531 Manuel de Lima, “ Concerto e Audição Pictórica sob a orientação de Jorge Peixinho na Galeria Divulgação” in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 20 de Janeiro de 1965, p. 11. 532 Id.ibid, p. 11.

167

adianta mais à frente – que deveria ter chamado happinings 533, Manuel de Lima lamenta o envolvimento de Peixinho e Mário Falcão nessa confusão de ideias. Desta forma, sublinha que tal confusão não favorece tão pouco os poetas experimentais, concorrendo para o perigar do

aspecto sério dos seus conceitos, não obstante a

possibilidade de ilibação de que são alvo, dada a sua incapacidade de leitura do trabalho de Cage, em virtude da categórica conclusão de que o que deve Ter seduzido os poetas participantes nessa sessão reduz-se à liberdade aparentemente oferecida por John Cage, liberdade que na prática não existe a não ser como uma cilada 534. Às acusações de Manuel de Lima, Jorge Peixinho responde sistemáticamente e claramente num artigo publicado na edição do Jornal de Letras e Artes de 10 de Fevereiro seguinte.

Chocado pela submissão exclusiva dos fundamentos que orientaram o Concerto e Audição Pictórica aos princípios cageanos, respondendo ponto por ponto à acusações de Manuel de Lima, Peixinho esclarece a base conceptual do CONCERTO E AUDIÇÃO PICTÓRICA: numa nova revalorização do aspecto mímico e visual inerente à realização musical prática, aliada à integração na própria obra de todos os elementos até agora considerados como excrecências ( fenómenos intimamente ligados à “gestatlatpsychologie”, conduziu, como corolário lógico, à formulação de um novo espectáculo musical, no qual musica, mímica, elementos plásticos, deslocações cénicas, ruídos do público, etc., constituem elementos de “constituição formal”, por assim dizer, ao mesmo nível de comunicação e de vivência. Cada gesto, cada atitude, cada som, cada objecto, funciona como uma acção vector formal que vem abolir as hierarquias estéticas tradicionais. O dinamismo inerente a esta arte efémera que se realiza e se dilui no tempo, exige uma concentração extrema no acto de criação, uma euforia na vivência do momento e uma memória constante de tudo o que se vem realizando em instantes anteriores 535.

533 534

Id.ibid, p. 11. Id.ibid, p. 11.

535

Jorge Peixinho, “ Resposta a Manuel de Lima” in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 10 de Fevereiro de 1965, p. 5 e 12, p. 5.

168

A Jorge Peixinho, Manuel de Lima respondeu com o texto Quando os androides de Cage renegam o dono 536, mantendo as acusações anteriores e tomando por inadmissiveis as conclusões de Peixinho. Sublinhando desta feita, que o principal aspecto a Ter em conta no que concerne ao Concerto e Audição Pictórica se deveria prender com o facto deste ter constituído um total fracasso. Desta troca de acusações salda-se em balanço o fundamental esclarecimento feito por Peixinho, consciente da mecânica do processo de expansão, dos seus dispositivos ready-made e do seu potencial revelador veiculado pela acção.

Terminado o happening, permaneceu a exposição – poemas explorando o espaço visual, traduzindo as conquistas do poético.

Quando na 111, no ano de 1966, Melo e Castro expõe os Poemas Cinéticos admite: o processo em curso – do ideograma para o objecto - liberta a poesia da tirania de uma gramática desadequada ao momento histórico, fazendo recuar a prática do poeta ao campo do desempenho, do performativo: para mim é até um acto de coerência poética

a

realização desta pequena exposição pois com ela procuro fazer recuar os limites da própria literatura e restaurar o sentido grego do poeta, o seja, do que faz 537. No ano seguinte, um novo happening será empreendido envolvendo os poetas visuais, em Lisboa, dois anos a seguir diluir-se-à em assumindo a forma de uma conferência, no Porto. 1.4. Academia Dominguez Alvarez

Efeverscia culturalmente a cidade do Porto, usufruindo da dinâmica gerada com a abertura do teatro Experimental (1953) e do Cineclube, quando o pintor Jaime Isidoro (n. 1924) 538 lançou com António Sampaio as fundações programáticas da academia e galeria que na 536

Manuel de Lima, “ Quando os Androides de Cage renegam o dono” in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 10 de Fevereiro de 1965, p. 5 e 12 e 14 537 E.M. de Melo e Castro, “Entrevista, E.M. de Melo e Castro” in Jornal de Letras e Artes, Lisboa, 29 de Junho de 1966, p. 2 e 15. 538 Nasceu no Porto em 1924, estudou na Escola Soares dos Reis, sendo que a sua primeira exposição data de 1945. Depois de ter fundado a Galeria Alvarez em 1954, editou a revista Artes Plásticas, Co-organizou os Encontros Internacionais de Arte e criou a Bienal de Vila Nova de Cerveira. Participou na Europália´91 com tapeçaria. Foi ainda bolseiro com a bolsa José Malhoa, que lhe permitiu trabalhar em Paris, Madrid e Roma. Cfr. Jaime Isidoro, Porto, 2003, sp.

169

década de 70 conectou o provincianismo urbano português e a ruralidade lusitana, com a mais radical vanguarda internacional. Nascida de um momento criativo - no cinema havia o cine-clube, no teatro havia o teatro experimental, e nas artes plásticas havia a galeria Alvarez - que era um movimento muito forte e efervescente, era mesmo uma revolução cultural 539, a galeria Dominguez Alvarez, foi criada como uma academia livre desenho e pintura. Pretendia-se que viesse a condensar uma necessária resposta à inexistência de espaços na Invicta, para a divulgação da arte moderna 540. Aberta no ano em que fecha em Lisboa a Galeria de Março – 1954 , e coadjuvada pelo bom mercado da altura

sustentando

pela elite económica do Porto industrial e

bairrista 541, a Alvarez de Jaime Isidoro permitiu-se investir na novidade e na formação: fizemos uma revolução artística escandalizámos o meio. Um dos trabalhos que me parece que a Alvarez levou a cabo foi intervir na sociedade daquele tempo, porque a sociedade caminhava de costas. E só entendiam o impressionismo, estavam virados de costas e só para o passado 542. Se esse trabalho é hoje considerado por Jaime Isidoro como uma intervenção de vanguarda, tal permite-lhe voltar a re-afirmar, de forma consciente os fundamentos da sua abertura: dar a volta, por as pessoas a caminhar para a frente em vez de caminharem de costas, e a sentirem sob o ponto de vista cultural o que se passava à sua volta 543. Quatro anos após a abertura da galeria, aos ateliers de desenho e pintura foi acrescentado o atelier de gravura, tutelado por Manuel da Assunção, fechado em 1960 para ser retomado em 1965 por José Santos Abilio (n. 1926). À personalidade de Abilio esteve associada uma particular atitude revolucionária e contestatária, sempre próxima da Alvarez. Este esteve presente e activo no processo de expansão, pisando os territórios da poesia concreta, responsável pela redacção, ao tempo quente de 1976, do Colagem Manifesto Vermelho.

539

Jaime Isidoro, Entrevistado em Janeiro de 2004, Porto. Gonçalo Pena Op. cit, sp. 541 Gonçalo pena, Op.cit.,sp. 542 Jaime Isidoro, Entrevistado em Janeiro de 2004, Porto 543 Jaime Isidoro, Entrevistado em Janeiro de 2004, Porto. 540

170

A relação com os poetas experimentais de Lisboa é feita pela sua pessoa, numa colaboração regular com as suas edições 544, por um trabalho que é uma caso único no contexto da arte e da poesia portuguesas, protagonizando o exemplo de uma criação artística underground, radical e implacável na sua recusa e denuncia do mercado de arte, das instituições artísticas e dos críticos de arte, materializadas em toda ma série de edições de manifestos, revistas, panfletos, colagens e poemas visuais que aliavam uma rara intuição gráfica à assunção orgulhosa da sua marginalidade e efemeridade 545. No mesmo ano da abertura do atelier de gravura

empreendeu-se o alargamento

programático da galeria a debates e colóquios sobre arte moderna: sempre na inauguração individual havia um colóquio sobre arte, em que o artista respondia, estava presente na altura- havia sempre um colóquio onde se discutia a sua obra, sendo que o público interpelava o artista para uma explicação do que estava a apresentar 546.

A Alvarez entrava pela década de 60 herdeira de um percurso tornado distinto pela programação empreendida em 50. Em 1955 havia exposto, pela primeira vez em Portugal, Portinari. Seguiu-se a primeira exposição póstuma de Amadeo de Sousa Cardoso mostrando trinta obras existentes em Amarante, bem como uma das primeiras exposições individuais de Costa Pinheiro e uma retrospectiva da obra de Domiguez Alvarez. Nos últimos anos da década a Alvarez organiza no mesmo ano a colectiva de inauguração da «Divulgação» (1958), uma exposição de d’Assumpção, desenhos de Siza Vieira, uma primeira exposição colectiva de Arte Moderna com José Júlio, Escada, d`Assumpção, Gonçalo Duarte, Areal, Lagoa, e Cargaleiro (1959), entre outros, uma exposição de «Pintura Actual Catalã», e a Segunda individual de Sá Nogueira 547.

544

Nomeadamente na Antologia de Poesia Concreta em Portugal, organizada por Ernesto de Melo e Castro e José Alberto Marques, editada em Lisboa em 1977 pela Assirio e Alvim. 545 Fátima Lambert e João Fernandes,Op.cit., p 29. 546 Jaime Isidoro, Entrevistado em Janeiro de 2004, Porto. 547 Gonçalo Pena, Op.Cit, sp.

171

A galeria de Jaime Isidoro centralizava já então alguns dos artistas que nas décadas seguintes se lançaram na efectivação do processo de expansão quer pela operacionalização do mecanismo performance, quer por outras vias correlativas. Artistas que traçaram linhas de abertura quer relativamente a Lisboa quer ao palco internacional. Do cruzamento que ocorre na década de 70 entre o elán gerado na Galeria Alvarez em 50 e a actividade do crítico Egídio Àlvaro, foram produzidos sob o signo da pela divulgação da arte moderna e das vanguardas, pelo estabelecimento do diálogo com as populações 548o Ciclo Perspectiva 74, cinco Encontros Internacionais de Arte dos quais nascerá a Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira e editada a editada a revista de Artes Plásticas. Notavelmente, o alinhamento da Alvarez pelas coordenadas da arte que opera o processo de expansão cedo a conectou com os poetas experimentais sediados em Lisboa. No Porto, Silvestre Pestana e Emereciano, a par do então aluno do atelier de gravura – Abílio, empreendiam simultaneamente avanços neste processo, trabalhando no território da poesia concreta.

1.5. Operação I e Operação 2

Em Janeiro de 1968 - ano marcado pela exposição dos Quatro Vintes 549 na Cooperativa Àrvore e na Alvarez ( exposição que foi repetida na SNBA em 1969 sob o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian), as revistas Operação I e Operação 2 foram lançadas na Alvarez. Com esse momento – ao qual e à qual erradamente se chamou happening 550, coincidiu a conferência que inaugurou uma exposição patente até o final do mesmo mês e a audição simultânea de três peças de Jorge Peixinho.

As revistas Operação I e Operação 2, cujo nome indicia o carácter concertado e incisivo da sua pretensa intervenção vanguardista, haviam já sido lançadas em Lisboa a 13 de Abril de 1967 na Galeria Quadrante. Tratavam-se ambas 548

Jaime Isidoro, Entrevistado em Janeiro de 2004, Porto. Ângelo de Sousa, Armando Alves, Jorge Pinheiro e José Rodrigues 550 Fátima Lambert e João Fernandes, Op.cit., p. 29. 549

172

de revistas de poesia

experimental mas também de exposições portáteis. A responsabilidade da sua organização foi partilhada por Ana Hatherly e Ernesto Melo e Castro 551. As capas da Operação I – traduzem um foco de confluência em intensidade do processo de expansão, manifesto já em 1966 na capa da revista Hidra 552. Uma linha de simultânea conexão e abertura entre os elementos activos no domínio do poético e os elementos activos no domínio do pictórico.

Cada uma das capas da Operação I, é da responsabilidade de João Vieira (n.1934), tal como fora a capa da Hidra. João Vieira cruza-se em 1962 com

os princípios da poesia concreta. Este

trabalhando o processo de expansão desde o inicio da década, num

vinha

território de

confluência entre o poético e o pictórico. No virar da década, João Vieira havia assumia também um papel fundamental no contexto da aventura KWY. Com o decorrer dos anos de 60, este pintor

radicaliza as suas investigações em torno a letra, operacionalizando todas

as potencialidades abertas pelos processo. Como resultado desta radicalização realiza performances que se assumem, segundo Raquel Henriques da Silva, antes da revolução de Abril, (n)um sinal veemente da sua urgência mas também uma espécie de sintoma juvenil de que ela estava posta em marcha por tantos gestos, definitivamente autonomizados, que diziam não à “Cena e ódio” em que o regime moribundo havia ficcionado o país 553. Empreendendo a partir da caligrafia a mecânica do processo de expansão, João Vieira representa, a par de Espiga Pinto (n.1940) - que explora uma dimensão ritualistica do acto criativo enquanto investigação das bases arquetipicas da representação e significação, o exemplo na história da arte portuguesa de um pintor que radicaliza a partir da pintura os limites do enquadramento no sentido da sua coincidencia com uma atitude.

551

Inclui-se neste contexto a tentativa de redacção de um Manifesto, quer por parte de Ana Hatherly, quer por Ernesto Melo e Castro a ser lançado com as Operação 1 e Operação 2. Ambos permaneceram inéditos, sendo editados mais tarde na obra POEX, p. 69-72. 552 A Revista Hidra contou com duas edições: uma de 1966 da qual João Vieira fez a capa e onde não se reúnem trabalhos dominantemente experimentais à excepção de um poema visual de E. Melo e Castro, Mapa do Deserto; e outra de 1969, a Hidra 2, no âmbito do lançamento da qual, na Galeria Quadrante, teve lugar uma exposição bibliográfica de Poesia Experimental Portuguesa. 553 Raquel Henriques da Silva, “ João Vieira: das letras aos corpos” in João Vieira, Corpos de Letras, Porto, 2002

173

No que concerne a João Vieira, será Ernesto de Sousa em 1979, num artigo publicado na Colóquio Artes 554, intitulado “Da letra ao texto, do texto ao contexto: João Vieira”, quem se debruça sobre as implicações expansivas do curso do processo na sua obra, do pictórico ao performativo. Como o notará Raquel Henriques da Silva, Ernesto de Sousa referirá as duas maiores características do arte de João Vieira: o sentido festivo de um trabalho que se liberta dos suportes e dos espaços tradicionais para se afirmar como um espectáculo partilhado; a urgência ( e o gozo)

de provocar um país onde

a “seca demorada” instaurou uma

ritualização de morte prolongada onde mesmo os corpos livres só episódicamente puderam expressar-se 555.

O lançamento simultâneo das duas revistas Operação - diz E. M. Melo e Castro em 1967, visava sublinhar as duas vertentes ou correntes seguidas pela investigação poética experimental então levada a cabo na órbita de Melo e Castro e Ana Hatherly: uma com coordenadas visuais, outra visando o aprofundamento da mecânica linguistica. Se Operação é o titulo geral de uma série de publicações de textos criadores e criticos sobre a estrutura do fenómeno poético, a Operação 1 é um album que contém trabalhos de Ana Hatherly, José Alberto Marques, Pedro Xisto, António Aragão e meus, diz Ernesto de Melo e Castro numa comunicação em forma de entrevista publicada no Diário Popular em 6 de Abril de 1967 556. Continuando esclarece: esse álbum constitui uma exposição portátil que adquire e se leva para casa. No lançamento ( na galeria quadrante) faz-se a exposição de um exemplar do album, visto todos os trabalhos terem um carácter visual.

Quanto à Operação 2, é Ana Hatherly – a sua colaboradora exclusiva, quem esclarece: é preenchida por uma investigação estrutural de determinadas formas linguisticas aplicadas à criação poética – o seu Alfabeto estrutural 557. Uma investigação estrutural entendida como 554

Ernesto de Sousa, “ Da letra ao texto, do texto ao contexto: João Vieira” in Colóquio Artes, nº42, Lisboa, Setembro de 1979, pp. 30-39. 555 Raquel Henriques da Silva, “ João Vieira: das letras aos corpos” in AAVV, João Vieira – Corpos de Letras, Porto, 2002, p. 66-73.p. 66 556 Ana Hatherly e E.M. Melo e Castro, PO. EX – textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, 1981, p. 66. 557 Remeter para demonstração deste alfabeto em José Alberto Marques e Melo e Castro, Antologia de Poesia Concreta em Portugal, Lisboa, 1973, p. 119- 121.

174

suporte e abertura dos caminhos iniciados pela Poesia Concreta e Experimental 558. A Operação 2 - ultimo número desta série de publicações corresponde na sua totalidade ao livro Estruturas Poéticas de Ana Hatherly.

A

CONFERÊNCIA-OBJECTO na Galeria Quadrante, minuciosamente pensada e

arquitectada pelos seus intervenientes: Ana Hatherly, José Alberto Marques, Melo e Castro e Jorge Peixinho aos quais se acrescentaram dois gravadores, foi pensada como um happening. Os propósitos enunciados no ano anterior por Melo e Castro ao Jornal de Letras e Artes, aquando da exposição Objectos Cinéticos na Galeria 111, eram agora efectivados numa consciência afirmada de que a materialização da obra reside na acção. No fazer.

O objectivo da preparação do espaço e da coordenação dos intervenientes, visava que servissem apenas como moldura - como dispositivos de repetição concorrendo para a revelação do diferente: os organizadores

( e todos os intervenientes) colocavam-se

portanto na posição de provocadores do acto criador, exemplificando publicamente a diferença e a simultaniedade que há entre o “estruturado” e o “ improvisado” no acto criador, os seus aspectos sistemáticos, dramáticos, laborais, de consumo, etc. e também o acto criador como espectáculo 559. Neste sentido, as posições dos intervenientes foram estipuladas, o tempo das suas intervenções cronometrado.

Mas,

do público não se sabia o que se esperar,

consquentemente, a moldura predefinida foi pensada no seu devir, de forma a estar aberta às reacções do público.

Assim, dando início à CONFERÊNCIA-OBJECTO, José-Augusto França faz uma pequena introdução.

558

Ana Hatherly e E.M. Melo e Castro, PO. EX – textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, 1981,, p. 67. 559 Id.ibid.p.79

175

A esta seguiu-se a leitura, por parte de Hatherly de um texto versando o estruturalismo 560 e suas directrizes essenciais, interrompida ora por Melo e Castro 561 ora por José Alberto Marques, ora pela intervenção sonora simultânea a partir de dois gravadores, de Jorge Peixinho, dos quais se ouvia duas partituras compostas para a ocasião, gravadas em fita magnética. Procurava-se levar a cabo uma manifestação de tal modo cuidada (que) põe em destaque a sua ortodoxia teórica. Este segundo happening levado a cabo pelos poetas e musicos experimentais seguia de perto a formulação teórica e a base conceptual das revistas Operação. Nestas,

nomeadamente na 2, um dos objectivos essenciais centrou-se em

reconduzir o texto a sua literalidade – daí a concepção da conferencia como um objecto uma enorme metáfora viva, com recorte formal, espacial e temporal, definido e previamente elaborado( como qualquer objecto o é), mas também bastante aleatório no seu significado final, na medida em que muito dependeria da presença do público e das sus reacções. Assim, o público era “concebido” e “apresentado” a si próprio no momento em que existisse como tal, isto é existia ao apresentar-se como tal, assim como o próprio objecto que era a conferência 562.

Procurou-se assim a criação de uma situação fundada na acção, acentuando a relação estrita entre criador e público ao ponto da sua sobreposição, entendendo o público como elemento fundamental no processo de siginificação e existência – decisiva na materialização da obra que é acção 563. Mas, na prática, o desenrolar dos acontecimentos ditou alterações aos programa inicial, o público não participou nem percebeu 564. O happening terminou com o silêncio de uns, o interesse de outros pela exposição e com as ameaças dirigidas a Melo e Castro pelos restantes.

Por sua vez, na Dominguez Alvarez, em Janeiro do ano seguinte - onde não houve CONFERÊNCIA-OBJECTO mas apenas uma tradicional conferencia realizada por Hatherly, versando o estruturalismo e uma explicação do seu Alfabeto estrutural, seguida 560

Id.ibid., p.82 Id.ibid. p. 85 562 Id.ibid., p79 563 Id.ibid., p. 79 564 ver descrição da conferencia em id.ibid.p 80. 561

176

da audição de três peças em simultâneo de Jorge Peixinho, o publico demonstrou-se curioso e interessado. A intervenção saldou-se pelo sucesso, di-lo o redactor do artigo publicado no Jornal de Noticias do dia 24 de Janeiro de 1968, intitulado Exposição de pesquisas poéticas e gráficas na Galeria Alvarez. Neste artigo, o redactor fala acerca de um acontecimento chocante na pacatez cultural do Porto, para o qual a galeria se encheu completamente de pessoas interessadas no debate dos problemas culturais do nosso tempo, vendo-se muitos poetas e artistas plásticos, muitas senhoras mas sobretudo jovens 565.

Quando a Alvarez já se distinguia no meio portuense como um local de encontro dos intelectuais, dos políticos da cidade e, muitas vezes sala de recepção do teatro experimental (...); aí se ensaiam os primeiros colóquios da cidade ( com António Reis), que mais tarde ganhariam eco nas associação dos Jornalistas, com a direcção de Óscar lopes e Alberto Uva 566, Jaime Isidoro deu inicio em 1964 à actividade da Casa da Carruagem em Valadares. 1.6. Egotemponírico

No ano da Documenta V de Kassel, o pintor J. Espiga Pinto (n.1940) - um dos 35 artistas que inaugurou dois anos antes (a 28 de Novembro de 1970) a Galeria Ógiva em Óbidos – expande o domínio das suas experiências pictóricas, actualizando projectos um projecto escrito e desenhado em 1967/68, por meio de um happening, à praia, ao rio e ao espaço da Casa da Carruagem.

Depois das intervenções O Espirito da Letra de João Vieira na Judite Dacruz em Lisboa - em 1970 e em 1971, e no mesmo ano em que este revela pela ausência a presença indicial do corpo transposta da pintura para um acontecimento na performance Incorpóreo I, o

565 566

Jornal de Notícias, 24 de Janeiro de 1968, p.1 Fátima Lambert e João Fernandes, Op. cit., p. 20, nota 3

177

pintor e escultor de Vila Viçosa inscrevia a sua prática artística numa incursão ao tempo e ao espaço das ocorrências. Os sinais da mudança de perspectiva e da ruptura com as práticas e dos suportes comuns e codificados, com as imagens sem surpresa, esses sinais premonitórios carregados de inquietude e de incerteza apesar de pouco numerosos e dispersos num espaço geográfico e humano impermeável – existiam já desde 1972, escreve retrospectivamente em 1979 Egídio Álvaro 567.

Expondo individualmente pela primeira vez em 1955 em Vila Viçosa, Espiga Pinto cedo definiu um léxico pictórico próprio numa prática dividida a partir do virar da década com a da escultura, da arte pública ( murais e desenhos de pavimentos - 1969: Mural Fundação Calouste Gulbenkian Lisboa; 1973: Pavimento da Praça de Portugal em Brasilia) e do ensino ( como professor de desenho de 1979 a 1987) na escola que polarizará uma nova dinâmica para o ensino artístico em Lisboa, a partir de 1969:

o Instituto de Arte e

Decoração, o actual IADE 568.

Escola esta que entre 1977 e 1982 processo de expansão,

estará implicada na expressão da efectivação do

mediado por Egídio Àlvaro sob o mote da performance,

na

programação Ciclo de Arte Moderna. Ainda aluno do curso de escultura da ESBAL ( 1957-1960) Espiga Pinto esquissa e projecta intervenções -

projectos de expansão do

acto criativo, pautados por uma

dimensão ritualística com pretensão de implicações cósmicas – projectados para acontecerem no atelier, no campo ou na praia, com 10 ou 20 pessoas presentes, ou só com a presença do fotógrafo. – no atelier; - praia Algarve; - campo Alentejo e Trás-osmontes 569 , correspondendo a um processo por uma razão evidente: pois pertence à nossa expressão humana de participar num “momento histórico” em que as “expressões da arte” se incluem... Incluindo também o corpo e acção teatral como imagem da criatividade 567

Egidio Álvaro, Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au portugal, Lyon, 1979, sp. 568 Criado em 1969 com o nome Instituto de Arte e Decoração por António Quadros, visou a instituição de um estabelecimento de ensino artístico com programas inovadores, coordenados com as congéneres escolas internacionais, pelo que contou na definição dos seus curricula com a contribuição de Claude Ternat, John David Bear, Bruno Munari, entre outras personalidades. Sediou-se à data da sua fundação no Palácio Farrobo. 569 Espiga Pinto, Entrevistado em 30 de Maio de 2004, p.2.

178

na expressão dos pintores e dos escultores 570. E as implicações, essas residem num entendimento da arte como uma forma de energia em METACOSMUNICAÇÃO. E como ritual - o papel do ritual na arte, acrescenta, é o da experiência.

Quando o Diário de Lisboa de 26 de Janeiro de 1973 noticiou o happening decorrido entre a Ponte da Arrábida e a Casa da Carruagem – o Egotemponirico, diz ter-se tratado de um ritual. Um ritual inaugural deste tempo – e o tempo somos nós, são as palavras citadas de Espiga Pinto. Daí o titulo do artigo: um pintor do (nosso) tempo de si próprio. Quando, no mesmo artigo Espiga Pinto é questionado acerca do que se trata um ritual, este responde: importante é tu acreditares que é possível compreender as coisas para além das coisas, sem metafisica, apesar de tudo. (...) O ritual é uma vivência, é a própria vivência 571.

Estendendo o processo criativo como ritual e domínio de revelação à criação conjunta e orientada sujeita às normas do acaso no tempo, Espiga Pinto reconhece no ritual um poder fundador.

Correlativo a uma responsabilidade – a da criação de uma nova situação

existencial. Num pequeno texto de 1971 publicado na revista Artitudes 572, o artista confirma: o nosso mental serve todo um processo presente de comunicação e de renovação, daí que possa dizer que somos fabricantes “activo-gestuais”, sinaléticos,

transformadores e

participantes num processo consciente de actividade e intervindo no sentido da reestruturação dos processos construtivos de uma nova visão e vivencia cósmicas. A nossa linguagem e uma das expressões do futuro consciente colectivo 573.

A convite de Jaime Isidoro, Espiga Pinto realiza em 11 de Outubro de 1972, a partir das 12 horas, o

Egotemponrico: um happening - ritual e exposição decorrido em três

momentos e espaços, amplamente coberto pela imprensa, do Porto a Lisboa.

570

Id Ibid. p. 2 Diário de Lisboa, 28 de Janeiro de 1973 572 Artitudes 5, Paris, 1971, pp.20-21 573 Id.ibid. 571

179

Este seguiu uma arquitectura de vertente tripla traduzida pelo artista no seguinte esquema: A) A mulher

B) O colectivo

A lua (Ponte da Arrábida)

C) O Renascer O Sol

( Pinhal de Valadares/

( Pinhal Valadares e

Casa da Carruagem)

Praia Valadares)

Ao primeiro momento correspondem as directrizes editadas na Artitudes 5: depois da pintura do disco em cor metálica e amarela, as pessoas presentes metem a sua mão em tinta fresca; em alguns instantes, todas as pessoas tem as mãos amarelas e eu olho-as. Depois da ponte, eu atiro o disco no espaço, e, depois de um percurso lento, ele cai no rio e começa o se caminho aleatório 574.

Se na imprensa portuguesa se lê insistentemente que Espiga pinto atirou o sol do alto da ponte da Arrábida 575 ou que um sol de esferovite lançado ao rio Douro do meio da ponte da Arrábida, ou ainda Espiga lançou um grande sol de esferovite ao Douro e ontem no porto um sol enorme invadiu o Douro 576, o artista corrige de forma igualmente insistente: tratava-se de uma lua, sublinha. Uma circunfrencia de esferovite com um raio um metro e com quarenta centimetros de espessura, atravessada por uma corda fixa ao centro por uma mão

dourada de tamanho real, pintada

já no decorrer do happening pelo artista,

significando uma homenagem a uma mulher 577.

Lançada a circunfrencia ao rio Douro, o ritual continuou na Casa da Carruagem.

No pinhal que circunda a Casa da Carruagem, Espiga criara um enviroment com objectos feitos de espuma: cubos e discos circulares sobrepostos, atravessando os troncos finos dos pinheiros altos, esferas de espuma de meio metro de altura soltas no chão. Mas no egotemponirico a maior parte das pessoas ficou a olhar e não participou, não mexeu nas coisas. Observou-as apenas. Era necessário que as pessoas percebessem que faziam,

574

Id.ibid. Jornal de Notícias, 12 de Outubro de 1972, p.2 576 Diário de Lisboa, 26 de Janeiro de 1973, p. 16 577 Artitudes 5, 1971, Paris 575

180

também,

parte da exposição. Egotemponirico era um happening e só as crianças o

compreenderam 578. As pessoas chegaram e esperaram. Começa o terceiro momento do happening: homenagem ao sol. Depois de meia hora no habitáculo ( em espuma metálica e amarela) que eu construi para ai pensar, eu atiro uma esfera amarela e faço um auto-nascimento saindo embrulhada numa rede de dez metros 579.

Auxiliado por João Dixo e por Alberto Carneiro, Espiga Pinto sai da enorme esfera de espuma, arrastando atrás de si a rede de 10 metros, para se dirigir de imediato para Ocidente, seguido pelo cortejo de muitos dos presentes, dos quais alguns suportam a imensa esfera lançada de seguida ao mar. De volta a Valadares vive-se uma festa, com música e um beberete. Terminado estava o Egotemponirico: sabes que a vida quotidiana é um ritual? 580. Escreve

em

1979

Egídio

Àlvaro:

Espiga

Pinto

realiza

em

Valadares

um

percurso/envolvimento simbólico com objectos de grandes dimensões que se adaptam às árvores e modificam singularmente a paisagem. Nesse espaço temporário tratou-se do nascimento, sofrimento, partida e o artista utilizou o seu corpo para estabelecer ligações muito poéticas, quase místicas, entre o homem, a natureza e o cosmos. A floresta, a praia, o mar se prestaram admiravelmente à criação de um quadro ideal para a “viagem” inciática do homem/corpo em busca do absoluto 581. Pela investigação de formas arquetipicas de representação e significação, Espiga Pinto empreende a incursão no processo de expansão – o gesto é onde se define o ritual, o lugar da repetição das formas subjacentes e da revelação/construção de uma nova ordem de significação. No mesmo ano parte para a Suécia mas a filiação à Alvarez e à Ógiva mantém-se.

578

Espiga Pinto citado no Diário de Lisboa, 26 de Janeiro de 1973, p. 16 Artitudes 5 p. 1971, Paris 21 580 Espiga Pinto citado no Diário de Lisboa, 26 de Janeiro de 1973, p. 16 581 Egidio Álvaro, Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au portugal, Lyon, 1979, sp. 579

181

5.7. De um poema para bailar ao Incorpóreo

No ano em que acontece o Egotemponírico em Valadares, João Vieira - o pintor que desde cedo se associa ao processo de expansão tanto através da sua ligação ao KWY, como através das relações estreitas que mantém com poetas na senda do experimentalismo 582, realiza na Expo AICA 72, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, o Incorpóreo.

Como situação que decorre segundo uma lógica natural da presença do corpo trazida para a pintura sob a forma do gesto impresso em índice como suporte de um processo claramente experimental desde os primeiros anos da década de 60,

João Vieira empreende

no decorrer da década de 70 um conjunto performances, a algumas das quais se chamou happenings, acções-espectáculo 583. Foram estas O Espírito da Letra ( Exposição Dura) em Mole) em

1970 e Expansões (Exposição

1971 na Galeria Judite da Cruz; Incorpóreo I realizada na EXPO AICA 72

na Sociedade Nacional de Belas Artes; Pele Integral realizada na EXPO AICA 74, 1974 na mesma Sociedade Nacional de Belas Artes e, por fim o Incorpóreo II em 1979 no Museu Vostell Malpartida.

Desde o despontar da década de 60 o corpo está implicado, mediado pela letra, na pintura de João Vieira. Tornado presente por um gestualismo que imprime aos signos caligráficos quer a carga de índice de um acontecimento gerado pela dinâmica de um corpo-lugar, quer a carga de uma significação pictórica, plástica, visual. Ambas obrigam a uma reterritorialização do signo caligráfico, tornado domínio de experimentação, tomado como dispositivo-base de repetição no sentido da revelação do que o processo que nele se imprime poderá acarretar.

582

Não só no que diz respeito à sua associação aos poetas experimentais desde a Hidra e em 1967, para quem realizou a capa da revista Operação I em 1967, como no contexto das tertulias vividas no Café Gelo, sobre o qual João Vieira tinha o seu atelier partilhado com René Bertholo e José Escada., reuniam-se entre outras personalidades Manuel de Castro, Herberto Helder, Helder Macedo, o pintor João Rodrigues. 583 Ernesto de Sousa, “João Vieira – da letra ao texto do texto ao contexto” in Colóquio Artes, nº42, Setembro de 1979, pp. 30-39, p. 36.

182

Enquanto dispositivo ready–made,

o signo caligráfico enferma o leque de todas as

possibilidades da revelação do diferente, por cada vez que entregue a um gesto é reequacionado. Implicando, correlativamente uma recodificação. E esse é o domínio do que Ernesto Melo e Castro designou por total poético 584. A orientação no sentido do total poético, veiculada por uma energia poética decorre na pintura de João Vieira, segundo Melo e Castro da proposta de visualização dinâmica e de recodificação material implicita na mudança de código literário para código pictórico. Acrescentamos, implicando a visualidade, o corpo pelo gesto e uma redefinição do sentido pelo descentramento das representações componentes, o poético assume o que Melo e Castro defende ser o carácter vivencial por meio do qual a biografia e a pintura estão de tal modo relacionadas que não existem causa e efeito 585.

Entre o corpo-lugar presente em índice e o corpo-lugar presente em matéria, a distância única e ténue situa-se nos limites formais das telas. No enquadramento fisico, constantemente desafiado pelo gesto que se prolonga deixando vestígios de um trajecto gestual que desenha uma relação espaço-tempo na tinta, ou pela ausência de uma lógica de enquadramento que implica o tempo na leitura dos caracteres, passível de ser continuada para qualquer lugar.

Os caracteres desenhados por João Vieira imprimem-se, equacionam-se, conquistam o espaço pictórico como ideogramas. Por um percurso distinto do que segue a poesia concreta, com os fundamentos da qual só tem contacto em 1962 – momento em que prosseguia avançado pelo processo de expansão associado à presentificação do corpo-lugar na letra, João Vieira explora um território que lhe é tangencial.

Data de 1961 o quadro performativo – Tela para Bailar. Este consiste numa composição poemática de estrutura circular radial,

baseada num poema de Ana Hatherly. Na

coincidência dos possíveis significados com a sua expressão visual define-se quer como um 584

Ernesto Melo e Castro, “ João Vieira Letra a Letra” in Colóquio Artes, n.1, 2ª série, Fevereiro de 1971, pp. 18-25., p. 19. 585 Ernesto Melo e Castro, Id.ibid., p. 19.

183

poema concreto, quer como um convite à acção. O ideograma é uma síntese visual da energia humana que o cria. Por isso cada gesto é um sinal e, mais ainda, cada conjunto de gestos, cada frase é em si própria um único sinal complexo mas unitário, visual e semânticamente 586. Por meio desta conclusão Melo e Castro afirma ter encontrado a chave aplicável à pintura de João Vieira a partir dos primeiros anos de 60: cada quadro será uma unidade plástica, um sinal complexo e polivalente do que o pintor escreverá nele, quer com caracteres romanos quer com sinais inventados 587.

Definem-se assim, verificamos, três os pontos de partida essenciais na pintura de João Vieira, trabalhada ao longo da década de 60 no sentido da revelação performativa do corpo. Estes condensam-se na refuncionalização do signo pela sua repetição e descontextualização, utilizado como dispositivo ready-made sobre o qual se imprimem os indícios de um corpo-lugar pelo gestualismo que toma a totalidade das telas numa lógica alheia aos princípios da composição, negando a normatividade da leitura ou dos limites formais da tela.

Melo e Castro refere este aspecto, lembrando como as letras se tornam assim objectos, passíveis de serem combinados e agrupados, assumindo nisso a sua possibilidade material em virtude da qual estas definem o seu próprio espaço 588. Um espaço concentrado, tensional, único e exclusivo.

À dimensão temporal, presente no vestígio do corpo-lugar nas letras tornadas índices na pintura corresponde o espirito da letra. É no tempo que se enferma o gesto do corpo, e o corpo - matéria e forma -, da letra.

586

Ernesto Melo e Castro, “ João Vieira Letra a Letra” in Colóquio Artes, n.1, 2ª série, Fevereiro de 1971, pp. 18-25., p. 19. 587 Id.ibid., p. 19. 588 Cf., Id Ibid., p. 25.

184

O lugar último de uma letra é a sua situação primeira: o que marca e regista a ausência de um corpo, mas que lhe sustém o momento ( essencial da figura). Chamo escrita à transformação essencial dos sentidos 589.

É esse tempo do momento que a performance presentifica, acarretando o corpo em matéria, o espaço em tridimensionalidade. Esse é o tempo do gesto do corpo e do corpo das letras, que foi apresentado em 1970 e em 1971 na Galeria Judite da Cruz, no Espirito da Letra e nas Expansões.

Mas o tempo do momento é também o do lugar da letra, sustentáculo do corpo cuja presença se afirma pela ausência, por estas letras enfermada em cor e vestígio – um incorpóreo a seu tempo revelado, na EXPO AICA 72. Ressonâncias das Antropometrias do nicense Yves Klein? Tinhamos ouvido falar do Kaprow e do happening muito famoso que ele tinha feito. Mas na altura eu não percebi nada daquilo, não interessou verdadeiramente, e

significava nada para mim. O que me

que me influenciou verdadeiramente foram as

Antropometrias do Yves Klein, eu estava então em Paris e vi 590, responde o pintor. Fomos apresentados à Vieira da Silva e ao Arpad que nos levavam para todo o lado e nos apresentavam a toda a gente.. foi então que começamos a frequentar a Iris Clert que era uma galeria muito pequenina. E viamos o Klein e o grupo de amigos dele. Viamos muitas peças deles e do que se fazia na Iris Clert. A grande influencia foi o Klein, em Paris. As Antropometrias 591.

José- Augusto França escreve acerca da investigação de João Vieira em torno dos signos do alfabeto no boletim da AICA Pintura e Não: o acerto de tais signos “figuras” em “fundo”, no campo figurativo que a tela lhe ia oferecendo, um tanto confusamente ao principio, com base literáriamente discursiva depois ( transcrições de versos, por exemplo), e depois ainda numa independência ordenada conforme uma economia e uma valorização próprias

589

João Miguel Fernandes Jorge, “ Escrever, pintar, até desaparecer o mundo circundante” in João Vieira, Percursos 1960-2001, sd., pp. 9-13, p. 13 590 João Vieira, Entrevistado em Fevereiro de 2004. Lisboa. 591 Id.ibid

185

– veio a desembocar no festival da sua última exposição. Ou nos seus dois festivais: nas salas da galeria e no que depois aconteceu. Primeiro um “environment”, depois em “ happening” 592.

Em 1970, na Exposição Dura, João Vieira apresenta enormes letras sólidas preenchendo as salas da galeria, criando entre elas espaços e um percurso orientado, dialogando com letras moldadas às paredes. Umas letras lisas, outras letras pintadas com outras letras, que foram envergando um singular trajo,

pelo pintor

destruídas solenemente com a ajuda de um conjunto de

crianças. Neste acontecimento, para muitos tido como um happening, designado por Ernesto de Sousa como uma acção-espectáculo 593 e por João Fernandes como uma performancedestruição 594, o corpo-lugar presente em matéria inscreve-se em índice sobre as letras destruídas. Do corpo que até então na pintura agia as letras, chegamos na Exposição Dura ao corpo que age com e sobre as letras. E, num momento seguinte, na Exposição Mole em 1971 o corpo do gesto coincide com o corpo da letra. Num notável acontecimento, João Vieira sintetisa a dialética dessa presença-ausência: o Incorpóreo I.

Exposição Mole, Galeria Judite Dacruz, 1971: modelos desfilam vestindo letras flexíveis – o corpo do gesto ausente da tela torna-se o corpo presente na coincidência com o corpo da letra. No filme realizado por Manuel Pires, vêem-se letras de grandes dimensões,

em

espuma de várias cores, espalhadas pela galeria, sobre as quais as pessoas se deitaram, reclinaram. Expansões: a letra expande-se ao espaço, à tridimensionalidade táctil. Entre elas Ernesto de Sousa. Letras que as pessoas presentes na galeria manipularam, abraçaram. As paredes estão igualmente cobertas de faixas de espuma coloridas. Uma modelo corporizando uma letra apresenta-se solemente, pousa e desfila a letra, pousando de seguida, como um modelo de pintor, deitada. Outras raparigas

entram na sala,

corporizando também letras, mas letras outras pousando e desfilando pela galeria. Da letra 592

J.A. França, “João Vieira, Galeria Judite Dacruz”, Janeiro 70, in Pintura & Não, AICA, nº7, 1970. Ernesto de Sousa, “João Vieira – da letra ao texto do texto ao contexto” in Colóquio Artes, nº42, Setembro de 1979, pp. 30-39, p. 36. 594 João Fernandes, “ A letra e o corpo na obra de João Vieira” in João Vieira, Corpos de Letras, Porto, 2002, pp. 20-31, p. 26. 593

186

pintada ao corpo da letra, sustentado pelo corpo do artista ou distribuído pelos corpos performativos dos modelos e dos espectadores, um percurso foi sendo inventado que conduziu à própria coisificação do corpo 595, assume Raquel Henriques da Silva. Se a Expansões valeu a João Vieira o prémio SOQUIL 596, presidido pelo júri constituído por José-Augusto França, Fernando Pernes e Rui-Mário Gonçalves – pela originalidade da sua proposta de envolvência na exposição realizada na Galeria Judite Dacruz 597, menos entusiasta foi o comentário de Fernando Pernes consignado na rubrica Lisboa/Porto na Colóquio Artes de Outubro de 1971. Assumindo que a questão colocada ao tempo do neorealismo - que tem a ver com o Portugal de hoje a arte moderna que em Portugal se está a fazer? – ressoava ainda, afirma que no preludio da sua resposta, podemos evocar o caso de happenings de “ amável bom comportamento”, os quais traduzem à moda de Lisboa a contundência inerente àquelas manifestações na amenidade de “divertidos serões familiares” 598. Aquando da EXPO AICA 72 599, João Vieira realiza uma das primeiras performances autênticas e puras e não só em Portugal, escreve seis anos mais tarde Ernesto de Sousa 600. Intitulada Do vazio à Provocação, a participação deste critico na EXPO AICA 72 saldouse pela apresentação de trabalhos de João Vieira ( que apresenta um envolvimento de enormes letras de espuma colorida); Alberto Carneiro, Ana Vieira, António Sena, Carlos

595

Raquel Henriques da Silva, “ João Vieira: das letras aos corpos”, Op.cit., p. 72. Prémio instituído em 1968 pela empresa SOQUIL, Sociedade de Industria Química Lda, de Lisboa, colocado sob o patrocínio da secção portuguesa da AICA, com o objectivo de distinguir os artistas que se distinguissem, essencialmente por exposições individuais. CFR. José-Augusto França, “ Sobre o Prémio SOQUIL” in Quinhentos Folhetins, Vol. I, Lisboa, 1984, pp. 311-313. 597 Ernesto de Sousa, “João Vieira – da letra ao texto do texto ao contexto” in Colóquio Artes, nº42, Setembro de 1979, pp. 30-39, p. 36. 598 Fernando Pernes, “ Lisboa/Porto” in Colóquio Artes, nº4, Lisboa, Outubro de 1971, p.39-43, p. 39. 599 Na qual a participação de Ernesto de Sousa, designada Do vazio à provocação foi indubitavelmente a mais alinhada por propostas de vanguarda, pelo processo de expansão, consciente do processo negativo de afirmação de positividade pela arte na sua definição NADA-VAZIO-DEUS , Cfr. Ernesto de Sousa, “ Ernesto de Sousa” in EXPO AICA, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1972, p. 30. A participação de Egídio Álvaro saldou-se pela apresentação de telas de Metello de Seixas e de Lima de Freitas, e escultura de Aureliano Lima. 600 Ernesto de Sousa, “João Vieira – da letra ao texto do texto ao contexto” in Colóquio Artes, nº42, Setembro de 1979, pp. 30-39, p. 36. 596

187

Gentil-Homem, Eduardo Nery, Fernando Calhau, Helena Almeida, Lourdes Castro e Nuno de Siqueira 601. Como foi possível ver em 2002 no Incorpóreo III - uma reactualização do Incorpóreo I de 72, realizada na Fundação de Serralves no âmbito da grandes exposição retrospectiva que esta instituição dedicou ao pintor, e como documentam os vídeos realizados por Manuel Pires, esta performance tratou-se de uma poética revelação do corpo pela sua ausência.

Incorpóreo I, 1972, Sociedade Nacional de Belas Artes: música de Jorge Peixinho, um receptáculo em plurietano de tons pastel suaves flutua sobre uma superfície leitosa, dourada. Tem a dimensão para albergar um corpo e na superfície exterior da parte superior vemos em relevo, em positivo, a forma de um corpo. Uma modelo entra na sala onde este flutua, vestida de dourado. A mesma modelo que desfilara isoladamente na Expansões. Despe-se e entra no receptáculo. Saída do receptáculo-sarcófago veste-se e abandona o espaço. Fica o sarcófago, a presença indicial do corpo na memória do que a aconteceu e no espaço negativo, em vazio, deixado dentro deste pelo corpo que lhe deu forma, que o habitou e que o deixou.

Em Abril de 1979, aquando da SACOM II ( Semana de Arte Contemporânea), o sarcófago manifestação-da-presença-do-corpo-pela-sua-ausência de 1972,

viajou com João Vieira

até Malpartida de Cáceres sobre o tejadilho de um carro mini. Aí foi lançado na água, deixado a flutuar numa represa, entre os vestígios de dourado e a agua corrente. Depois partiu-se com uma tempestade e o Vostell enquadrou os bocados que ficaram 602. 5.8. De Malpartida a Coimbra

Na SACOM 2, promovida por Wolf Vostell e conectada com Portugal por Ernesto de Sousa - a relação entre ambos remontava a 1976 quando o artista alemão inaugurou nos

601

Cfr. Ernesto de Sousa, “ Ernesto de Sousa” in EXPO AICA, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1972, p. 30-34. 602 João Vieira, Entrevistado em Fevereiro de 2004. Lisboa

188

Barruecos a sua escultura VOAEX 603 - , pretendia-se homenagear George Maciunas ( 19311978), mentor do movimento Fluxus, recentemente falecido. Nesse sentido, constituía uma das mais importantes exposições da semana um conjunto de objectos e documentos fluxus emprestados pelo coleccionador de Milão, Gino Di Maggio.

A relação de Ernesto de Sousa com o universo Fluxus remontava à década de 60, Ernesto conta em carta a Noronha da Costa de 1982 Ter recebido o “ célebre diagrama de Maciunas, enviado por Ken Friedman do Grupo Fluxus-Califórnia” em 1966. Na entrevista feita por Leonel Moura, refere que “ em 1964 recebi da Califórnia um primeiro documento Fluxus, um mapa do George Maciunas e uns folhetos. Despertou-me uma enorme curiosidade”, mas a hipotese de Ter tomado conhecimento – ou de Ter tomado mais atenção, Ter despertado a curiosidade para – do Fluxus em 1966 é manifestamente mais verosímil. Tanto que só num texto de 1967 ( e aparentemente retocado em 1968, não o esqueçamos) é que encontramos sinais dessa nova influência 604, nota Mariana Santos.

No entanto, somente em 1978 Ernesto publicará um texto dedicado com profundidade ao Fluxus. Este foi publicado na revista Opção 605, em virtude de uma motivação gerada pela morte a 9 de Março desse ano de George Maciunas em Nova Iorque, pela presença em Portugal de Wolf Vostell

- que veio a Portugal para estudar a próxima exposição

monumental, em Lisboa e Porto 606 ( que nunca aconteceu) e pela realização da futura SACOM II.

Á SACOM I, festejada em Janeiro de 1978 Ernesto de Sousa levara uma exposição individual – Este é o meu corpo nº 3 , Revolution my body nº1 e o filme Revolution My Body nº2. Nesta, as intervenções repartiam-se também pelo espaço em torno que Vostell adquirira para fundar um museu. Resultava, pelas palavras de Ernesto de Sousa em 1978,

603

Cfr. Ernesto de Sousa, “ Vostell em Malpartida” in Colóquio Artes, , nº 30, Dezembro de 1976, pp.----Mariana Santos, Op. Cit, p. 161. 605 Ernesto de Sousa, “ Fluxus” in Opção, 22 de Agosto de 1978 in http://www.lxxl.pt/babel/biblioteca/sousa/22878.html. 606 Id.ibid. 604

189

de um entusiasmo indizivel e de um desenvolvimento intelectual que, creio bem, nos espantaria aqui 607.

À SACOM II,

este levou artistas que acompanhara ao longo da década de 70, alguns

deles presentes na EXPO AICA de 72. Catorze artistas portugueses estiveram presentes e mais cinco enviaram as suas doações 608. Aí houve lugar para performances, acções e uma sessão de comidas portuguesas esquecidas. Aí travaram conhecimento com Juan Hidalgo – um dos fundadores do grupo ZAJ, que em 1965 realizara um concerto ZAJ na Divulgação.

A escolha de Ernesto de Sousa era sintomática do foco de confluência

em que a

recentemente inaugurada Galeria Diferença em Lisboa ( criada em 1977 e legalizada em 1979) 609, se tornara pela sua mão.

Dando continuidade ao colectivo grafil dedicado à gravura, esta galeria seguia sob a influencia de Ernesto de Sousa uma programação arrojada, na linha da dinâmica que presidira a Alternativa 0. Reunia-se aí Lisboa, Porto e Coimbra numa lógica que se havia já inaugurado em 1970 na Galeria Ógiva em Óbidos. Nesta, Ernesto de Sousa travou conhecimento com que de vanguarda se fazia, fora de Lisboa - confluência que se mostrou prolifera e fértil, nos anos subsequentes, principalmente na sua relação com o Circulo de Artes Plásticas de Coimbra.

607

Ernesto de Sousa in Miguel Wandshneider e Maria Helena de Freitas (coord.) Ernesto de Sousa – revolution My body, , p. 279... 608 Ernesto de Sousa, “Carta de Malpartida” in Colóquio Artes, nº 42, Dezembro de 1979, pp.-----. A participação portuguesa incluiu exposição de trabalhos, acções e performances bem como uma sessão de comidas portuguesas. Os artistas participantes foram: João Vieira, Túlia Saldanha, Joana Rosa, Alberto Carneiro, António Barros, Ção Pestana, Cerveira Pinto, José Barrias, Julião Sarmento, Mário Varela, Monteiro Gil aos quais se acrescentam Fernando Calhau, Helena Almeida, Irene Buarque e José Carvalho que enviaram obras. Cfr. Portugueses en MVM ?y qué hace usted ahora? 1979-2001, Malpartida, 2001. 609 Nascida em 1977 e legalizada em 1979, a Cooperativa Diferença contou desde da data da sua legalização com um apoio para manutenção por parte da Secretaria de Estado da Cultura. Constituída ao momento da sua fundação por 21 artistas, em 1983 contava já com 41 sócios, sendo 8 dos quais estrangeiros. Os seus sócios fundadores foram Alberto Carneiro, Alberto Picco, António Palolo, Carlos Lança, J.P. Castanho, Ernesto de Sousa, Emilia Silva, Fernanda Pissarro, Fernando Ançã, Helena Almeida, Irene Buarque, José Conduto, José de Carvalho, José Manuel Man, Julião Sarmento, Leonel Moura, Maria Rolão, Marilia Viegas, Monteiro Gil, Silva Palmeira. A sua actividade desenvolveu-se a partir de então em três campos: 1. ensino nas áreas de gravura, litografia, serigrafia e fotografia, 2.produção cultural e 3. divulgação cultural, assumindo-se como um pólo cultural experimental da cidade de Lisboa a partir de então. Cfr. “Diferença, Exposição Documental” in CAPC 54 Exposições 1981-1983, Coimbra, 1983.

190

5.8.1. A Ógiva

Planeada

desde 1968 e fundada em 1970, a

galeria Ógiva

constitui um

projecto

experimental, alheio aos jogos de mercado da capital e do Porto. Projecto eivado por um espirito de contestação e pautado por uma consciência política que punha em causa a cultura da política vigente -

todos nós contestávamos a política vigente, todos nós

contestávamos a mediocridade da política vigente, estávamos contra a ambiguidade de todas as situações estávamos contra os processos da PIDE, a guerra de Àfrica – e isso criava entre o grupo de pessoas intelectualmente diferentes uma solidariedade implícita, afirma o escultor José Aurélio, o seu fundador. Uma solidariedade que se definia produto das agitações culturais de 60 610 e consentida pelo clima de abertura consequente da ascensão de Marcello Caetano ao poder 611. A Ógiva de José Aurélio nascia na contiguidade do espaço da Ógiva pequena, dedicada à venda de artesanato de qualidade, para a qual trabalhavam em permanência seis artesãos. Albergando três andares arquitectados por Aurélio,

onde funcionavam exposições

trimestrais paralelas, a galeria seguia uma programação informal, ditada pela natureza dos próprios projectos que iam surgindo -

havia 4 exposições por ano e quando havia

inaugurações havia também sessões de musica, onde estiveram também os grandes músicos de então 612. Paralelamente, não seguia qualquer orientação plástica ou estética estrita - situação tida como a única maneira ou a maneira mais saudável de vivermos em coexistência entre varias correntes desde o figurativo figurativo-figurativo até abstracto-abstracto até à performance, até á instalação até uma coisa que era impensável que era a escultura na rua – Óbidos chegou a Ter vinte esculturas na rua. Foram tudo coisas que no seu tempo, e é por isso que ela assume essa importância hoje, foram parte de vanguarda, à escala portuguesa, ou à escala da nossa mediocridade 613.

610

Gonçalo Pena, op.cit.,sp. Gonçalo Pena, op.cit, sp. 612 José Aurélio, Entrevistado em Novembro de 2004.Lisboa 613 id.ibid. 611

191

Para o projecto Ógiva, José Aurélio contou com um conselho cultural informal 614, constituído por alguns dos artistas que se mantiveram fieis à galeria: Rogério Ribeiro, Espiga Pinto, António Areal, Helena Almeida, Artur Rosa e Manuel Baptista. Trazidos à galeria por José Aurélio e também informalmente a esta ligados - grande parte dos artistas que apareceram na galeria nessa altura eram artistas que não estavam enfeudados a nada a portanto estavam muito mais soltos, mais libertos para participar num projecto deste tipo da mesma maneira que esses mesmos artistas, a pouco e pouco, ao longo dos 4 anos que a galeria durou se foram sucessivamente engajando a determinados lobies comerciais, e a galeria deixou de Ter importância na razão inversa. A medida que as pessoas iam deixando de ser experimentalistas, iam criando mais objectos para vender, etc., foram abandonando também os ideais da galeria a participação na galeria 615.

A Ógiva que inaugura em 28 de Novembro de 1970 numa grande exposição colectiva de 35 artistas, entre os quais se incluem elementos fundamentais no processo de expansão, quer filiado à performance, quer a outras linguagens 616 e fechará em Janeiro de 1974. Durante os quatro anos da sua actividade a Ógiva pontuou trimestralmente a vida artística portuguesa, na qual cada inauguração significava um evento multidisciplinar, alternativo ao meio lisboeta e portuense 617 - cada inauguração significava um encontro – estavam 614

João Bonifácio Serra, Ógiva, Galeria de Arte. Óbidos, 1970-1974, Texto Inédito. José Aurélio, Entrevistado em Novembro de 2004.Lisboa. 616 Foram estes: Alberto Carneiro, Angelo de Sousa, António Sena, Armando Alves, Artur Rosa, José Aurélio, Espiga Pinto, Carlos Calvet, Charrua, Conduto, Costa Pinheiro, Eduardo Luís, Eduardo Nery, Escada, Espiga Pinto, Helena Almeida, João Abel Manta, João Cutileiro, João Vieira, Joaquim Rodrigo, Joaquim Vieira, Jorge Martins, Jorge Pinheiro, José Rodrigues, Lourdes Castro, Manuel Baptista, Maria Velez, Menez, Noronha da Costa, Nuno de Siqueira, Palolo, René Bertholo, Rogério Ribeiro, Sá Nogueira, Vespeira, Zulmiro. 617 A inauguração a 28 de Novembro de 1970 com a colectiva 35 ARTISTAS incluiu trabalhos de Alberto Carneiro, Angelo de Sousa, António Sena, Armando Alves, Artur Rosa, José Aurélio, Carlos Calvet, Charrua, Conduto, Costa Pinheiro, Eduardo Luis, Eduardo Nery, Escada, Espiga Pinto, Helena Almeida, João Abel Manta, João Cutileiro, João Vieira, Jorge Martins, Jorge Pinheiro, José Rodrigues, Lourdes Castro, Manuel Baptista, Maria Velez, Menez, Noronha da Costa, Nuno de Siqueira, Palolo, René Bertholo, Rogério Ribeiro, Sá Nogueira, Vespeira e Zulmiro. Em 1971, a 27 de Março inauguram as exposições Pintura de Espiga Pinto e Natureza envolvente de Alberto Carneiro; a 15 de Maio as exposições As bambinelas de Artur Rosa, José Aurélio e Helena Almeida com música de Alexandro Ramirez, António Oliveira e Silva, António Pinto Barbosa, António Reis Gomes, Artur Moreira, Carlos Franco, João Ramos Jorge, João Ruivo, Jorge Peixinho, Manuel pinto Barbosa, Maria Clotilde Rosa, Vasco Henriques e a 27 de Novembro as exposições Homenagem a Josefa com trabalhos de Alberto Carneiro, Ana Vieira, Angelo de Sousa, António Mendes, Areal, Armando Alves, Artur Rosa, José Aurélio, Carlos Calvet, Espiga Pinto, Fátima Vaz, Flávia Monsaraz, Gustavo Bastos, Helena Almeida, Isabel Laginhas, João machado, João Vieira, José Candido,José Rodrigues, Jorge Pinheiro, Lourdes de Castro, Nikias Skapinakis, Rogério Ribeiro e Vespeira, a exposição Confissões tenebrosas de António Areal e a exposição 3 Pintores de Óbidos mostrando trabalhos de Barbosa, Canário e 615

192

todos os artistas, havia um dinamismo enorme e depois prolongava-se e ia-se jantar, prolongava-se com conferências do José Ernesto (de Sousa), com a Constança Capville ou a Maria João Pires a fazer concertos. Havia mostras de slides, debates e uma grande dinâmica pela noite, porque era muita gente mesmo, a cidade ficava apinhada, lembra Albuquerque Mendes 618.

No entanto, a Ógiva nunca se inscreveu no itinerário do mercado nacional, nem tão pouco deu origem a um mercado regional. O período da sua actividade coincide com um momento histórico de impasse e fermento tensional num contexto social e económico agudo. A alteração estratégica de actuação do governo dava o mote para o inicio da desagregação final do regime, quando face à manutenção e agravamento da agitação política e social, procede, progressiva mas seguramente, a uma inversão da sua linha de actuação a partir de 1970 619. Esta traduzia uma travagem definida a dois tempos: um primeiro expresso na derrota de todos os projectos liberais pela maioria do governo aquando da revisão constitucional e um segundo pela manutenção da eleição em 1971, por sufrágio directo, dando Marcello Caetano um inequivoco e definitivo sinal de que, para manter a guerra, estava disposto a sacrificar a liberalização 620. Lyon, contando a inauguração com o evento Música para Josefa, por António Pinto Barbosa, Dulce Cabrita, João Ruivo, Manuel João Afonso, Manuel Pinto Barbosa, Olga Pratts e Vasco Henriques Em 1972 a galeria inaugurou a 5 de Fevereiro as exposições de desenho O funil de Sam e Desenhos de Helena Almeida e António Areal, tendo sido o evento musical da responsabilidade de Fernando Serafim, José Lopes e Silva e Olga Pratts. A 29 de Abril inaugurou a exposição Pintura de Rogério Ribeiro, 9 variações sobre um tema de Jorge Pinheiro e Ambiente de Ana Vieira, tendo a parte musical correspondido a um concerto de Maria João Pires, a 29 de Julho inaugura as exposições Máquina cinética de Júlio Bragança e Colectiva 32 incluindo trabalhos de Abel Mendes, Alberto Carneiro, Angelo de Sousa, António Alves, António Mendes, Alexandre Falcão, Areal, José Aurélio, Carlos Barreira, Carlos Calvet, Dario Alves, Eduardo Nery, Espiga Pinto, Fátima Martins, Graça Morais, Helena Almeida, Helena Lapas, Hlena Magalhães, Jaime Silva, João machado, Jorge Pinheiro, Lidia Sá, Manuel Baptista, Maria Cabral, Maria João Liz, Maria José Aguiar, Martins pereira, Natividade Correa, Rodrigo Gaspar, Rogério Ribeiro e Victor Rocha, sendo que a 16 de Dezembro se comemorou o segundo aniversário da galeria com a exposição de presentes levados por artistas e com a intervenção de Ernesto de Sousa: Provocação em nome de Joseph Beuys. Antes de Encerrar em Janeiro de 1974 a galeria inaugurou a 2 de Junho de 1973 as exposições Jogo do arco iris de Alberto Carneiro, Megalopolis de Hebert Pagani e 9x5 com Alberto Carneiro, António Mendes, António Areal, José Aurélio, Eduardo Néry, Espiga Pinto, Helena Almeida, Jorge Pinheiro e Rogério Ribeiro, em 27 de Novembro, a última exposição da galeria apresentou esculturas de José Aurélio numa inauguração que contou com a música de António Vitorino de Almeida. 618 Albuquerque Mendes, Entrevistado em Maio de 2004.Porto 619 Cfr. ,”Marcelismo: a Liberalização tardia” in José Matoso (dir.) História de Portugal , Vol VII, Lisboa, sd. Pp.545-567.p. 553. 620 Id.ibid..p. 554.

193

Ao fluxo instituído pelo governo significando o sacrifício das liberdades, correspondeu o refluxo da radicalização dos movimentos estudantis e da contestação à guerra colonial. O refluxo da esquerdização traduzida na surgimento de vários grupos maoistas e marxistasleninistas exercendo intensa e ousada agitação, da contestação anticolonial levada a cabo por católicos progressistas e do inicio, logo em 70, das acções armadas contra objectivos politico-militares ligados ao esforço da Guerra ou da NATO 621 quer por parte Acção Revolucionária Armada como as Brigadas Revolucionárias. Temperado pela desagregação da coligação marcelista, pelo descontentamento das forças armadas sobre as quais Spinola não mandava, o extremar dos diversos sectores da sociedade delimitou o momento final do regime, às mãos de Marcello Caetano.

Nesse momento salda-se incontornável a presença que a ousada galeria Ógiva assume, articulando uma rede nacional de artistas, bem como a articulação da década pontuada pelos avanços dos experimentalistas na senda do poético e do signo e a década daqueles que partindo essencialmente da pintura radicalizam o seu processo de expansão no sentido das atitudes. Uns e outros que nela confluiram, quer expondo, quer participando, nesses quatro anos – porque nessa época era uma espécie de oásis 622. 5.9. De Óbidos a Coimbra

Foi de atitudes que Ernesto de Sousa foi falar à Ógiva no ano da Documenta V de Kassel, no ano do Egotemponirico e do Incorpóreo, aquando da comemoração do segundo aniversário da galeria, a 16 de Dezembro de 1972.

No artigo que Ernesto de Sousa dedica à sua conferência-provocação sobre Joseph Beuys e a Documenta V realizada na Ógiva ( onde mostrou slides e falou sobre o seu encontro com Beuys) publicado na Revista Lorentis 623, descreve parcialmente o ambiente de festividade que se viveu na galeria nesse dia. A exposição consistiu nos presentes dados pelos artistas 621

Id.ibid. .p. 555. Albuquerque Mendes, Entrevistado em , Maio 2004.Porto 623 Ernesto de Sousa “Dois anos” in Lorentis, nº 12, Abril de 1973 622

194

e no bolo de aniversário. E os encontros tiveram a tónica do confronto, nomeadamente entre o Ernesto de Sousa conferencista provocador e o jovem Armando Azevedo. Ao primeiro que confrontava o público com a pergunta – conhecem Joseph Beuys?, respondeu o segundo - artista que vivia já na órbita do CAP de Coimbra e que poucos anos mais tarde se tornará uma figura chave da performance

em Portugal, com um

improviso ao piano 624. O circulo de belas artes ( é este o nome?) de Coimbra estava presente e animou com essa efectiva presença um DIÁLOGO, mais importante que muitas pedagogias ex.categra. Um diálogo talvez promissor de futuro 625.

Comprovou-o o tempo num futuro próximo este encontro significou o inicio da colaboração entre Ernesto de Sousa e o Circulo de Artes Plásticas de Coimbra, traduzida em 1974 no Aniversário da Arte e na participação de João Dixo na Expo AICA 74, na presença do grupo Cores na Alternativa 0 em 1977, e ainda no lapso temporal do nosso estudo, da presença através de Ernesto de Sousa de Túlia Saldanha, Ção Pestana, Alberto Carneiro e António Barros na SACOM II em 1979.

Fundado em 1958 o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra resultava do peculiar ambiente académico desta cidade, beneficiário do nível cultural gerado em torno da universidade onde os ecos, os livros e o que se passava chegavam primeiro 626. Constituído enquanto um organismo da Associação Académica de Coimbra, administrativa tinha por objectivo o

com autonomia artística e

ensino, experimentação e divulgação das artes

visuais 627 .

Ou como foi formulado em 1959 numa carta à Fundação Calouste Gulbenkian: fomentar entre os estudantes interesse pelas artes plásticas, facultando-lhes um alargamento de conhecimentos, quer por meio de conferências, quer por sessões de cinema e lições de 624

João Dixo e Armando Azevedo, Entrevistados em Maio 2005, Coimbra. Ernesto de Sousa “Dois anos” in Lorentis, nº12, Abril de 1973. 626 João Dixo e Armando Azevedo, Entrevistados em Maio 2005, Coimbra 627 Cfr. “ Circulo de Artes Plásticas de Coimbra: um espaço de reflexão sobre as linguagens da Arte” in Diário de Coimbra, Coimbra, 12 de Outubro de 1988., p.4 e 5., e Teixeira e Sousa, “ Círculo de Artes Plásticas de Coimbra”, Arte e opinião, 13, Janeiro/ Fevereiro 1981, pp.18 - 20. 625

195

pintura, desenho e modelagem ou ainda com exposições de artistas portugueses e estrangeiros ou de reproduções, dando uma visão panorâmica da evolução da arte 628. Neste sentido as actividades do Círculo vieram a implicar um momento mais tarde gerando da confluência de artistas como Angelo de Sousa, João Dixo e Alberto Carneiro uma dinâmica impar, viagens ao estrangeiro para se conhecer o que se fazia in loco, e uma programação de exposições e a inauguração da Galeria Preta 629. Em 1983, ao momento da exposição 54 exposições, 1981-1983 630 o Círculo contava já com três espaços expositivos na cidade: a galeria CAPC, Espaço Branco e o Espaço Aberto.

O mote enunciado em 1958 pelos fundadores do então ainda CAP foi gritado pelas ruas da cidade: uma tentativa digna para a acabar com a apatia, tentativa digna...com esperança de que será devidamente compreendida. Somos dos que acreditamos sinceramente nas possibilidades humanas, e na criação em Coimbra...dum espaço critico devidamente baseado é tudo quanto há de mais alcançável 631 e metamorfoseou-se no decorrer das décadas. Ao ponto de na década de 70 se afirmar num Falar de ARTE será falar de VIDA. Cada um de nós compreenderá o significado da ARTE quando compreender o significado da VIDA 632.

Nesse contexto programático nascem o Grupo de Intervenção do Circulo de Artes Plásticas de Coimbra, o Grupo Cores e a arte sai à rua em Coimbra em 1976 na Semana da Arte na (da) Rua.

Para os artistas que confluem nos primeiros anos da década de 70 no nº 18 da Rua Castro Matoso e no café Clepsidra ( a destacar João Dixo aí professor tal como Angelo de Sousa, Albuquerque Mendes, Túlia Saldanha e Armando Azevedo como os mais activos), o cruzamento da arte e da vida por meio intervenção tornou-se um modus operandis, 628

Carta à Fundação Calouste Gulbenkian, Texto Inédito, 1979. Cfr. Albuquerque Mendes, Entrevista, Porto, Maio 2002. 630 CAPC 54 Exposições 1981-1983, Coimbra, 1983. 631 Teixeira e Sousa, “ Círculo de Artes Plásticas de Coimbra”, Arte e opinião, 13, Janeiro/ Fevereiro 1981, pp.18 - 20. 632 Enunciado que serviu de directriz ao evento Semana de arte (da) na Rua, programado pelo CAPC que decorreu entre 30 de Maio e 10 de Julho de 1976, in CAPC, Algumas citações para a história do Círculo de artes plásticas, 1985, Texto Inédito, 1976. 629

196

inaugurado em 1973 com A Nossa Coimbra Deles. Visando evidenciar as indiosincresias do meio cultural desta cidade – motivados pela intervenção directa no tecido social e urbano.

E também assim, entendendo a compreensão do significado da vida em função de uma compreensão da arte e vice versa 633, e comprovando o carácter promissor do diálogo encetado no aniversário da Ógiva em 1974 outro aniversário foi celebrado.

Gerado da colaboração entre Ernesto de Sousa e o CAP de Coimbra,

o 1.000.011º

Aniversário da Arte, tomará a sede do CAP a 17 de Janeiro de 1974 - um ano depois de Robert Filliou (n.1926-1987) ter mobilizado os habitantes e as autoridades municipais de Aix-la-Chapelle para a celebração do 1.000.010º do nascimento da arte, numa manifestação sem arte. Ou antes, na celebração de que o que é arte e que é revelado numa coincidência pela própria vida, de acordo uma atitude que desvela uma positividade que atravessa o tempo independentemente da vida individual – essa foi a celebração levada a cabo, após um milhão de anos volvidos sobre um 17 de Janeiro, apontado por Filliou como fundador.

De que a arte é a vida - independentemente da forma, o tempo passa. Faz um milhão de anos e a arte era a vida; num milhão e dez anos, continuará a sê-lo 634.

Um principio triplo ordena o trabalho de Filliou. Formado em Economia política e radical agente do processo de expansão no qual assume a responsabilidade do empreendimento de um alargamento e coincidência radical do enquadramento com a realidade, Filliou traduz o principio que ordena o seu trabalho de acordo com a criação permanente, rede eterna e Festa permanente 635. Este principio triplo ecoará na definição de Festa articulada por Ernesto de Sousa nos anos subsequentes ao encontro entre ambos, em Nice em 1973.

633

Armando Azevedo entrevistado em Maio de 2005, Coimbra Robert Filliou, citado por Sylvie Jouval, “Robert Filliou: Exposition pour le 3 eme oeil” in, Robert Filliou – Genio sin talento, Barcelona,, pp. 8-15, p. 13 635 Id.ibid. 634

197

Em final de 1974 este dedica-lhe um artigo editado na Vida Mundial: Filliou faz bem o mal feito 636.

Entre o encontro em Nice e a publicação desse artigo, agudizou-se o enquadramento tensional do pais e num Portugal onde as diaclases do corpo de chumbo se efectivavam como roturas profundas – cindindo poder e país. Sobre as diaclases tornadas fendas profundas a arte tendia para a rua.

Assim, entre o encontro em Nice e a publicação desse artigo foi editado o primeiro número da Revista Artes Plásticas, aconteceu o aniversário da arte, ou uma festa a pretexto da arte 637 em Coimbra, o Ciclo Perspectiva 74 no Porto, Os Primeiros Encontros Internacionais de Arte em Valadares, foi assinado um Manifesto de Vigo e o país foi palco de uma Revolução pacífica. Que teve flores mas que não significou o cumprimento das expectativas enfermadas em qualquer ideia de mudança.

Mas antes e também na rua, o aniversário da arte em Coimbra consistiu literalmente numa festa, um convívio entre artistas e aqueles que no edifício do CAPC quiseram aparecer, que entre comidas e bebidas dançaram samba, circularam entre um labirinto de cartolina, escorregaram numa prancha colocada sobre as escadas, soquearam sacos suspensos, rebentaram balões, meditaram e desenharam nas paredes 638, com o intento de preencher o enquadramento determinado pela disposição para festejar com arte. Neste aniversário, Albuquerque Mendes realiza a sua primeira intervenção, traçada espacialmente entre o Porto e Coimbra, percurso ao longo do qual distribui centenas de flores de papel com a inscrição a arte é bela tudo é belo .

Chegado ao edifício do Círculo, estende diante da fachada, na estrada uma série de panos costurados com padrões de campos de flores, marcando o território de uma manifestação colectiva. Estes são os panos que transportará, mais tarde, no seu primeiro ritual, e que 636

Ernesto de Sousa, “Filliou faz bem o mal feito” in Vida Mundial , 14 de Novembro de 1974.

637

Ernesto de Sousa, “ A vanguarda está em Coimbra a vanguarda está em ti”in Lorenti’s, nº20, Janeiro de 1974,. 638 Cfr. Almeida Martins, in A Capital, 18 de Janeiro de 1974 in Maria Helena Freitas e Miguel Wandshneider, Op.cit., p. 253.

198

servirão para construção do espaço de encenação no Jardim do Rio, em Viana do Castelo 639, em 1975. Se o aniversário da arte não mais foi do que somente aquilo que pretendia ser – uma festaexposição, significou no entanto dois importantes cruzamentos na tradução histórica do processo de expansão, definidos sobre um denominador comum: Ernesto de Sousa.

A relação estabelecida em 1972 na Ógiva, sob o pressuposto de uma arte como intervenção ( quer por parte de Ernesto de Sousa quer por parte de Armando Azevedo) conectava-se nesse momento com os resultados da relação estabelecida em Nice: predisposição para a vanguarda cruza-se com vanguarda. À lógica centrifuga e aglutinadora do CAP correspondeu uma lógica centripeda - artistas e professores vindos essencialmente

do Porto ( como Alberto Carneiro, Albuquerque

Mendes e João Dixo), mantiveram com a cidade uma estreita relação, particularmente com a Galeria Alvarez. Em torno do intenso ano de 1974,

a Alvarez tomou as rédeas da

vanguarda e em colaboração com o então sediado em Paris Egídio Álvaro, empreendeu uma programação inédita, geográficamente descentralizada e conceptualmente contígua aos desenvolvimentos do processo de expansão na vanguarda internacional.

Deste enquadramento programático,

que se define como um verdadeiro foco de

intensidade no curso do processo de expansão, geraram-se condições que vieram a servir de catalizador ao trabalho de vários artistas. Este permitiu que um conjunto de artistas se inscrevesse históricamente no processo, nacional e internacionalmente, seguindo um elán que se manifestou noutros focos de intensidade

definidos na

actividade da Galeria

Diagonale fundada em Paris em 1979, no Ciclo de Arte Moderna no IADE até 1982, na Exposição na SNBA Figurações-Intervenções em 1980 e no mesmo ano

na Semana de

Arte Actual em Vila do Conde. No Ciclo Projectos e Progestos em Coimbra e nas Duas Noites de Performance organizadas pela escola ARCA ( fundada por dissidentes do CAPC, segundo o espírito inicial deste organismo, nomeadamente João Dixo) no edíficio do Chiado na mesma cidade 640; na criação do Espaço Lusitano no Porto por Gerardo 639

Cfr. Confesso, Albuquerque Mendes , Porto, p.65 Onde tiveram lugar performances de: Albuquerque Mendes, Armando Azevedo, Gerardo Burmester, João Dixo, Manoel Barbosa, entre outros.

640

199

Burmester e Albuquerque Mendes em 1982, na criação Festivais Alternativa - Festival Internacional de Arte Viva I e II, em Almada em 1981 e 1982, e em Cascais em 1985 ( organizados por Egídio Álvaro, em colaboração com Manoel Barbosa em 1981 e 1982 ), no PERFORMARTE – I Encontro Internacional de Performance que teve lugar em Torres Vedras em 1985 ( da responsabilidade de Manoel Barbosa e Fernando Aguiar).

E ainda no elán que animou no sentido da performance outros círculos tangenciais a estes. Como o que se define através da actividade encetada pela galeria

Quadrum e pela

Diferença a partir do final da década de 70, ou pelas instituições carregadas com o peso do reconhecimento. Como a AICA que acolhe no seu Salão AICA de 1985 na SNBA várias performances e a Fundação Calouste Gulbenkian que pela mão da directora do Serviço de Animação, Criação artística e Educação pela Arte, Maria Madalena Azeredo Perdigão pontua em três momentos de intensidade a década de 80 com programações onde a performance assume particular relevo.

Um primeiro inscrito no ano de 1985, constituindo uma porta aberta ao ingresso da performance no Centro de Arte Moderna 641: a internacional Exposição-Dialogo Sobre Arte Contemporânea 642 e incluindo um conjunto notável de performances dado que uma grande confrontação internacional como esta não poderia limitar-se a apresentar pintura e escultura, ignorando o que ao longo dos últimos vinte anos acontecera e estava acontecendo noutros domínios 643, um segundo momento em Novembro de 1986, com a programação Performance-Arte exclusivamente dedicada à apresentação de performers portugueses 644.

641

M. Madalena Azeredo Perdigão, Performance- Arte, FCG, Lisboa, 1986, sp. Exposição Dialogo sobre Arte-Contemporânea - Exposição Dialogo sobre Arte-Contemporânea – Teatro, música, performances, FCG, Lisboa, teve lugar entre 26 de Março a 16 de Julho de 1985 em Lisboa. Nesta Wolf Vostell apresentou o Jardim das Delícias, uma Fluxus Ópera em versão exclusiva para Lisboa a 13 de Abril, Carlos Gordilho O desencanto do Dia Claro e Interior Maldito a 26 de Abril, Fernado Aguiar Ensaio para uma Interacção da Escrita a 11 de Maio, Marina Abramovich e Ulay a meditação Nightsea Crossing a 31 de Maio e 1 de junho, e Ulrich Rosenbach Die Eulenspieglerin a 7 e 8 de Junho. 643 Maria Madalena de Azeredo Perdigão, “ Para lá das Galerias de Exposição” in Exposição Dialogo sobre Arte-Contemporânea – Teatro, música, performances, FCG, Lisboa, 26 de Março a 16 de Julho de 1985, sp. 644 Performance Arte decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa entre 19 e 30 de Novembro. Rui Orfão apresentou a performance V.I.T.R.I.OL. ; Gerardo Burmester Performance I e Performance II, Silvestre Pestana ERGANÓMETRO, Fernando Aguiar PONTO-ACÇÃO e Manoel Barbosa, UMUURLZ. 642

200

E finalmente, num terceiro momento, com o qual a Fundação fecha a década homenageando Ernesto de Sousa recentemente falecido – o Ciclo de Arte Experimental, focado no carácter efémero que caracteriza todo esse conjunto de acções artísticas, (n)a utilização do corpo como meio de expressão, (n)a experimentação como elemento indispensável para o progresso das artes e como necessidade intrinseca de cada artista 645.

Ainda num outro circulo – o do universo internacional, devemos notar a lista considerável que documenta a presença de artistas em festivais e encontros internacionais 646, dos quais os eventos Performance Portugaise que teve lugar no Centre Georges Pompidou na cidade de Paris em 1984 e o Portuguese Performance Festival

na MAKKOM em Amesterdão no

mesmo ano, assumem uma particular natureza aglutinadora e sintética 647.

645

M. Madalena de Azeredo Perdigão, Ciclo de Arte experimental – Musica, teatro, performance-arte, FCG, Lisboa, 2 a 19 de Fevereiro de 1989. 646 O sistema de relações fundado, articulado e traduzido pelos Encontros Internacionais de Arte, implicou por via de Egídio Àlvaro a participação ou representação dos seguintes artistas nos seguintes eventos ou galerias internacionais nos últimos anos de 70 e ao longo da década de 80: 1978: Miguel Yeco - Salon de la Jeune Peinture: Palais du Luxembourg, Paris e Noveau Langages, Limoges; Armando Azevedo, Miguel Yeco: L’art Portugais, Brétigny; 1979: Grupo Puzzle ( João Dixo, Albuquerque Mendes, Armando Azevedo, Gerardo Burmester) , Miguel Yeco - Evento na Universidade de Toulouse Mirail; Albuquerque Mendes, Grupo Puzzle ( Albuquerque Mendes, Armando Azevedo, Pinto Coelho, Gerardo Burmester, João Dixo) Primeiro Simpósio internacional de performance, Lyon; 1980: Albuquerque Mendes, Miguel Yeco, Grupo Puzzle, Armando Azevedo – Espaces Libres, comissariado por J.J. Lebel, Museu de Arte Moderna de Paris; 1981: Manoel Barbosa, Albuquerque Mendes – Semana da Arte Actual, Estrasburgo; Manoel Barbosa: 8 artistas portugueses, St. Quentin en Yvelynes ; Manoel Barbosa, Miguel Yeco: Espaço Nomade, Besançon; Manoel Barbosa: La Perdita del Centro, Ferrara, 1982: Albuquerque Mendes, Elisabete Mileu, Armando Azevedo, Manoel Barbosa, Gerardo Burmester: Intervention I – Festival Internacional de Performance, Paris; Gerardo Burmester, Albuquerque Mendes, Armando Azevedo, Manuela Fortuna, Elisabete Mileu, Manoel Barbosa: Noite Portuguesa na Usine Pali Kao; Albuquerque Mendes, Manoel Barbosa, Elisabete Mileu: L’art dans la Rue, Champy;; Gerado Burmester, João Dixo, Albuquerque Mendes: Festival Internacional de Performance, Nice; Gerardo Burmester: Art is Action, Kassel; 1984: Fernando Aguiar, Manoel Barbosa, Gerardo Burmester, Carlos Gordilho, Albuquerque Mendes, Elisabete Mileu, António Olaio, Rui Orfão, Miguel Yeco - La performance Portugaise, Centre Georges Pompidou, Paris; Albuquerque Mendes, Carlos Gordilho, António Olaio, Miguel Yeco, Ção Pestana e Silvestre Pestana – Festival de performance Gerardo portuguesa, MAKKOM, Amsterdão; Gerardo Burmester - Art is Action II, Kassel; 1985: Burmester - Perf. III, Roterdão; 1986: Fernado Aguiar, A. Barros; Elisabete Mileu, Silvestre Pestana, Festival de Cogolin ; António Olaio - Art is Action III, Kassel. 647 Comissariado por Egídio Álvaro, o evento La performance Portugaise no Centre Georges Pompidou contou com a presença, como acima já citado de Fernando Aguiar, Manoel Barbosa, Gerardo Burmester, Carlos Gordilho, Albuquerque Mendes, Elisabete Mileu, António Olaio, Rui Orfão e Miguel Yeco, aos quais se juntou o Telectu constituido por Jorge Lima Barreto e Vítor Rua (ver manifesto no 2 volume) e Festival de performance portuguesa organizado em colaboração entre Egídio Álvaro e o colectivo MAKKOM de Amesterdão, teve lugar entre 25 de Novembro e 1 de Dezembro desse ano, contou com a presença de Albuquerque Mendes, Carlos Gordilho, António Olaio, Miguel Yeco, Rui Orfão, Ção Pestana e Silvestre Pestana.

201

2. 1973. 1974 – 1979 1/3

Agir é sempre fazer alguma coisa de modo a que aconteça qualquer outra coisa no mundo Paul Ricouer

A arte na rua não é uma utopia mais uma necessidade que com a performance se tornou realidade. Egídio Álvaro

No território cultural de um país onde surgiam pontualmente focos luminosos na fronteira do novo, a radicalização dos diferentes sectores da sociedade face às limitações impostas às

liberdades

por um governo tremente,

correspondeu a uma aceleração do

estabelecimento das conexões conducentes à manifestação do processo de expansão. Em 1973 - ano da inauguração em Lisboa da Galeria Quadrum 648, de um vector desenhado entre Porto e Paris surge o primeiro numero da revista Artes Plásticas. Esse vector implicou a programação dos Encontros Internacionais de Arte e numa bifurcação gerada da dissolução da tensão entre os dois pontos que o balizaram: Egídio Álvaro e Jaime Isidoro, nasceu a Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira ( na sua primeira edição designada ainda

648

A Quadrum fundada pela pintora Dulce D´Agro no palácio dos Curochéus inaugurou a 22 de Novembro de 1973, , expondo Alice Jorge, Ângelo de Sousa, António Charrua, António Mendes, António Palolo, António Sena, Artur Rosa, Carlos Calvet, Costa Pinheiro, Cruz Filipe, Eduardo Nery, Eurico Gonçalves, Fernando Azevedo, Fernando Calhau; Fernando Lemos, Gil Teixeira Lopes, João Vieira, Joaquim Rodrigo, Jorge Martins, Júlio Pomar, Julio resende, Justino Alves, Manuel Baptista, Manuel Cargaleiro, Menez, Nadir Afonso, Nikias Skapinakis, Noronha da Costa, Nuno Siqueira, Sá Nogueira, Vasco Costa, Vespeira. A galeria polariza depois da revolução uma programação afecta a tendencias de vanguarda, sendo de destacar em 1976 a programação Vídeo-meetings apresentados por Dany Bloch e Ernesto de Sousa no qual foram exibidos vídeos de Daniel Spoerri, Ernswiller, General Idea, G. Minkoff, Gina Pane, Jochen Gerz, J. Beuys, Lea Lublin, N. June Paik, N. Nichell, Bruce Naumann, Nil Yalter, W. Vostell; em 1977 tem aí lugar a performance “ Rotura” de Ana Hatherly e em 1978, no contexto de um ciclo de actividades com artistas estrangeiros programado por Ernesto de Sousa, e por este iniciado com a conferência “ arte-processo ou artes de acção” têm aí lugar as performances de Gina Pane ( 4 de Abril) e Ulrike Rosenbach ( Outubro); Data de 1978 o inicio da colaboração estreita entre Ernesto de Sousa e Dulce D´agro na definição da programação da galeria, assumindo este uma função semelhante à de director artístico. Em 1979 têm lugar na galeria as performances de José de Carvalho e em 1980 do grupo Diaspositivos, nesse ano fundado ( Gracinda Candeias, Michel, Adelaide Colher, José Fabião e Ossião).

202

por Quintos Encontros Internacionais de Arte) e o Festival que pontuou os anos 80 em três edições com o nome Alternativa.

Para uma leitura da expressão do processo de expansão nos anos em torno de 74, e tendo por eixo a actividade de Egídio Álvaro, seguimos uma aproximação estratificada em três planos: um definido sobre o vector Portugal-Paris, outro correspondente ao território português e um terceiro centrado exclusivamente na capital francesa. Verificaremos que da articulação entre estes extractos se definem os acontecimentos que enformam as alquimias dos 70´s num país em revolução onde a arte tendeu para a rua. 2.1. A revista Artes Plásticas

Dando corpo a um projecto de divulgação da arte de vanguarda nacional e internacional e visando a pedagogia – propósitos queridos a Jaime Isidoro desde a fundação da Alvarez como Academia em 1954, o primeiro número da revista Artes Plásticas esteve disponível em Outubro de 1973. Assumindo por sub-titulo o binómio Análise Crítica – Ensaio Informação, a revista procurou

definir uma alternativa às publicações existentes. A

estratégia editorial, de natureza dupla,

foi delimitada pela posição critica do director

Egídio Álvaro, publicamente assumida desde a EXPO AICA 72. Assim, pretendia-se por um lado divulgar e problematizar a especificidade da contemporânea portuguesa, e por outro mostrar a vanguarda internacional. Neste sentido, Egídio Álvaro constitui um corpo editorial variável, deu espaço a páginas de artista e incluiu no final de cada edição uma agenda nacional e internacional das exposições vigentes. Convidei críticos de arte nacionais e estrangeiros, bem como vários artistas a quem dediquei quatro páginas nas quais se exprimiam livremente 649, afirma hoje.

Nos últimos números da revista, condensados numa única edição de Dezembro/Janeiro de 1977, Egídio Álvaro assinou um editorial onde, explanando a vontade de se debater pela continuação da revista, apontou as motivações e correlativas características que orientaram a 649

sua edição desta revista. Por conseguinte,

defende que a

Egidio Álvaro, Entrevistado em Fevereiro de 2004, Lisboa.

203

Artes Plásticas visava

participar efectiva e activamente na edificação da história do presente. Por isso é ácida, quando precisa liquefazer o véu petrificado que escamoteia a realidade; violenta, quando urge iluminar o momento crucial;

polémica, quando estão em causa as opções

fundamentais que decidirão o nosso futuro

imediato; vigorosa, quando é necessário

sacudir os velhos ( e os novos) mitos que procuram reduzir as nossas vivências a meras curiosidades inócuas 650.

Patrocinada pelo Banco Pinto Magalhães, secretariada e administrada por Jaime Isidoro e contando no seu Conselho de Redacção com Egídio Álvaro, Lima de Freitas e Rocha de Sousa, a revista Artes Plásticas editada entre 1973 e 1977 cobriu os eventos que nestes anos se inscreveram no extracto correspondente ao eixo definido entre Portugal e Paris e albergando também páginas de artista.

Ao primeiro número, no qual os ensaios são assinados por Rocha de Sousa, Lima de Freitas e Egidio Álvaro, aos quais se acrescenta um colaborador de Milão, o segundo número acrescenta a colaboração de Alfredo Queiroz Ribeiro e já no terceiro colabora a crítica Salette Tavares assinando um artigo sobre Ana Vieira (n.1940). No terceiro número constam também, entre os colaboradores portugueses,

o pintor

Eurico Gonçalves ( n.1932) com um artigo sobre a “Situação da Arte Moderna em Portugal” e o crítico Rui Mário Gonçalves com o artigo “ Para além do mercado”, onde de uma reflexão sobre as condições da cultura actual parte para uma apresentação do trabalho de Eurico Gonçalves, Manuel Baptista (n.1936) , Joaquim Rodrigo (n.1912) , António Sena (n.1941) e Eduardo Nery (n. 1938). Além dos ensaios, cada revista reservou uma secção para

recensões críticas sobre

exposições patentes nas principais galerias lisboetas ( assinadas por Rocha de Sousa ou Patrick le Nouene), portuenses e parisienses ( assinadas por Egídio Álvaro, ou no caso do Porto também por Queiroz Ribeiro), pontualmente londrinas ( assinadas por Alfredo Queiroz Ribeiro) e também italianas ( de Milão ou Turim).

650

Egidio Álvaro, Artes Plásticas, nº 7/8, Porto, Dezembro/Janeiro 1977, p. 3.

204

A partir do número 4, a revista passou a incluir uma extensa cobertura dos eventos programados da colaboração nascida em 1973 entre Jaime Isidoro e Egídio Álvaro: o eixo Porto-Paris.

A primeira programação que resultou desta colaboração traçou o ponto de partida para uma linha de continuidade que se estendeu até 1977 – o ano de divergência entre Egídio Álvaro e Jaime Isidoro, que dita o fim da colaboração entre ambos e consequentemente da revista Artes Plásticas.

2.2. Perspectiva 74

Quanto mais familiar se torna um meio de expressão directa e sem intermediários, tal como o happening, dá-se cada vez menos crédito às interpretações do mundo que passam por definitivas, cientificas e não partidárias. Jean Jacques Lebel 651

Programado em 1973, o ciclo Perspectiva 74 652 alargou de Fevereiro a Abril de 1974, o espaço de intervenção de 12 artistas de 6 nacionalidades, da Galeria Dois ( filial da Dominguez Alvarez na rua da Boavista) às ruas, praças, portos piscatórios e praias da cidade do Porto.

Seguindo quatro directrizes essenciais, a arte tomou a rua, dizem os seus programadores. Hoje, o activo participante no Perspectiva 74 Pierre Alain-Hubert ( n. 1944) 653, lembra: a arte tomava a rua e não se tratava de uma atitude revolucionária latente mas de uma verdadeira passagem à acção. A arte tomava a rua, senão tomava o poder 654. Segundo Egídio Álvaro, o trabalho de Pierre Alain Hubert no Perspectiva 74 alinhavava-se pela directriz performativa, da festa e da intervenção. Do mesmo modo que o trabalho dos

651

Jean-Jacques Lebel, El Happening, Buenos Aires, 1966, p.26. Em Junho do mesmo ano a SNBA inaugura uma exposição com o mesmo nome. 653 Ver sitio pessoal do artista em www.pyrohubert.com 654 Pierre Alain-Hubert Entrevistado em Outubro de 2004, Paris. 652

205

britânicos Roland Miller e Shirley Cameron, do polaco Tomek, o françês de ascendência russa Serge III (n.1927) e o françês Jacques Pineau. A esta directriz, ou linha de força, Egídio acrescenta outras três: uma conceptualista, manifesta na arte de Yokoyama, outra ecológica veiculada pelo trabalho de Alberto Carneiro e de Moucha e por último, a linha de força do jogo e da ironia presente no trabalho de João Dixo,

Darocha e Klassnik 655.

No quadro desta programação, durante dez semanas os

12 artistas portugueses e

estrangeiros, intervieram e participaram em debates de esclarecimento dos seus trabalhos. E essencialmente - de esclarecimento da sua localização no processo de expansão - dado que a maioria se definia agente nesse território, experimentando e radicalizando as fronteiras da realidade arte no sentido de uma problematização e consequente revelação de uma arte geral, experienciada em intensidade. Foi a primeira vez em Portugal que uma visão de conjunto de certas tendências da performance foi possível. (...) . A arte saia do

limite tradicionalista, dirigindo-se

directamente e sem complexos ( mantendo no entanto a sua ambiguidade especifica) a todos os géneros de públicos, utilizando os suportes mais variados ( palavra, corpo, espectáculo, provocação voluntária, ironia, papel, tela, reprodução, fogo, elementos aleatórios, natureza, discurso sobre arte, ritual, jogo) vivendo em contemporaniedade com o questionamento sobre o real, o quotidiano e sobre a criação 656, defende Egídio Álvaro dois anos mais tarde. E foi, de facto. Nenhum de nós se encontrava nos limites formais das categorias estabelecidas, diz hoje Hubert. A partir de Paris, afirma, Egídio escolheu um certo numero de artistas que haviam escolhido trabalhar fora mas também dentro das galerias 657.

O Perspectiva 74 serviu de ensaio geral dos moldes de programação que posteriormente vieram enformar os Encontros Internacionais de Arte. O critério de escolha dos artistas

655

Egidio Álvaro, Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au Portugal, Lyon, 1979, sp.

656 657

Egidio Álvaro, Id.Ibid.sp. Pierre Alain Hubert Entrevistado em Outubro de 2004, Paris.

206

participantes

manter-se-á ao longo da colaboração que determina o eixo Porto-Paris,

assente noção de vanguarda enquanto intervenção urbana. Na sua qualidade de primeira programação, o objectivo do Perspectiva 74 centrou-se essencialmente em realizar arte aberta a toda a população. Essa arte de intervenção urbana correspondia, acreditava Egídio, a um antítodo

para um mal geral que assolava

uma cultura vitimada pelo elitismo e afastamento da criação artística das condições de vida. Mas deveria ser acompanhada de uma vertente pedagógica. Egídio lembra, a ideia geral, em Portugal, era a de que só as elites podiam compreender a arte. A realizar festivais no espaço aberto da cidade, em contacto directo com a população, pudemos verificar que havia uma grande sede de compreensão. (...). Os artistas estavam em contacto directo com o seu público, e sempre recusei a publicidade. (...).outra ideia interessante era a de realizar quotidianamente um debate em presença dos artistas em que cada um se podia explicar e esclarecer as suas dúvidas 658.

Por conseguinte, depois de realizados três Encontros Internacionais de Arte, o mesmo crítico afirma no artigo “Intervenções no espaço Urbano” publicado no ultimo numero da revista Artes Plásticas 659: as intervenções no espaço urbano constituem um dos três capítulos em que se articulam os Encontros. Se os debates se realizam numa sala cujo acesso é psicologicamente mais fácil às camadas intelectuais e artísticas do

que às

camadas populares e se as exposições se desmultiplicam em lugares postos À nossa disposição, geograficamente descentralizados e sempre que possível de acesso directo à rua – e são gratuitas -, mas encontram ainda uma certa resistência (...) as intervenções são livremente estruturadas pelos seus autores/actores, processam-se no interior do tecido urbano, horas de grande afluência ou em lugares propícios, dirigem-se directamente às camadas da população menos tocadas pelo trabalho artístico, utilizam linguagens imediatas e permitem a participação activa, sem nenhum esquema censurante 660.

658

Egidio Álvaro, Entrevistado em Fevereiro de 2004, Lisboa Egidio Álvaro, “ Intervenções no espaço urbano” in Artes Plásticas, nº7/8, Dezembro/Janeiro 1977,p. 28. 660 Id.ibid. p.28 659

207

Assim, a partir de Paris Egídio Álvaro estrutura a rede de contactos que se tornará a base de activação da colaboração do eixo Porto-Paris. O cerne desta rede foi o artista português sediado desde 1969 em Paris, Luís Darocha (n.1945) 661. Tanto a Pierre Alain Hubert e Serge III, como aos britânicos Roland Miller e Shirley Cameron chega por via de Darocha. Com o primeiro, este último partilhava o mesmo galerista, na Galerie Entre. Com o segundo, Darocha partilhava uma amizade funda da em 1973 nos Rencontres Internationales d´Art Contemporain de La Rochelle 662. Evento onde, por sua vez, esteve também presente Jacques Pineau, amigo de Darocha desde 1971 663. Com Miller&Cameron, Darocha travou conhecimento aquando da sua passagem por Paris 664 - eu e o Roland conhecemos o Luís da Rocha quando mostrávamos o nosso trabalho em Paris. Estávamos na Bienal de Paris 665. De seguida, acrescenta Egídio, tudo se encadeou. Os artistas eram seleccionados segundo o dossier que me enviam. Em seguida escrevia-lhes uma carta destinada ao respectivo ministério da Cultura, e eles obtinham uma bolsa para vir a Portugal 666.

A activação da rede de contactos definida através de Darocha, cunhou a capitular do se veio a constituir como o capitulo português para um conjunto de artistas franceses. Este definiu-se sobre uma proposta do critico Egidio Alvaro e do galerista Jaime Isidoro. Eles convidaram os artistas um por um para expor no Porto. Para pagar os custos de viagem, cada um recebeu 1000 francos em troca de uma maquete de serigrafia. As maquetes seriam realizadas por Darocha e reunidas num portofolio pela Galeria Dois no Porto 667.

Entre o grupo de artistas internacionais que ao momento gravitam em torno do foco parisiense encontrava-se um polaco, aí sediado desde 1971 668, particularmente focado na operacionalização do mecanismo performance desde os primeiros anos de 70 669.

661

Consultar o sitio pessoal do artista: www.darocha.fr Neste evento Pineau colaborou também com Serge III na intervenção Les Jonquilles. 663 Cfr. www.darocha.fr/francais/biographie/expgr.htm. 664 Egidio Álvaro, Entrevistado em Fevereiro de 2004, Lisboa 665 Shirley Cameron, Entrevistada em Fevereiro de 2005,Lisboa - Sheffield. 666 Egidio Álvaro, Entrevistado em Fevereiro de 2004, Lisboa 667 Serge III, “Serge III: Autobiography” in http://www.sergeii.com/bio%20serge%20III.html 662

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Convidado por Egídio, Tomek Kawiak (n.1943) trouxe ao Porto da Perspectiva 74 a coincidencia do enquadramento com atitude na intensidade dispensada no acto da troca. Formado em Belas Artes na Universidade de Varsóvia em 1968, Tomek vinha desenvolvendo os conceitos de arte assente no principio da troca, da distribuição e do envio. Em 1974, no Perspectiva 74, Tomek activa o mecanismo performance pelo acto da troca. Segundo Pierre Restany, para este, a arte é à imagem da vida, um teatro complexo e indivisível onde o ser assume a total diversidade da sua urgência expressiva 670

O inicio da sua actividade como performer data de 1970. Nesse ano, ainda na Polónia, cola cartazes nas ruas anunciando uma intervenção ao nascer do sol. Até 1974 realizou inúmeras intervenções e acções urbanas de Paris a Varsóvia, desta a

Roterdão e de Colónia a

Kassel, onde na Documenta 5 realiza sem convite, Le pain de Tomek. Data de 1971 o ano em que efectua uma primeira série de acções TROC-ART em França.

Le pain de Tomek consiste numa edição de vinte exemplares de

baguetes de resina

contendo parcelas do seu próprio corpo 671. No ano da Documenta 5 cria o leitmotiv : a arte é um negócio fácil. A única actividade válida é a actividade entre recebedor e dador. só é válida a actividade entre quem dá e quem recebe 672. À luz deste pratica a TROC-ART: um contrato activo que se define como oposto a qualquer relação utópica. Focado essencialmente no acto da troca enquanto arte, Tomek partilha pedaços da sua roupa, provetas com secreções do seu corpo, troca lugares de exposição por trabalhos de jardinagem, distribui pão. Em 1973 realiza Les Valises: estracto de Tomek concentrado. Contendo roupas e objectos pessoais usados. Realizadas em resina sintética, com arestas e pega metálicas 673. Paralelamente dedica-se à vídeo art.

Ao momento da Perspectiva 74 Tomek realizara cento e cinquenta trocas enquadradas. 668

A partir de 1973 Tomek estuda escultura na Academia de Belas Artes de Paris. Em 1976 naturaliza-se françês e no ano seguinte assume o cargo de professor no Visual Arts Institut de Orleães. Cfr. Tomek Kawiak – esculturas/sculptures, Madrid, sd. 669 Tomek Kawiak, Briquetages du monde, 1976-1988, 1989, Roma, p. 133. 670 Pierre Restany, “ preface – tomek Kawiak : le sculpteur-maçon sur l´aile du voiage” in Tomek Kawiak, Briquetages du monde, 1976-1988, 1989, Roma, sp. 671 Tomek Kawiak, Briquetages du monde, 1976-1988, 1989, Roma, p. 133. 672 Tomek Kawiak, “ Perspectiva 74 – Tomek” in Artes Plásticas, nº5,Porto, Setembro de 1974, p.25-26 673 Tomek Kawiak, Briquetages du monde, 1976-1988, 1989, Roma, p. 134

209

Por cada troca passou, a partir de determinado momento, um certificado de permuta - ao qual juntou uma fotografia do objecto trocado com que ficou , e com cada certificado deu um aperto de mão. Define-se um ritual. E o que neste se assume como verdadeiramente importante é a actividade entre recebedor e dador. Não existe artista e o público porque cada qual muda de posição. O publico faz acto de criação como eu, e eu transformo-me em publico nesse momento. É por isso que apertamos as mãos. O círculo fecha-se. Fazemos um acordo 674.

Entre os arquivos Tomek – notas, apontamentos e certificados de permuta -, constam hoje aqueles que reuniu em função das trocas realizadas no Porto em 1974, onde trocou pedaços de resina contendo fragmentos do seu corpo.

Enquadrando o acto de dar por um conjunto de dispositivos – certificados, predisposição, cerimonialidade do acto, Tomek procura revelar a dimensão tensional que subjaz ao acto de comunicação em responsabilidade partilhada, efectivando a sobreposição do enquadramento com a atitude e ainda, a dissolução activa do criador e espectador num contacto directo.

Poucos meses depois Tomek voltará a Portugal, para integrar os debates e a exposição que no mês de Julho e Agosto definiram o programa dos Primeiros Encontros Internacionais de Arte na Casa da Carruagem em Valadares. Tal como Pierre Alain Hubert ( n. 1944), amigo e companheiro de viagens de Serge III e presença assídua nos subsequentes Encontros Internacionais até à sua edição já como Bienal de Arte de Cerveira em 1978. Formado em Artes Aplicadas em Paris em 1962, Pierre Alain Hubert começa a trabalhar com o mecanismo performance em 1970, ano em que realiza vários happenings com o Free Jazz Workshop.

Em Abril de 1974, no Perspectiva 74, este professor de Tecnologia do Lycée Marie Curie de Marselha, apresenta à galeria Dois e às ruas da cidade do Porto a intervenção 674

Tomek Kawiak, “ Perspectiva 74 – Tomek” in Artes Plásticas, nº5,Porto, Setembro de 1974, p.25-26

210

Substancias e Fenómenos. Eu fazia INTERVENÇÕES sobretudo em meio urbano com fogos de artíficio, FUMOS e CHAMAS. Eu trabalhei com o fogo dentro da galeria e depois fora 675.

Reinvindicando a autonomia da acção despoletada, que como a festa conhece um curso próprio, Hubert segue a posição teórica fundada na defesa da efemeridade da experiência da arte coincidente com o acto criativo. Do qual o artista é um mero despoletador,

que

logo se vê envolvido no acontecimento por meio do qual se anula a distinção entre artista e público, pela sujeição às consequências do funcionamento do mecanismo performance. Manifesto em luz e em imaterialidade efémera, criando uma duração e definindo um espaço próprio, o trabalho de Hubert não se limita à criação de eventos pirotécnicos a serem visualmente apreciados – o seu objectivo é o de agir de forma a estabelecer o enquadramento de uma experiência que é a da festa. E no enquadramento da festa, dissolvem-se as antinomias, todos são criadores de situações, todos são espectadores do acaso em curso. Diz Hubert: desejo acima de tudo orientar-me deliberadamente para uma outra via que não aquela que leva a crer que a obra tem uma comunicação imanente desde que se pendura numa moldura. Os happenings, antes de tudo introduzem perfeitamente a confusão, a alegria de um certo caos. A procura de novas dependências imediatas, têm em todo o caso o mérito de serem pela sua confusão mesmo, iluminantes. (...). O acontecimento será de pouca significação se não contribuir para desencadear a festa, o carnaval 676.

Inscrito no tempo, implicando o risco, coincidindo com uma experiência efémera, o fogo de artificio funciona tanto como um despoletador da experiência festiva, defende Hubert em 1974 fundamentando-o na crença de que estes penetram directamente no psiquismo profundo do espectador e fazem-no viver. Consequentemente, em virtude dessas mesmas características, trabalhar o fogo de artificio funciona

como uma metáfora da vida na sua

manifestação da impermanência pela aparência: ao médium dos elementos não oferece mais do que um futuro circunstanciado onde minerais raros, metais preciosos, substâncias

675 676

Pierre Alain Hubert, Entrevistado em Outubro de 2004, Paris. Pierre Alain Hubert, Artes Plásticas, nº5, Porto, Setembro de 1974.

211

subtis e trabalho sábio se tornarão em alguns instantes cinzas e poeira, mineralogia poética do nada 677.

No espaço da Galeria Dois um rastilho desenhou a cinza o indice de uma linha de fogo. Na rotunda da Boavista, foguetes e fumos esbateram as silhuetas curiosas.

Mais tarde, já no tempo em que se podia contar que uma revolução tinha saído à rua, de mão dada com ocasionais cravos bonitos para a opinião internacional e fotografias, fumos e fogo

para as

significaram também uma festa. Mas tal aconteceu já no

enquadramento dos Encontros Internacionais - pelos quais, tão cedo quanto em Agosto de 1974 regressou Pierre Alain Hubert a um Portugal em Festa. A esse Portugal regressaram também, depois do Perspectiva 74 os ingleses Shirley Cameron (n.1944) e Roland Miller. E em 1976 aos Encontros Internacionais de Arte na Póvoa do Varzim,

em 1977 nos

Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha. Às Caldas da Rainha trouxeram a escritora

Angela Carter (1940-1992),

a quem se deve a redacção de um mordaz e

acutilante retrato de um país que, afinal não era tão festivo quanto em 1974 se esperava que viesse a ser.

Juntos desde 1969, Miller & Cameron fizeram confluir num projecto comum a formação em escultura de um e a prática do teatro experimental de outro. No Porto de 1974, entre 9 a 16 de Março, operacionalizaram o mecanismo performance por meio do conceito que forjaram para as suas intervenções – Landscape and Living Spaces.

No contexto da Saint-Martins School of Art , tendo por colegas Gilbert and George, Shirley Cameron encontrou no curso de escultura ( entre 1962 e 1966) tutelado por Anthony Caro, um incitamento constante ao repensamento da própria escultura e dos seus limites. Do encontro com Roland Miller resultou o conceito Landscape and Living Spaces para reflectir que estávamos a produzir trabalhos artísticos quer fora, no campo, que dentro, em

677

Id.ibid.

212

galerias, lojas, tendas, etc. – em living spaces 678, um trabalho cuja intervenção se define na vida quotidiana, trabalhando “whith or against the grain”.

Admitindo a utilização da actuação como matéria prima para a arte visual, nesta reconhecem a maior das vantagens no plano onde, pela acção, pelo contacto directo e pessoal entre os artistas e o publico, se cria uma possibilidade adicional traduzida numa maior liberdade para a percepção e imaginação na sociedade.

Na declaração por estes assinada e editada na Artes Plásticas de Setembro de 1974 lê-se: as reservas imaginativas, místicas, magico/religiosas são inesgotáveis, mas podem contudo ficar encerradas dentro das pessoas pelos constrangimentos da “civilização”. A nossa particular forma de arte expressa o nosso desejo de libertar estas reservas e dar-lhes expressão activa. Temos um papel definido, mas através da expressão corporal as nossas experiências abrem-se à participação dos outros, temos uma forma pessoal de expressão dentro de uma actividade comunitária. (...) . A única e importante aspiração da performance/art é dar à imaginação uma vida física dentro do corpo humano 679.

Em 1996, no contexto do AnnArt 7 – International Living Art Festival Roland Miller defende ainda e com clareza, a performance não é sobre coisas, ela é ela própria alguma coisa. Utilizando dispositivos visuais e gestuais muito simples enquanto como componentes ready-made, as performances de Miller & Cameron versaram nestes anos a efectivação do processo de expansão e correlativa afirmação de positividade geral,

explorando

temáticamente as relações de género, de dinâmica relacional interpessoal e da definição dos sistemas impostos pela realidade social, numa isenção de normas ou limites de enquadramento que não o da atitude. Considerando que a performance art não é realmente diferente de outras formas das artes visuais, mas que é suficientemente diferente das outras actividades da sociedade para levantar dúvidas e provocar perguntas: 678

Shirley Cameron, Entrevistada em 19 de 02 de 2005, Lisboa- Sheffield. Shirley Cameron e Roland Miller, “declaração –performance art” in Artes Plásticas, nº 5, Porto, Setembro de 1974, p. 28

679

213

O que é válido no vosso trabalho? Nós mesmos. É arte? Não é nada mais – se bem que uma pintura valiosa seja simultâneamente arte e dinheiro. O que significam as vossas acções? A nossa própria liberdade dos significados dos outros e a possibilidade de significação em tudo 680, Miller & Cameron operacionalizam o mecanismo performance em Landscaps & living spaces, meses antes da publicação destas palavras e perante uma audiência atenta, “Pink and Black” 681 na Galeria Dois. Nos jardins da Universidade de Belas Artes desta cidade efectivaram também

uma

performance sem nome.

Coincidência efectiva entre enquadramento e atitude no sentido da revelação de uma positividade.

Trata-se da positividade que problematizamos nos primeiros capítulos desta reflexão, aquela que é evocada nos rituais de Moucha ( n.1942). Por ritual Moucha entende a construção de um objecto com materiais do lugar onde este se processa de acordo com uma ideia. Significa processo. Processo criativo levado a cabo de

680

Texto escrito para a brochura de evento não especificado, decorrido em Birmingham entre 19 e 20 de Julho de 1974, publicado in Artes Plásticas, nº 6, Porto, Janeiro de 1975. 681 Texto para performance publicado na Artes plásticas 5, setembro de 74, p. 28.: segundo Shirley Cameron - Shirley Cameron e Roland Miller estão na galeria. SC veste um fato-macaco preto, luvas e sapatos e começa por se deitar no chão com fios presos aos braços, pernas e corpo. Estes fios estendem-se desde o seu corpo até parafusos presos a diferentes sítios no tecto e parede da galeria e pendurados na ponta destes fios estão objectos pretos – abelhas, bonecos, helicopteros etc... conforme ela mexe os braços ou as pernas os objectos movem-se para cima e para baixo. Alguns produzem sons. Nos intervalos ela sai do fato-macaco deixando-o preso aos fios. Por baixo ela veste-se de cor de rosa e continua com as luvas e com os sapatos. Faz então movimentos com R:M: e faz tocar um gramofone de corda preto. Num recanto da galeria ela tem alguns objectos pequenos comestiveis que ela cobre de açucar cor-de-rosa e nos quais pega para as pessoas verem. Segundo Roland Miller: Roland Miller é uma figura cor-de-rosa ( um fato que já usou no país de gales, Londres, Paris, Bélgica) com um ar amarrotado, usado. Há lama e imundice no fato proveniente das várias jornadas e experiências. Este fato tem argolas das quais pendem várias correntes, cordas, fios de chumbo. Os movimentos do homem do fato cor-de-rosa fazem com que estes elementos descrevam diferentes formas no chão e produzam sons. Alguns fios têm armadilhas nas pontas para prende os objectos soltos. O fato e os seus fios são como a nossa experiência no mundo físico – nos enviamos as nossas percepções e opiniões mas não mudamos o mundo. Por baixo do fato cor-de-rosa Roland Miller veste roupa interior preta. Quando despe o fato transforma-se numa simples figura preta com quem se brinca.

214

acordo com uma determinada predisposição que determina um agir ritualizado no de todos os procedimentos neste implicados, no sentido de uma revelação do que existe. Segundo este artista, o seu estado social actual, ao ano e no contexto do Perspectiva 1974, corresponde ao de um filosofo praticante. O desempenho implicado nas suas intervençõesrituais são assim, do foro filosófico. A exposição que realiza então na Galeria Dois documenta graficamente, escultóricamente e fotograficamente o ritual que realizou à sua chegada à cidade do Porto. Chegarei Quarta-Feira de manha ao Porto, irei à Beira mar, encontrarei materiais que irei manipular ritualmente, levarei o resultado à galeria onde este “ objecto” será apresentado com uma certa “mise en acte” para que ele possa libertar as suas emanações rituais 682. E, efectivamente, foi de acordo com estas directrizes que se efectivou a intervenção-ritual de Moucha.

Com Hubert, Tomek e Serge III, Moucha partilha uma clara posição face ao desempenho social da arte. As suas opiniões confluentes traduzir-se-ão em Agosto do mesmo ano, no contexto da primeira

edição

dos



referidos

Encontros

Internacionais

de

Arte

numa

intervenção/performance de nome La maladie de l’artist onde a imagem do artista intelectual é caricaturada, denunciando a doença de uma arte versada sobre as elites.

Já na Perspectiva 74, Serge III (n.1927) - artista que se situa na órbita do Fluxus desde 1962 -

quando conhece Ben em Nice 683, reinvindica a posição assumida desde 1966 :

682

Moucha, Artes Plásticas nº5, Porto, Setembro de 1974, p.32 Serge III conhece em 1962 em Nice Ben e o Fluxus. Desde 1962 e até 1970 a Rue l’Escarene tornou-se um importante ponto de confluência e discussão, encontrando em Ben o centro das discussões. Nesse ano Serge III vende a alma a Ben por 1 Franco, com objectivo de tratar com ruptura o que para todos os demais era tido com grande seriedade. Em 1964, este realiza com Ben e outros artistas na orbita do fluxus dois concertos fluxus em Nice. Participa também com Ben no Festival de Libre Expression organizado por Lebel em Paris. Aí, onde conhece Filliou realiza a performance Roulette Russe. Em 1966 apresenta com Ben vários happenings e concertos fluxus em Praga, sendo dois deles em colaboração com Dick higgins, Allison Knowles e Milan Knizak. Em 1968 Serge III cria os vinis brancos – pinta telas de outros com vinil branco em protesto contra a importância da assinatura e da originalidade da obra. No ano seguinte, no contexto do Festival “ non-Art, Anti-Art, La verité est Art”, organizado por Ben realiza a auto-stop com um piano. À lista das suas intervenções no âmbito do fluxus nicense devemos acrescentar ainda: 1964: Piece pour Violon, Piece pour espace – consistindo no esmagamento de garrafas vazias com golpes disferidos com uma barra de ferro; Cólere de Vaissele – ritual de golpes de martelo sobre um serviço de chá; Boire et offrir le verre du spectateur; Peinture de Modéle – pintar uma rapariga com as mãos. 683

215

toda a arte é subversão, o gesto artístico é uma reacção do indivíduo contra o meio, cuja finalidade, consciente ou inconsciente, é persuadir esse meio a modificar-se. Esta será a posição que defenderá de forma acesa nos debates levados a cabo em 1976, nos Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Mas nestes, Serge III incidirá particularmente na diferença entre subversão, vandalismo e manipulação da informação 684, afirmando ser necessário não confundir subversão com vandalismo, subversão com acto gratuito, subversão com amadorismo, subversão com revolta. A subversão artística é sempre uma acção pensada e nunca apenas uma teoria sobre a acção 685. Ao Porto, em 1974 - em desafio ao sistema totalitário de Caetano, levo cartazes da Comunne de Paris colados sobre madeira e quadriculados com arame farpado – escreve em 1984 686. Para a inauguração que teve lugar a 22 de Abril convidou crianças miseráveis dos Cais da Ribeira para que eles ai pedissem esmola.

Numa abordagem que vinha desenvolvendo desde 1962 - de uma intervenção directa e dessacralizante da instituição arte, Serge III descreve num texto expressamente escrito para a ocasião no espaço que lhe é dedicado na Artes Plásticas, , as directrizes do trabalho que apresenta no Porto: apresento aqui um trabalho árido e sem encanto, seco e sem alegria, mas penso que devia ser feito como documento ou ponto de paragem ou ponto de partida. Esforcei-me por depurar o meu trabalho de qualquer estética ou intelectualismo sem, todavia, dizer coisas não significativas ou fazer concessões, de maneira a que tanto um intelectual como um analfabeto o possam interpretar 687.

De igual modo, questionando os limites dos julgamentos de gosto, levando a cabo uma intervenção que designou por Débat comme si nous étions collectionneurs, artistes, critiques, galeristes 688, Pineau que trabalhara no ano anterior com Serge III nos Rencontres Internationales d´art Contemporain de La Rochelle, realiza uma intervenção assente na 684

Jaime Ferreira, “ Os Encontros de Arte na Póvoa do Varzim” in O Comércio do Porto, 12 de Agosto de 1976, Porto 685 Serge III citado por Egidio Álvaro, “ Debates” in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/Janeiro de 1977, Porto, p. 57. 686 Serge III, “Serge III: Autobiography” in http://www.sergeii.com/bio%20serge%20III.html 687 Serge III, “Serge III “ in Artes Plásticas, nº 5, Porto, Setembro de 1974, p. 34. 688 Cfr. http://amirealisation.free.fr/

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constatação de que a arte pode ser considerada uma experiência de relações, cujo produto propriamente dito não e senão um pretexto para a instauração deste produto e daquele que o produz 689. 2.3. Primeiros Encontros Internacionais de Arte em Portugal – Valadares

Reinvindicamos o efémero, aceitamos o ritual ( social, cultural, político e artístico) e analisamos o seu poder. Manifesto de Vigo 690

O ciclo Perspectiva 74 decorreu durante o fim e o eclodir da revolução. No rescaldo desta, o tempo trouxe a Portugal os Encontros Internacionais de Arte bem como uma nova expectativa relativamente ao poder de intervenção dos artistas no curso da história cultural do País.

Logo em Maio desse ano, no substracto correspondente a Lisboa recém-formado Movimento Democrático de Artistas Plásticos – MDAP 691, algumas das suas

propostas. Estas incluem a proposta de

elabora em comunicado abolição de

todas as

estruturas consideradas fascistas da Secretaria de Estado de Informação e Turismo SPN/SNI e a destituição dos seus responsáveis, a remodelação total da revista Panorama, a verificação do património artístico do SEIT e a proposta de utilização das salas do palácio Foz para programação artística. No seguinte dia 6, este movimento anunciou uma proposta de comemoração para o dia 10 de Junho. Nessa festa que teve lugar no Mercado da Primavera em Lisboa, foi pintado um painel colectivo, houve lugar para teatro, musica e poesia 692. 689

Pineau, “Pineau” in Artes Plásticas, , nº 5, Porto, Setembro de 1974, p. 28. AAVV, Manifesto de Vigo, Porto 1975 691 Cfr. Gonçalo Couceiro in Artes e Revolução 1974-1979, Lisboa, 2004, nota 18, integravam o MDAP Ana Vieira, António Palolo, Alice Jorge, A. Mendes, Armando Alves, Artur Rosa, Clára Menéres, Eduardo Nery, Eurico Gonçalves, Espiga Pinto, Fátima Vaz, Fernando Conduto, Guilherme Parente, Hélder Baptista, Helena Almeida, Henrique Manuel, Henrique Ruivo, João Abel Manta, João Nascimento, João Cutileiro, J. Moniz Pereira, Joaquim Rodrigo, Jorge Martins, Jorge Vieira, José Aurélio, José Rodrigues, J. Brito, Júlio Pereira, Júlio Pomar, Justino Alves, kukas, Lima de Freitas, Lima de Carvalho, Luis Dourdil, Manuel Baptista, Menez, M. Dias, Nikias Skapinakis, Quintino Sebastião, René Bertholo, Rogério Ribeiro, Sá Nogueira, Rumoaldo, Sérgio Pombo, T. Magalhães, Vírgilio Domingues, Vespeira, João Vieira, Helena Lopes, David Evans, Hogan. 692 Cfr. Gonçalo Couceiro in Artes e Revolução 1974-1979, Lisboa, 2004, p. 21. 690

217

Em Julho e Agosto seguinte, na Casa da Carruagem em Valadares, reuniu-se uma quinzena de artistas com as suas esposas e famílias, lembra Serge III 693. Tomando um nome próximo do que presidira no ano anterior o Encontro de Arte Contemporânea em La Rochelle: Rencontres Internationales d´art Contemporain, essa reunião a que se chamou Encontros Internacionais de Arte, partiu da iniciativa de Egidio Alvaro e Jaime Isidoro – o que significa dizer do Grupo Artes Plásticas e a Galeria Dois. O que significa dizer, o eixo Porto-Paris.

Assumindo ter por objectivo a criação de uma plataforma entre artistas nacionais e estrangeiros em torno de colóquios, intervenções e exposições, centrados num espaço livre no qual o dialogo se pudesse estabelecer sem os intermediários habituais 694, este encontro centrou-se essencialmente na realização de debates e de exposições. Para além da intervenção La maladie de l´artist, de uma intervenção-jantar de Pierre Alain Hubert à meia-noite na praia de Valadares

e da intervenção levada a cabo pelo

CAPC – Um Dia de Arte, que incluiu uma caça ao tesouro organizada por João Dixo, os primeiros Encontros dispensaram pouco espaço da sua programação à arte inscrita em suporte espacio-temporal. Mais tarde, quando os Encontros passam a acontecer em cidades e com o apoio das respectivas autarquias, o seu conceito foi alargado, retomando a dinâmica do Perspectiva 74: os encontros que se realizam cada ano numa cidade diferente, procuram o contacto directo e efectivo com grupos sociais normalmente mantidos à margem das manifestações artísticas e defendem a descentralização cultural concreta 695.

Os debates dos Is Encontros Internacionais de Arte, orientados por colaboradores da revista Artes Plásticas – Lima de Freitas, Patrick la Nouene, Egídio Álvaro, Queiroz Ribeiro e o critico portuense Jaime Ferreira (que poucos meses antes cobrira o Perpectiva

693

Serge III, “Serge III: Autobiography” in http://www.sergeii.com/bio%20serge%20III.html Egidio Álvaro, “ Encontros Internacionais de Arte em Valadares” in Artes Plásticas, nº6, Janeiro de 1975, pp.8-19. 695 A Capital, 4 de Agosto de 1776 694

218

74 no Comércio do Porto), versaram quatro temáticas: Novas tendências e Vanguarda, Pintura e Revolução, Pintura e Intervenção, A escultura na Cidade 696. As segundas, reuniram trabalhos de Darocha, Klassnik, Pineau, Yokohama, Tomek e Alvess, num local noutro, designado espaço escultural, trabalhos de Zulmiro, Angelo de Sousa, José Rodrigues, Alfredo Queiroz Ribeiro, Aureliano Lima, Espiga Pinto, Carlos Barreira, Moucha e Serge III.

No entanto Serge III realizou na linha da conclusão a que chegara em 1964 em virtude do conhecimento dos propósitos da decoração das anforas na antiguidade clássica – de que o contentor se define sempre em função do conteúdo e que primitivamente o conteúdo antecede o contentor, a moldagem do interior de

um armário: Serge III Oldenburg

construiu um móvel introduzindo gesso num armário, deixando-o secar e libertando-o em seguida 697. A mensagem, como a enunciara depois da constatação de 1964 era: contenucontenant, mensage-langage, fond-forme, même combat.

Entre os artistas participantes, citados no artigo dedicado a este assunto no número 6 da revista Artes Plásticas, são enumerados Ivan Messac, Angelo Dona, Babou, Christian Parisot, António Semeraro, Gerard Guyomard, Moucha, Hans Zweiler, P.ª Hubert, Serge III, João Dixo, Zulmiro, Alberto Carneiro, Arlindo Rocha, Aureliano Ribeiro, Espiga Pinto, Avelino Rocha, Fernando Lanhas, Regina Alexandre e Albuquerque Mendes.

E entre estes encontram-se alguns dos subscritores do Manifesto nascido deste encontro, assinado em Vigo. Nós estávamos em luta e sentimos a necessidade de uma posição afirmanda. Um Manifesto. Esse manifesto era de facto muito sério e também disruptivo, porque as nossas manifestações eram efémeras 698. Jamais publicado na imprensa, o Manifesto de Vigo sub-entitulado: subversion naturelle, foi assinado por Egídio Alvaro, Pierre Alain Hubert, Carlos Barreira (n.1945), Serge III,

696

Cfr . relatos e resumos em Artes Plásticas, nº6, Janeiro de 1975, pp.9-19. Egidio Álvaro, Entrevistado em Fevereiro de 2004, Lisboa. 698698 Pierre Alain Hubert, Entrevistado em Outubro de 2004, Paris. 697

219

Moucha e João Dixo em Vigo aos quais se juntaram, como aderentes: Dan Azoulay (n.1950), Tomek e o polaco Zbigniew Warpechowski. A edição bilingue português-françês do Manifesto data de Janeiro de 1975, tendo sido levada a cabo pela revista Artes Plásticas e pela Alvarez. Nesta inclui-se o Manifesto bem como uma biografia de cada um dos seus subscritores acompanhando uma imagem do seu trabalho.

Nascido da necessidade de materializar as directrizes

disruptivas das intervenções

efémeras de todos estes artistas, bem como da constatação de profundas afinidades no que respeita o sentido do trabalho de cada um de nós, verificado nos seguintes pontos enumerados no manifesto: gosto da ironia e do sentido de humor, obsessão da pesquisa permanente, coerência da pesquisa, recusa da asfixia imposta por todos os poderes e por todos os aspirantes ao poder, necessidade de fazer participar e de (se) comprometer, sentido teatral da produção, atracção real pelo que funciona, o não conformismo indeterminado, a improvisação, a auto-ironia, a liberdade de reformulação, a necessidade de um constante questionamento das certezas, dialética do desespero e do desejo, prazer na transgressão. Como eixo e directriz comum ao trabalho dos seus subscritores, estes enumeram os suportes e os circuitos em quem se definem. São estes, o ar, a água, o fogo, a terra, as massas.energias, as não substancias ( passagem das energias às ausências), a visualização dos conceitos, o tempo, os traços (as marcas), tudo e não importa o quê, a arqueologia da arte. Bem como a duração o modo – reinvindicamos o efémero, aceitamos o ritual ( social, cltural, político e artístico) e analisamos o seu poder, e os circuitos – os circuitos tradicionais, os circuitos marginais, a rua, não importa a galeria voluntáriamente templificada. O museu desfeito 699.

Afirmando a consciência do caracter limitado e irrisório, da natureza subversiva e do poder provocatório deste documento, constatadas as afinidades as conclusões justificam sob a forma de síntese os seus propósitos: a recusa incessante da integração e o recurso à intervenção como dispositivo de fragmentação das certezas: a intervenção serve-nos para 699

AAVV, Manifesto de Vigo, Porto, 1975.

220

fazer explodir as certezas. Quando deixa de Ter força, encontraremos outros métodos, outros meios e outros alvos 700.

2.4. Acre e Puzzle: Lisboa-Porto-Paris-Porto

No momento em que se agudizava um estado latente de contra-revolução, em que José Augusto França publica a sua Arte em Portugal do século XX, o mercado de arte abandona os tempos de fluidez marcelista e a maioria das galerias vê-se obrigada a fechar portas.

De forma pouco surpreendente é natural que o lugar da arte se torne também a própria rua. E neste contexto, a arte torna-se também, arte da rua. Arte sociológica, landscapes e living spaces, guerrilha estética urbana, excluem-se dos circuitos sujeitos ao capital e têm por enquadramento físico o meio urbano. Incluem-se por sua vez no contexto do mesmo eixo Porto-Paris e assumem uma expressão que cobre ampla área do território nacional a norte de Lisboa.

Se paralelamente no plano económico parecem também germinar as coordenadas de um novo mercado: compra-se menos como investimento de capital, mas as obras de preço acessível começam a ter procura de um público mais diversificado e juvenil, escreve Rui Mário Gonçalves no seu balanço de

1973-1974 701, os promotores dos Encontros

Internacionais encontravam-se à margem destas questões. A Alvarez continuava aberta, aliás, mantinha também a galeria Dois, a revista Artes Plásticas tinha financiamento seguro, Egidio gravitava num meio alheio às oscilações nacionais e, acima de tudo, a arte que os Encontros promoviam dificilmente implicava o pressuposto do lucro.

700

Id.ibid.sp. Rui Mário Gonçalves “1973-1974”, Colóquio Artes, nº 19, Lisboa, Outubro 1974 . p 37.

701

221

No contexto da arte que toma a rua, o extracto definido pelo vector Porto-Paris sobrepõe-se com o extracto correspondente ao país, com uma tradução no Porto em 1975 fundando uma relação cuja sobreposição se voltará a verificar em 1977, manifestando-se nas Caldas da Rainha. Analisemos tal sobreposição. Quando em 1975 o Grupo Acre expõe sob o titulo Gravuras da Cidade decalques das tampas de saneamento das ruas de Lisboa, tendo implicito um mordaz jogo de palavras de conotação política. E quando no mesmo momento vende numa Repartição dos Assuntos Artísticos por estes instalada na Galeria Dois, ao abrigo de um Decreto-lei da autoria do grupo, à semelhança do que haviam feito na Galeria Opinião em Lisboa pouco tempo antes, estabelece uma relação que em 1977 se traduzirá pela participação de Clára Menéres de Lima de Carvalho nos Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha.

2.4.1. Acre ou a Guerrilha Estética Urbana

Formado por três artistas contemporâneos na Escola de Belas Artes do Porto: Clára Menéres ( n. 1943), o escultor colaborador da Revista Artes Plásticas Queirós Ribeiro e o pintor Lima de Carvalho (n. 1940), tendo por mote a insatisfação face à situação política, social e cultural

do país, o grupo ACRE constitui-se em 1974 como um grupo de

guerrilha estética urbana que, ao longo dos três anos das suas actuações contou com a colaboração de mais de cinquenta pessoas, na maioria artistas 702.

A primeira acção do grupo remonta a Agosto de 1974. Consistiu na pintura de um padrão constituído por círculos menores e maiores, cor-de-rosa e verdes respectivamente, no pavimento da rua do Carmo em Lisboa. Tão cedo quanto o primeiro mês de 1975, Ernesto de Sousa redige os artigos “ O Grupo Acre”,

“O Grupo Acre e a Apropriação” 703 e “ O diploma e a dessublimação” 704.

Encontrando neste grupo as coordenadas que o definem convergente com a vanguarda, 702

Clára Menéres, entrevistada em Janeiro de 2004. Lisboa Ernesto de Sousa, “O Grupo Acre e a Apropriação”, in Vida Mundial, nº 1845, Lisboa, 23/01/1975.p. 4142. 704 Ernesto de Sousa, “ O Diploma e a dessublimação” in Vida Mundial, nº 1848, Lisboa, 13 de Fevereiro de 1975, p. 7. 703

222

filia neste último artigo a acção anti-arte do grupo consignada na distribuição do diploma de artista

a uma

árvore genealógica cujos antepassados remontam a Duchamp, ao

dadaismo, dadaísmo politico, neodadaísmo 705. O caracter vanguardista do grupo funda-se, defende Ernesto no segundo artigo acima citado, não somente porque se define ele mesmo como um projecto -

logo e

consequentemente como um objecto estético, mas de igual modo por implicar a apropriação do espaço e da realidade num prolongamento do próprio corpo. Defendendo pois, que a apropriação estética é nosso corpo prolongado 706. Desta forma, teria sido o corpo de Clára Meneres o que se havia prolongado na Segunda intervenção do grupo, no Porto em 1975. Ter-se-ia prolongado pela longa faixa amarela que estes colocaram sem autorização municipal no monumento emblemático da cidade – a Torre dos Clérigos, numa acção reinvindicada à impressa e por esta amplamente coberta. 2.4.2.Grupo Puzzle: Paris-Porto

No mesmo ano em que é, na interpretação de Ernesto de Sousa, o corpo e Clára Menéres que se prolonga pela torre dos clérigos, do vector Porto-Paris nasce um outro grupo de artistas. Mas em Paris. O grupo puzzle nasceu em Paris, em 1975, no bar Rosebud, em Montparnasse. Três artistas ( Graça Morais, Jaime Silva e João Dixo) e um crítico de arte ( Egídio Álvaro) aí se reuniram, numa ambiência de Jazz, para discutir a possibilidade de criar em Portugal um grupo de artistas, o que nunca acontecera no país 707.

Em Fevereiro de 1976 – quando no Porto Fernando Pernes encabeça o projecto do Centro de Arte Contemporânea fundado no Museu Soares dos Reis, o grupo apresenta-se pela primeira vez em público na Galeria Dois num Jantar-intervenção – Expectativa

705

Id.ibid. Ernesto de Sousa, “O Grupo Acre e a Apropriação”, in Vida Mundial706, nº 1845, Lisboa, 23/01/1975.p. 41-42. 707 Egidio Álvaro, Grupo Puzzle- Arte moderna portuguesa, performance e pintura, 2001. 706

223

de

nascimento de um puzzle fisiológico-estético com pretensões a Grupo,

contando então

com nove elementos.

Para este jantar -

celebrado numa mesa isolada por um véu de gaze transparente

colocada na galeria, cada pintor vestido de modo singular, trouxe o seu jantar e uma pintura, que trocou com os demais elementos. Aos artistas que se haviam reunido com Egidio Álvaro em Paris – Graça Morais ( n.1948), Jaime Silva (n.1947) e João Dixo (n. 1941),

juntaram-se Albuquerque Mendes (n.1953), Fernando Pinto Coelho (n.1951),

Jaime Silva (n.1947), Dario Alves (n.1940), Carlos Carreiro (n.1946) e Armando Azevedo (n.1946).

Até 1980 - ano em que o grupo se auto-dissolve, este nove pintores realizam um conjunto de intervenções e telas colectivas, em Portugal

sob o enquadramento dos Encontros

Internacionais de Arte e no estrangeiro, sob os auspícios de Egídio Álvaro 708. Reinvindicando uma estrutura aberta e maleável, a recusa da rigidez e do imobilismo 709, a actividade este grupo é caracterizada por Egídio Álvaro em 1976 - quando ainda não tinha inscrito na história a maior parte das suas intervenções, pelos seguintes seis pontos: o primado da ideia sobre a técnica ( tomada como um meio e não como um fim) e sobre a 708

Ainda no mesmo ano, em Junho no Dia do Artista na Galeria Nacional de Arte Moderna em Belém, e na exposição O Puzzle vai a Lisboa, na SNBA. Participam ainda na EXPO AICA 76, na Exposição Jeune Peinture Portugaise no Centre Culturel Portugais FGC em Paris, no Lunds Konsthall na Suécia, em Brasilia, S. Paulo e Rio de Janeiro na exposição Arte Moderna Portuguesa. NO ano seguinte integram a exposição Artistas Portugueses na SNBA e no Centre Culturel Portugais em Paris, o 28 Salon de Jeune Peinture, os IVs encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha, a Exposição Identidade Cultural e Massificação e na exposição Cultura Portuguesa en Madrid, que no ano seguinte é apresentada no Museu Nacional Soares dos Reis no Porto. Em 1978 participam na exposição tendende Figurative – peinture portugaise actuelle em Brétigny, no 29 Salon de la Jeune Peinture em Paris, na exposição Nouveuax Langages em Limoges. Em 1979 realizam um ciclo de cinco exposições individuais e uma colectiva na Fundação Engenheiro António de Almeida no Porto, e em Abril no 1 Symposium International d’art Performance de Lyon com a performance Recolha Histórica – o grupo recolhe elementos e objectos de diversas intervenções de outros artistas colocando-as em compartimentos transparentes de plástico. No mesmo ano intervém na universidade de Toulouse Mirail, no contexto da Exposition d’art moderne et contemporaine européen entre 23 e 30 de Abril, quer fotagrafando o seu próprio público, quer recortando uma tela já realizada, colocando os recortes num envelope e expondo o envelope. Em 1979 intervieram em Paris, na programação de JJ. Lebel para o Museu de Arte Moderna. Em Junho do mesmo ano realizam a O puzzle convida os ex-puzzle, no Porto. Finalmente, em 1980 participam na exposição Arte Portuguesa Hoje na SNBA, no ARC em Paris, na exposição comissariada por Egídio Álvaro Nova Sensibilidade:Figurações/intervenções na SNBA e, organizam a Semana Internacional de Arte Actual em Vila do Conde. 709 Egidio Álvaro, Grupo Puzzle- Arte moderna portuguesa, performance e pintura, 2001.

224

análise da intervenção plástica dos componentes materiais da pintura; a elaboração de um trabalho colectivo que não só destroi a especificidade e as características do trabalho individual como ainda, muitas vezes, o reforça e o valoriza; o abordar temas que tenha sido excluídos do vocabulário plástico em curso; a maneira como trata esses temas ( uma imagem de base comum, recortada em nove rectangulos que serão pintados individualmente), a percepção da imagem global e a tentativa de jogar, no rectangulo individual, com o estilo próprio aos artistas a quem foram atribuídos os rectangulos contíguos; a facilidade com que aproveitam o insólito e o tornam acessível, plausível, quase banal; o desejo veemente de instaurar um diálogo aberto com os componentes da nossa cultura e com as massas arredadas da arte, e a vontade de sair dos quadros estreitos que nos foram impostos pelo isolamento geográfico e pela incapacidade dos burocratas 710. A primeira intervenção do grupo data de 1976, no contexto dos

III Encontros

Internacionais de Arte que tomaram as ruas e os céus da Póvoa do Varzim. Nesta edição dos Encontros a performance se torna uma das suas componentes previlegiadas, (...) , que num contexto político conturbado e num contexto cultural à deriva, permitirá uma ampla sensibilização do público às novas linguagens artísticas e, mesmo, às linguagens artísticas comuns 711. E no contexto destes Encontros que o Grupo Puzzle é distinguido quer por Jaime Ferreira que o caracteriza como constituindo a principal revelação do ano de 1976 no panorama artístico português 712, quer no jornal françês Libération, onde merece particular destaque num artigo dedicado aos Encontros Internacionais, em virtude do seu trabalho interessante de exposições e intervenções 713. 2.5. Segundos Encontros Internacionais de Arte – Viana do Castelo

Antes do Grupo Puzzle empreender a operacionalização do mecanismo performance e outras actividades, tiveram lugar os II’s Encontros Internacionais em Viana do Castelo. 710

Egidio Álvaro, “ Grupo Puzzle” in Artes Plásticas, nº7/8, Dezembro/Janeiro de 1977, p. 17-22, p. 18. Egídio Álvaro, Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au Portugal, Lyon, 1979 712 Jaime Ferreira, “ Estão a decorrer na Póvoa do Varzim os Encontros Internacionais de Arte” in O Comércio do Porto, 8 de Agosto de 1976, Porto. 713 P. Reiner, « Rencontres artistiques au portugal » in Liberation, 25 de agosto de 1976, Paris 711

225

Estes tomaram os meses de Julho e Agosto de 1975, tendo sido os primeiros acontecer numa cidade e com o apoio da Câmara Municipal.

Nestes Encontros, Egídio Alvaro detecta o inicio de um movimento irresistível no sentido do espaço urbano, e podemos mesmo falar de performance (...), colectiva na medida em que os participantes produziram-se na praça central, pintando, questionando, participando activamente na animação e ao despertar de uma população desconfiada, curiosa, etc., e por vezes francamente entusiasta 714. Para além do habitual programa de debates e conferências - que se inscreveram como uma variante na história da pacata cidade nortenha, três performances e uma intervenção se concretizaram.

A intervenção foi levada a cabo pelo pintor Henrique Silva (n. 1933), que no ano seguinte intervirá, juntamente com Serge III, sobre um barco de pesca na Póvoa do Varzim. Juntando um conjunto de latas de tinta convidou a população a pintar o chão da praça da cidade.

Por sua vez, Noémia Morgado, numa performance silenciosa, Maria Marcelina partilha em movimentos lentos e silenciosos o enrolar de um novelo, com, a secretária da Artes Plásticas. Entre uma e outra, uma na praça outra numa varanda, uma linha desenha um espaço tensional, enquadrando não só o acto numa solenidade ritual, como o espaço físico que entre ambas se define. No contexto de uma efectiva criação de situações iniciada em 1969, o espaço vivido - o espaço social de Viana do Castelo foi sujeito ao mecanismo performance, enquadrado por Artur Barrio ( n. 1945) nestes Encontros.

Natural do Porto mas residente no Rio de Janeiro desde 1955, onde frequenta a Escola Nacional de Belas Artes a partir de 1967, Artur Barrio é responsável, desde os primeiros

714

Egídio Álvaro, Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au Portugal, Lyon, 1979

226

anos de 70, por uma dura contestação anti-museal, sintetisada já em1969 num Manifesto 715 . Ano em que inicia a criação de Situações: trabalhos realizados com dejectos, materiais orgânicos e objectos diversos constituindo actos efémeros, inscritos quer em meio rural quer

no meio urbano, renvindicando para a arte uma libertação

de qualquer carga

metafórica ou simbólica, empreendendo o processo negativo de afirmação de positividade: Barrio desenvolve a relação arte/vida no sentido da recuperação da vida e repotencialização da arte 716. Cuja irredutivel objectualidade, apreendida por registo – fotográfico, filmico ( Super 8), sublinha a qualidade vivencial do trabalho – as coisas não são indicadas ( representadas), mas sim vividas. (...). O trabalho não é recuperado pois foi criado para ser abandonado e seguir a sua trajectória de envolvimento psicológico 717.

Regressado a Portugal em 1974, de onde parte em 1975 para Paris, vive o momento revolucionário e enquadra a situação 4 movimentos, no Mindelo, que de acordo com o seu registo consistiu em: Trabalho realizado com uma vendedora de peixe durante o seu trabalho quotidiano, de porta em porta, no mês de Agosto de 1974. Os 4 movimentos resultam da minha deslocação ao andar superior da casa até a pequena área onde se encontra a vendedora de peixe, sendo que a partir desse momento os movimentos começam a ser produzidos unicamente pela vendedora de peixe, eu próprio registando-os apenas 718.

No ano seguinte, aquando dos Encontros em Viana do Castelo, Barrio volta a trabalhar com peixeiras numa intervenção realizada em dois momentos, na Praça da República. O primeiro momento de Áreas Sangrentas consistiu na criação de um objecto de forte carga simbólica veiculada, de forma aparentemente paradoxal, pelo seu concretismo. 715

Cfr. Artur Barrio, “Manifesto” in Artur Barrio, Artur Barrio, a metáfora dos fluxus 2000/1968, São Paulo, 2000, p. 100. 716 Sheila Cabo, “ A morte da arte como totalidade” in Ricardo Bausbaum (org.) Arte contemporânea brasileira: texturas, dicções, ficções, estratégias, Rio de Janeiro, 2001.sp. 717 Artur Barrio citado por Paulo Herkenhoff “ Barrio – liberdade, igualdade e ira” in Artur Barrio, Artur Barrio, a metáfora dos fluxus 2000/1968, São Paulo, 2000, p. 100. ., p.25-28. 718 Artur Barrio, Regist(r)os, Porto, 2003, p.

227

Consta do seu registo: 1) ÁREAS SANGRENTAS: Primeira parte. Viana do castelo 4.8.75 Praça da República Materialmente o trabalho era constituído por: uma pedra recolhida na praia de Valadares em 15.7.75 na maré baixa, sendo a pedra coberta por plancton e outros resíduos marítimos; essa pedra, na mesma maré baixa, estava submersa por + ou - 15 cm de água; seu peso = 20Kg; a pedra ficou num bosque por um período de 17 dias e 17 noites. Uma velha tábua de obra encontrada em Viana. Uma pequena pedra recoberta por pontos bastante brilhantes; sendo que, também recolhida na maré baixa na praia de Valadares a 17.7.75, essa pequena pedra esteve durante 5 dias e 5 noites na varanda de uma pequena casa de madeira. Uma corda de canhamo estendida ao longo da tábua, amarrada: à pequena pedra brilhante; um pau transversal de uns 35 cm e a um pedaço de arame de 10 cm; na outra extremidade a um embrulho contendo pedaços de peixe, cedidos por uma vendedora de pescado. Cravada no embrulho de peixe, uma pódoa ( comprada na feira de Espinho a 8 km de valadares) semi-encoberta por barbante de canhamo, sendo o punho estrelado de pregos 719.

Deixado exposto na Praça da cidade, na qual, quatro dias depois tem lugar a Segunda parte da situação. O que pretendo fazer é justamente aquilo que eu acho que as coisas são 720.

Por conseguinte, encontrando na operacionalização do mecanismo performance uma forma de trazer o território do que é considerado arte para aquele do que as coisas são – a acção humana, torna-se a base fenomenologica da construção ética e estética da relação do

719

Id.ibid. Artur Barrio, entrevista a Marcio Doctores – O globo, 27.11.1987, in Artur Barrio, Artur Barrio, a metáfora dos fluxus 2000/1968, São Paulo, 2000, p. 53

720

228

artista com o mundo 721, Barrio convida uma vendedora de peixe para vir com o seu carrinho, com os seus peixes, com a sua família e amigos discutir e falar acerca do seu trabalho, da sua vida, das suas esperanças e frustrações. Coincidencia manifesta do enquadramento com um atitude no sentido da revelação de uma positividade. Barrio colocou em paralelo, subtilmente, a “qualidade” do trabalho do artista e a qualidade” do trabalho corrente, e aproveita a

sacralização inevitável do discurso

artístico para colocar em evidencia um outro tipo de discurso, o do quotidiano e do apagamento. Duplo apagamento , e reversões de poderes, na medida em que o artista cede o seu lugar ao discurso do trabalhador e este encontra, subitamente a sua voz ausente para ultrapassar o discurso cortado do real do político - escreve Egídio em 1979 722.

Regista-o o artista: 2) ÁREAS SANGRENTAS..... Segunda parte Portugal, 8.8.75 Viana do Castelo Praça da Republica

A segunda e ultima parte deste trabalho consistiu em apresentação diante da tv portuguesa, em debate publico, de D. Lucilia, uma vendedora de peixe que acedeu em participar neste trabalho. Após D. Lucília Ter apregoado o seu peixe, sendo que suas mãos cobertas de escamas refulgiam ao sol, abriu-se o debate.

Foco de intensidade, a situação

de Barrio polarizou o tempo e o espaço físico dos

Encontros em Viana, pontuados ritualmente pela intervenção de um artista que desde 1970 dinamiza a vida do CAP de Coimbra.

Numa relação directa com a prática da pintura, caberá a Albuquerque Mendes voltar a estender - mas agora carregando esse acto de uma nova dimensão ritual, o pano que levara consigo um ano antes para a celebração 10 000 011º Aniversário da Arte em Coimbra.

721

Ricardo Bausbaum, “ Dentro D´agua” in AAV, Artur Barrio, Regist(r)os, Porto, 2003, p. Egídio Álvaro, Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au Portugal, Lyon, 1979 .

722

229

Albuquerque Mendes (n.1953) que frequentava o CAPC desde 1970 - onde realizara em 1971 a sua primeira exposição individual, realiza em Viana do Castelo, nos Jardins do rio, o primeiro de um conjunto de rituais que pontuarão a sua prática artística até 1999.

Com este primeiro ritual, polarizou o momento de maior intensidade destes Encontros. A performance para mim é uma camada de tinta, é um resíduo, sabendo eu que esse resíduo é vivencial pelas outras pessoas quando eu o faço, tal como o é para mim quando pinto um quadro.

Assumindo um conjunto de códigos e dispositivos ready-made próprios da cultura judaicocristã, Albuquerque Mendes leva a cabo rituais que não consegue dissociar da sua prática de pintor: a performance era uma espécie de pontuar da minha pintura – A minha necessidade de fazer performance vem exactamente nesse sentido de sublinhar , pontua, a minha actividade artística, como pinto com uma performance, quase no sentido de reparem melhor, vejam melhor, e esse sentido implica, por eu estar presente com o meu próprio corpo e fazendo algo que eu inclusivamente fechasse. Se eu estiver presente, se eu fizer uma actuação consigo fechar o circulo da proposta artística, define hoje Albuquerque Mendes.

Considerando que preside à pintura uma dimensão de magia, correlativa a uma transformação de energia e concluindo hoje que a performance implica pela experiência a partilha da intensidade do acto criativo, num processo de revelação do todo no particular, este pintor encontra no acto a chamada de atenção para a leitura da experiência estética, por meio da presentificação: é o dinamismo da performance na arte contemporânea que me interessa (...) é uma coisa vivencial, eu só concebo a performance na minha obra assim. (...). eu não concebo a minha vida de pintor sem a performance a pontuar.

Tanto os rituais em espaço urbano como os rituais em espaço artístico estabelecem no seu trabalho uma relação directa com a prática pictórica, que de acordo com a síntese que fará

230

em 1977 aquando da sua intervenção no Ciclo de Arte Moderna, no IADE, em Lisboa 723 é passível de ser sujeita a um esquema triangular. Vivendo “lirtugicamente”, as suas intervenções no espaço urbano ou artístico são corolários sintéticos, profundos, da sua forma de viver. Do seu ritual permanente vão ficando sacralizados resíduos que os pinceis dele, oficiante, imprimiram em papel, tecido, madeira ou tela. De resíduos glorificados se trata, sem dúvida. Resíduos de um ritual cuja aparência é o todo, eloquentemente profundo e perfurante 724.

Assumindo de uma forma radical a revelação implícita ao processo negativo de afirmação de positividade, num alargamento da pintura à performance e encontrando entre ambas a única distinção na fruição individual ou colectiva dessa revelação, Albuquerque Mendes conclui pois, se um pormenor é no grande ver o pequeno, o outro seria no pequeno ver o maior, é aquilo que transforma uma coisa, e, um ritual é precisamente, mostrar um pormaior num pormenor.

Por isso, em 1982 aquando da exposição Les portraits de Marcel Duchamp de Albuquerque Mendes na Galeria de Egídio Álvaro em Paris – a Diagonale, o crítico sintentisa: o prazer, o jogo e a ironia sempre foram, neste grande teatro do mundo de que Albuquerque é o mágico secreto, as palavras-chave que definem a dinâmica interna da criação. Mas no tecido multicolor e reluzente das performances, pinturas, provocações, ambientes e percursos, estes três elementos explosivos e espectaculares estão associados àquilo a que se poderia chamar os fermentos, os catalizadores ou os reveladores: a consciência das situações e das suas implicações; a cumplicidade com a história; a identidade cultural positivamente assumida 725.

Os dispositivos ready-made sobre os quais articula as suas intervenções implicam também gestos arquetipicos associados à prática litúrgica do cristianismo – eu utilizo a religião

723

Cfr. Albuquerque Mendes “ Triangulo do trabalho eficaz dum artista contemporâneo” in id ibid. sp. Armando Azevedo, “ A festa inesperada”, Albuquerque Mendes – retrospectiva de um Jovem, Porto, 1978, sp. 725 Egídio Álvaro, “ A Arte e a dimensão do Jogo” in Les portraits de Marcel Duchamp, Paris, 1982. 724

231

católica em todo o meu trabalho porque muitas vezes é muito fácil, pela facilidade que eu assim tenho em colocar as pessoas no sitio que eu quero.

No sentido da efectivação da dissolução da dicotomia público-artista, Albuquerque realiza em Viana do Castelo um ritual por meio do qual, explica Egídio Álvaro, Albuquerque mostra que a arte se pode dirigir directamente às massas, sem Ter de utilizar códigos elaborados que habitualmente impedem a comunicação espontânea. O problema essencial, que ele resolveu, é o dos meios utilizados, da linguagem específica que serve de suporte à mensagem 726.

Em Viana do Castelo o artista atravessa, vestido com uma túnica branca e um turbante preto, depois de fazer soar uma campainha de missa, lenta e pausadamente, a cidade.

O percurso torna-se um ritual no qual a cidade é o templo. Depois deste, Albuquerque estende um pano vermelho em torno do qual delimita um contorno a tinta branca, espessa. O pano vermelho era o suporte e cor, a tinta branca ligava-o ao suporte natural , à superfície do planeta, as folhas de papel ( o pão), eram “consagradas” pela pincelada, a tinta da lata ( o vinho) era realmente bebida, o martelo pregava simbolicamente a arte na cruz da colectividade, a comunhão era assegurada pela oferta aos espectadores das folhas de papel ou do tecido pintado durante a cerimónia 727.

Seguida por muitos populares, esta performance inaugurou um conjunto de performances de estrutura semelhante que decorreram nos anos seguintes em

contexto urbano.

Performances que progressivamente se teatralizam por meio das vestes e dos adereços, pela solenidade dos gestos que se acentua.

Situação se verifica tão cedo quanto o ano em que Albuquerque Mendes integra o Grupo Puzzle, e quando realiza no contexto dos III’s Encontros Internacionais na Póvoa do Varzim, As três Mortes de S. João Baptista, cuja força e carácter insólito atraíram uma 726

Egídio Álvaro, Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au Portugal, Lyon, 1979 727 Egidio Álvaro, Cadernos de Arte Moderna Portuguesa nº1, IADE, 1977.

232

densa multidão e desencadearam discussões apaixonadas num público pouco inclinado a deixar-se interessar 728.

2.6. Coimbra - Póvoa do Varzim

Não obstante

a tendência de desinteresse

diagnosticada

por Egídio, foi tónica dos

seguintes Encontros Internacionais que tiveram lugar na Póvoa do Varzim, a grande adesão e interesse da população. Situação que se vinha notando, paralelamente, nas actividades levadas a cabo por alguns dos agentes implicados no fenómeno Puzzle e participantes nos Encontros Internacionais.

Na cidade de Coimbra do ano de 1976, entre 30 de Maio e 10 de Junho, o CAPC ( essencialmente Túlia Saldanha, Armando Azevedo, Isabel Delgado, António Barros, Armando Manuel, Luisa Saldanha e José Alfredo) programou a Semana da arte (da) na Rua. Paralelamente, no foco correspondente à cidade de Lisboa nos dias 13, 14 e 15, e

no

Porto no dia 17 de Janeiro, Ernesto de Sousa apresenta Ciclo sobre Arte Vídeo Organizado pelo Goethe Institut 729.

Em Coimbra, por sua vez e tendo por objectivo promover que a arte acontecesse na rua, a Semana da arte (da) na Rua, polarizou-se entre a Praça da Republica - onde o CAPC construiu uma estrutura labirintica de madeira na qual expuseram trabalhos dos seus sócios e o Jardim da Sereia, preparado para servir de palco aos concertos e peças de teatro. Procurando efectivar uma vontade de sobreposição entre a arte e a vida, esta programação procurou, pelo menos teóricamente, encetar uma necessária dessacralização da arte entendida enquanto religião da mercadoria, mercadoria modelo de uma sociedade de

728

Egídio Álvaro, Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au Portugal, Lyon, 1979 729 Cfr. Miguel Wandshneider e Maria Helena de Freitas (coord.) Ernesto de Sousa – revolution My body, FCG-CAM, Lisboa, Junho de 1998, p. 91 foram apresentados sete filmes da Neuer Berliner Kinstverein de Joseph Beuys, Alan Kaprow, Wolf Vostell, Richard Hamilton e Rebecca Horn

233

consumo, mercadoria eleita pela classe dominante, da arte que concorre para a imbecilização do Homem e sua subjugação 730.

Contra a arte concorrende para a imbecilização, o CAPC contrapõe uma arte que pretende realizar na rua - uma arte que crê de luta contra os mecanismos sociais de subjugação associados ao progresso. Uma arte que opera enquanto forma de desdogmatização de preconceitos e tabus, enquanto mecanismo de aproximação à vida – A arte pode-nos mostrar a VIDA sem os obstáculos opacos que nos impigiram; pode ser usufruição total e autêntica da VIDA, A Arte pode descoisificar o Homem, Pode ser uma autêntica criação libertadora 731. Mais ainda é acrescentado no comunicado convite da semana da arte (da) na Rua: A Arte pode ser a VIDA. Total. (...). Cada um de nós deve trazer esta nossa ARTE para a rua. Cada um de nós encontrará esta ARTE na rua. Cada um de nós construirá esta ARTE na rua. Cada um de nós descobrir-se-á a si próprio e começará a viver autenticamente a VIDA que nos rodeia em cada esquina de rua. Os “Artistas” desaparecerão (...).

Ecoando Filliou, o convite que assume contornos de Manifesto termina com a frase: Falar em ARTE será falar em VIDA. Cada um de nós compreenderá o significado de ARTE quando compreender o significado de VIDA.

São as intervenções do Grupo de Intervenção do CAPC – grupo performativo que posteriormente, quer como Grupo Cores quer como GICAP estará presente em alguns dos eventos neste contexto notáveis nos anos que se seguiram, se saldam como aquelas que melhor podemos enquadrar nos propósitos acima enunciados. No entanto, aquilo em que Semana de arte na(da) rua consistiu, foi efectivamente uma programação de carácter multidisciplinar – sendo que é nessa multisciplinariadade que podemos situar o exagero de que fala Ernesto de Sousa, na sua laudatória referência a este evento, mais do que no empreendimento de uma radicalização vanguardistas das relações entre a arte e a vida.

730 731

CAPC – Comunicado-Convite da Semana da Arte na Rua, Maio 1976. Id.ibid.

234

Enquanto programação multidisciplinar, o leque das intervenções foi inciado com a actuação de do rancho Folclórico de Coimbra e fechou-a a apresentação da obra múltimédia nascida da colaboração entre Jorge Peixinho e Ernesto de Sousa com o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa - Luiz Vaz 73 732. Afirmando a condição de exagero do moderno, Ernesto de Sousa dedica um artigo na Colóquio Artes de Outubro de 1976 à Semana da Arte,

descrevendo-a em continua

referência a eventos tidos como seus precedentes: Nossa Coimbra Deles e o Aniversário da Arte, os cursos livres orientados por Angelo de Sousa, João Dixo e Alberto Carneiro. Numa actividade que, segundo Ernesto, excede todas as medidas da cidade e da rua, Ernesto de Sousa

considera elogiosamente um exagero reunir na mesma função as

crianças a pintar na rua e a Banda Filarmónica do Quartel general da região milita do centro; ranchos folclóricos daqui e dali, a Anar-Band do Porto e o Luiz Vaz (...); o CITAC e a Casa da Comédia; marchas de encapuçados e a porta sempre aberta ( da sede do CAPC), para a reflexão, para o convívio, para as raras acções de “body art” que se fizeram até agora no nosso país 733. No que diz respeito a estas últimas referências, o corpo de um artista foi enquadrado, depois de pintado: Rocha Pinto apresenta a 19 de Junho, terminada já a semana da arte (da) na rua, 14 colagens e uma presentificação do seu corpo pintado, apresentado literalmente enquadrado por uma convencional moldura. Neste dia, também

Túlia

Saldanha, António Barros, Armando Azevedo levaram a cabo intervenções.

O balanço da Semana da Arte teve lugar numa apresentação pública feita por Armando Azevedo, elemento do CAPC, do GICAP e do Puzzle, poucos meses depois, no contextos dos debates realizados nos Encontros Internacionais de Arte, na Póvoa do Varzim. 2.7.Terceiros Encontros Internacionais de Arte – Póvoa do Varzim

Contando com financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian e da Direcção-Geral de Acção Cultural, com apoio do Serviço de Cultura e Turismo da Póvoa do Varzim, da 732

Posteriormente apresentado em Évora no encontro Nacional de Cinema não profissional a 10 de junho de 1977; em Viana do Castelo em 1981 no contexto das 2ªas Jornadas internacionais de música electrónica. 733 Ernesto de Sousa, “ Arte na Rua” in Colóquio Artes, nº29, Outubro de 1976, p. ...

235

SOPETE ( Sociedade Poveira de Empreendimentos Turísticos) e da Carris de Portugal ( que transportou os artistas do Porto à Póvoa do Varzim no seu comboio histórico) 734, os Terceiros Encontros Internacionais de Arte lograram de uma programação consistente e ambiciosa.

Reunindo na Póvoa do Varzim entre 7 e 17 de Agosto mais de uma centena de artistas de sete diferentes nacionalidades 735, estes Encontros foram anunciados na imprensa como fundamentalmente consagrados à reflexão sobre problemas ligados à arte ao dialogo confrontação com as populações 736; que procuram o contacto directo e efectivo, com grupos sociais normalmente mantidos à margem das manifestações artísticas e defendem a descentralização cultural 737; estando a promover em Portugal, uma descentralização artística e uma inscrição da arte no quotidiano como nunca aqui se tentou fazer 738; seguindo, de acordo com as edições anteriores a intenção de mudar, sempre que possível, as localidades hospedeiras, para dessacralizar e desburocratizar a actuação artística constituindo-se -

conclui o mesmo artigo - como uma alternativa possível às Bienais

internacionais de Veneza e de Paris 739, inscrevendo na história recente o mais importante acontecimento artístico dos últimos anos 740; numa cidade, em virtude deste, lê-se dias depois no mesmo periódico, tornada uma grande capital das artes plásticas da Europa 741.

734

Terceiros Encontros Internacionais de Arte em Portugal in Primeiro de Janeiro, 7 de Agosto de 1976, Porto . 735 De França: Serge III, Herve Fisher, Pierre Alain Hubert, Jean Paul Thénot, Fred Forest, Peter Valentier, Alain-Julien Minguez, Hortense Damion, Marcel Alocco, Christian Tobas; Brasil: António Dias, Barrio, Emil Forman, Yole de Freitas; Polónia: Zbigniew Warpechowsky; Inglaterra: Shirley Cameron e Roland Miller,; Espanha:Teresa Gancedo, Muntadas, Rabascal e Garcia-Severo; Itália: Pino Deodato; Portugal: Nadir Afonso, Espiga Pinto, Henrique Silva, Vitor Fortes, Pires Vieira, João Dixo, Natividade Correia, António Areal, Albuquerque Mendes, Graça Morais, Artur varela, Darocha, sérgio pombo, Joaquim rodrigo, Fernando Lanhas, Lisa Chaves Ferreira, Vitor Belém, Túlia Saldanha, Armando Azevedo, Gerardo Burmester, Pedro Rocha, Jaime Silva, Avelino Rocha, Carlos Barreira, Carlos Carreiro, Dario Alves, Eurico Gonçalves, Pinto Coelho, António Mendes, Gastão Seixas, Abilio entre outros. 736 “Encontros Internacionais de arte na Povoa do Varzim”, Correio do Minho, 24 de Julho de 1976, Braga. 737 A Capital, 27 de Julho de 1976, Lisboa 738 “Encontros de Arte na Póvoa do Varzim” in Diário de Notícias, 5 de Agosto de 1976, Lisboa 739 “III Encontros Internacionais de artes Plásticas em Portugal – Uma alternativa para as Bienais de Veneza e de Paris?” in Jornal de Noticias, 5 de Agosto de 1976, Porto; 740 “ III Encontros Internacionais de artes Plásticas em Portugal – Uma alternativa para as Bienais de Veneza e de Paris?” in Jornal de Noticias, 5 de Agosto de 1976, Porto 741 “ III Encontros Internacionais de Arte em Portugal ( Póvoa do Varzim). Duas Exposições retrospectivas marcaram a Jornada inaugural – Presente mais de uma centena de pintores nacionais e estrangeiros” in Jornal de Notícias, 8 de Agosto de 1976, Porto.

236

Independentemente das aspirações dos seus organizadores, estas não serviram para mobilizar o meio artístico alheio ao eixo Porto- Paris e correlativos eixos colaterais, como Coimbra. No artigo pouco entusiasta que o pintor e critico Eurico Gonçalves dedica a estes Encontros, publicado em Outubro seguinte na lisboeta Colóquio Artes, este refere que se as presenças de artistas ascenderam a um número de dezenas, não deixaram de ser sintomáticas as ausências – nomeadamente a da grande maioria de críticos e de muitos artistas de Lisboa 742

Anunciando uma programação polarizada, como habitualmente por três

tipos de

actividades: intervenções na cidade ( espaços abertos), exposições e debates 743, a imprensa exaltava entusiasticamente este evento, de forma sem precedentes nos anteriores Encontros. E no seu rescaldo, concluiu-se de forma consensual que havia sido a situação da arte e do artista em Portugal

tendo-se

definida como “ trágica

e catastrófica”, sendo dela

culpados todos os artistas mas muito particularmente os responsáveis que ocupando cargos e situações oficiais deveriam dar à arte portuguesa o estatuto de dignidade que ela inteiramente merece 744, que dominara os debates e discussões, sendo que, a nível prático, todas as realizações se haviam subordinado à experimentação da “ subversão artística, na e através da arte”. Nesse sentido apontaram as diversas “intervenções”. Recusando o tipo habitual de “a arte nos museus”, a rua foi palco de numerosas experiências 745.

No dia em que foi dado inicio aos Encontros, o jornal a Capital, voltando a anunciar o evento ( já o fizeram em 27 de Julho) , distingue o impacto e a importância dos Encontros em dois planos distintos: o nacional e o internacional.

No que diz respeito ao primeiro lê-se, ecoando Egídio Álvaro,

que constituem a única

manifestação d o género a colocar artistas portugueses em igualdade com os estrangeiros, a permitir-lhes mostrar e discutir o seu trabalho com vanguardas europeias activas e a 742

Eurico Gonçalves, “ Terceiros Encontros Internacionais na Póvoa do Varzim” in Colóquio Artes, nº 29, Outubro de 1976, Lisboa. 743 “Povoa do Varzim: Encontros Internacionais de Arte” in Diário Popular, 5 de Agosto de 1976, lisboa. 744 “ Uma experiência de “Arte na Rua” que mobilizou alguns milhares de pessoas” in O dia, 17 de Agosto de 1976. 745 Id.ibid.

237

facilitar-lhes o encontro ao nível nacional num plano neutro do qual estão excluídas todas as querelas ligadas aos grupos de interesses e aos grupos de pressão 746. Relativamente ao contexto internacional, volta a ser levantado o paralelo com as bienais de Paris e de Veneza, enquanto uma alternativa a estes certames. Continuando, esta posição é aí justificada, denotando um estranho desconhecimento do peso histórico das bienais que servem de comparação, pela diversidade de nacionalidades dos artistas que reúne - já que, reunindo uma trintena de artistas internacionais ( e muitos mais viriam, se para tal existissem disponibilidades financeiras) se propõe uma confrontação dinâmica e efectiva entre algumas das principais tendências que se estão manifestando internacionalmente. O dialogo permanente, as várias exposições apresentadas, os debates, as intervenções públicas, a possibilidade de mergulhar na vida quotidiana das populações e de assim sensibilizar ao fenómeno artístico grupos sociais habitualmente mantidos à margem de manifestações deste género... 747.

Prevendo seis exposições e a realização de quatro debates (tendo sido previstos os seguintes temas: A marginalidade artística em Portugal; Situação da arte e do artista em Portugal; O caso das exposições internacionais e a Vanguarda brasileira), no balanço final do evento foram as intervenções e performances que mais tinta fizeram correr. Logo ao terceiro dia do evento lia-se no Jornal de Noticias: porém não são as exposições o mais importante destes terceiros encontros. Manifestações e debates verificam-se em continuidade, ocupando os participantes do certame durante todo o dia 748. Das exposições, duas retrospectivas inauguraram no primeiro dia nos baixos do casino 749 uma exposição retrospectiva de Nadir Afonso, Fernando Lanhas e Joaquim Rodrigo e outra cobrindo dez anos da obra de João Dixo (1966/1976). A estas seguiu-se um debate bem como uma projecção de slides por João Lanhas.

746

“ Encontros Internacionais de Arte na Povoa do Varzim” in A Capital, 7 de Agosto de 1976, Lisboa. Id.ibid. 748 Itinerário Sentimental de um emigrante – um ponto alto nas realizações de ontem” in Jornal de Noticias, Porto, 9 de Agosto de 1976. 749 Duas exposições retrospectivas marcaram a jornada inaugural” in jornal de Noticias, Porto. 8 de agosto de 1976. 747

238

As demais exposições inauguraram nos dias que se seguiram: Portugal 76 - vanguardas alternativas ( com trabalhos de Albuquerque Mendes, Darocha, João Dixo, Graça Morais, Grupo Puzzle e Vítor Fortes) 750, Grupo Puzzle – onde foram expostas telas na sala de Armas do Casino e cuja organização contou com uma intervenção do grupo; Exposição Presença

- uma exposição inteiramente estruturada e feita pelos expositores, uma

exposição/ encontro e uma exposição/dialogo 751, na qual os artistas chegavam com os seus quadros e, diante dos presentes, expunham os trabalhos na sala para isso reservada no edificio do Grande Hotel 752, e finalmente, a exposição-documento do grupo françês Textruction ( Bain, Duchêne e Mazeaufroid), inaugurada no dia 9 no Café Enseada.

Os debates, por sua vez, foram orientados pelos seguintes temas: A marginalidade artística em Portugal; Situação da arte e do artista em Portugal; O caso das exposições internacionais e a Vanguarda brasileira. Tendo lugar ao fim de cada dia, os momentos de encontro e confronto consignados nos debates serviram também para que cada artista ou grupo apresentasse slides, imagens, comunicações sobre o seu trabalho. Desenvolveram-se paralelamente, durante a semana dos Encontros, dois tipos de debates. Um, mais técnico, mais conciso, mas também menos animado e menos longo (...) tentado durante a inauguração diária das exposições –seis ao todo – e versando sobre o conteúdo de cada uma delas. (...) O outro, mais teórico, mais informal, mais aberto, programado para a noite, na sala da Exposição Presença, no Grande Hotel, e subordinado a temas mais gerais 753. Os debates de fim de dia serviam também a apresentações teóricas sobre o trabalho de cada artista ou mesmo para apresentação dos resultados do trabalho empreendido durante os Encontros.

Ao segundo dia dos Encontros, o vídeo realizado por um artista pioneiro da vídeo art em França -

Fred Forest (n.1933), serviu de base ao debate da noite.

750

Cfr. Egidio Álvaro, “Portugal 76 - vanguardas alternativas” in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/ Janeiro de 1977, p.25-27. 751 Egidio Álvaro, “ Presença – exposição/encontro” in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/ Janeiro de 1977, p.22. 752 “ Itinerário Sentimental de um emigrante – um ponto alto nas realizações de ontem” in Jornal de Noticias, Porto, 9 de Agosto de 1976. 753 Egídio Álvaro, “Debates” In Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/ Janeiro de 1977, Porto, p. 54.

239

Fundador do colectivo de Arte Sociológica constituído por Hervé Fischer, Jean-Paul Thénot e Fred Forest em 7 de Setembro de 1974, aquando da publicação no jornal Le Monde do Manifest I de l´Art Sociologique. Através do Manifest I de l´Art Sociologique, este grupo de artistas reinvindicaram um funcionamento de acordo com uma estrutura de acolhimento para todos aqueles cuja pesquisa e pratica artística tenha por tema o facto sociológico e a ligação entre arte e sociedade (...) recorrendo à teoria e aos métodos das ciências pretende também, pela sua prática, criar um campo de investigação e de experiência teórica sociológica, atendendo às alterações nos média e nos canais de comunicação, recorrendo a métodos pedagógicos e de animação 754. As actividades encetadas individualmente por Forest e deste com o colectivo de Arte Sociológica entre 1970 e 1980, tinham por finalidade, afirma em entrevista em 1989, estigmatizar os poderes. Poderes políticos, poderes financeiros, poderes culturais 755.

Actualizado em outro três sucessivos manifestos, datados dos três anos subsequentes, o primeiro manifesto funda as coordenadas teóricas do colectivo de Arte Sociológica : uma prática que visa superar o conceito tradicional de arte e de sociologia, bem como implicar uma redefinição da própria sociologia, tentando colocar em questão as superestruturas e sistemas de valores, as atitudes e as mentalidades condicionadas pela nossa sociedade ( Manifesto II); propondo novos modelos de organização social por via de uma conscencialização crítica utilizando dispositivos desviantes sem metodologia predefinida (Manifesto III).

Afirmando-se assim, de acordo com texto editado por Forest na Artes Plásticas, como uma comunidade de atitude que exprime a vontade de mudar as relações sociais, revelar os condicionamentos, tendo como objecto prático juntar as condições necessárias preparação

754

Hervé, Fisher, Fred Forest, Jean- Paul Thénot, “ Manifest I de L´Art Sociologique” in http://www.webnetmuseum.org/htm/fr/expo_retr_fredforest/textes_divers/2manifests 755 Fred Forest in Liselotte Papenburg, “ Fred Forest nous fait courir” in Colóquio Artes, nº82, 2ªSérie, Setembro 1989, pp. 26-32, p.27.

240

de dispositivos

diversos a partir dos quais uma função activa de questionamento e

interrogação pode ser levada a cabo 756. Neste enquadramento, Fred Forest – que se assume somente como um actor-activante num processo cujo método se define em função de cada situação particular, segue apenas as seguintes coordenadas: 1 – Ter uma ideia de animação, de manifestação, de perturbação, de ruptura; 2 – reunir as condições e os meios necessários à sua realização; 3 – realizar a acção dinamizando a circulação, a troca activa e dialogo de informações até ao esgotamento completo das potencialidades oferecidas pela situação criada; 4- divulgação dos resultados e possivel analise destes por uma equipa multidisciplinar 757. Em 1974, num artigo editado na Colóquio Artes, Forest afirmara: o campo de experimentação do artista não permanece mais circunscrito ao espaço imaginário, mas identifica-se com o campo social, com o campo da vida. O seu apelo à participação, a experiência abre-se ainda a novos contactos, a novas trocas, das quais este é de uma qualquer forma o dinamizador, o animador 758.

As sua experiências de comunicação através de media remontavam a 1972, e as intervenções urbanas a 1973. É numa intervenção de 1973, realizada na parisiense Galerie Germain que encontramos as coordenadas conceptuais que pautam as intervenções de Arte Sociológica dos anos seguintes: a Archeologie du Present. Essa manifestação consiste em “expor” a Rue Guénégaud dentro da Galeria que se encontra aberta para nessa artéria. A imagem da rua projectada em directo no interior, num grande ecran por intermediário de um circuito fechado de tv. A rua atravessará virtualmente a galeria. Nesse lugar ela tornase um objecto cultural – objecto de estudo sociológico 759.

Na Póvoa do Varzim, no ano em que participa também na Bienal de Veneza, Fred Forest realizou dois projectos. O primeiro consistiu na

realização de um inquérito levado a cabo pela cidade na

companhia de um emigrante português em França, cuja participação constituiria um 756

Fred Forest, “Art Sociologique – Problemes et methodes” in Artes Plásticas 7/8, Porto, Dezembro/Janeiro de 1977, p. 52-53, p. 53 757 id.ibid 758 Fred Forest, “ Art-Comunication par Fred Forest” in Colóquio Artes, nº16, 2ª série, Fevereiro 1974, pp. 759 Fred Forest, “ Art-Comunication par Fred Forest” in Colóquio Artes, nº16, 2ª série, Fevereiro 1974, pp.

241

testemunho vivo que estabeleceria, através da sua experiência pessoal, um paralelo entre dois modos de vida, graças à sua qualidade de trabalhador emigrante. Juntos visitaríamos, realizando uma banda vídeo, que ele comentaria, o mercado da Póvoa do Varzim, a praia, iríamos depois a algumas lojas da praça central. Iríamos de seguida a casa de um dos seus primos que sempre se manteve no país e cuja visão é hoje, necessáriamente diferente da de Carlos 760.

Do vídeo realizado resultou o que a imprensa designou por reconstrução de um itinerário sentimental, social e cultural do regresso à terra e às suas antigas recordações, à situação que o contacto com outras realidades tornou diferente 761. O segundo projecto de Forest, definido na mesma linha de acção segundo a qual o artista sociológico trabalha sobre a própria vida 762, consistiu na realização do GRANDE ENCONTRO INTERNACIONAL ENTRE BOMBEIROS DA PÓVOA DO VARZIM E OS ARTISTAS. No entanto,

no grande encontro estiveram presentes apenas cinco bombeiros, sob o

comando do Sr. Luciano ( que) vieram ver o filme vídeo feito na véspera, na caserna e falar da sua vida 763.

Ao debate mediado pelo quarteleiro dos bombeiros e por Forest, segui-se a projecção do vídeo por este realizado nessa manhã, documentando a vida de um bombeiro, ao qual se segui a apresentação de testemunhos pessoais de bombeiros, um ritual artístico do fogo, exercícios simulados e um contraponto entre a vida do bombeiro e a do artista. O ritual artístico do fogo consistiu em fazer circular entre a assistência um elemento simbólico imaterial. Forest distribuiu o um fósforo a cada um dos membros da assistência e, na

760

Fred Forest, “Projecto proposta por Fred Forest nos terceiros encontros internacionais de arte na Póvoa do Varzim”in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/Janeiro de 1977, p. 52. 761 “ Itinerário sentimental de um emigrante – um ponto alto das realizações de ontem” in Jornal de Noticias, Porto, 9 de Agosto de 1976. 762 Fred Forest, “Projecto proposta por Fred Forest nos terceiros encontros internacionais de arte na Póvoa do Varzim”in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/Janeiro de 1977, p. 53 763 “Terceiros Encontros de Arte em Portugal – Dialogo de Artistas com o Povo” in O Primeiro de Janeiro, 19 de Agosto de 1976.

242

penumbra, acendeu o da pessoa que lhe estava mais próxima, pedindo que a corrente fosse estabelecida entre todos 764

O artista que aqui pretende assumir o papel de um

catalizador

que institui

um

enquadramento revelador das relações, da dinâmica e dos atavismos da realidade sobre a qual empreende o seu trabalho.

Por sua vez, Pierre Alain Hubert afirma também, como o afirmara já aquando do Perspectiva 74, desempenhar o papel de um catalizador de comportamentos, atitudes e situações, por meio da instituição da Festa – o acontecimento será de pouca importância se não contribuir para desencadear a festa, o carnaval 765. Hubert reinvindica então, numa maior acutilante consciência do processo negativo de afirmação de positividade, ser o apenas responsável por uma actualização: do potencial ao actual – o não-tempo- as não-substâncias – o espaço – movimento 766. Na Póvoa do Varzim - onde fica conhecido por Homem Artíficio, interviu em vários espaços da cidade, incluindo a praia.

No coreto da Praça do Almada e na praia realizou concertos para petardos e orquestra - “ Concertos-dérapages”: Diante das estantes com pautas, onde estava ligados os rastilhos dos petardos, Hubert, munido de um morrão que bradiu como se fosse uma batuta, fez explodir o fogo de artificio e os petardos. Ruidos vários, como assobios prolongados, estrondos e estalinhos, associados a uma melodia simples e repetitiva produziram uma estranha música, aguda como um silvo e grave como um trovão 767.

Na praia realizou também a intervenção FOGO/FADO, uma homenagem a Fernando Pessoa 768:

na escuridão da praia, pontuada pelo explodir de petardos e pelas bolas

luminosas. Estruturada pelos esqueletos de madeira das barracas, Hubert utilizou as 764

Egídio Álvaro, “ Debates” in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/ Janeiro de 1977, pp. 54- 60, p. 59 Pierre Alain Hubert citado por Eurico Gonçalves, “ Terceiros Encontros Internacionais na Póvoa do Varzim” in Colóquio Artes, nº 29, Outubro de 1976, Lisboa. 766 Pierre Alain Hubert, in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/ Janeiro de 1977, p. 42. 767 Eurico Gonçalves, “ Terceiros Encontros Internacionais na Póvoa do Varzim” in Colóquio Artes, nº 29, Outubro de 1976, Lisboa. 768 Cfr. Egídio Álvaro, Debates” in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/ Janeiro de 1977, pp. 54-60, p. 57 765

243

esferas armilares, o fogo simbólico da poesia, a partida para um espaço real imaginário que culminou com o seu desaparecimento no mar. Uma barca de pescadores veio buscá-lo e, do meio do mar, Hubert ainda bombardeou a praia e os milhares de pessoas nela apinhadas para ver o invisível com uma última prática pirotécnica 769.

Dois anos depois, quando os Encontros ainda se chamam Encontros mas já constituiam a I Bienal de Vila Nova de Cerveira, sem a presença de Egídio Álvaro na organização, Pierre Alain Hubert voltará a Portugal, e da Torre sineira da Igreja de Vila Nova de Cerveira, orquestrou os silvados e os estalos dos petardos.

Não foi somente sonoramente que o espaço público da Póvoa do Varzim foi tornado domínio de inscrição da prática e investigação artística no sentido da sua própria elastificação por meio da operacionalização mecanismo performance: Albuquerque Mendes definiu o percurso entre o Turismo e a esplanada do Passeio Alegre. A este fez corresponder um ritual. Shirley Cameron e Roland Miller activaram o Landscape & Living spaces articulando arquitectura líquida em arte de intervenção e

Christian Tobas

dispersou aforismos e pequenas frases do tipo koan a partir do céu.

Desenvolvendo no que aparenta uma progressão natural as intervenções dos dois anos anteriores Albuquerque Mendes realiza As três Mortes de S. João Baptista. Partindo após o toque de campainha de missa, feito soar por Gerardo Burmester, Albuquerque Mendes sai do Turismo da Póvoa do Varzim, dirigindo-se solenemente para a esplanada do Passeio Alegre. A meio da tarde, a esperada intervenção ritual de Albuquerque Mendes ( As três Mortes de S. João Baptista) demostrou definitivamente a alta qualidade deste artista. Saído do turismo, vestido como um qualquer oficiante de um ritual sagrado desconhecido ou de ritual pagão secreto, Albuquerque Mendes dirigiu-se para a esplanada do passeio Alegre onde, perante centenas de pessoas matou três vezes em actos e em pinturas, uma figura que ele próprio simbolizava com o seu corpo. Ao fim, colocou a mesa às costas, deixando apenas de fora a cabeça e, seguido por uma multidão que não parava de comentar o que 769

“ Na Póvoa do Varzim. Terceiros Encontros de Arte em Portugal” in O Primeiro de Janeiro, 19 de Agosto de 1986, Porto.

244

via, que o insultava, que o apoiava, que discutia entre si, voltou para a sala do turismo, onde à noite houve de novo debate, consagrado às três intervenções do dia 770. Entre as quais se encontravam a intervenção de Miller&Cameron.

Entre a praia e a Praça do Almada, Roland Miller e Shirley Cameron realizaram diáriamente intervenções, de manhã e à tarde, constituindo o que Miller apelidou por arte subversiva.

Utilizando materiais pobres, objectos comuns e os seus próprios corpos, acerca deles se escreveu: não houve quem ficasse indiferente, quer na praia, quer na Praça do Almada às intervenções directas sem barreiras culturais do grupo britânico Miller e Cameron. Diante de todos, criaram espaços vivos que , sem que os assistente se apercebam, interferindo com o espaço real, interferem, também, com o espaço mental de cada um. E surgira, espontaneas e paixão e a curiosidade. Também o desejo de participar 771.

À Póvoa do Varzim, Roland Miller e Shirley Cameron trouxeram um desenvolvimento da exploração do significado de tudo em tudo, sem subjugação ao significado imposto por nada. Shirley Cameron fala então de arquitectura líquida – o conjunto de movimentos exigidos pela execução de um trabalho, graças a um movimento continuo – primeiro o das ideias; depois do corpo ( imaginação fisica)-, durante mais de cinco horas por dia eu construo formas e sentimentos consistentes 772. Roland Miller fala de arte de intervenção. Nesta designação condensa a sua posição relativamente à instituição arte, reinvindicando a existência única de uma arte em geral. A arte da qual vão ao encontro - o que todos os artistas querem acima de tudo é que os outros vejam e sintam o que eles veêm e sentem. O resto é supérfulo 773 - por isso praticam

desobediência

criativa enquanto resposta à

verdadeira necessidade da sociedade. 770

“ Na Póvoa do Varzim. Terceiros Encontros de Arte em Portugal” in O Primeiro de Janeiro, 19 de Agosto de 1986, Porto. 771 “Pinceis em mãos de crianças e o barco de Henrique Silva” in Jornal de Notícias, 14 de Agosto de 1976, Porto. 772 Shirley Cameron, “Arquitectura Liquida” in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/ Janeiro de 1977, p.47 773 Roland Miller, “Arte de Intervenção” in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/ Janeiro de 1977, p. 48

245

Desobediência criativa consignada em arte de intervenção - algo que se mantém perto de um instinto criador, passível de ser encontrado no lixo, na crueldade, nas doenças, na loucura do mundo - dado que a arte é mais uma condição do que uma qualidade da experiência humana 774.

No ano seguinte, nas Caldas da Rainha, Shirley& Cameron trabalharam com o artista português residente em Paris, Miguel Yeco, na revelação conjunta de que a criação, a destruição e a recriação são contínuas e só deixam recordações 775. Inscrevendo-se na dinâmica do jogo da repetição nua com a repetição vestida. A dinâmica da vida.

As obras de arte são os dejectos da vida – voou escrito num papel lançado de uma avião, sobre a Póvoa do Varzim. Pois, todo o trabalho do artista, afirma Christian Tobas é o de revelar a arte que resta da vida – o artista é um filtro, um revelador, catalizador na realidade de muitos seres humanos 776. De acordo com este axioma, Tobas solta sobre a cidade, aforismos e pequenas frases cujo aparente paradoxo as aproxima do koan zen – cujo objectivo é pois revelar 777. Christian Tobas requisitou um avião para “bombardear a cidade”... não com material bélico mas com aquilo que decidiu chamar poesia. E no dia designado por Tobas, surgiu no espaço aéreo da Póvoa do Varzim um avião pilotado por Joaquim Ventura Barros, que surpreendeu muitos milhares de pessoas com os seus voos a baixa altitude, quando de bordo eram lançados pequenos papeis - a metralha de Tobas – nos quais estavam impressas frases como estas: - A arte é uma decisão; quando não compreendemos, ou tornamo-nos agressivos ou tentamos compreender, a linguagem é uma fase importante para nos ouvirmos falar; o Inferno é Ego; As obras de arte são o lixo da vida; vivei os vossos pequenos sonhos; esqueçamos o inesquecível; o poeta pode estar em todo o lado...mas já noutro sitio 778 . 774

Id.ibid. , p. 48 Shirley Cameron, “Arquitectura Liquida” in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/ Janeiro de 1977, p.47 776 Christian Tobas, in Artes Plásticas, 7/8, Dezembro/ Janeiro de 1977, p.39. 777 Revelar a lógica que tudo subjaz alheia à dualidade imposta pela recognição no pensamento 775

discriminativo, revelar o que no zen consigna o vazio – o vazio é a forma e a forma é o vazio. 778

Jaime Ferreira, “ Terminaram com balanço favorável na Póvoa do Varzim os encontros internacionais de arte” in O Comércio do Porto, Porto , 18 de Agosto de 1976.

246

Entre os papeis lançados por Tobas surgiram outros, não redigidos por este e onde se podia ler: “ crianças ensinai os vossos pais a sonhar! Nos pintamos para tentar compreender a razão porque pintamos, a Arte ou é convulsiva ou não é arte” 779. Para além de Albuquerque Mendes, apenas Gerardo Burmester (n.1953) 780e Armando Azevedo (n. 1946) 781, entre os artistas portugueses, realizaram intervenções nestes encontros. Gerardo Burmester , entre o Passeio Alegre e a Junqueira, vestido metade de branco metade de buracos e remendos escreveu no chão a frase sem fim: a arte é construir, é destruir, é destruir. Escreveu, pintando a mesma frase num lençol, 779

“ A Póvoa do Varzim bombardeada com poesia” in O Jornal, 20 de Agosto de 1976, p 26 Gerardo Burmester realiza, no período de enfoque do nosso estudo, performance no quadro do Grupo Puzzle. Será a partir de 1980 que realizará um conjunto de notáveis performances, em Portugal e no estrangeiro. Em 1980 realiza duas performances: uma no evento Nova Sensibilidade na SNBA. Onde numa sala às escuras, ouvindo-se uma composição de Wagner em crescendo, muda incessantemente de roupa sendo todas as roupas em tons fluorescentes, fotografando-se a polaroid, e silmultanêamente rastilhos de pólvora começam a explodir. A Segunda performance desse ano teve lugar na Semana Internacional de Arte Actual organizada em Vila do Conde pelo grupo Puzzle, onde depois de serem projectados slides do corpo do artista sobre uma menina vestida de branco, Burmester vestido com um fato fluorescente e envergando duas lâmpadas – uma verde outra vermelha, as atira contra um espelho, atirando-se de seguida ele próprio. No ano seguinte participa no ciclo duas noites de performance em Coimbra onde realiza duas performances, uma delas com Albuquerque Mendes. Em 1982, realizará inumeras performances que se definem entre o acto disruptivo e a acentuada crítica e jocosidade relativa ao País: faz uma intervenção na inauguração da exposição “ pintores” na Galeria Roma e Pavia no Porto e outra na inauguração da exposição Mitos Portugueses na Cooperativa Arvore, também no Porto. Faz uma Performance na Galeria Jacques Donguy, onde de uma mala retira inúmeras bolas de ping-pong que deixa a saltar. Quando estas se imobilizam, Gerado fotografa-as com uma polaroid numa sala às escuras. Voltando a ser iluminada a sala, entre as bolas brancas paradas salta uma bola preta que o artista persegue na tentativa de a pintar de branco. Participa neste ano no festival de Performance em Nice; cria uma performance para a inauguração de uma exposição de pintura de Albuquerque Mendes na Galeria Roma e Pavia, sendo que entra pela sala da galeria com 14 meninas vestidas de branco que fotografa com uma polaroid, deixando os retratos, depois junto das pinturas. Neste mesmo ano cria com Albuquerque Mendes o Espaço Lusitano, no Porto, onde nos anos subsequentes ambos realizaram várias performances e para o qual convidarão outros performers como Manoel Barbosa e Miguel Yeco. Neste ano realiza ainda com Albuquerque Mendes uma performance em Homenagem a James Joyce, no centenário o seu nascimento celebrado pela Cooperativa Árvore, participa no Alternativa 2 em Almada e na noite de performance na Usine Pali-Kao em França. Em 1983 realizará várias performances, organiza um Festival de Performance no Espaço Lusitano e participa no Alternativa III. Em 1984 estará presente com a performance das bolas de ping-pong no Performance Portugaise no Centre Georges Pompidou, bem como no ano seguinte na Art is Action em Kassel e no Perfo-3 em Amesterdão e no Ciclo de performance promovido pelo ACARTE da Fundação Calouste Gulbenkian em 1986. Em 1984 participa com Albuquerque Mendes Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira e em 1987 realiza a sua última performance na Discoteca Indústria no Porto, no âmbito do Alternativa V. 781 Realiza a sua primeira intervenção na Ógiva em 1972. Depois desta, trabalha com o grupo Puzzle e em Coimbra funda o GICAPC – Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Co-organiza a Semana da arte (da) na rua, em Coimbra, A Semana Internacional de Arte Actual em Vila do Conde e Duas noites da performance também em Coimbra. Em 1979 no contexto da programação de JJ Lebel para o Museu de Arte moderna de Paris, realiza uma performance na linha das intervenções do Puzzle: em frente a uma tela pintada com nuvens e algumas árvores, mascarado com um véu translucido cor de laranja escreve o que lê num livro onde coligiu dados, desenhos e objectos das suas intervenções anteriores. 780

247

Nestes Encontros, o Puzzle não funcionou com os seus nove elementos em todas as intervenções. Na inauguração da Exposição de João Dixo - também elemento do grupo, Albuquerque Mendes, Armando Azevedo, Graça Morais, Jaime Silva e Pinto Coelho, vestidos de branco envergando ao peito cada um uma letra da palavra Puzzle, inscreveram no chão das salas do casino um puzzle escrito. Outra intervenção teve lugar aquando da apresentação de Serge III acerca da distinção entre arte subversiva, vandalismo e acto gratuito – momento em que apresenta também um vídeo sobre os Encontros de Arte Contemporânea em La Rochelle. Durante o debate fomentado por esta apresentação, o Grupo Puzzle nas pessoas de João Dixo, Albuquerque Mendes, Pinto Coelho, Graça Morais e Jaime Silva, fardados de branco e com óculos escuros assistiram de pé, intervindo no fim sobre o próprio Serge III, amarrando-lhe os pés, vendando-o e amordaçando-o.

Numa mesma lógica de intervenção/reflexão permanente sobre o trabalho dos outros artistas participantes, Armando Azevedo, Graça Morais, Jaime Silva , João Dixo e Pinto Coelho realizaram um ritual sobre o ritual de Albuquerque Mendes, sendo que este último se junta a esses numa intervenção sobre o trabalho de Tobas – numa Intervenção Terrestre sobre a actuação aérea de Tobas. Para além estas intervenções reinvidicaram ainda a acção espectáculo-Ígneo sobre piro-espectaculo de Hubert, e apropriação contradição permamente sobre textos polémicos.

Esta lógica de intervenção reflexiva permanente,

manter-se-á nos Quartos Encontros

Internacionais, onde este grupo estará presente. Nestes, durante os dez dias dos Encontros o grupo recolherá testemunhos, restos, memórias das intervenções dos outros artistas participantes e das obras por estes produzidas. Todos os dias às 19 horas encontram-se na sala Grande do Museu José Malhoa e envergando mascaras e luvas brancas, ritualmente apresenta ao publico os resultados das prospecções depositando-os depois num cofre. As suas intervenções centram-se na exploração das principais preconceitos e limitações impostas à arte e aos artistas pela instituição arte. Procurando, por meio do recurso ao

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insólito à descontextualização, iluminar e dessacralizar as bases limitadoras de uma fruição global da arte, o puzzle trabalha em equipa.

Ainda nos encontros na Póvoa do Varzim, para além de intervir sobre, esta equipa trabalhou com Serge III na realização do Concerto Fluxus. Em copos de água cheios e vazios foram descobertos, equacionados e compostos no enquadramento de uma predisposição para ouvir um concerto, sons vários.

Aos Encontros na Póvoa do Varzim, Serge III levou, para além do Concerto Fluxus, uma intervenção partilhada com Henrique Silva consistindo na pintura de um barco poveiro 782, e três objectos: três espelhos e a deformação de identidade que apresentam graças ao seu recobrimento por uma placa de madeira na qual está recortada um símbolo. Os símbolos utilizados levantaram celeuma, pelo seu conteúdo e pela sua proximidade nos paineis. O primeiro era uma foice e um martelo num fundo vermelho. O segundo uma cruz gamada sobre fundo verde, o terceiro a palavra Ego sobre um fundo branco prateado 783.

Não isento de um carácter subversivo esteve a intervenção do grupo portuense constituído por Abilio (o poeta visual responsável pelo atelier de gravura da Alvarez), Carlos Ferreira e Dias Santos: o Grupo Vermelho. Se se reveste de algum interesse a colagem audiovisual América, por estes apresentado nos encontros, é no Manifesto Vermelho da responsabilidade de Abilio que encontramos uma notável colagem, onde cada página se apresenta no todo como um poema concreto, e no qual autor toma posição relativamente à arte como instituição. Neste manifesto singular, que defende o nascimento da arte moderna com o dadaísmo, definindo enquanto arte apenas o que é feito ou lido ao nível da criação, não o produto e o que se afirma alheio aos circuitos da critica e da subjugação institucional.

No Diário de Noticias de 20 de Agosto de 1976, dois dias passados sobre o final dos Encontros Internacionais na Póvoa do Varzim, é publicada uma citação do comunicado de 782

“ Pinceis em mãos de crianças e o barco de Henrique Silva” in Jornal de Noticias, 14 de Agosto de 1976, Porto. 783 Jaime Ferreira, Encontros na Póvoa do Varzim in O Comércio do Porto, 12 de Agosto de 1976, Porto

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imprensa elaborado pela organização: estes encontros foram uma demonstração cabal da possibilidade e da eficácia de um dialogo dos artistas com as massas, quando todos se despem dos complexos e dos preconceitos que são tantas outras barreiras ao diálogo.

Se os Terceiros Encontros conheceram um saldo positivo,

as conclusões tiradas do

decorrer dos Quatros e últimos Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha, não foram, por força das ocorrências, da mesma natureza.

Mas antes destes acontecerem, traduzindo nas Caldas da Rainha o último resultado da colaboração nascida do eixo Porto-Paris, inscreveu-se no estrato portuense a realização de uma performance por Albuquerque Mendes. Efectivando um diálogo que defende existir o pintado e o performativo – vestido como uma das figuras femininas das suas pinturas expostas na exposição sete pintores do Porto 784, a intervenção consiste apenas em entrar na inauguração desta para, de seguida, depositar um ramo de flores junto dos seus quadros e, chorarando, abandona a exposição.

Em Janeiro seguinte, Albuquerque Mendes é o primeiro artista que Egídio Álvaro apresenta a Lisboa no contexto do Ciclo de Arte Moderna que realiza no IADE.

Este ciclo representa a velocidade de escape que o crítico sediado em Paris adquiria relativamente ao vector definido entre esta cidade e o Porto, na sua relação com Jaime Isidoro. A libertação efectiva terá lugar aquando da programação dos Quintos Encontros de Arte, que dita a cisão efectiva. Isidoro prossegue pelos últimos anos de 70 com a Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira e Egídio concentra a sua actividade em Lisboa, entre oito edições do Ciclo de Arte Moderna no IADE e na edição dos respectivos catálogos, e no comissariado da exposição Massificação e Identidade Cultural em 1977 e da exposição Figurações-Intervenções em 1980, ambas na SNBA. Bem como por Paris, onde em 1979 dá inicio ao projecto da

784

Inaugurada a 10 de Dezembro de 1976.

250

Galeria Diagonale. Pelos anos 80 prosseguirá, organizando os festivais Alternativa em Almada e conectando performers portugueses com o meio europeu.

2.8. De Lisboa a Paris. Caldas da Rainha.

O Ciclo de Arte Moderna que se realizou em suas oito edições entre 1977 e 1982, apresentou exclusivamente performers portugueses: Albuquerque Mendes, Darocha, Manuel Alvess, do GICAPC ou grupo Cores, Miguel Yeco, Armando Azevedo, Manoel Barbosa e Elisabete Mileu.

Então professor de Arte Moderna no IADE, Egídio Álvaro visava com esta programação dar aos alunos a possibilidade de participarem directamente no acontecimento artístico do qual são sempre cortados pelo ensinamento 785 - colocando os alunos em contacto directo com os problemas concretos levantados por este género de arte, tanto ao nível da linguagem como a nível do contacto com o público, e permitir-lhes reflectir sobre os novos códigos artísticos e das suas relações com a população, e depois terem acesso a um mínimo de informação vivida 786. Neste sentido seguiu de perto o modelo instituído desde o Perspectiva 74: a realização de uma performance na rua, uma performance nas instalações da escola, e um debate final sobre o trabalho realizado. Deste Ciclo resultou também a publicação de oito Cadernos de Arte Moderna Portuguesa, cada um dedicado a um artista participante, constituindo pequenos livros de artista, incluindo um pequeno texto de Egídio Álvaro.

No caderno dedicado a Darocha, Egídio justifica que estes se constituem como cadernos históricos para fazer história, em oposição aos pequenos pontífices que proliferam no permanente engraixar das botas dos poderosos ( ...) cadernos que tratam essa outra

785

Egídio Álvaro, Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au Portugal, Lyon, 1979, sp. 786 id.ibid.

251

realidade, profunda, escamoteada provisóriamente pelo ecrã alienante das afirmações que nos pretendem impor uma ausência de identidade cultural. Cadernos de acção 787. Por sua vez, no caderno que lhe correspondeu, Albuquerque Mendes apresentou a sistematização triangular da relação entre pintura e performance, bem como algumas das coordenadas do ritual que realizou na Praça Luís de Camões: Os três dedos da mão do Arco-Iris.

Em Março do mesmo ano, Albuquerque repetiu este ritual, na Praça da Liberdade e na Avenida dos Aliados no Porto, descrito no dia seguinte no jornal O Primeiro de Janeiro. De acordo com o redactor do artigo no periódico portuense, o artista vestia uma longa túnica da qual pendiam três faixas de cor: amarelo, verde e vermelho. Albuquerque utilizou cadenciadamente as três tábuas que foram colocada no chão, servindo-se de três frascos com as cores das faixas

e de três pinceis para as pintar. Em seguida distribuiu aos

expectantes as tábuas, depois de lhes dar uma martelada. Finalmente destrui os instrumentos de que se servira. Pedaços de vidro dos pequenos jarros saltaram em todas as direcções. Estava consumado o acto de destruição 788. De seguida, magestoso, caminhou pela avenida acima, com o braço erguido.

A Albuquerque Mendes, seguiu-se o ciclo dedicado ao pintor Darocha no mês de Março – que vinha realizando performance no âmbito do grupo zapening e que numa sala do IADE montou um enorme jogo de Mikado para ser manipulado. Na Praça Luís de Camões, Darocha instalou inúmeros cavaletes com pequenas telas que pintou de acordo com um percurso pré-definido.

Segui-se em Maio desse ano o ciclo dedicado a Manuel Alvess, sobre quem a Colóquio Artes 789 versara num artigo em 1973, e cuja presença no Perspectiva 74 se havia notado pelos seus trabalhos de forte pendor conceptual.

787

Egídio Álvaro, “ teoria da Multiplicidade do registo” in Cadernos de Arte moderna Portuguesa n-2, Darocha, IADE, Lisboa, Março de 1977. 788 “ A solenidade desceu à rua” in O primeiro de Janeiro, 5 de Março de 1977. 789 Jean- Marc Poinsot, “ Alvess – Jeux de formes, Jeux d´images” in Colóquio Artes, nº12, Abril de 1973, p. 44- 50.

252

Residente em Paris, Alvess vinha trabalhando desde o final de 60 numa via conceptual, jogando essencialmente com a ambiguidade do sentido na representação. Na inauguração do Salão de Maio em 1971, em Paris, Alvess distribuiu bandas onde se lia: hors cataloge. Em Vicennes, na oitava Bienal, vestido de corredor percorre diáriamente o espaço da exposição, correndo durante uma hora, durante os sete dias.

Em Lisboa, no IADE, vestido com um fato branco e laço preto, convida os alunos e demais espectadores a limpar um pequeno espelho – visava explorar noções de absurdo, fatalidade e inevitabilidade da arte. E na Praça Luís de Camões, de seguida, segue os desenhos do pavimento, tentando apagá-los com os passos, saindo finalmente das suas botas para as abandonar.

Entre a intervenção de Darocha e o Ciclo de Arte Moderna nº4 – materializado pelo grupo Cores do CAPC em Fevereiro de 1978, inscreveu-se no mesmo estrato Lisboeta, em Março de 1977 a exposição comissariada por Ernesto de Sousa – a Alternativa 0 na Galeria Nacional de Arte Moderna em Belém.

2.8.1. Alternativa 0 e Artaud em actualização

Incluindo diversos focos expositivos, a programação da Alternativa 0 incluiu uma intervenção do CAPC para além do envolvimento A floresta, o “happening dos sinais” de Ernesto de Melo e Castro, três intervenções do Living theatre polarizadas pelo Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa, a SNBA e as ruas de Alfama, o Museu Machado de Castro e o pátio da Universidade em Coimbra. E também pelo Porto. A programação definida por Ernesto de Sousa, reuniu em dois concertos o Grupo de Música Contemporânea liderado por Jorge Peixinho e inclui a realização de seminários, não só nessa galeria como na SNBA.

No espaço da Galeria Nacional de Arte Moderna,

Melo e Castro distribuiu placas

semelhantes a sinais de trânsito, triangulares, circulares e quadradas, com aproximadamente

253

1, 60 m e com a particularidade de serem brancas, sobre as quais os visitantes agiram. Quer transportando-as quer intervindo, sobre estas, cromáticamente com sprays.

Por sua vez, no espaço do Museu Nacional de Arte Antiga, o Living theatre de Julian Beck e Judith Malina levou a cabo a “Sete meditações meditações sobre o sado-masoquismo político”, por três vezes, às quais acrescenta outras duas realizadas no pátio da Universidade de Coimbra e no Porto onde foram interrompidos e presos por ultraje aos costumes. No jornal A Capital de 1 de Abril de 1977, o artigo dedicado ao Living theatre no Porto refere: como seria de esperar ( e como tem acontecido noutros países) o Living Theatre ofereceu ontem uma dose de escândalo na cidade do Porto. Tudo se passou no largo fronteiro à Igreja de Sto. Ildefonso onde o grupo realizou um happening. Enquanto uma parte da assistência, a mais jovem, aderia ao espectáculo, a outra parte não achou muita graça a cenas eventualmente chocantes e decidiu chamar a polícia. Dispersa a assistência, os actores foram parar à esquadra para identificação 790.

Mas, se por um lado a população portuense se mostrou reactiva, por outro, na crítica feita ao “ Sete meditações sobre o sado-masoquismo político” Living theatre no mesmo jornal 791, a redactora lamentava a falta de novidade do grupo, acusando a intervenção de envelhecida e débil numa interessante comparação com o contexto do teatro português: é preciso Ter em conta que enquanto o Living Theatre percorria a Europa, na primeira metade da década de 70, o 25 de Abril fazia caminhar célere o nosso teatro. Uma grande parte do público do Museu de Arte Antiga terá talvez recordado os rituais da comuna, tão ricos, tão fogosos, tão explosivos por certo foram experiências anteriores de Julian Beck e Judith Malina 792. Na Alternativa 0, na SNBA e em Alfama realizaram Love Piece 793. O comentário do jornal A Capital torna-se particularmente relevante do ponto de vista das reacções da população, denunciando uma cisão entre um meio cultural capaz de encontrar 790

“ Living Theatre escandaliza o Porto” in A Capital, 1 de Abril de 1977, p. 20. Maria Helena Mesquita, “ O Living Theatre” in A Capital, 18 de Abril de 1977, p. 15. 792 Id.ibid.. 793 Ernesto Sousa, “ The Living Theatre – sempre inadequado” in Colóquio Artes, n.33, 2ª Série, Junho de 1977, p. 32-39, p. 38 791

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as vias para a celeridade do seu percurso depois da revolução e uma população mergulhada em conflituosos atavismos, atreitos à instrumentalização e à violência. Situação que encontra notável ilustração nos Quartos Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha.

2.8.2. Quartos Encontros Internacionais de Arte

Se o balanço da edição anterior dos Encontros Internacionais de Arte, permitia fomentar entusiásticas expectativas relativamente à sua programação – tido como uma das duas mais importantes manifestações artísticas portuguesas deste ano ( a outra foi, com todas as suas insuficiências a Alternativa 0), estas baseavam-se em muito no sucesso da superação das barreiras comunicacionais entre artistas e população.

Continuando mesmo artigo lê-se: de novo os modernistas têm lugar de honra num certame criativo em que acontecerão coisas quase “miraculosas” entre nós, como sejam improvisações colectivas, intervenções de rua, exposições, colóquios, teatro e ballet 794. Num artigo da Gazeta das Caldas, onde se anuncia o apoio da Câmara Municipal dessa cidade ao evento que esperava mais de meia centena de artistas que intervirão quer realizando as suas obras, quer conferências, quer ainda intervindo junto do público e dos habitantes das mais variadas formas 795, o entusiasmo não é menor. O próprio Eurico Gonçalves, que no ano anterior escrevera para a Colóquio Artes acerca dos Encontros num tom notóriamente carente de admiração, afirma então no Diário Popular:

verifiquei com agrado um crescente grau de interesse, exigência e entusiasmo

em torno deste acontecimento anual, que, para além de muitos casos de incipiencia ocasionou revelações e confirmou a maturidade de alguns 796.

794

Expresso, 30 de Julho de 1977 “ Caldas promete durante os meses de Verão” in Gazeta das Caldas, 15 de Junho de 1977. 796 Eurico Gonçalves, “ Quartos Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha (1)” in Diário Popular, 18 de Agosto de 1977. 795

255

Realizados sem o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, a sua programação aconteceu entre 1 e 12 de Agosto, coincidindo com o a escritora Angela Carter descreveu para o jornal britânico New Society em 13 de Outubro de 1977: doze dias de exposições, debates, filmes, performances e sabe Deus o quê mais, que terminaram com a fuga dos artistas face ao exercício de actos de violência e vandalismo por parte de populares, sobre obras e artistas. Alegando o atentado aos bons costumes levado a cabo pelo grupo de falsos artistas que invadiram a cidade e suportados por um comunicado do Partido Comunista, os incidentes que fecharam os Encontros nas Caldas da Rainha revelaram a violência latente e o sedimento conservador e provinciano do país.

Em Moção aprovada na Assembleia de delegados da Casa do Povo das Caldas a 16 de Agosto de 1977, ficou anotado que nos IV Encontros Internacionais de Arte efectuados nesta cidade durante a semana finda a 13 de Agosto corrente ocorreram insólitos e vergonhosos actos de ofensa e provocação à moral e dignidade públicas 797. Durante o período dos Encontros, vários jornais locais alertaram a população para o laxismo, a falha de moralidade, a pornografia, a idiotice autêntica e os atentados à moral, levados a cabo por falsos artistas, um bando de energúmenos e drogados, sob o nome de uma falsa arte 798. O Grupo Puzzle, que aí realizou diariamente a já descrita intervenção Calendário no Museu Malhoa, foi tido como um grupo de assaltantes; o Grupo Cores de Coimbra, tido por um estranho grupo empregando rituais duvidosos; a francesa Orlan foi obrigada a limitar seriamente a sua pesquisa em torno do paralelo entre prostituição e arte, e o grupo ACRE viu o seu Monumento de homenagem ao 16 de Maio destruído em poucos minutos. Com este, queriam homenagear os soldados que marcharam nessa data sobre Lisboa – a ideia era: eram cento e tal, 120 ou 130 soldados que marcharam sobre Lisboa e erguemos tantas varas de ferro pintadas de verde caqui quanto o numero de soldados que então 797

“Moção aprovada na Assembleia de Delegados da Casa do Povo das Caldas” in “ Destacável “ IV Encontros Internacionais de Arte – 1977-2002.” In Gazeta das Caldas, 2 de Agosto de 2002, p. VIII 798 Cfr. “ Povo das Caldas Alerta” in Notícias das Caldas, 11 de Agosto de 1977; “ Ainda os IV Encontros de Arte – oportunidade, oportunismo e a arte da mentira” in Gazeta das Caldas, 26 de Agosto de 1977; “ Cenas eventualmente chocantes nas Caldas da Rainha” in O Zé, 30 de Agosto de 1977; “ Ainda o encontro das Caldas... Permitir-se-á que Portugal fique celebrizado como Sodoma do séc. XX!” in Barricada, 1 de setembro de 1977.

256

marcharam. Estas emergiam de uma espécie de pequena colina de relva 799. A segunda intervenção do grupo, então constituído apenas por Clára Menéres e Lima de Carvalho, consistiu na colocação de uma placa com notando o nascimento de D. Sebastião numa casa novecentista, numa ironia de pendor político que se verificou adequada ao contexto.

Na imprensa lisboeta, a partir de 13 de Agosto refere-se insistentemente a destruição à picareta de escultura metálica de vanguarda por grupos de arruaceiros estranhos à cidade, incidente este que bem como algumas tentativas de agressão a artistas estrangeiros e turistas com aspecto hippy, assinalaram ontem o ultimo dia do IV Encontro Internacional de Arte, que reuniu cento e vinte artistas plásticos portugueses e estrangeiros naquela cidade 800. Situação que graças à intervenção da policia não teve consequências de maior, refere ainda o mesmo artigo. Mantendo-se indefinidas as origens da agitação, fundada na hostilidade crescente da população face aos artistas – afirmaram então os vereadores da Câmara à imprensa, as culpas foram atribuídas quer ao PCP que emitira um comunicado contra os Encontros e a suposta arte aí praticada 801, quer a um grupo de retornados, quer a grupos de ciganos. A delegação local do PCP no dia em que a estátua foi destruída emitiu um comunicado condenado simultaneamente as a forma como as manifestações de arte tinham decorrido,

799

Clára Meneres, Entrevistada em Janeiro de 2004, Lisboa. “ Arruaceiros de Rio Maior atacam Caldas da Rainha” in A Capital, 13 de Agosto de 1977. Cfr também “ Exaltados destruíram à picareta esculturas nas Caldas da Rainha” in Luta, 13 de Agosto de 1977, Caldas da Rainha. 801 No comunicado endereçado À população de Caldas da Rainha, lê-se: a organização de Caldas da Rainha do Partido Comunista Português vem por este meio lavrar o seu protesto contra as falsas manifestações de “Arte” que todos os caldenses têm sido obrigados a ver nas praças públicas da cidade. É inadmissivel que as autoridades competentes, nomeadamente a Câmara Municipal e a secretaria de estado da Cultura, orgão do governo responsável por estas actividades, não tenha tomado qualquer atitude para impedir escabrosos “espectáculos”. Pior anda, todos nós temos de pagar, e de que maneira, para vermos aquilo que em nada nos interessa. Com as demonstrações falsamente artísticas ocorridas nestes últimos dias, gerou-se na cidade e nas freguesias rurais , um grande movimento de repúdio com a má utilização dos dinheiros públicos. A direita, também cedo se apercebeu disso e passados poucos dias começou a lançar o boato, que era obra dos comunistas, enfim, o costume. Evidentemente que nada temos a ver com estas exibições, basta lembrar que quem as patrocina não partilha das nossas opiniões políticas. O que se tem passado na cidade nada tem a ver com arte. A arte deve estar ligada às populações, ser uma festa, ser uma fonte de atracção e de expressão dos seus sentimentos. O que se tem feito é ANTI-ARTE! Salvaguardamos neste protesto uma ou outra manifestação artística , que infelizmente ficaram enredadas em toda a lama que vemos na nossa cidade. Desejamos que “espectáculos” destes não se repitam e que sobre assuntos que directamente dizem respeito ao Conselho as populações sejam ouvidas, em particular quando está em jogo o dinheiro de todos nós. A cidade das Caldas em nada ficou prestigiada com esta iniciativa. A comissão Concelhia de Cadas da rainha do Partido Comunista Português, Agosto de 77”. 800

257

afirmando que estas chocavam a moral e o pudor dos residentes, e a destruição da estátua cuja responsabilidade atribuiu a elementos do CAP 802. Negado o envolvimento da sede lisboeta do PCP no incidente 803, se ficaram por definir quer as responsabilidades quer origens

dos incidentes, as causas permaneceram bem

claras.

Patrocinados pela Direcção-Geral da Cultura e pela Câmara Municipal das Caldas da Rainha, contando com a colaboração do Museu José Malhoa, da Comissão de Arte e Arqueologia, e a Casa da Cultura e Serviços de Turismo das Caldas da Rainha, os Quartos Encontros Internacionais de Arte decorreram entre 1 e 12 de Agosto, integrando-se nas comemorações do cinquentenário da elevação a cidade das Caldas da Rainha.

Incluindo dez exposições:

Vanguardas/Alternativas 2 ( com trabalhos de Sérgio Pombo,

Clára Menéres, Fátima Vaz, Marília Torres, Júlio Pereira e Teresa Magalhães); Exposição Presença ( Nadir Afonso, Arlindo Rocha, Eduardo Luis, Dario Alves, Maria Gabriel, Emilia Nadal, Carlos Barroco, António Sampaio, Jaime Silva, Graça Morais, Armando Azevedo, Albuquerque Mendes, Fernando Pinheiro, Hélder Baptista, Tulia Saldanha, Abílio Santos, Gracia, Henrique Silva, Bual, Eurico, DaRocha e.o); Aspectos do realismo Europeu (Teresa Gancedo, Joan Rabascall, Sarah Wiame, João Dixo, Natividade Correia); Aspectos da abstracção analitica europeia; Grupo Grenetta; Os modernistas portugueses ( com obras de Amadeo de Souza Cardoso, Santa-Rita Pintor, Almada Negreiros e Eduardo Viana) ; Objecto/Subversão ( desenhos surrealistas de Cruzeiro Seixas e esculturas de Isabel Meireles); Nós Mulheres; e abandonando a pretensão de superação das bienais de Veneza ou Paris que haviam aflorado na imprensa aquando dos Encontros do ano anterior, a programação de 1977 procurava desenhar para o evento as características de um Espaço de Liberdade, Espaço de Criatividade, de Diálogo, de Contestação, de Comparação de Experiências 804.

802

“ Violência assinala encontros de Arte nas Caldas” in Expresso, 20 de Agosto de 1977. “ Elementos da Câmara acusam PC local de manipulação” in Luta, 20 de Agosto de 1977. 804 “ Caldas da Rainha em festa com a realização dos Encontros Internacionais de Arte” in O Comércio do Porto, 7 de Agosto de 1977. 803

258

O habitual programa de debates ocupou o Museu José Malhoa

centrando-se em três

temas: O ensino da Arte , a produção artística feminina e A função social da Arte 805. Destes Encontros, planeava-se que resultasse o espólio para um futuro Museu de Arte Moderna, que nunca veio a ser edificado.

Quanto ao

leque de artistas convidados, este

indiciava um alargamento da rede de

contactos definida a partir de Paris, bem como uma abertura nos sentido de outras áreas artísticas.

A música e a dança incluiram-se no programa, com o grupo de musica experimental Operation Céros ( constituido pelo violoncelista Philipe Pochan, o pianista Richard Marechin e os trompetistas Jacques berrocal e Daniel Desdays) e com La Compagnie do bailarino arménio Michel Hallet e Pierre Deloche. E também o teatro com Os hipopótamos e com o grupo de teatro A Comuna.

À população das Caldas da Rainha, subversivo Serge III levou uma intervenção de rua. Na Praça da Républica, confrontou os transeuntes com uma cisão de personalidade, dividindo em dois um espelho ao momento em que qualquer pessoa se procurava nele o seu reflexo.

Em silêncio, o Grupo Cores do CAPC levou a cabo uma intervenção, na mesma praça da Républica. Formado por Túlia Saldanha, Teresa Loft, António Barros, Armando Azevedo e Rui Orfão exploraram poéticamente a construção da realidade em função, nesse caso, de uma cor. Tal como nas intevenções que realizaram no ciclo do IADE e mais tarde na exposição Nova sensibilidade/ Figurações/Intervenções, o grupo cores selecciona para cada um dos seus elementos uma cor, esse elemento, por sua vez, explora a particularidade da manifestação dessa cor na realidade em geral.

O francês Balbino Giner (n. 1985), estreante nos Encontros e professor de pintura da Universidade de Belas Artes de Toulouse, fez explodir petardos com etiquetas onde estavam escritas as palavras opressão, repressão, censura, interdição, 805

policia, chefe,

“ Encontros Internacionais de Arte a decorrer em Caldas da Rainha” in Diário de Notícias, 8 de Agosto de 1977.

259

director, patrão, hierarquia, escravatura, exploração, poder, fotografando de seguida os detritos resultantes. Eu queimo os interditos para saciar as minhas raivas e as minhas revoltas e dar livre curso às minhas paixões desordenadas 806.

Tobas, por sua vez, reconstitui em repetição situações ready-made: em silêncio limpou o pó de um piano, transportou uma jarra de flores e num placard escreveu: Le pouvoir a l´imagination/ l´imagination au povoir/ l´ambiguitée de la langue 807. E Robert Filliou procurou, nas ruas das Caldas da Rainha, explorar uma dimensão particular da realidade da

imaginação infantil,

distribuindo

questionários

onde as

crianças – ou adultos deveriam escrever um desejo. Nestes lia-se: Movimento de Libertação Infantil/ Para a Humanidade, com o mínimo de projecto comum./ Pedi às vossas crianças – ou à criança que existe em cada de vós- que nos digam que mais desejam da VIDA. Escrevei neste papel esse desejo. Dependurai-o na parede para não o deixardes esquecer. / Amor=OVNI e vento de Feição.

Mas os trabalhos que mais feriram a sensibilidade dos habitantes das Caldas da Rainha, foram da responsabilidade de Carlos Barroco - que expôs numa pequena caixa, junto à estátua de Gonçalves Zarco no Museu José Malhoa um penis branco, um espelho e uma flor ressequida - , da responsabilidade dos britânicos Miller e Cameron e da responsabilidade das francesas Orlan e Chantal Guyot. Também, De Fillipi, ao afixar uma enorme quantidade de cartazes por toda a vila animou desconexamente os ânimos da população, de acordo com a interpretação das palavras arte, ideologia, materialismo, comunismo.

Miller & Cameron realizaram duas performances nas Caldas da Rainha. Uma performance em 12 partes, designada Children & Others com a colaboração de Miguel Yeco, e uma performance realizada somente por Shirley Cameron e Angela Carter. 806

Balbino Giner, Art Jeu et Enjeu, p. 183, Toulouse, (editions tribu) Eurico Gonçalves, “ Quartos Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha” in Diário Popular, Lisboa, 1 de Setembro de 1977.

807

260

Na Segunda, diz Shirley Cameron - eu lavei as gémeas verdadeiras e vesti-as e a Angela lavou as esculturas de crianças e vestiu-as.

Children & Others, por sua vez, dispersou-se temporal e geograficamente pelos 12 dias dos Encontros. Realizada em vários espaços da cidade, esta

inclui mercado principal, o

mercado do peixe, o parque, performances numa avenida com árvores, ao lado em num pequeno cais, uma performance muito gótica à meia noite num edificio parcialmente demolido; numa clareira dos bosques acima da cidade; numa plataforma de cimento. Na maior parte do tempo trabalharam com Miguel Yeco, e continuaram as performances em colaboração com ele.

O tema central de Children&others consistia na opressão das crianças na família nuclear. Como resultado, escreve Angela Carter, Cameron e Miller também levaram a cabo a exposição de ideias de masculinidade e feminilidade relacionadas com a ideia de pai e de mãe. Pareceu-me a mim, como observadora, que isto se tornou quase uma critica da família – que as crianças de trapos, abusadas como eram, sofriam não menos com a alienação da figura masculina e feminina. Este efeito de critica foi acentuado pela presença do terceiro artista, Yeco, que agiu como uma espécie de intermediário entre estas violações familiares e a audiência 808.

Segundo Eurico Gonçalves, os diversos momentos do performance provocaram as mais absurdas reacções e os comentários mais contraditórios por parte do público adulto que, no entanto, observou tudo ao pormenor e, fascinado pelo desenrolar da acção, não arredou pé destes espaços ludicamente vividos que despertaram em cada um de nós algo que estava abafado, recalcado, adormecido e esquecido: a pureza da infância, a criançapoeta, impedida de crescer e de amar sem quaisquer preconceitos 809. Deste trabalho resultou a colaboração com um artista português, emigrado em Paris, que pontuou o final da década de 70 e toda a década de 80 com notáveis performances. Dos Encontros nas Caldas da Rainha, Miguel Yeco (n.1945) parte para Inglaterra com Miller & 808

Angela Carter, Caldas da Rainha, Agosto 1977. Documento cedido por Shirley Cameron. Eurico Gonçalves, “ Quartos Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha” in Diário Popular, Lisboa, 1 de Setembro de 1977.

809

261

Cameron, sendo que em Novembro do mesmo ano realiza com estes, em Bath, Rituals and transformations of the beasts, a partir de um texto de Angela Carter.

Nas Caldas da Rainha, Yeco leva a cabo a performance o 28 sonho de Moisés. Emigrado em Paris desde 1968, Yeco é bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em 1971 e 1972, momento em que se dedica a uma abstração geométrica depurada tornado-se um dos artistas da recém-fundada Galeria Judite Dacruz ( onde expõe em 1971 e em 1973).

Na exposição que aí realiza em 1973 inclui no catálogo um texto-montagem onde parte de uma reflexão sobre a intuição, composto a partir de frases de vários artistas, entre os quais Stokhausen, John Cage e Bob Wilson. Através da influência deste último partiu nesse ano para o teatro, trabalhando até 1976 com o Grupo LAILA, em Paris, com quem participa em inúmeros festivais europeus 810. Foi a partir daí que comecei a trabalhar com teatro, teatro de rua, coisas muito performativas, até ao momento em que o grupo explodiu e eu comecei a trabalhar sozinho 811. Em 1985, Yeco sintetisa notavelmente os três níveis sobre os quais estrutura o seu trabalho desde 1973, descrevendo, simultâneamente e num momento único todo o processo de expansão. Afirma então: Um primeiro, puramente plástico no sentido de uma actividade plástica tradicional, de criação de “objectos” plásticos ( pintura, escultura, artes gráficas, fotografia); o segundo consistindo na acção deste nível plástico – e com recurso a meios audio-visuais moderno – sobre espaços variados (galerias, museus, teatros, espaços urbanos de todos os géneros), desse modo transformados em instalações e como que adquirindo um estatuto de “imagens a três dimensões”, dentro das quais não só se pode penetrar, como estabelecer um processo criativo que designo como a “ habitação” da “instalação”. Esse processo criativo, sustentado pela energia que o funcionamento da “instalação” gera, é progressivo. E, dependendo das características de cada situação em particular, pode incluir acções exteriores ao espaço da “instalação”, relativas ao contexto 810

Festival de Montparnasse, 1973, Paris; Festival International de Theatre Universitaire, 1974, Paris; International Performance Festival, 1975, Birmingham; Aktionen Blumenhalde, 1976, Arau, Suissa. 811 Miguel Yeco, Entrevistado em Junho 2004, Sintra.

262

onde ela se insere. O conjunto destas acções interiores e exteriores, de carácter teatral, constitui o terceiro nível, a performance 812.

A partir de 1981 - ano em que realiza na AR.CO, em Lisboa da possível ou impossível impessoalidade – primeiro prelúdio de “Pessoa´s ( e ecos), trabalhará performaticamente uma temática exclusivamente pessoana, centrada na performatividade da heteronomia temática toma também as suas aguarelas – eu sou um eco, quero ser um eco, eu sou um eco do pessoa mas sendo um eco do pessoa isso dá tanta abertura, tanta abertura que é por isso que eu ainda não acabei com esse projecto, continuo a viver com isso intensamente 813.

Reinvindicando desde então um trabalho estruturado pela intuição, poucos meses depois Yeco levará à exposição Identidade Cultural e Massificação - See the crazy bird Dance.

No catálogo desta exposição, Egídio Álvaro escreve: no trabalho de Miguel Yeco, do mesmo teor, articulam-se vários níveis – sonoros, plásticos, simbólicos – na criação de um espaço sensível dentro do qual o artista utiliza livremente o seu corpo, as cores, os ruídos, a luz, a palavra, o movimento, num processo de crescimento em que a comunicação se faz através dos sentidos e não literáriamente. Também aqui a pluridisciplinaridade e o não previlegiamento de um suporte são fundamentais, e embora a acção se passe por vezes dentro num espaço limitado pelo próprio artista (...) o que conta são as novas relações estabelecidas entre o espectador e a totalidade do espectáculo 814.

As suas performances contém uma fortíssima componente de improviso e indeterminação, jogando com o momento, tendo a intuição como directriz. Acerca destas, Egídio Álvaro escreveu: a performance de Miguel Yeco é certamente uma das mais complexas do espaço cultural europeu. Ele “põe em cena” uma grande variedade de elementos, objectos, imagens, sons, actores (...) e é

regente e o corpo de inscrição de um percurso

multidimensional nos qual se entrecruzam os objectos artísticos, as emoções, os grupos

812

Miguel Yeco in Performarte, Torres vedras, 1985, pp. 68-99, p, 68 Miguel Yeco, Entrevistado Junho 2004, Sintra 814 Egídio Álvaro, Identidade Cultural e Massificação, SNBA, Lisboa, 1977. 813

263

humanos, as situações, as agressões físicas, sonoras, visuais. Este discurso é delimitado por uma trama discursiva de consonâncias ritualísticas 815

É, tal como sucedeu com Manoel Barbosa

que Miguel Yeco constitui nos Quartos

Encontros o primeiro momento da definição de uma relação colateral, definida numa história de colaboração que se traduzirá na participação destes em virtualmente todos os eventos programados por Egídio Álvaro. Nos Encontros, momento em que coincide na biografia do artista com o abandono da prática da pintura, Manoel Barbosa (n.1952) pediu a Melo e Castro que o enterrasse. Melo e Castro que aí estava presente com o Grupo Ànima, levou a cabo uma intervenção de poesia visual, uma das mais aplaudidas intervenções do evento.

Neste contexto, Manoel Barbosa, que pontuará também a década de 80 com um trabalho performativo intenso e de notável consistência, realizou Happ-performances Um projecto para um Paraíso Possível e Itinerários, colaborando pontualmente com Miller & Cameron no Children&others e ainda com Serge III.

O curso do processo de expansão na sua obra, parte do alargamento da consciência pictórica para a consciência do corpo, suporte de inscrição, domínio de activação plástica e espacial. O corpo como elemento cenográfico, o corpo como domínio de inscrição plástica pela/na experiência. No decurso da década de 80 encenará meticulosamente performances onde trabalha com fogo, fumo e luz.

A primeira intervenção corporal de Manoel Barbosa data 1973, ano em que regressa de um Paris onde priva com Georges Mathieu. Acerca desta primeira intervenção descreve: no meu atelier, pintei no corpo, nu, dos pés até à zona do coração uma enorme raiz. Esses momentos de introspecção continuaram, uma semana depois: realizei pinturas com a zona dos cotovelos até aos dedos, e pincel, pintados de preto. Seguiu-se outra série, com essas

815

Egídio Álvaro, in Yeco, Catálogo de origem não identificada., sd, sp.

264

zonas pintadas de branco, em ambientes cuja luz incidia somente nos dedos e nos suportes 816. Distinguindo os códigos sobre os quais operam a performance, o ritual e o happening, aos seus rituais preside a introspecção, aos happenings um discurso sociológico, às performances o surgimento de ambientes e acções plásticas. Neste sentindo, a década de 70 corresponde à realização de rituais e happenings, a década de 80 à realização de performances.

No mesmo ano em que pinta no corpo a raiz, Manoel Barbosa realiza um ritual na Ilha de Tavira. Então militar em Tavira, ao saber que estava mobilizado para a Guerra Colonial em Angola (...) criei e realizei um ritual na Ilha de Tavira, dedicado a África. Virado para o Continente Africano, nu, em pé, enviei pelo mar 17 garrafas com textos de Karen Blixen, Agostinho neto, Mandela, E. Mondlane, Amilcar Cabral, e outros autores e textos sobre Àfrica. Segui-se o envio de 17 cores por mim especialmente criadas para Àfrica, colocadas em garradas sem rolha. Espetei, na areia, 17 canas com as mesmas cores. Na água, escrevi um curto texto de Blixen 817.

Em Luanda, realiza em 1974, acontecida já a revolução em Portugal, o que considera ter sido um happening que repercutia em consciência política e social a sua experiência urbana angolana. militares angolanos,

Na praça de Mutamba leu alto,

acompanhado por dois amigos

textos de Agostinho Neto. Manoel Barbosa lê em Português, os

angolanos nas línguas das suas tribos de origem. As posições de cada um, sobre pequenos plintos, eram alternadas em cada parágrafo lido.

Em 1975, regressado de Angola realiza outro ritual, na Serra da Estrela. No local mais alto do Continente (...) deixei ao fim do dia, um espelho dividido em quatro partes coladas (80x80 cm/ cada) virado para o firmamento. Nele escrevi com o meu sangue:EU. Totalmente coberto.disfarçado com arbustos. Saí do local já noite. No outro dia, à tarde

816 817

Manoel Barbosa, Entrevistado em Agosto 2004.Lisboa Id.ibid.

265

constactei que ninguém dera por ele. Neve tê-lo-á coberto? Vento retirado troncos? Alguém o encontrou? – Não sei. Nem quando. No mesmo ano participa, eivado da consciência política e social que afirma caracterizar o happening – e confirmando

a influencia dominantemente francófona da vanguarda

europeia, realiza em Barcelona, na Praça Colón o que consistiu na colocação do meu corpo, em pé, razante e evitando a sombra da estátua/cabeça de Cólon. Sempre em espiral involutiva, circulei em andamento normal, depois de controlada aceleração até à corrida máxima. Sempre que passava pela sombra, espalhava pó branco (gesso), acelerava ainda mais, até aos saltos finais para evitá-la, temporalmente o máximo possível. Toda a zona de pó branco – sombra, foi finalmente lavada/contornada com bastante água azulada 818.

Nas Caldas da Rainha em 1977, Manoel Barbosa cava um buraco no chão no qual deposita o seu corpo e pede a Ernesto Melo e Castro que o cubra com ramos e galhos. Aí permanece. O corpo assume-se como o elemento central de uma desejada revelação do todo em um pela possibilidade da sua ausência, ocultação – sou sem mim, dirá anos mais tarde. Do mesmo modo que o assumirá em 1981, nos Ciclo de Arte Moderna, no IADE.

A presença de artistas mulheres assumiu particular relevo nos Quartos Encontros.

Não só foi discutido o lugar da criação artística feminina no mundo da arte contemporânea, como notavelmente, os Encontros contaram com a presença de um dos mais activos grupos de artistas mulheres do meio parisiense. O Collectif Femmes/ Art é contemporaneo da reenvindicação Mouvement de libération des femmes, centrado nos direitos associados ao corpo da mulher, estruturado entre o Maio de 68 e o empossamento do governo de esquerda liderado por Francois Miterrand em 1981, e próximo dos demais ( foram criados em Paris pelo menos cinco grupos de artistas-mulheres então), cuja característica comum se centrava na luta pela visibilidade e reconhecimento do trabalho artístico feminino.

818

Id.ibid.

266

A característica comum a todos estes grupos de artistas, assenta na grande diversidade de praticas que coabitavam em cada grupo, diferindo assim dos grupos de artistas no sentido tradicional do termo – significando isto grupos que reúnem artistas em virtude de uma partilha durante um certo período de tempo, a mesma visão da arte 819. Aline Dallier, emprega o termo movimento de femmes dans l’art pela primeira vez em 1978, designando não um movimento de arte feminista semelhante ao que se verificava crescente nos Estados Unidos, mas mais a chegada em massa de mulheres na cena artística e o desejo de algumas entre estas de agir no meio cultural por um reconhecimento da arte das mulheres 820.

Tal como os demais movimentos feministas que surgem com a década de 70 em muitos centros urbanos ocidentais, constituindo o que ficou designado por feminismo de segunda vaga, as feministas-artistas francesas que vieram às Caldas da Rainha, trabalhavam para reinvindicar mudanças nas leis, nos costumes e nas atitudes correntes que limitavam a auto-determinação das mulheres 821. Segundo Cottingham, entre as tendências dominantes que se desenvolveram no seio do movimento estético feminista, do modo como este se expressou em obras americanas e europeias associadas ao movimento de libertação das mulheres nos anos 70, podem ser definidos algumas directrizes fundamentais. Estas prendem-se, afirma, à transformação das representações da imagem da mulher de modo a ultrapassar a sua função patriarcal tradicional simbolizando a mãe e/ou a puta; criticar a hegemonia da pintura e da escultura, dando prioridade `s formas e aos media novos como o espectáculo e o vídeo; inserir nos postulados universalistas a subjectividade e a experiência do feminio; anular as fronteiras estabelecidas pelo modernismo entre a arte e a vida em sociedade (...); dar prioridade ao universo auto-biográfico enquanto fonte da cultura visual; desenvolver novas estratégias de visualização da sexualidade; refutar o mito do século XIX de exaltação do génio individual, pela criação de grupos e de colaboração 819

Diana Quinby, “ De l´art et du féminisme en France dans les annés 1970” in http:bu.univangers.fr/ARCHFEM/b8quinby.htm 820 Diana Quinby, “ De l´art et du féminisme en France dans les annés 1970” in http:bu.univangers.fr/ARCHFEM/b8quinby.htm 821 Laura Cottingham, “ Vraiment feminism et art” in AAVV, Vraiment feminism et art, 1997, Grenoble, p. 56-64, p. 59.

267

entre artistas; Introduzir os aspectos culturalmente degradados do vivido no feminino – roupa, menstruação, trabalhos domésticos, produtos de beleza, serviços sexuais remunerados – enquanto suporte e tema da arte 822.

Em reacção à anulação de uma grande exposição de trabalhos de artistas mulheres, antes de chegar a ter lugar no Museu de Arte Moderna de Paris, foi criado em 1976 o Collectif Femmes/ Art 823. Ao longo do período em que funcionou, estas realizaram pequenas exposições, animaram reuniões de artistas e debates. Em 1978, o colectivo montou exposições em ateliers de artistas, programando Journée d’actions no atelier de Francoise Janicot. Em Junho do mesmo ano, organizou uma serie de conferencias e exposições sobre arte e mulheres no Centro Cultural do Marais, com a participação de artistas ( Colette Deblé, Jacqueline Delaunay, Michele Katz, Francoise Janicot, Najia Mehadji) e historiadoras de arte ( Aline Dallier, Christine Maurice) e escritoras /teóricas ( Francoise Eliet, Claudine Herrman).

Em 1977 o Collectif Femmes/Art esteve representado nas Caldas da Rainha por Francoise Janicot, Claudette Brun, Isabelle le Vigan, Francoise Eliet, Lea Lublin, Tanta Monraud, Gretta Grywacz, Monique Frydmanm Elisa Tan e Colette. Aí o colectivo trabalhou, essencialmente, sobre a especificidade do trabalho feminino, na linha dos seus objectivos de divulgação do trabalho artístico feminino no contexto de libertação da mulher numa sociedade dominantemente masculina. Mas outras linhas temáticas tomavam o discurso feminista do momento. Nomeadamente a sexualidade. No leque das coordenadas da estética feminista enunciadas por Cottingham, a artista francesa Orlan, presente nas Caldas da Rainha, figura entre as artistas que trabalharam sobre os paradigmas e noções culturais da mulher enquanto objecto e tema sexual. Com Francoise Jericot, a francesa Orlan (n.1947) 824 tivera contacto em 1973, em Paris. Reecontravam-se nas Caldas da Rainha. 822

Id.ibid.p. 57. Cfr. Texto Enferment/rupture, da autoria deste colectivo. 824 Ver sitio pessoal da artista em www.orlan.net 823

268

No suplemento da Gazeta das Caldas dedicado então aos Quartos Encontros,

Orlan

comunicou: Gostaria de propor uma acção sobre arte-prostituição. Gostaria de enviar um convite às pessoas importantes do mercado da arte pedindo-lhes para vir ajudar a realizar uma obra enodoando coma a obra de “amor” os lençois do meu enxoval (...) A acção será gravada em vídeo e fotografada. Gostaria de receber numa tenda ou pequeno circo colocados num jardim público ou numa galeria 825. Esta acção nunca veio, naturalmente a acontecer. Havia uma mulher que usava os corpo como tela porque a arte, reclamou, era prostituição, anotou Angela Carter na crónica publicada no jornal britânico já citado.

Nesse sentido, Orlan vendeu beijos no Museu José Malhoa, numa primeira versão da intervenção Baiser L´artist apresentada na FIAC, no ano seguinte. Mas não só. Apresentou também no último dia dos Encontros uma radicalização

da noção de

mercantilização do corpo da mulher na sociedade e pela arte: ao conjunto de fotografias de secções do seu corpo nu carimbadas com um carimbo de talho, fez corresponder um preçário. Expostas numa montra e depois mostradas para venda na rua as secções de corpo de Orlan conheceram um melhor destino do que a própria, sovada por populares – as peixeiras puxaram-lhe o cabelo; eram mulheres grandes, fortes em saias de borracha e botas, e as ciganas alegremente ajudaram 826.

Nas Caldas da Rainha, Orlan realizou também Tableax vivantes, intervenções que iniciara em 1967, nas quais pousa nua encenado ou a Odalisca de Ingres ou Miss O´Malley de Watteau. E, com o seu corpo mediu o Museu José Malhoa, como o vinha fazendo em vários lugares públicos desde 1964 – as Mea urages. Na impossibilidade de atravessar a cidade nua posando junto das estátuas do jardim – procurando com isto sublinhar uma identificação do seu corpo com estas,

atravessou-a vestida com uma “túnica” onde

imprimiu o seu corpo.

825 826

Orlan, Gazeta das Caldas, Suplemento Cultural, 29 de Julho de 1977. Angela Carter,Op.cit. sp..

269

Também Chantal Guyot trabalhou sobre o próprio corpo, mas de acordo com uma outra poética.

Guyot realizou na Casa da Cultura uma acção corporal, ressoando as Antropometrias de Yves Klein - despida cobriu-se lentamente de pasta de chocolate, até todo o seu corpo estar uniformemente coberto, momento em que o imprime contra papel de cenário pendurado na parede.

As Caldas da Rainha, uma pequena cidade não tão a-tipica do sul de Portugal, o tempo tende a ser mau. Não é nem encantadora mas também não é pouco atraente – escreveu Angela Carter, estava mais preparada para a linguagem arquetípica de Albuquerque Mendes do que qualquer dos outros performers.

Nos dias 6, 7, 8 e 9 de Agosto, Albuquerque Mendes realizou, acompanhado por Julieta Dixo de Sousa o Ritual Primavera, Verão, Outono e Inverno, envergando um traje de bandas verticais encarnadas, amarela e verde, atravessou as ruas da cidade, cada dia dedicado a uma estação, transportando cerimoniosamente uma caixa coberta por um pano branco, transparente, que na Praça da República – ao momento do inicio do cerimonial estende no chão. A sua companheira, traja como uma das figuras femininas dos seus quadros.

Se o balanço destes Encontros ficou ensombrado pelos incidentes com que terminaram, um facto foi inegável: a intervenção em espaço urbano definiu-se como o mais notável dos meios capazes de fazer estremecer os esquemas de visão e percepção do mundo 827.

E enquanto o ano não finda para dele concluir Fernando Pernes que se havia tornado lugar comum português o dizer da maré baixa de cansaço ou indiferença que espraiou pelo país, apagando em cinzas os ardores despertos com a Revolução do 25 de Abril. Hoje, de facto, ao desânimo voltou a ser a moeda corrente na circulação de um pobre quotidiano sem

827

Egídio Álvaro, Performances, rituels, interventions en espace urbain, art du comportement au Portugal, Lyon, 1979

270

horizontes 828, no encalço destes encontros, Egídio Álvaro leva a Lisboa a exposição Identidade Cultural e Massificação. O seu catálogo serve para fazer o balanço da actividade dos Quartos Encontros. A Artes Plásticas não conhecera nenhuma outra edição depois de Janeiro desse ano, dedicada aos Terceiros Encontros na Póvoa do Varzim.

Assumindo, como o pudemos já verificar,

que a directriz conceptual desta exposição

assenta na tentativa de revelação das características que determinam uma configuração de uma identidade cultural portuguesa, Egídio pretendeu assim e como um contraponto à situação que diagnostica como dominante, apresentar uma soma de indicios, um panorama daquilo que, na nossa cultura, pode constituir elemento concreto de “diferença” em relação ao exterior 829.

2.8.3. Ciclo de Arte Moderna/ Massificação e Identidade Cultural/ Diagonale

Face ao diagnóstico de cansaço e indiferença no rescaldo das chamas revolucionárias, Egídio assume, relembramos, a proposta de uma outra realidade com a qual se identifica e da qual assume responsabilidade. No Boletim da Secretaria de Estado da Cultura, que apoiara o evento, Egídio escreve pouco tempo depois – Identidade Cultural propunha-se rever criticamente a criação plástica do século XX e, sem pretender esgotar o assunto, apontar as linhas de força fundamentais ( tanto ao nível teórico como ao nível objectual/produtivo) que dão coro e estrutura à especificidade do nosso campo artístico 830.

Esta abarca para além da exposição tiveram lugar várias intervenções. Uma intervenção do Grupo Puzzle e duas intervenções de Albuquerque Mendes: Dialogo com um quadro e um ritual no Rossio. Miguel Yeco, leva a cabo See the crazy byrd dance. No catálogo entitulado por Pássaros & Portas. 828

Fernando Pernes, “ Carta do Porto” in Colóquio Artes, nº36, Março de 1978, p. 66-68, p. 66. Egidio Álvaro, Identidade Cultural e Massificação , SNBA, 1977. Sp. 830 Egidio Álvaro,” Identidade Cultural e massificação” in Informação Cultural, nº5, 1977. 829

271

E o grupo Cores realiza uma intervenção na mesma linha de exploração da realidade individualmente pelo prisma da monocromia, numa metáfora da personalidade individual. Do mesmo modo que farão, em Fevereiro seguinte, no Ciclo de Arte Moderna nº4. Entre a entrada e a sala de exposição foi colocado um biombo de véus de várias cores – entrar implicaria a escolha de uma cor.

Partindo do mesmo ponto ou de pontos afastados, as cores dirigem-se para o mesmo lado: o vermelho segue a rua vermelha, o laranja segue a rua laranja; o amarelo segue a rua amarela; o azul sege a rua azul; o violeta segue a rua violeta; o preto segue a rua preta...e encontram-se. Encontram-se num mesmo espaço visual. Cada cor transporta um saco da sua cor. O vermelho começa a ler um livro vermelho, o laranja começa a ler um livro laranja, o amarelo começa a ler um livro amarelo, o verde começa a ler um livro verde, o azul começa a ler um livro azul, o violeta começa a ler um livro violeta, o preto começa a ler um livro preto. O vermelho escreve: o mundo será vermelho; o laranja escreve: o mundo será laranja, e por aí em diante com as restantes cores até concluirem que cada cor utiliza apenas a sua cor, cada cor pretende impor a sua cor, cada cor mostra em todas as direcções um cartaz da sua cor. Cada cor espalha aos quatro ventos imagens e palavras da sua cor. (...) cada cor afasta-se, não se sabe para aonde, levando atrás de si o cortejo da sua cor e deixando rastos da sua cor 831.

No Ciclo de Arte Moderna o grupo interviu primeiro, directamente na rua – realizando uma Intervenção/ Ritual, depois nas instalações do IADE, onde cada um pintou uma tela monocromática. No Chiado, o grupo procurou entrar em dialogo com o público sobre mitos na nossa sociedade 832. No mesmo dia, à noite, Egídio fez uma conferência sobre Yeco.

A este, coube, em Abril de 1978 a realização do Ciclo de Arte Moderna nº5, que intitulou buster rainer maria ri-te versus fka mões és.

831

Círculo de artes Plásticas – Coimbra, Identidade Cultural e Massificação , SNBA, 1977. Sp “Grupo de artes Plásticas de Coimbra intervém nas ruas da baixa lisboeta” A Capital, 17 de Fevereiro de 1978.

832

272

No ano seguinte, no estrato correspondente a Paris, Yeco inaugura em 25 de Abril a Galerie Diagonal – Espaçe Critique, dedicada durante 10 anos à vanguarda. Assumindo-se como um espaço alternativo, surgia numa continuidade lógica das manifestações artísticas que a precederam, manifestações em que os artistas da Performance de vários países da Europa se puderam encontrar, trabalhar e confrontar com um público novo. E penso nos Encontros Internacionais de Arte em Portugal, nos Seis dias de Marselha, na Exposição do Mirail, em Toulouse, no Simpósio Internacional de Performance em Lyon, nos cinco anos de animação cultural em Limoges e, contemporâneamente, na semana da performance, na ARC, no Museu de Arte Moderna de Paris, no Espaço Nomade de Besançon, na Semana de Performance de Estrasburgo 833. Se a participação, por via de Egidio Álvaro de artistas portugueses em todos estes eventos significaram uma dispersão relativamente ao meio cultural português, por sua vez, a Diagonale significou uma centralização da sua actividade, num outro contexto.

Poucos meses depois, em Vila Nova de Cerveira, no Minho, Jaime Isidoro empreendia sem a colaboração de Egídio a primeira Bienal de Vila Nova de Cerveira, seguindo a lógica estrutural dos encontros,

acontecendo em Agosto, polarizando-se em exposições,

intervenções e debate, funcionando como motor fundamental do desenvolvimento da vila. No seu catálogo, o evento reinvindica uma filiação aos encontros internacionais do ano anterior, mas de forma velada - dado que já não decorria nem da mesma colaboração, nem tão pouco os ecos dos escandalos antigos eram coadjuvantes na busca de financiadores e apoios.

Estes já não reinvindicam a intervenção urbana querida a Egidio, mas sim a arte ao vivo, numa suavização dos propósitos disruptivos das possibilidades inscritas na arte cujo suporte é o tempo.

833

Egidio Álvaro, Performances - 79.80.81- Diagonale, Paris, 1981.

273

9. I Bienal de Vila Nova de Cerveira

Dos artistas que aí encetaram intervenções, presentes nas edições dos Encontros herdava a presença de Pierre Alain Hubert que com Riuko Ishida e Carlos Barreira realizou um concerto de petardos e sinos de igreja, a partir das torres sineiras da Igreja Matriz e de Manoel Barbosa que realizou a performance Ainda os outros e/and Nós, e Gracinda Candeias expõe os seus seios intervenção

enquadrados por um painel de gesso intitulando

a

por Teste-se. À segunda Bienal presidirá uma outra dinâmica, mas esta,

inscreve-se já num outro tempo, numa outra lógica de criação. O tempo de 80.

A partir de 1980 a performance portuguesa adquire velocidade de escape relativamente ao contexto artístico e cultural português. O grupo Puzzle dissolve-se, Egídio Álvaro comissaria a exposição Nova Sensibilidade/ Figurações Intervenções na SNBA, nasce o grupo Diaspositivos 834 e forma-se o grupo Néon, tem lugar a II Bienal de Vila Nova de Cerveira e acontece a Semana Internacional de Arte Actual em Vila do Conde. No ano seguinte Egídio dá inicio, em Almada ao Alternativa – Festival Internacional de Arte Viva. Notavelmente, os performers que haviam estado envolvidos no processo de expansão nos períodos pré-revolucionário e imediatamente pós-revolucionario, conhecem paralelamente a internacionalização reconhecimento do seu trabalho. Entre a Bienal de Cerveira e os eventos organizados pelo ACARTE da Fundação Calouste Gulbenkian, passando pelos Festivais Alternativa e Performarte e a fundação e festival do Espaço Lusitano, e participando nos mais importantes festivais de performance europeus estes artistas passam a ser acompanhados por uma nova geração de artistas, para quem este medium não traduzia já uma conquista mas um dado assente. Fernando Aguiar (n.1956), Ção Pestana ( n.1953), Rui Orfão ( n.1958) que integrara o grupo Cores entre 1976 e 1979, Elisabete Mileu, António Olaio ( n.1963), Carlos Gordilho (n. 1955), a quem se junta Silvestre Pestana, vindo do território da poesia visual, operacionalizando o mecanismo 834

Constituído por Gracinda Candeias, Adelaide Colher, José Fabião, Michel, Fabião e Ossião.

274

performance, exploraram a partir dos primeiros anos de 80, geográfica e conceptualmente as linhas de abertura fundadas sobre os acontecimentos de 60 e 70.

275

Considerações Finais

A contestação e reavaliação que inaugura e dá origem à década de 70 fundando-se nos anos de 60, ecoa as principais aspirações da arte nascida no despontar desta década. Se JeanJacques Lebel se afirmou em território europeu como uma figura chave pelo papel pioneiro das suas intervenções, pela teorização e fundamentação dos seus propósitos e objectivos, pela activa operacionalização do mecanismo performance sob a cúpula conceptual da sua peculiar definição de happening, e ainda pela que estabelece entre o cenário artístico norte americano e o cenário europeu, certo é que as suas disposições e aspirações foram partilhadas. E comprova-o o manifesto, pensado ao modo dos manifestos das primeiras vanguardas e assinado por um grupo de artistas europeus,

com o fim de justificar

e sublinhar a

importância do happening como uma forma de arte directa e participatória, definida

no

sentido da intervenção e transformação da realidade social e artística então vigente. Ou melhor, da transformação daquilo a que chamam o espirito moderno 835. Nesse sentido propõem a fundação de uma nova mitologia – enraizada e gerada a partir de uma nova forma de arte – essa que responde, assim, às verdadeiras necessidades da realidade que urge ser transformada. Assinado no ano de 1966 por cinquenta artistas de nacionalidades diversas e percursos singulares, entre os quais o próprio Lebel, o nicense Ben, o alemão Joseph Beuys, Brazon Brock, Constant Nieuwenhuis, Wolf Vostell, Mark Boyle, George Andrews, Olivier Boelen, Lex de Bruyn, Robert Bozzi, Jean-Pierre Charles e Allanzio neste documento propõe-se uma alteração da natureza da realidade em virtude quer da criação de novos mitos e por isso de uma nova aproximação, definida a um nível relacional, com a realidade. Num dos primeiros pontos deste texto abordámos um possível domínio de aproximação entre a performance e o ritual, nomeadamente em função da instituição de uma condição limiar e consequente definição de um tempo e espaço específicos, que o aproximam por sua vez, do jogo. 835

J-J. Lebel, El Happening, Buenos Aires, 1966, p.99

276

Partimos da noção de repetição, aflorando a dinâmica que preside o jogo das repetições nuas e das repetições vestidas e verificámos que a finalidade de um ritual, bem como a sua função e valor não se esgotam na sua forma mas são relativos à sua natureza enquanto acto. Actos de uma natureza particular, tidos como detentores de uma eficácia e propriedade imanente, na medida em que estabelecem elos relacionais e conexões, ou se definem com catalizadores da revelação de determinadas instâncias, realidades ou resultados. No entanto, vimos também que se estes actos que se definem como mediadores, a sua natureza não se esgota nesta qualidade. Condensam em si próprios um poder de revelação que lhes é inerente e correlativo a um determinado enquadramento e a uma determinada atitude.

O que está em questão no ritual é a operacionalização de mecanismos que estabelecem a relação e a definição de uma ordem de revelação correlativas a um

desempenho.

Verfificando-se, por conseguinte, que no limite, se inscreve na própria realidade em geral um domínio de revelação. Complexificando-se, a situação o obriga-nos a ponderar outras questões quando na Europa artistas como os que assinaram o Manifesto de 1966, reinvindicando a fundação de uma nova mitologia por meio do happening – uma arte que se define assim dotada de um poder fundador. O de fundar uma realidade particular, agregadora de expectativas e vivências culturais comuns, geradora de um lugar partilhado da memória colectiva. Ademais, na órbita do que implica uma mitologia gravita a definição de um sistema ordenador das relações entre indivíduos, o corpo social e a própria realidade – modelos mediadores entre os indivíduos e comunidades e a realidade, de solução de contradições e antinomias e de ordenação dessa mesma realidade.

277

1. Nostalgia do Absoluto

Num conjunto de conferências datadas do Outono de 1974, posteriormente coligidas e publicadas sob o titulo Nostalgia do Absoluto 836, George Steiner procura demonstrar como aos grandes sistemas de pensamento contemporâneo ocidental, bem como a manifestações outras de ordem generalizada, correspondem tentativas de preenchimento do que definiu por uma nostalgia do absoluto. Estes sistemas e manifestações, Steiner designou-os por mitologias, ou sistemas com pretensão a tal - nascidos em resposta a uma nostalgia – tão profunda, creio, em quase todos nós – (que) foi directamente provocada pelo declineo da sociedade e do homem ocidentais, da antiga e da magnifica arquitectura da certeza religiosa 837, definindo novas energias e substitutos – espécies de teologias substitutas formando sistemas de crença e de argumento cujas características poderão ser selvaticamente anti-religiosos, postular um mundo sem Deus e negar uma vida depois da morte, mas cujas estruturas, aspirações e exigencias feitas ao crente são profundamente religiosas nas estratégias e nos efeitos 838 .

A sede de absoluto é correlativa à ausência de um sistema que o medie relacionalmente, e a função das mitologias de que fala Steiner é precisamente colmatar essa falha. Marxismo, a psicanálise freudiana, a antropologia de Lévi-Strauss, as astrologias, orientalismo e os ocultismos, todos estes se fundam, defende Steiner,

nas características essenciais de um

mito: a totalidade na sua pretensão de uma explicação holística; uma origem e um desenvolvimento identificáveis de forma a que se possa definir uma genealogia do sistema de realidade vigente, uma origem fundadora e por último, uma ortodoxia que lhe permita uma agregação coerente e estável segundo um eixo único. Estes sistemas representam também, defende um regresso ao irracional. Este é um ponto particularmente importante para a nossa reflexão, agora peculiarmente iluminado, depois de nos termos cruzado com Artaud, com Lebel, com os poetas Beat e com todos esses homens que se reinvindicam herdeiros do dadaísmo e do surrealismo. 836

George Steiner, Nostalgia do Absoluto, Lisboa, 2003. Id.ibid., p. 16 838 Id.ibid., p.14 837

278

A posição de Steiner decorre da constatação de que o domínio irracional se apresentou como uma via possível, alimentado por uma fome de transcendencia e uma nostalgia profunda de uma dimensão de absoluto geradas da decadência da vivência religiosa, decorrente do processo da modernidade. Sob este signo da irracionalidade, Steiner traça um vector único que atravessa transversalmente as metáforas utilizadas da utopia marxista da libertação do homem, na visão freudiana do sono absoluto de eros e tanatos, na punitiva e apocalíptica ciência do homem desenvolvida por Levi-Strauss 839 , uma exploração do transe e do extase e a procura de realidades alternativas fundadas numa alteração do sistema sinestésico por meio da utilização de drogas. Independentemente da subjectividade inerente a qualquer balanço, as reflexões de Steiner fornecem-nos um quadro geral e uma vertende de abordagem ao problema enunciado pelos próprios artistas do manifesto de 1966 – o desejo declarado da fundação de uma mitologia que reponha a ordem e estabeleça uma mediação adequada e necessária ao momento em questão. Os mesmos propósitos animaram, anos mais tarde, os subscritores do Manifesto de Vigo.

O que verificamos estar em causa prende-se com o facto de que correlativa à proposta vanguardista do cruzamento da arte com a vida em função de uma desterritorialização das práticas e conceitos e de uma redefinição dos mesmos sobre territórios outros a cartografar fora dos parâmetros conhecidos, encontramos a estruturação de sistemas agregando propostas e intenções, projectos e sistematizações,

segundo os quais se propõe a

reformulação de toda a existência em virtude, precisamente, de um potêncial cruzamento da arte com a vida. No que concerne ao mecanismo performance em particular, como o vimos já, a actulização dessa potencialidade define um particular envolvimento perceptivo, sensivel, gerado nas circunstancias particulares da criação enquanto acontecimento - um momento coincidente e inscrito na biografia de quem o activa. Nesta medida alargamos o domínio de reflexão gerada das pretensões do manifesto de 1966 ao quadro das intenções vanguardistas e retomamos um problema já abordado. 839

Id.ibid., p. 67

279

A pretensão da fundação de uma mitologia – se tomarmos por mitologia um plano referêncial onde se inscrevem as directrizes fundadoras e ordenadoras da realidade e das relações de cada um com esta, atravessou as intenções das vanguardas e em função destas intenções foram definidos os territórios a explorar, escritos manifestos e determinadas linhas de orientação. Subjacente a estas ideias assenta uma ideia de revelação daquilo que no limite subjaz toda a realidade – (a ordem de um absoluto?) seja o inconsciente, o acaso e indeterminação, a sensibilidade e uma nova ordem e realidade perceptiva –e no qual se deposita a expectativa de condensar a capacidade de operar a regeneração e a refundação de uma nova situação existêncial. Fundada assim, naquilo que verificámos constituir-se como uma radical positividade, a ser tendencialmente revelada, num processo de expansão, por um processo negativo de afirmação de uma positividade. 2.Mitologia da multiplicidade

Equacionamos assim a possibilidade de pensar a vanguarda também enquanto um sistema inclusivo de um projecto de intenções e correlativo aos sistemas de pensamento que Steiner afirma pontuarem o século XX e ao qual as neo-vanguardas trouxeram esse aspecto particular que foi a acção. No entanto, devemos ter em conta que a acção acarreta a implicação da própria intenção da superação do sistema enquanto estrutura, se entendermos a arte como acção enquanto um sistema de natureza rizomática. Salvaguardando a especificidade das linhas de pensamento de Steiner e Deleuze, tomamos a reflexão de Steiner como um diagnóstico dos tempos e os conceitos de Deleuze como estrutura operativa. Por conseguinte, devemos necessariamente de ter em conta que a intenção de coincidência de arte e acção não reside na instituição de uma arte fundadora uma mitologia de modo a ser-lhe posteriormente correlativa – como um ritual é correlativo a um mito. Mas sim de uma arte que a cada momento e nas conexões que estabelece, seja fundadora de um sistema ou forma de relação particular com a realidade, definida em função de uma particular sensibilidade. De um mecanismo que opere a instituição de uma atitude em função de um determinado enquadramento relativo a essa realidade. É cada acção – ou

280

sequência,

que é carregada de um poder fundador – o possível domínio da mitologia

corresponde à especificidade de cada acção. Daí a impossibilidade, quer de definir a partir do happening – como o pretenderam no Manifesto de 1966-, ou da performance uma teoria geral, quer de fundar um mitologia que não seja senão, a que se defina fundadora da consciência de que a cada acontecimento corresponde especificamente uma rede de significações que derivam do preciso contexto social e psicológico em que ocorrem, lembra Lebel.

Sobre a reinvindicação do estabelecimento desta consciência são tecidas as linhas desse Manifesto de 1966, onde se

legitima e afirma a necessidade de uma arte como o

happening, situações estas correlativas que espelham uma necessidade outra que é a da conquista do que definem por soberana multiplicidade do ser, aquilo que significará que teremos ultrapassado a arte, que teremos ido mais além do teatro e que alcançado a vida 840. Condição essa possibilitada por uma forma de arte que se isente das normas e da sujeição às regras próprias da industria cultural pautada pelo lucro. O que estes artistas propõe é de novo a superação dos limites – da moral, da consciência e da percepção 841 por meio de um

conjugação das formas, da conexão de múltiplas

realidades no sentido de uma experiência holística, de um grau de intensidade, onde cada um encontre um domínio de realização. De que pelo happening se define a possibilidade da génese de um domínio a partir do qual se toque, se viva, se experiencie efectivamente, a vida. Com todas as suas implicações. O sagrado e as proibições quotidianas, a criação das imagens e a livre expressão do sonho, a linguagem e a pulsão alucinatória, a festa dos instintos e a acção social, a expansão dos nossos estados de consciência e de subconcsciência colectiva, a gestão política da nossa própria existência, tudo é conciliável 842. E partindo das palavras de Lebel voltamos a lembrar a natureza rizomática da arte fundada na acção seguindo, de novo, Guattari e Deleuze porque o que está em questão no rizoma, é uma relação com a sexualidade, mas também com o animal, com o vegetal, com o 840

J-J Lebel, El Happening, Buenos Aires, 1966, p 101 Id.ibid., p. 100 842 Id.ibid., p.101. 841

281

mundo, com a política, com o livro, com as coisas da natureza e do artificio...: todos os tipos de devir 843.

A mitologia que é possível fundar é a da multiplicidade. Essa que veicula e carrega cada acontecimento e nele de cada acção, definidos como um palco de confluências e conexões, um domínio potencial onde existe a possibilidade de serem alterados e definidos os parâmetros da experiência, das relações com a realidade e consequentemente também da realidade social. Na linha de Artaud,

Lebel

e os demais artistas que assinam o Manifesto de 1966

pretendem a instauração de situações limite geradas da conexão de tudo o que é proibido e excluído da norma – da arte enquanto instituição verificamos, sistemas rizomáticos cujo resultado seja o da revelação da uma ordem de intensidade que permeia toda a experiência, que fluidifica o jogo das repetições nuas e das repetições vestidas.. Ordem essa que afirmam ser, efectivamente, a da vida ela mesma. E lembramos de novo, Yves Klein quando afirmou encontrar na arte como experiência um meio de intensificação da sensibilidade no sentido da revelação de uma ordem subjacente a todas as coisas, ou a ordem universal de indeterminação e acaso que orienta as criações de Cage e do universo musical revelado nos 4’e33’’ ou ainda, a particularidade estética e sensorial adquirida por cada aspecto comum ritualizado num happening de Kaprow, a descoberta do pormaior no pormenor pelos rituais de Albuquerque Mendes, a positividade que se desprende da arquitectura liquida dos Landscaps & Living places, da heteronomia de Miguel Yeco ou o ser sem mim de Manoel Barbosa.

A experiência é, enquanto palco da operacionalização do mecanismo performance,

o

domínio possível do sub-representativo. Do que é vivido no plano da intensidade para lá da representação. Fechamos o ciclo, voltamos ao ponto onde se tornou possível pensar uma relação da arte com o ritual. Falámos da ritualização, ou do recurso ao agir ritualizado no sentido de uma potenciação e revelação, particularmente da qualidade estética e sensível que subjaz toda a realidade. 843

Félix Guattari e Gilles Deleuze, Op.cit., p. 32

282

3. Política da experiência

E na continuidade lógica deste problema, tendo já por base esta noção de uma arte que encontra na experiência

um território experimental e

nela reconhece um poder de

revelação em virtude do seu potencial relacional – de tornar a existência mais consciente, devemos lembrar como naquilo que no final da década de 60 ficou conhecido pela designação de variante viensense do happening 844. Condensado num conjunto de experiências e práticas artísticas cuja órbita se define em torno de um grupo informal de artistas conhecido por Accionismo Vienense (Wiener Aktionismus) 845.

As experiências criadas sob o signo do accionismo significaram não só um palco de confluência das mais vincadas linhas de influência que delimitaram os contornos da

844

Robert Fleck, “ L’actionisme viennois” in Hors limites...,Paris, 1995, pp.196-207, p.197. Constituido por quatro figuras centrais - Otto Muehl (n.1925), Herman Nitsch ( n.1938), Gunter Brus (n.1938) e Rudolf Schwarzkogler (1940-1969), com as quais outros artistas como Alphons Shilling (n.1934) e Adolf Frohner (n.1934) num primeiro momento e um pouco mais tarde Peter Weibel, Valie EXPORT e Otmar Bauer um pouco mais tarde e formando a partir de 1968 aquilo que Robert Fleck in Op.cit., p.200 designa por um neo-accionismo, trabalharam na criação de uma arte fundada na experiência. Não se trata porém de um grupo coerente seguindo um programa e um objectivo, trata-se antes de um circulo de artistas trabalhando sobre o território das possibilidades da arte como experiência tendo como ponto de partida inicial a experiência da pintura informal inclusiva das noções de tempo e espaço em função do gesto ( particularmente influênciados pela Action Painting americana e por George Mathieu). Data do ano de 1962 a acção com a qual é historigráficamente definido o inicio das acções semi-publicas levadas a cabo pelo núcleo inicial de accionistas designada por Orgia de sangue - iniciada a um de Junho desse ano e levada a cabo durante três dias por Otto Muehl, Herman Nitsh e Adolf Frohner no estudio-casa do primeiro. A esta acção é correlativo mas em alguns meses anterior, aquele que é por alguns autores ( nomeadamete por Robert Fleck) considerado o manifesto fundador entitulado Orgia de sangue, lavrado pelos mesmos artistas que levaram a cabo a acção com o mesmo nome, contando com a contribuição de Josef Dvorak. É no entanto a partir de 1963 que os artistas em questão iniciam a apresentação mais sistemática de acções com um carácter semi-público, destinadas a um público limitado, nomeadamente com uma acção de Nitsh e Muehl levada a cabo no apartamento deste em Viena. Data de 1965 a primeira “acção” de Rudolf Shwarzkogler e o momento em que se junta a Nitsh, Muehl e Brus e de 1966 o reconhecimento internacional destes artistas a quando da sua participação no Destruction in art symposium – DIAS (aquando da publicação de um artigo na Times Magazine), que teve lugar em Londres de 31 de Agosto da 30 de Setembro sob a organização do artista Gustav Metzger. Neste grande evento multidisciplinar e internacional criado em torno do tema da destruição na arte participaram cerca de 100 artistas e poetas ( a maioria pioneiros do happening e da poesia concreta) de quinze países distintos. Dois anos mais tarde teve lugar na Universidade de Viena sob o titulo Kunst und Revolution aquela que é tida como a mais importante e controversa acção do grupo antes do seu fim, no início de 1970. Somente Herman Nitsh continuou a trabalhar no domínio da performance no contexto do seu projecto Teatro de orgias e mistérios: Schwarzkogler morrera em 1969, Brus abandona a performance e a utilização do próprio corpo após a realização da Zerreissprobe ( que teve lugar a 19 de Junho de 1970, em Munique) dedicando-se a partir de então a um trabalho exclusivamente pictural e Muehl funda a AAKomunne à qual se dedica enquanto projecto social-artístico. 845

283

operacionalização do mecanismo performance a partir dos últimos anos de 50, como significaram, acima de tudo, uma radicalização destas mesmas. Se foi Lebel quem constatou que depois da action painting não podia haver nada senão ACÇÃO 846, no contexto do accionismo vienense o excesso (ou crueldade se estivessemos a falar de Artaud, o instinto se falássemos de Lebel), a superação do estabelecido e do instituído pela revelação do inconsciente e de um elán que atravessa em intensidade e potência toda a existência cuja possibilidade de ser tocada passa por uma sensibilidade revelada em função de uma atitude ( como o quis mostrar Klein) e cuja presença se efectiva em momentos passíveis de fundarem uma nova ordem de signos (como o explorou Mathieu e o Wienner Gruppe 847), aquiriram fundando-se na acção 848 (como a trouxera Pollock para a pintura) um particular grau de radicalização das potencialidades das representações componentes do mecanismo performance. Esta radicalização assenta na noção de potenciação de que é dotada toda acção, ou sequência empreendida pela activação do mecanismo performance, se utilizarmos termos que já nos são familiares. O que os accionistas defenderam e puseram em prática, foi o entendimento de que a acção enquadrada funciona como forma de potenciação da intensidade das experiências envolvidas e decorrentes da operacionalização do mecanismo performance, definindo situações que sendo acerca da

exploração e

846

interpretação da própria

existência –

Jean-Jacques Lebel, El Happening, Buenos Aires, 1966, p. 27. H. Klocker (autor responsável por um exaustivo estudo do accionismo vienense consignado no catálogo Wiener Aktionismus/Wien 1960-1961, Klagenfurt, 1989) no seu artigo “Gesture and the object: liberation as aktion..” in Out of actions.., p.159-225, afirma que os antecedentes directos da vanguarda artística vienense do segundo pós- guerra encontram os seus antecedentes naquele que afirma ser o primeiro movimento modernista verdadeiramente austriaco: o Wiene Gruppe. Formado em torno de 1952 em Viena, este grupo levou a cabo um trabalho literário essencialmente versado sobre uma crítica à arte enquanto representação o que conduziu a experiências no sentido da performatividade. Dos cabarets literários realizados a partir de 1957, dois tiveram um particular relevo e influência sobre a nova geração de artistas vienenses do pós-guerra, nomeadamente sobre aqueles que vieram a integrar o núcleo inicial do accionismo vienense: o de 6 de Dezembro de 1958 e o de 15 de Abril de 1959. Segundo Robert Fleck no seu artigo “ L’Accionisme Viennois” in Op.cit., p.196-206, p.203, estes pre-happenings, como os designa, têm as suas raizes no surrealismo françês e particularmente na obra de Antonin Artaud. Como referências, lembra ainda Kloker, os poetas do Wienner Gruppe - Friedrich Achleitner, Konrad Bayer, Gerard Rhum e Oswald Wiener, tiveram essencialmente o criticismo da linguagem praticado por Witgenstein e W. Kreis. 848 Os artistas que formam o núcleo inicial do que foi posteriomente chamado accionismo vienense iniciam a exploração da acção na arte a partir de uma tomada de consciência do gesto e da experiência na pintura, nomeadamente a partir de uma pintura de acção particularmente influenciada quer pela Action Painting americana quer por George Mathieu. Este último pintor exerceu uma particular influência sobre estes artistas, como atrás já o referimos, em virtude do contacto directo com a sua obra por ocasião, no ano de 1958, de uma performance pictural de Mathieu em Viena. 847

284

procuram a superação da repressão exercida pelos mecanismos morais e sociais e, libertando o domínio inconsciente e tornando a própria existência mais consciente da sua própria complexidade 849. Nada que não tenhamos já abordado ao longo desta reflexão.

Mas agora a noção da experiência e confronto implicadas no acto criativo – a tela como arena, é sublinhada e potenciada não só em virtude do alargamento do acto da criação e inscrição plástica ao espaço tridimensional ( como o explorara já Kaprow e depois Lebel), ao envolvimento de um público, mas também e particularmente em virtude de uma particular consciência da matéria envolvida 850. Partindo do envolvimento físico por meio da acção na pintura, estes artistas vienenses trouxeram para arena o corpo - simultaneamente enquanto superfície de inscrição pictórica como enquanto domínio experimental em virtude das suas qualidades sensoriais e sensíveis. Aos materiais é dada uma qualidade de intensidade, apenas determinável em qualidade sensível – definida em função da sua relação com os sentidos. Para lá da action painting do expressionismo abstracto americano do pós-guerra, e integrando no processo accionista o corpo do artista, outros corpos, bens de consumo e “materiais originaires” como o sangue e a merda, eles (accionistas vienenses) nivelam e reduzem o corpo humano, a sua substância e o universo de consumo a um material

de novas possibilidades

expressivas e segundo as influências surrealistas e pós-freudianas, conduzem o agir do artista e dos participantes até ao excesso original (Nitsch) – converter da repressão sexual em criatividade 851. O corpo inscrito na acção no todo do processo criativo torna-se o meio no sentido de uma ordem outra intensidade

852

superfície sensorial e território de exploração de

.

849

Nistch in Lórán Hegyi e Pia Járdi, Op. cit., p.39 É em virtude desta importância dada à dimensão material no acto criativo que Otto Muehl vai forjar o termo materialaktion - a acção-material. 851 Robert Fleck, Op.cit., p. 202. 852 Torna-se pertinente lembrar como a artista americana Carolee Schneemann (n.1939), inclui também, nestes primeiros anos de 60 o corpo nas suas obras. Data de 1963 sua obra Eye Body – um environment criado no espaço do seu atelier no qual se inclui nua, cobrindo-se sucessivamente com diversos materiais e objectos consoante as “transformações fisicas” que desempenha e que são fotografadas. Seis meses mais tarde Schneemann cria Meat Joy que designou por uma celebração da carne e do material onde modelos femininos e masculinos se envolveram de forma intensa entre si, com peixes mortos, carne, gordura, plástico, tinta, corda e papel numa justaposição de formas e materiais cuidadosamente coreografada, no senetido da exploração da carne como material de trabalho. Meat Joy aconteceu também na Europa, em 1964 em Paris no Festival de Livre Expressão organizado por Lebel e no Dennison Hall de Londres. 850

285

O corpo torna-se ele mesmo o objecto da política da experiência (Politik der Erfahrung) 853 - fundada no acto como gerador do sentido com o objectivo único da definição de uma consciência e de uma consequente forma de vida emancipadas 854, ou ainda um meio no sentido da revelação de uma conscencialização da experiência e da existência em virtude da radicalização da experiência sensorial.

Certo é que não é possivel alinhar as experiências geradas em torno deste núcleo de artistas – Otto Muehl (n.1925), Gunter Brus (n.1938), Herman Nitsch (n.1938), Rudolf Schwarzkogler (1940-1969), Adolf Frohner (n.1934) e Alphons Schilling (n.1934) que enquanto grupo se assume como uma colecção de experiências artísticas demarcadamente individuais 855 numa caracterização ou sob o signo de um vector programático único. No entanto, foi sobre essa linha comum da experimentação sobre o território do agir no sentido de uma

arte tida

enquanto experiência renovadora, catalizadora e catársica,

terapeutica e reveladora sob o signo do que é extremo e excessivo, que encontraram um domínio de exploração plástica, artística e existencial comum. Trata-se efectivamente de uma cartografia de territórios cartografados em função da submissão do sistema perceptivo, bem como das estruturas morais e conceptuais à transgressão gerada do excesso.

De um modo muito particular Herman Nitsch, para quem a arte é um veiculo de interiorização da experiência da existência 856 , conotou as suas obras com um universo festivo/orgiástico referenciado a uma noção dionisíaca da experiência artística como 853

Cfr. H. Kloker, Op.cit., p.168 A radicalização desta ideia foi levada a cabo por Otto Muehl quando no ano de 1970 funda a AAKommune, no sentido da exploração das possibilidades de uma forma de existência social fundada numa acção dotada de uma consciência particular baseada no principio da liberdade sexual, vivida fora dos parâmetros burgueses da familia nuclear e do casal heterosexual bem como da repressão própria da sociedade capitalista exercida sobre as expressões originais da vida, particularmente sobre a sexualidade. Tida assim como um elemento chave na definição de uma ordem social outra onde partindo a arte, a sexualidade, diz-nos Robert Fleck no seu artigo “L’Actionnisme Viennois” in Hors limites...,Paris, 1995, p.201, define-se para Muehl, quer na sua arte que no seu projecto social ( levado a cabo na comunidade em questão) como um meio, um elemento chave de eficácia revolucionária da arte, realizando o postulado da vanguarda dos anos 60: a união da arte com a vida. 855 Dieter Schrage, “The Vienna Group (Wiener aktionismus). Notes on Its origin, Beginning and End” in Vanished Paths, Crisis of representation and destrution of the arts at the end of the century, Milão, 2000, pp.223-229, p.228. 856 Herman Nitsch in Lóránd Hegyi e Pia Jardí, “Entrevista com Hermann Nitsch – Orgías y mistérios” in Lapiz, nº138, Madrid, Dezembro 1997,pp.31-39, p.35 854

286

reveladora, evocando um estado inicial das coisas através da experiência da destruição e do excesso, associados também ao erotismo 857. A noção de festa é utilizada no sentido do fenómeno integrador dos excessos proibidos enquanto própria

experiência do proibido, o lugar da transgressão integrada na vida no

sentido da criação da possibilidade de uma relação com uma ordem outra - de totalidade, (ou de absoluto poderíamos nós dizer na linha de Steiner), particularmente no ritual inclui 858. Mas não é uma noção exclusiva. Cage aproximar-se-á desta também. De acordo com este, a festa é o momento de multiplicidade

de experiências, implica o envolvimento e a

participação, desenvolve-se num espaço onde o corpo se integra, num acontecimento de natureza particular - enquadramento de um conjunto de experiências 859. Como Ernesto a entendeu, próximo de Filliou.

Voltando a Nitsh, o está em questão é, de novo, a noção de que a arte que opera um papel mediador em virtude de uma coincidencia em intensidade na experiência, de uma ordem de absoluto. O que Nitsch designou por totalidade e cuja natureza é, por sua vez, também e como o diz, intensidade. E intensidade é totalidade e a revelação da totalidade, representada no excesso sob a forma de ritual, provoca um sentimento de união com o imortal 860, diz. Adquirida, precisamente, em função de uma intensificação de todos os sentidos em virtude do excesso e da transgressão que crê conduzir a um estado particular que implica, por sua vez,

por via da intensificação da experiência no excesso e na

transgressão, uma interiorização e compreensão da mesma. 857

Particularmente no contexto do que definiu por Teatro de Orgias e Mistérios, a obra onde se supera o teatro mimético sentido da experiência das realidades evocadas, onde todos os sentidos devem ser implicados na experiência do excesso, da euforia, a fadiga e a intensidade de todos os sentidos (H. Nitsch, in Lórand Hegyi e Pia Jardí, Op.cit, p.39), vivida numa combinação de referências aos mistérios medievais da Paixão, Procissões, rituais de fertilidade e uma fortissima consciência plástica de todos os materiais e formas empregues, incluindo estes sangue, carcassas de animais e dejectos. 858 Num artigo entitulado “ La vigencia oculta de la performance” in Lapiz, nº132, Madrid, Maio 1997, pp.14 –23, assinado por David G. Torres é discutida a dimensão ritual das performances levadas a cabo pelos accionistas vienenses, apontada como uma teatralização, um simulacro de ritual, p. 15 assente sobre estereotipos cuja função se anula na sua efectivação. Certo é que teriamos de dar particular atenção aos argumentos avançados neste artigo se tivessemos em conta que estamos em presença, não de um ritual mas de uma ritualização enquanto dispositivo artístico de potenciação e enquadramento, como o tivemos oportunidade de verificar num dos primeiros pontos desta reflexão. 859 Particularmente Cfr. Llorenç Barber, John Cage, Madrid, 1985, p. 65. 860 Hermann Nitsch, in Lóránd Hegyi e Pia Jardí, Op.cit., p. 35.

287

Nitsch não nega a dimensão religiosa (lembremos o significado de religare) da sua arte creio, diz, que o pensamento religioso muda permanentemente na história e na minha obra converte-se numa atitude filosófica de tentar interpretar a experiência da existência e torná-la mais consciente 861.

A tomada de consciência da experiência por meio da própria experiência radicalizada em função do excesso no sentido da superação da convencionalidade e dos limites instituídos, como a preconizara Artaud ao evocar a necessidade de um teatro da crueldade e como o puseram em prática Lebel e o Living Theatre, e assumiu a sua feição mais efectiva nas experiências do grupo vienense, particularmente em função da violentação dos conceitos e dos sentidos em virtude da inclusão do próprio corpo como material num conflito tensional ( na arena de que falou Rosenberg) onde destruição e o risco são dimensões presentes e próprias, como em qualquer conflito e neste caso, deste enquanto criação.

A noção de destruição enquanto estratégia criativa, particularmente a destruição da ordem da aparência e dos valores e formas instituídos no sentido da expressão e revelação de uma ordem outra vivida no plano de uma particular consciência gerada em virtude da intensidade da experiência, atitude que se tem mostrado como inerente aos conceitos que temos vindo a analisar e que analisamos de forma particular no domínio da crueldade em Artaud, assumiu uma particular feição na obra do alemão Wolf Vostell (1932-1998). E nesse particular

juntar de artistas experimentais 862

em que consistiu aquilo que

corresponde o Fluxus, no qual este teve, particularmente na sua expressão europeia, um papel decisivo 863.

861

Id.ibid., p.34 Dick Higgins, “ Fluxus:Theory and Reception” in Ken Friedman (ed.), The Fluxus reader, West Sussex, 1998, pp.217-....., p.224. 863 Vostell foi uma das personalidades envolvidas no primeiro Festival Fluxus europeu que teve lugar em Weisbaden em Setembro de 1962 sob a forma de 14 “concertos”, juntamente com George Maciunas (19311978) e Nam June Paik (n. 1932). Vostell foi também responsável pelo boletim onde foram publicados textos de vários artistas, particularmente de artistas alinhados pelas propostas do fluxus, sendo por isso que foi frequentemente considerado o boletim fluxus : Dé-coll/age: Bulletin aktueller Ideen (Dé-coll/age: boletim de ideias actuais) de 1962 a 1967. 862

288

Autor da equação - arte = vida; vida = arte 864, na qual está implicita a coincidência da arte com toda a realidade experienciada, será sob o signo de um conceito que se define como um principio, que Vostell chega à definição de uma arte capaz de operar esta coincidência. Aquando do esclarecimento dos contornos e parâmetros sobre os quais, artística e conceptualmente,

se funda a

génese da

fórmula happening,

verificámos que ao

alargamento ao ponto da coincidência, do espaço pictórico e conceptual do que é arte a toda a realidade – o processo histórico de expansão, presidiram um conjunto de conceitos e práticas que legitimaram essa abertura e operaram essa expansão. Conceitos e práticas estes, associados e significando experiências plásticas de teor radical – como a colagem, Merz e o ready-made, aos quais a action painting pela prática do automatismo surrealista, acrescentou o tempo e corpo por via da acção, o inconsciente e o domínio psíquico, e John Cage por via da música a inclusão de tudo o que faz parte da vida no território da arte, até mesmo, a indeterminação e o acaso.

Vimos também que a génese do happening se funda numa confluência particular da técnica da colagem com a experiência - a colagem de fragmentos de natureza e qualidade distinta – unidade constituída de multiplicidade, conectados sobre

o tecido

indeterminado da

experiência, onde a realidade do que é estético é veiculado em intensidade: aquilo que Kaprow chamou a técnica da acção-colagem. Esta que consiste na aplicação do estado merz a diversos objectos/situações ready-made nos quais se incluem, acções, pessoas, participantes-também-eles-criadores, definindo-os como mutiplicidades conectáveis num sistema outro - o happening- também ele definido como uma multiplicidade conectável no curso da própria existência, assim inscrito na biografia de cada um nele implicado, como um acontecimento. Algo que simplesmente acontece. 3. dé/coll-age

Partindo da prática pictórica Kaprow chega à acção-colagem, partindo da impressão Vostell chega à definição da acção

dé/coll-age 865. Ambos operam, por via destas, a

coincidência da arte com a realidade na experiência. 864

Wolf Vostell citado por Françoise Woitmant e Anne Moeglin-Delcroix, Wolf Vostell – estampes et affiches, Paris, 1982, p.17.

289

Ao conceito dé-coll/age corresponde uma dialética: a da criação pela destruição ou pela supressão. Trata-se efectivamente da imagem em negativo do principio de adição inerente à colagem – partindo da subtração Vostell encontra um universo de realidades ready-made sujacentes à superficie aparente. A colagem acrescenta e integra, a descolagem opera pela desintegração e subtração, a revelação. No limite, trata-se, efectivamente, do mesmo princípio utilizado por Cage nos 4’ e 33”. Pela supressão da musica convencional Cage revelou a música que subjaz toda a realidade ( que está presente mas à qual não atendemos, pois, como vimos, não existem senão sons a serem organizados), pela supressão das camadas de imagens de cartazes Vostell encontra um novo domínio de revelação plástica. Ademais, ao próprio acto de descolar é dada uma importância semelhante à do resultado plástico. Importância da acção, importância do gesto. Partindo da negação de um principio de adição, a descolagem inclui um duplo sentido, como o podemos verificar: o negativo da fragmentação e da dissociação, e o positivo – da criação e transformação, no limite, da revelação do que está subjacente. A décoll/age (assim escrita) é essa operação pela qual o artista encontra na realidade a matéria e o conteúdo da sua arte revelada por esse trabalho de rasgamento, a rasgadura constitutiva do real 866. Não tivesse sido forjado este conceito (visto por Vostell no Le Figaro de 6 de Setembro de 1954 em Paris) 867 a partir do termo usado para o descolar seguido de imediata queda de um avião 868. Dividindo a palavra em silabas, diz Kristine Stiles, para enfatizar tanto a diferença e continuidade do processo criativo e destrutivo (“coll” para collage, ou contrução, e “dé” para desassembly ou descontrução), Vostell empregou o termo como um pricipio sintetisador para a dialética construtiva/destrutiva da 865

Segundo Kristine Stiles o termo décollage ( que é diferente do termo de Vostell dé-coll/age) figurou pela primeira vez impresso no Dictionnaire abrégé du surrealisme em 1938. Este processo também foi utilizado e sistemáticamente apartir dos primeiros anos da década de 50 por um grupo de artistas – particularmente Raymond Hains (...) Jacques de la Villèglé (n.1926), François Dufrêne (n.1930) e Mimo Rotella que o aplicaram, de igual modo a cartazes de rua, colados uns sobre os outros. É nesta medida que são referênciados por Affichistes e as suas obras por affiches lacérées. No artigo “L’affiche laceree: ses sucessives immixtions dans les arts” in Leonardo, nº 1, Vol.2, Janeiro 1969, pp.33-44, Jacques de la Villeglé define o percurso da décollage na arte do século XX, à luz de dois princípios fundamentais: o acto criativo sob o signo da não premeditação e a noção de obra como descoberta. Nestes está implicita a recusa de toda e qualquer distinção valorativa entre objecto criado e objeto encontrado, o affichiste que rasga um cartaz, mesmo sem intenção estética, revela uma obra e o aspecto notável, refere, é que o faz sem recorrer à reprodução nem à nulle autre bâtarde trnasposition (p.33) 866 Francois Woitmant e Anne Moeglin-Delcroix, Op.cit., p. 18. 867 Cfr. Paul Schimmel, Op.cit. 868 Segundo Kristine Stiles, “Uncorrupetd joy...” in Out of actions.., Los Angeles, 1998, p.275, foi visto Le Figaro, em Paris no ano de 1954,

290

epistemologia ocidental, e como o principio definidor da sua arte 869. Na dé-coll/age está implicita um princípio de intervenção, de acção – uma acção de arte 870 que revela a arte inerente à realidade aparente. A realidade revelada, no processo de descolagem, independentemente das particularidades definidas no conceito de Vostell,

mostra a

natureza fragmentária da representação, diz Kristine Stiles. E por isso mesmo, continua Stiles, a descolagem representa uma prática socialemente comprometida. Diferentemente da unificação de materiais dispares na colagem, a partir da qual derivou, a descolagem é desconstrutiva e histórica, um processo arqueológico desmascarando a relação sequencial, continua de imagens e acontecimentos aparentemente dissociados 871 Desta arte na rua – uma acção exercida sobre os cartazes nas paredes e que enquanto acção tem a mesma importância que o resultado estético obtido, a uma arte que toma o espaço das ruas por via da sua concidência com a experiência em geral, foi um passo. E esta passagem, da realidade pictórica à realidade experiêncial reveladas – do cartaz à happening teve como particular catalizador a experiência americana e europeia, de carácter internacional tida como uma atitude ou uma tendência ( ou também segundo George Maciunas uma fusão de Spike Jones, gags, jogos, vaudeville, Cage e Duchamp) 872 e sem limites fixos, a herdeira, numa linha de sucessão directa, de Duchamp e de Cage: o Fluxus 873. Partindo do

principio de destruição inerente à dé-coll/age, enquanto um

869

Id.ibid., p.275 in “Wolf Vostell” in Wolf Vostell – concerto Fluxus, Jardim das Delícias, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1985, s.p.. 871 Kristine Stiles, “ Décollage” in Jane Turner (ed.), The Dictionary of Art, Vol.8, Londres, Nova Iorque, 1996, pp. 608-609, p.608. 872 Dick Higgins, Op. cit., p.226. 873 Por acasião de uma das ecléticas e multidisciplinares soirées organizadas por George Maciunas ( 19311978) na sua Galeria AG em Nova Iorque entre 14 Março e 30 de Junho de 1961, foi forjado o nome fluxus para o projecto de uma revista com a finalidade de publicar peças de artistas de vanguarda. Em torno de Maciunas, de alguns dos participantes destas soirées e do termo fluxus, definiu-se aquilo que no artigo de Dick Higgins (1938-1998), “Fluxus: Theory and Reception” in Ken Friedman (ed.), The Fluxus reader, West sussex, 1998, pp.19-.....”, este artista define como um fenómeno de natureza mais ou menos espontânea que surgiu em varios países como um juntar de artistas experimentais, isto é, de artistas que não estavam interessados em fazer o que todos os outros artistas estavam a fazer no momento p.224. Segundo D. Higgins fluxus não condensa um movimento artístico ou momento histórico mas sim um modo de fazer as coisas. Não tendo por isso qualquer programa sendo, no entanto, possivel definir algumas características comuns aos trabalhos fluxus: 1. Internacionalismo, 2.experimentalismo e iconoclastia,3.intermédia, 4.minimalismo ou concentração, 5. A tentativa de uma resolução da dicotomia arte/vida, 6. Implicação 7. Utilização de gags, 8. Efemeridade, 9. Especificidade p.224. Segundo Charles Dreyfus in “ Fluxus, circulez y a rien à voir!” in Hors Limites..., pp. 158-169, p.165, os objectivos de G. Maciunas para o fluxus são de natureza social, mais do que de ordem estética, definindo os parâmetros de uma determinada forma de existência cujos pilares deveriam ser a alegria da modéstia e a reconstrução política da cultura. É nesta medida que no Manifesto Fluxus – Fluxmanifesto or fluxamusement-vaudeville art? In Art amusement de Maciunas, datado de 1965, 870

291

principio de intervenção consciente e simultâneamente definidora de um novo enquadramento, Vostell encontra por via da experiência toda a realiade como um território ilimitado de revelação à sensibilidade. À atitude Fluxus que se define basicamente, diz Vostell, por uma pretensão de valorizar a vida sob esse intento de transformar as coisas da vida e do homem, aparentemente indignas da arte, em objectos de arte em virtude da inclusão e implicação de todos os sentidos e possíveis conexões a estabelecer a um dado momento dado à sensibilidade por via da experiência, este traz a destruição como forma de potenciação e revelação em intensidade, da experiência e da vida. Radical inclusão, no limite é a teoria de Cage (da inclusão) que é aqui aplicada, incluindo a possibilidade da destruição como processo criativo. E por meio desta, por via do conceito de dé-coll/age Vostell afirma que a minha contribuição para o “fluxus” é a extensão do conceito de vida. A vida toma um novo sentido quando consciensiosamente composta e trabalhada 874. Porque envolve a consciência dos processos que a formam e definem e, um dos objectivos do meu trabalho, lembra Vostell, é o de torná-lo notado o que

quer dizer atrair as atenções para a penetração no verdadeiro âmago dos

processos 875 cujo resultado é, afirma, uma estética que se define para lá da aparência das coisas, do que é a manifestação de superfície, essa estética onde é se revela o maravilhoso.

este reinvindica uma posição social correlativa à atitude de quem assume a atitude fluxus: não profissionalização do artista, não parasitismo, ausência do estatuto de artista e a sua qualidade dispensável, e uma arte que se defina na não depêndencia de uma audiência consistindo em divertimento simples. Entrevistado por Larry Miller, G. Maciunas in Ken Friedman (ed.) Op. cit., este afirma que na base da atitude fluxus estão John Cage e Marcel Duchamp, como percursores e legitimadores desta atitude. Na Europa, foi em torno da Musica-acção e das iniciativas levadas a cabo no estudio da pintora Mary Bauermeister (que se tornou esposa de K. Stockhausen em 1967) em Colónia em 1960, que se iniciou a dinâmica cuja natural continuidade tomou forma nos festivais Fluxus acontecidos sob o nome Festa Fluxorum tendo sido em Weisbaden, também na Alemanha e em Setembro de 1962, incluindo Alison Knowles (n.1933), Dick Higgins (n.1938), Nam Jun Paik (n.1932), George Maciunas, Welin e Vostell, entre outros. A este seguiram-se outros em Amesterdão, Londres, Colónia, Copenhaga, Paris, Dusseldorf, Estocolmo, Oslo, Copenhaga, de novo Amesterdão e finalmente em Nice. Diferenciando o Fluxus europeu do fluxus americano D. Higgins afirma ainda, no artigo acima citado, que os europeus têm tendencia para fazer os seus trabalhos fluxus no contexto de festivais, enquanto que os americanos tendem a deixar as situações quotidianas predominar (p.233). No entanto, apartir de 1964, após o regresso de Maciunas da Europa, foram realizados alguns eventos-fluxus em Nova Iorque: Fluxhall, e particularmente o Perpetual Fluxus Festival que abriu na Washington Square Gallery no Outono de 1964, concebido como um evento para durar um ano. 874 Wolf Vostell, “ Fluxus” in Wolf Vostell, Concerto Fluxus Jardim das Delícias, (Fluxus-ópera, Performances, Diálogo sobre Arte Contemporânea, , Lisboa, 1985.sp. 875 Id.ibid. sp.

292

Responsável pela realização do primeiro happening na Alemanha 876, Vostell foi também uma das personalidades centrais no Fluxus, responsável pela sua génese na Europa e editor do boletin fluxus: dé-coll/age:Bulletin Aktuellen Ideen (1962-1969), criado com o intuito de publicar textos de artistas centrados na experimentação de uma arte que se define como um ataque contra os limites da livre-expressão e essencialmente, contra estúpidas ideias instituídas 877.

O Fluxus significou a definição de um sistema relacional internacional definido sobre uma atitude experimental que extravasa o domínio artístico no sentido dos parâmetros da organização social e limites da existência quotidiana. Herdeiro directo de John Cage, de Marcel Duchamp e do contexto artístico americano herdeiro, por sua vez, das experiências da Black Mountain College, testemunha como palco de confluência e lugar de múltiplas experiências a dinâmica e o elán que atravessou diametralmente a década de 60 sob o signo de uma arte coincidente com a vida. Acerca do fluxus falámos também de Filliou e de Serge III, falámos da sua expressão espanhola no grupo Zaj e dos seus eteceteras. Referimos o artigo de Ernesto de Sousa. E no sistema relacional em que se integram os nomes e as situações enunciadas incluem Portugal e experiências portuguesas, definem e conectam as linhas de abertura desenhadas no sentido do palco internacional e da década de 80, geradas de singulares focos de intensidade, marcos de um processo de expansão operacionalizado pelo mecanismo performance,

cuja tradução na história da arte

portuguesa se desenha da verbivovovisualidade ao poético performativo, da musica à organização sonora, do Porto de 1974 a Paris de 1979.

876

Certo é que data do ano de 1958 o que Vostell definiu como uma acção dé-coll/age em grande escala, designada por Teatro na Rua (Das theater ist auf des Strasse II) tendo como objectivo a tomada de consciência de todos os acidentes de carro ocorridos num determinado lugar e que poderia ser levado a cabo por qualquer pessoa que seguisse o score. Consistindo na construção de uma escultura com destrços resultantes de um acidente de carro numa rua ou cruzamento. É no entanto, em 14 de Setembro de 1963 que realiza uma primeira acção de natureza mais complexa de nome Nein-9-dé-coll/agen, definida como um happening em 9 partes, realizado partindo da Galeria Parnass em Wuppertal este implicou que , segundo a descrição de Paul Schimmel in Op.cit., p. 80, os participantes de definissem como testemunhas mantidas cativas num autocarro que os transportou por nove diferentes sitios na cidade. Entre as 16 horas e as 22 horas estes viram um filme, a lavagem de um carro, a garagem de uma fábrica, e o choque de uma locomotiva contra um carro a 130 kilometros por hora. 877 Wolf Vostell, “Fluxus” in Op.cit., sp.

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INDICE ONOMÁSTICO

A

Abílio, José Santos - 160, 161, 188, 222, 235, 244 Abramovich, Marina - 188 Achleitner, Friedrich - 269 Acconci, Vitto - 41 Afonso, Nadir - 190, 222, 225, 244 Afonso, Manuel João - 181 Agamben, Giorgio - 80 Aguiar, Fernando - 45, 188, 189, 259 Aguiar, Maria José - 181 Alexandre Regina - 206 Al-Farid, Ibn - 1 Alfredo, José - 219 Allanzio - 261 Almeida, Helena - 176, 178, 180, 204 Alocco, Marcel - 222 Álvaro, Egídio 7, 8, 121, 122, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 138, 144,150,151, 161, 167, 170, 176, 187, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 203, 205, 206, 207, 208, 210, 211, 212, 213, 216 , 217, 219, 224, 226, 230, 236, 237, 248, 249, 255, 256, 258, 259. Alves, António - 181 Alves, Dario - 181, 211, 222, 244, Alves, Armando - 91, 162, 180, 181, 204 Alves, Isabel - 49, 123, 124, 126, 128, 129 Alves, Justino - 190 Alvess - 206, 237, 238, 239 Ançã, Fernando - 178 Andrews, George - 211, 261 Aragão, António - 86, 154,155,157,164 Archer, Michael, Areal, António - 180, 181, 222 Arp, Hans - 70

309

Artaud, Antonin 5, 10, 15, 16, 19, 26, 51, 67, 101, 105, 106, 110, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 125, 262, 263, 267, 269, 272 Assunção, Manuel da - 160, 161 Auge, Marc - 19 Aurélio, José - 9, 138, 153, 179, 180, 181, 204 Auslander, Philip -19 Avelãs, A. - 242 Ávila, Maria de Jesus - 8, 137, 140, 142 Azevedo Armando - 183, 184, 185, 187, 189, 211, 217, 219, 222, 233, 234, 237, 244, 245 Azevedo, Fernando - 140, 190 Azoulay, Dan - 207

B

Baader - 105 Babou - 206 Bain - 225 Ball, Hugo - 105 Baptista Manuel - 180, 190 Baptista, Hélder - 204, 244, 192, 205 Barahona da Fonseca, António - 155 Barber, Llorenç - 67, 70, 272 Barbosa, Manoel- 7, 40, 95, 120, 122, 137, 181,187,188,189, 233, 237, 249, 250, 258, 267 Barce, Ramón - 89 Barreira, Carlos - 181, 206, 207, 222 Barrias, José - 187 Barrio, Artur - 213, 214, 215, 216, 222 Barroco, Carlos - 244, 246 Barros, António - 178, 183, 189, 219, 222, 245, Bastos, Gustavo - 181 Bataille, Georges - 3 Battcock, Gregory - 38, 39, 41 Bayer, Konrad - 269 Bauer, Otmar - 268 Bauermeister, Mary - 276 Bausbaum, Ricardo - 216 Bear, David - 167 Beck, Julian - 219, 239, 240

310

Becket, Samuel - 48 Belém, Vitor - 222 Ben - 203, 260 Beneh - 146 Benezra, Neal - 32 Berrocal Jacques - 244 Bertholo, René - 150, 171, 180, 205 Bery, A. - 90 Beuys, Joseph - 34, 125, 181, 182, 183, 190, 220, 260, Bloch, Dany - 190 Boelen, Olivier - 260 Boulez, Pierre - 64, 83, 90 Boyle, Mark - 261 Bozzi, Robert - 261 Bragança de Miranda - 3, 31 Bragança, Júlio - 181 Brandão, Raúl - 91 Braque, Georges - 52 Brazon Brock - 261 Brecht, Georges - 44, 67 Bretano, Robyn - 39, 92 Breton, André 105 Brito J. - 205 Brito, Manuel de - 153 Brun, Claudette - 253 Brus Gunter -271 Bruyn, Lex de - 260 Bryson; S. - 24 Bual, A.- 244 Buarque, Irene - 178 Burger, Peter - 7, 73, 74, 76 Burmester Gerardo - 187, 188, 189, 222, 230, 233 Burroughs, William - 52, 106

C

Cabanne, Pierre - 25, 31, 34, 52, 64, 72 Cabrita, Dulce - 181

311

Caetano, Marcello - 146, 179, 181, 182, Cage, John - 29, 34, 40, 41, 44, 49, 50, 51, 52, 55, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 84, 89, 90, 99, 100, 106, 111, 156, 157, 158, 247, 272, 273, 275, 276, 277 Calhau, Fernando - 176, 178, 190 Calvet, Carlos - 180, 181 Cameron, Shirley - 193, 195, 196, 199, 200, 201, 222, 230, 231, 232, 246, 247, 249. Campos, Augusto de - 85 Campos Haroldo de - 85 Canário - 181 Candeias, Gracinda - 190, 258 Candido, José - 181 Capdville, Constança - 84, 181 Cargaleiro, Manuel - 161, 190 Carlson, Marvin - 37, 41, 42, 43, 51, 135 Carneiro, Alberto - 170, 176, 178, 180, 181, 183, 184, 193, 221. Caro, Anthony - 200 Carreiro Carlos - 211, 222 Carter Angela - 199, 241, 246, 247, 254, 255. Carus, Paul - 68 Carvalho, José - 178, 190, 205 Cassuto, Álvaro - 84 Castro, Lourdes - 150, 176, 180, 181 Castro, Manuel de - 171 Cavalcanti, Gilberto - 18, 23 Caveney, Graham - 52 Cernovich, Nick - 66 Cerveira Pinto - 178 Charles, Daniel - 89 Charles, Jean- Pierre - 260 Charrua, António - 190 Chicó, Silvia 8, 137, 150, 151 Christo - 180 Colher, Adelaide - 190, 259 Conduto, José -178, 180, 204 Copeau, Jacques - 19 Correia, Natividade - 181, 222, 244 Corso, Gregory - 104, 106 Costa Pinheiro - 150, 180

312

Costa Pinto, António - 148 Costa, António - 105 Costa, Vasco - 190 Cottingham, Laura - 252, 253 Couceiro, Gonçalo - 8, 152, 204, 205, 206 Counsell, Colin - 21 Crary, Jonathan - 13 Crow, Thomas - 44 Cruz, Maria Teresa - 2, 3, 141, 180 Cruzeiro Seixas - 244 Cunha e Silva, Paulo - 61, 74, 78, 79 Cunningham, Merce - 66 Curtiss, Thomas - 101 Cutileiro, João - 180, 204

D

D´Agro, Dulce - 190 D'Arquian, Maurice - 100 DaRocha, Luís - 193, 195, 196, 206, 222, 225, 237, 238, 244 Dallier Aline - 252, 253 Damion, Hortense - 222 Danto, Artur C. - 32 Darocha, Luís - 193, 195, 196, 206, 222, 225, 237, 238, 244 David, John - 167 De Fillipi - 247 Deblé, Colette - 253 Debussy - 90 Delaunay, Jacqueline - 253 Deleuze, Gilles 4, 5, 10, 11, 12, 13, 16, 17, 24, 26, 72, 107, 108, 109, 110, 265, 267 Delgado, Isabel - 219 Deloche, Pierre - 244 Deodato Pino - 222 Desdays, Daniel - 244 Dewey, John - 32 Dias António - 222 Dias Santos - 235 Dine, Jim - 67, 80

313

Dixo, João - 170, 183, 187, 189, 193, 205, 206, 207, 210, 211, 221, 222, 225, 234, 244. Dixo de Sousa, Julieta - 255 Doctores Marcio - 215 Domingues, Vírgilio - 205 Dona Angelo - 206 Donguy, Jacques - 41, 42, 233 Dourdil, Luis - 205 Dreyfus, Charles - 276 Dubuffet, Jean- 53 Duchamp, Marcel - 25, 31, 32, 33, 34, 70, 71, 105, 125, 126, 128 210, 218, 275, 277 Duchêne - 225 Dufrene, Francois - 275 Durkheim, Emile - 19, 21 Duve, Thierry de - 32 Dvorak, Joseph - 269

E

Eco, Umberto - 128 Ederfield, John - 53 Eliade, Mircea - 20, 36 Eliet, Francoise - 253 Emereciano - 161 Ernest, Max - 51, 57, 60 Escada., José - 150, 161, 166, 168, 171, 180 Espiga Pinto, J. - 163, 169, 170, 180, 181, 204, 106, 222 Evans, David - 205 EXPORT, Valie - 268

F

Fabião José - 190 Fahstrom, Oyvind - 103 Falcão Alexandre - 181 Falcão Mário - 155, 157 Fernandes, João - 8, 120, 121, 139, 148, 160, 162, 166, 174 Ferrando, Bartolomé - 36 Ferreira, Carlos - 235

314

Ferreira de Castro, Paulo - 8, 82, 83, 84, 85 Jaime, Ferreira - 203, 205,212, 233, 235 Ferreira, Lisa Chaves - 222, 225 Ferrer, Ester - 89 Filliou, Robert - 44, 71, 126, 185, 186, 221, 245, 272, 277 Fiore, Quentin - 70 Fischer, Hervé - 222, 226 Fiz, Simón Márchan - 59 Fleck, Robert - 268, 270, 271, Forest, Fred - 222, 226, 227, 228, 229 Forman, Emil - 222 Fortes, Victor - 222, 225 Fortuna, Manuela - 189 Foster, Hal - 74 França, José Augusto - 81, 82, 89, 90, 91, 92, 93, 97, 98, 137, 144, 147, 148, 150, 165, 175, 208 Francis, Sam - 56 Franco, Carlos - 181 Freitas Branco, João de - 145 Freitas, Maria Helena de - 8, 91, 92, 120, 178, 186, 220 Freitas Yole de - 222 Friedman, Ken - 45, 46, 177, 272, 275 Frohner Adolf - 268, 271 Frydmanm, Monique - 253

G

Gabás Pallas y Jesús, Raúl 77 Gabriel, Maria - 244 Gaggi, Silvio - 47 Galy-Charles, Henry - 144 Gancedo, Teresa - 222, 244 Garcia-Severo - 222 Gaspar, Rodrigo - 181 Gentil-Homem, Carlos - 176 Gerz, Jochen - 190 Gilbert & George - 200 Giner Balbino - 245 Ginsberg, Allen - 106

315

Giroud, Michel - 44 Godet, Robert - 98 Goffman, Erwin - 16, 27, 28 Goldberg, Roselle - 7, 38, 39, 41, 42, 48, 91, 92 Gomes, António Reis - 181 Gonçalves, Eurico - 192, 204, 222, 223, 230, 241, 245, 244, 247 Gonçalves, Rui Mário - 8, 143, 144, 175, 192, 208 Gordilho, Carlos - 188, 189, 259 Gottfried, Martin - 119 Grade, Fernando - 91, 93, 94, 144 Grassi, Ernesto - 22 Greenberg, Clement - 15, 27, 29, 30, 31, 34, 35, 37, 50, 54, 55, 72, 76, 136, 266 Gris, Juan - 52 Gonçalo Duarte - 150, 161 Grooms, Red - 80 Gross, Harvey - 67 Grotowski Jerzy - 19 Grywacz, Gretta - 253 Guattari, Félix - 72, 104, 107, 108, 110, 266 Guggenheim, Peggy - 104 Gusmão, Adriano - 144 Guyomard, Gerard - 206 Guyot, Chantal - 254, 246, 254

H

Hallet, Michel - 244 Hamilton, Richard - 220 Hansen, Al - 67 Harrison, Charles - 79 Hatherly, Ana - 23, 85, 87, 88, 149, 151, 152, 155, 156, 162, 163, 164, 165, 166, 172 Hegel - 129 Hegyi, Lóránd - 262, 269, 271, 272 Heidegger, Martin - 76 Hein, H. - 41 Helder, Herberto - 55, 171 Henriques da Silva, Raquel - 8, 163, 164, 175, 241 Henriques Vasco - 181

316

Henry, Adrian - 56 Herkenhoff, Paulo - 214 Herrman, Claudine - 253 Hidalgo, Juan - 89, 178 Higgins, Dick - 45, 46, 47, 66, 67, 203, 272, 275, 276 Hoffman, Hans 55, 57, 58 Hogan - 205 Horn, Rebecca - 220 Hubert, Pierre Alain - 193, 194, 195, 198, 199, 202, 205, 206, 207, 222, 229, 230 Huizinga, Joan - 19, 22 Hyde Scott - 67 I

Ishida Riuko - 258 Isidoro, Jaime - 122, 149, 160, 166, 168, 190, 191, 192, 193, 196, 205, 258

J

Jameson, Frederic 24 Janco, 107 Janicot, Francoise - 253 Jardi, Pia - 262, 269, 271, 272, Jean-Pierre Charles, Jean-Pierre Jorge, Alice - 190, 204 Jorge, João Miguel Fernandes - 173 Jouffroy, Allan - 104, 105 Jouval, Sylvie - 44, 185 Júlio, José - 161 Justo, José Miranda - 49, 123, 124, 126, 127, 128, 129

K

Kandinsky, Wassily - 91, 93 Kant, Immanuel - 32 Kaprow, Allan - 18, 23, 25, 34, 35, 42, 43, 45, 49, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 64, 67, 70, 71, 72, 95, 100, 101, 103, 104, 105, 106, 122, 128, 220, 267, 274 Katz, Michele - 253 Kawiak Tomek - 193, 196, 197, 202, 206, 207

317

Kaye, Nick - 42 Kelley, Jeff - 23, 34 Klassnik - 193, 206 Klein , Yves - 15, 32, 35, 42,97, 98, 99, 100, 173, 174, 225, 267, 269 Kloker, Hubert - 92, 269, 270 Knizak, Milan -203 Knowles Allison - 203 Kostelanetz, Richard - 33, 40, 43,44, 45, 46, 47, 48, 50, 59, 65, 67, 68, 71 Krauss Rosalind - 1, 79 Krist, Susanne - 129 Kruger; Barbara - 24 Kulterman, Udo - 59, 63, 71 Kwinter, Sandford 13

L

La Farge, Tim - 66 La Mont Young - 77 Labelle-Roujoux, Arnaud- 49, 80, 97, 105, 106, 107, 110, 111, 117, 118 Laginhas, Isabel - 181 Lagoa Henriques - 161 Lambert, Fátima - 8, 139, 147, 148, 160, 162, 166 Lanhas, Fernando - 222, 225 Lapas, Helena - 181 Leal, Miguel - 120 Lebel, Robert - 71, 105 Lebel, Jean-Jacques - 15, 18, 34, 35, 49, 50, 72, 80, 81, 93, 98, 102, 103, 104, 105, 107, 110, 111, 112, 114, 116, 117, 118, 119, 133, 193, 202, 211, 233, 261, 262, 262, 263, 266, 267, 268, 269, 270, 272, 273, Lemos, Fernando - 190 Leslie, Alfred - 56 Lévy- Strauss, Claude - 263, 264 Lima Barreto, Jorge - 40, 82, 189 Lima de Carvalho - 209, 242 Lima de Freitas - 130, 176, 206, 191 Lima, Aureliano - 176, 206 Lima, Manuel de - 101, 103, 156, 157, 158 Lippard, Lucy - 2, 8, 23

318

Lista, Giovanni Liz, Maria João - 181 Loft, Teresa - 245 Loisy, Jean de - 71 Teixeira Lopes, Gil - 190 Lopes, Helena - 205 Lopes, José Júlio Alves Lopes, Óscar - 91, 166 Lublin, Lea - 190, 253 Luís, Eduardo - 180, 244, Lyon – 181

M

Macedo, Rita - 146 Machado, João - 181 Maciunas, George - 177, 272, 275, 276 Magalhães, Eduardo Calvet de - 91 Magalhães, Teresa - 205, 244 Maggio, Nelson di - 144, 177 Malina, Judith - 119, 239, 240 Man Ray - 70, 105 Man, José Manuel - 178 Manta, João Abel - 204 Manuel, Armando - 219 Manuel, Henrique - 204 Manzoni, Piero - 42 Marcelina, Maria - 213 Márchan, Simon - 59 Marchetti, Walter - 89 Marechin Richard - 244 Margarido, Alfredo - 144 Mariétan, Pierre - 90 Marques, José Alberto - 160, 164, 165 Martins, Azevedo - 90 Martins, Fátima - 181 Martins, Jorge - 180, 190, 205, 204 Mathieu, Georges - 94, 95, 96, 97, 100, 250, 269

319

Mattoso, José - 146, 148, 181 Mauss, Marcel - 13, 16, 19 Mautner, Thomas - 3 Maurice, Christine - 253 Mazeaufroid - 225 McLuhan, Marshal - 51, 62, 65, 68, 69, 134 Mehadji, Najia - 253 Meireles, Isabel - 244 Melo e Castro, Ernesto de - 18, 22, 23, 45, 85, 86, 87, 88, 89, 104, 137, 148, 149, 150, 152, 154, 155, 156, 157, 159, 160, 162, 163, 164, 171, 172, 239, 249, 251 Melo, Alexandre - 9, 147 Mendes António - 181, 190, 222 Mendes, Abel - 181 Mendes, Albuquerque - 8, 26, 121, 181, 122, 184, 186, 187, 188, 189, 204, 206, 211, 216, 217, 218, 219, 222, 225, 230, 233, 234, 236, 237, 238, 244, 255, 256, 267. Menéres, Clára - 204, 209, 210, 242, 244 Menez - 180, 190, 205 Mesquita, Maria Helena - 240 Messac, Ivan - 206 Metello de Seixas , António - 176 Metzger, Gustav - 268 Michel - 190 Mileu, Elisabete - 189, 237, 259 Millares, Manolo - 90 Miller, Larry - 276 Miller, Roland - 37, 193, 195, 199, 200, 201, 222, 230, 231, 232, 246, 249 Minguez, Alain-Julien - 222 Minkoff, G. - 190 Mitterand, Francois - 251 Moeglin-Delcroix, Anne - 274 Mondrian, Piet - 55 Monraud, Tanta - 253 Monsaraz, Flávia - 181 Monteiro Gil - 178 Mora, Jose Ferrater - 4, 34 Morais, Carlos - 91 Morais, Graça - 181, 210, 211, 222, 225, 234, 244 Moreira, Artur - 181

320

Morgado, Noémia - 213 Motherwell, Robert - 66, 71 Moucha - 193, 206, 207, 203 Moura, Leonel - 178 Muel, Otto - 267, 270, 271, Munari, Bruno - 167 Mourão, Sérgio - 238 Mozer, Henrique - 103 Muntadas - 222 Murakami, Saburo - 42

N

Nadal, Emilia - 244 Nascimento, João - 204 Naumann, Bruce - 190 Negreiros, Almada - 244 Nemser, Cindy - 42 Nery, Eduardo - 176, 180, 181, 204 Nery, Rui Vieira - 8, 82, 83, 84 Newman, Barnett - 14 Nichell, N. - 190 Nickas, Robert - 38, 39, 40, 41 Nietszche - 12, 13, 106 Nieuwenhuis, Constant - 260 Nitsch Herman - 260, 262, 268, 270, 271, 272, Nouene, Patrick le - 192, 260 Nogueira, Sá Nono, Luigi - 82 Noronha da Costa - 144, 177, 180, 190 Nunes, Emanuel - 84

O

Ohara, Kimiko - 42 Olaio António - 189, 259 Oldenburg, Claes - 80, 104 Oliveira e Silva, António - 180

321

Olson, Charles - 66 Oppenheim, Meret - 105 Orfão, Rui - 41, 188, 189, 245 Orlan - 242, 253, 254 Owens, Craig - 24

P

Palolo, António - 178, 180, 190, 204 Pagani, Hubert - 181 Paik, Nam June - 272, 276 Pane, Gina - 190 Papenburg, Liselotte Parente, Guilherme - 204 Parisot, Christian - 206 Peixinho, Jorge - 82, 83, 84, 90, 91, 101, 102, 123, 124, 155, 162, 165, 181, 221, 239 Pena, Gonçalo - 9, 89, 90, 103, 104, 147, 153, 160, 161, 179 Perdigão, Maria Madalena Azeredo - 188 Pereira, Júlio - 205, 244 Pernes, Fernando - 84, 90, 91, 142, 144, 148, 153, 157, 158, 175, 176, 210, 255 Pestana Silvestre - 161, 188, 189, 259 Pestana, Ção - 178, 183, 189, 159 Pessoa, Fernando - 230 Petrassi, Goffredo -82 Phelan, Peggy - 1, 2, 14 Picabia, Francis - 70, 107 Picasso, Pablo - 52 Picco, Alberto - 178 Pierce, Charles Sanders - 1, 4, 5, 15, 79 Pignatari, Décio - 85 Pineau, Jacques - 193, 195, 204, 206 Pinharanda, João - 8, 139, 147, 148 Pinheiro, Fernando - 244 Pinheiro, Jorge - 162, 180, 181 Pinto Barbosa, António - 1, 13, 23, 24, 40, 47, 181 Pinto Coelho, Fernando - 189, 211, 222, 234 Pinto de Almeida, Bernardo - 8, 89, 137, 138 Pinto-Ribeiro, António - 1, 13, 24, 40, 47

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Pires Filipe - 84 Pires, Manuel - 175 Pires, Maria João - 181 Pires, Veira - 222 Pissarro, Fernanda Pochan, Philipe - 244 Poinsot, Jean- Marc - 239 Pollock, Jackson - 51, 55, 56, 59, 60, 61, 62, 67, 72, 79, 92, 96, 100, 101, 125, 129, 269 Pomar, Júlio - 190 Pombo, Sérgio - 205, 222, 244 Ponte, Bruno da - 144 Poons, Larry - 67 Poppe, João - 103 Popper, Frank - 61 Porena, Boris - 82 Porfírio, José Luis - 144 Portas, Nuno - 90, 144 Portinari - 161 Pousseur - 84 Prado Coelho, Eduardo - 8, 138 Pratts, Olga - 189

Q

Quadros, António - 167 Queiroz Ribeiro, Alfredo - 192, 206, 209 Quinby, Diana - 252

R

Rabascal, Juan - 222, 244 Ramirez, Alexandro - 181 Ramos Jorge, João - 181 Ramos, A - 242 Ramos Rosa, António Raushenberg, Robert - 66 Reiner, P. - 213 Reis, Pedro Cunha - 8, 46, 85, 88, 154

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Resende, Julio - 190 Restany, Pierre - 15, 25, 31, 32, 50, 52, 54, 69, 72, 80, 97, 98, 99, 100, 105, 112, 196 Rhum, Gerard - 269 Ribeiro, Aureliano - 206 Ribeiro, Rogério - 180, 105, 181 Richards, M.C. - 66 Ricoeur, Paul - 2, 3, 4, 74, 77 Rocha de Sousa - 130, 137, 150, 192 Rocha Pinto - 222 Rocha, Arlindo - 206, 244 Rocha, Avelino - 206, 222 Rocha, Pedro - 222 Rocha, Victor - 181 Rodman, S. - 60 Rodrigo, Joaquim - 180, 190, 192, 204, 205, 222, 225 Rodrigues, José - 122, 123, 162, 180, 181, 205, 206 Rodrigues, António - 8, 137 Rodrigues, João - 171 Rodrigues, Vasco - 181 Rolão, Maria - 178 Rosa, Artur - 89, 122, 253, 180, 181, 204 Rosa, Clotilde - 155, 156, 157, 181, Rosa, Joana - 178 Rosas, Fernando - 138 Rosenbach, Ulrike - 41, 188, 190 Rosenberg, Harold - 30, 60, 79, 96 Rotella, Mimo - 274 Rua, Victor - 189 Ruivo, Henrique - 204 Ruivo, João - 181 Rumoaldo - 205 Russolo - 70

S

Sá Nogueira - 161, 180, 190, 205 Sá, Lidia - 181 Sade, Marquês de - 104

324

Saldanha, Luísa - 219 Saldanha, Túlia - 178, 182, 184, 219, 222, 244, 245 Samaras, Lucas - 56 Sampaio, António - 149, 159, 244 Sandler, Erving Santa-Rita Pintor - 244 Santi, Tiziano - 136 Santos, Mariana de Lemos Pinto dos - 8, 120, 177 Saraiva, Arnaldo - 102 Sarmento, José António - 89 Sarmento, Julião - 178 Sasportes, José Estevão - 144, 145, 146 Satie, Erik - 70 Shapiro, Meyer - 55 Schechner, Richard - 16, 18, 20, 21, 37, 40, 59, 71, 208 Schimmel, Paul - 100, 274, 277 Schneemann, Carolee - 270, Schrage, Dieter - 271 Schwarzkogler, Rudolf - 268, 271, Schwitters, Kurt - 29, 51, 53, 54, 55, 58, 66, 71, 107 Sebastião, Quintino - 205 Segal, George - 56, 67 Seitz, William - 63 Seixas, Gastão - 222 Selz, Peter - 68, 71, 96 Semeraro, António - 206 Sena, António - 176, 180, 190, 192 Serafim, Fernando - 181 Serge III - 195, 196, 198, 202, 203, 204, 205, 206, 222, 234, 235, 249, 272, 277 Seltz, Peter - 58 Serra, João Bonifácio - 180 Shilling, Alphons - 268, 271 Shimamoto Shozo - 42 Shiraga Kazuo - 42 Schoenberg, Arnold - 64, 90 Silva , Henrique - 213, 222, 231, 235, 244 Silva Jaime - 181, 210, 211, 222, 234, 244 Silva Palmeira - 178

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Silva, Emilia Siqueira , Judite - 103 Siqueira, Nuno de - 176, 180, 190 Siza Vieira - 161 Skapinakis, Nikias - 181, 190, 205 Soriau, Éttienne - 37, 77, 78 Sousa, Ângelo de - 91, 161, 180, 181, 184, 190, 206, 221 Sousa, Ernesto de - 8, 49, 50, 84, 91, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 131, 136, 144, 163, 171, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 181, 182, 183, 185, 186, 187, 190, 209, 210, 220, 221, 278 Souza Cardoso, Amadeo de - 161, 244 Spoerri, Daniel - 190 Spinola, António - 182 Standley, Sadie - 64 Steiner, George - 263, 264, 265 Stich, Sidra - 99 Stiles, Kristine - 68, 71, 77, 96, 105, 274, 275, Stockhausen, Karlheinz - 83, 84, 85, 90, 247, 276 Stravinsky, Igor - 90 Sumi, Yasuo - 42 Suzuki D.T. - 51, 67, 68 Szenes, Arpad - 174 T

Tan, Elisa - 253 Tanaka, Atsuko - 42 Tápie, Michel - 92 Tarlow Florence - 67 Tatlin, Vladimir - 71 Tavares, Salette - 156, 192 Teixeira e Sousa - 183, 184 Ternat, Claude - 167 Teixeira Lopes, Gil Thénot, Jean-Paul - 167, 222, 226 Thoeren, Nina - 104 Tillman; L. - 24 Tinguely Jean - 99, 104 Tobas, Christian - 222, 230, 232, 244

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Torres, David G. - 271 Torres, Marília - 244 Tudor, David - 66, 69, 82, 90 Turner, Victor - 20, 21, 22, 23, 208 Tzara, Tristan - 52, 70, 107

U

Ulay - 188 Uva, Alberto - 166

V

Valentier, Peter - 222 Van Gogh - 91 Varela, Artur - 222 Varela, Mário - 178 Vaz, Fátima - 181, 204, 244 Velez, Maria - 180 Vespeira - 180, 181, 190, 205 Viana, Eduardo - 244 Vidal, Carlos - 2, 3, 14, 73, 136, 137 Viegas, Marilia - 178 Vieira de Almeida, Mário - 144 Vieira, Ana - 176, 181, 192, 204 Vieira da Silva, Maria Helena - 174 Vieira, João - 103, 104, 125, 141, 148, 162, 163, 167, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 180, 181, 190, 205 Vieira, Joaquim - 180 Vieira, Jorge - 204, 205 Villaverde Cabral, Manuel - 137, 138 Villeglé, Jacques le - 274 Viso, Olga M. - 312 Voss, Jan - 150 Vostell, Wolf - 34, 131, 177, 178, 188, 190, 220, 272, 273, 274, 275, 276, 277

W

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Wandshneider, Miguel - 8, 91, 120, 122, 123, 127, 139, 140, 141, 146, 178, 186, 220 Wagner, Richard - 45, 233 Warpechowski Zbigniew - 222, 207 Weinstock, J. - 24 Whitman, Robert - 56, 80 Wiame, Sarah - 244 Wiener, Oswald - 269 Wilson, Bob - 247 Witgenstein - 269 Woitmant, Françoise - 274 Wolf, Laurie - 21 Wols, Alfred - 92, 93, 94 Wood, Paul - 79

Y

Yalter, Nil - 190 Yeco, Miguel -189, 232, 233, 237, 246, 247, 248, 249, 256, Yokoyama - 193, 206 Yoshihara, Jiro - 42

X

Xisto, Pedro - 164 Z

Zink, Rui - 45 Zulmiro - 206 Zweiler Hans - 206

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ÍNDICE DAS IMAGENS do Segundo Volume ( no CD)

1. Natureza Morta com Palhinha. Pablo Picasso. 1912. 2. Roda de Bicicleta. Marcel Duchamp. 1913. 3. Mezbau. Kurt Schwitters. Hannover 1920 - 33. 4. Jackson Pollock pintando no seu estúdio. Fotografias de Hans Namuth. 1950. 5. Public painting action. Georges Mathieu. Japão, 1957. 6. 18 Happenings in 6 Parts. Allan Kaprow. Reuben Gallery, Nova Iorque, 1959. 7. 18 Happenings in 6 Parts. Allan Kaprow. Reuben Gallery, Nova Iorque, 1959. 8. Antropometrias. Yves Klein. Galerie Internationale d'Art Contemporain, Paris, 1960. 9. An Apple Shrine. Allan Kaprow. Judson Gallery. Nova Iorque, 1960. 10. Conferência-Objecto na Galeria Quadrante com Ana Hatherly, E.M. Castro, Jorge Peixinho e José Alberto Marques. 13 de Abril de 1967. 11. Capa da revista Operação I. João Vieira, 1967. Colaboradores na revista : Ana Hatherly, José Alberto Marques, Pedro Xisto e António Aragão. 12. O Espírito da Letra - Exposição Dura. João Vieira. Galeria Judite Dacruz, Lisboa 1970. 13. Situação T/T 1 - do corpo à terra. Artur Barrio. Belo Horizonte, Brasil, 1970. 14. Situação T/T 1 - do corpo à terra. Artur Barrio. Belo Horizonte, Brasil, 1970. 15. Expansões/ Exposição Mole. João Vieira. Galeria Judite Dacruz, Lisboa, 1971. 16. Expansões/ Exposição Mole. João Vieira. Galeria Judite Dacruz, Lisboa, 1971. 17. Expansões/ Exposição Mole. João Vieira. Galeria Judite Dacruz, Lisboa, 1971. Passagem de modelos durante a inauguração da exposição. 18. Expansões/ Exposição Mole. João Vieira. Galeria Judite Dacruz, Lisboa, 1971. Passagem de modelos durante a inauguração da exposição. 19. Expansões/ Exposição Mole. João Vieira. Galeria Judite Dacruz, Lisboa, 1971. Passagem de modelos durante a inauguração da exposição. 20. Expansões/ Exposição Mole. João Vieira. Galeria Judite Dacruz, Lisboa, 1971. Passagem de modelos durante a inauguração da exposição. 21. Expansões/ Exposição Mole. João Vieira. Galeria Judite Dacruz, Lisboa, 1971. Passagem de modelos durante a inauguração da exposição. 22. Incorpóreo I. João Vieira. Expo AICA 72, SNBA, Lisboa, 1972. Fotograma de um filme de 16 mm de Manuel Pires.

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23. Incorpóreo I. João Vieira. Expo AICA 72, SNBA, Lisboa, 1972. Fotograma de um filme de 16 mm de Manuel Pires. 24. Incorpóreo I. João Vieira. Expo AICA 72, SNBA, Lisboa, 1972. Fotograma de um filme de 16 mm de Manuel Pires. 25. Incorpóreo I. Construção do sarcófago. João Vieira. Expo AICA 72, SNBA, Lisboa. Fotograma de um filme de 16 mm de Manuel Pires. 26. Conferência em Nome de Joseph Beuys. Ernesto de Sousa, Galeria Ogiva, Óbidos, 1972. 27. Revista Artes Plásticas nº1. Outubro de 1973, Porto. 28. Revista Artes Plásticas nº2. Janeiro de 1974, Porto. 29. Revista Artes Plásticas nº3. Fevereiro de 1974, Porto. 30. Revista Artes Plásticas nº4. Junho de 1974, Porto. 31. Revista Artes Plásticas nº5. Setembro de 1974, Porto. 32. Revista Artes Plásticas nº6. Janeiro de 1975, Porto. 33. Revista Artes Plásticas nº7/8. Dezembro de 1977, Porto. 34. Egotemponírico. Espiga Pinto. Ponte da Arrábida, Porto, 11 de Outubro de 1972. 35. Egotemponírico. Espiga Pinto. Ponte da Arrábida, Porto, 11 de Outubro de 1972. 36. Egotemponírico. Espiga Pinto. Casa da Carruagem, Valadares, 11 de Outubro de 1972. 37. Egotemponírico. Espiga Pinto. Praia de Valadares, 11 de Outubro de 1972. 38. Egotemponírico. Espiga Pinto. Praia de Valadares, 11 de Outubro de 1972. 39. Perspectiva 74. Intervenção. Pierre Alain Hubert. Porto, 1974. 40. Perspectiva 74. Intervenção. Pierre Alain Hubert. Rotunda da Boavista, Porto, 1974. 41. Perspectiva 74. João Dixo. Exposição na Galeria Dois, Porto, 1974. 42. Perspectiva 74. Realização de um painel colectivo, Porto, 1974. 43. Perspectiva 74. Assinatura do Certificado de Troca. Tomek Kawiak. Galeria Dois, Porto, 1974.

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44. Perspectiva 74. Certificado de Troca. Tomek Kawiak. Galeria Dois, Porto, 1974. 45. Perspectiva 74. Inauguração da exposição de Serge III. Galeria Dois, Porto, 1974. 46. Perspectiva 74. Inauguração da exposição de Serge III. Galeria Dois, Porto, 1974. 47. Perspectiva 74. Pink & Black. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Galeria Dois, Porto, 1974. 48. Perspectiva 74. Pink & Black. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Galeria Dois, Porto, 1974. 49. Perspectiva 74. Pink & Black. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Galeria Dois, Porto, 1974. 50. Perspectiva 74. Pink & Black. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Galeria Dois, Porto, 1974. 51. Perspectiva 74. Pink & Black. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Galeria Dois, Porto, 1974. 52. Perspectiva 74. Pink & Black. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Galeria Dois, Porto, 1974. 53. Perspectiva 74. Performance. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Jardins da Faculdade de Belas-Artes do Porto, Porto, 1974. 54. Perspectiva 74. Performance. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Jardins da Faculdade de Belas-Artes do Porto, Porto, 1974. 55. Perspectiva 74. Performance. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Jardins da Faculdade de Belas-Artes do Porto, Porto, 1974. 56. Perspectiva 74. Performance. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Jardins da Faculdade de Belas-Artes do Porto, Porto, 1974. 57. Perspectiva 74. Performance. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Jardins da Faculdade de Belas-Artes do Porto, Porto, 1974. 58. Perspectiva 74. Performance. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Jardins da Faculdade de Belas-Artes do Porto, Porto, 1974. 59. Perspectiva 74. Performance. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Jardins da Faculdade de Belas-Artes do Porto, Porto, 1974. 60. Perspectiva 74. Performance. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces. Jardins da Faculdade de Belas-Artes do Porto, Porto, 1974. 61. Primeiros Encontros Internacionais de Arte. Debates, Valadares Julho/ Agosto de 1974. 62. Primeiros Encontros Internacionais de Arte, Debates, Valadares Julho/ Agosto de 1974. 63. Primeiros Encontros Internacionais de Arte. Valadares Julho/ Agosto de 1974. 64. Primeiros Encontros Internacionais de Arte Exposição , Valadares Julho/ Agosto de 1974.

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65. Primeiros Encontros Internacionais de Arte. Exposição, Valadares Julho/ Agosto de 1974. 66. Primeiros Encontros Internacionais de Arte. Exposição, Valadares Julho/ Agosto de 1974. 67. Primeiros Encontros Internacionais de Arte. Exposição, Valadares Julho/ Agosto de 1974 68. Primeiros Encontros Internacionais de Arte. Exposição, Valadares Julho/ Agosto de 1974 69. Primeiros Encontros Internacionais de Arte Ao centro João Dixo e o organizador e crítico Egídio Álvaro. Valadares Julho/ Agosto de 1974. 70. Manifesto de Vigo. Vigo/ Valadares. Agosto 1974. 71. Manifesto de Vigo. Vigo/ Valadares. Agosto 1974. 72. Manifesto de Vigo. Egídio Álvaro. Vigo/Valadares 1974. 73. Manifesto de Vigo. Pierre Alain Hubert. Vigo/Valadares 1974. 74. Manifesto de Vigo. Carlos Barreira. Vigo/Valadares 1974. 75. Manifesto de Vigo. Serge III. Vigo/Valadares 1974. 76. Manifesto de Vigo. Moucha. Vigo/Valadares 1974. 77.Manifesto de Vigo. João Dixo. Vigo/Valadares 1974. 78. Manifesto de Vigo. Dan Azoulay. Vigo/Valadares 1974. 79. Manifesto de Vigo. Tomek . Vigo/Valadares 1974. 80. Manifesto de Vigo. Zbigniew Warpechowski. Vigo/Valadares 1974. 81. Pintura do pavimento da Rua do Carmo. Grupo ACRE. Agosto de 1974, Lisboa. 82. Colocação de uma fita amarela na Torre dos Clérigos. Grupo ACRE. Porto 1975. A acção é reivindicada através de um comunicado à imprensa. 83. Diploma de Artista. Grupo ACRE. Galeria Opinião, Lisboa e Galeria Dois, Porto. Distribuído na Galeria Opinião e Galeria Dois ao abrigo do decreto-lei da autoria do grupo ACRE. 84. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Intervenção. Noémia Morgado e Maria Marcelina. Viana do Castelo, 1975. 85. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Intervenção. Noémia Morgado e Maria Marcelina. Viana do Castelo, 1975. 86. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Áreas Sangrentas - 1ª Parte. Artur Barrio. Viana do Castelo, 1975. 87. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Áreas Sangrentas - 1ª Parte. Artur Barrio. Viana do Castelo, 1975. 88. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Áreas Sangrentas - 1ª Parte. Artur Barrio. Viana do Castelo, 1975.

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89. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Áreas Sangrentas - 1ª Parte. Artur Barrio. Viana do Castelo, 1975. 90. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Áreas Sangrentas - 1ª Parte. Artur Barrio. Viana do Castelo, 1975. 91. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Áreas Sangrentas - 1ª Parte. Artur Barrio. Viana do Castelo, 1975. 92. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Áreas Sangrentas - 2ª Parte. Artur Barrio. Viana do Castelo, 1975. 93. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Áreas Sangrentas - 2ª Parte. Artur Barrio. Viana do Castelo, 1975. 94. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Áreas Sangrentas - 2ª Parte. Artur Barrio. Viana do Castelo, 1975. 95. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Debates . Viana do Castelo, 1975. 96. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Intervenção. Henrique Silva. Viana do Castelo, 1975. 97. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Intervenção. Henrique Silva. Viana do Castelo, 1975. 98. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Intervenção. Henrique Silva. Viana do Castelo, 1975. 99. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Ritual . Albuquerque Mendes. Viana do Castelo, 1975. 100. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Ritual . Albuquerque Mendes. Viana do Castelo, 1975. 101. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Ritual . Albuquerque Mendes. Viana do Castelo, 1975. 102. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Ritual . Albuquerque Mendes. Viana do Castelo, 1975. 103. Segundos Encontros Internacionais de Arte. Ritual . Albuquerque Mendes. Viana do Castelo, 1975. 104. Jantar/ Intervenção. Grupo Puzzle. Galeria Dois no Porto, 1976. 105. Jantar/ Intervenção. Grupo Puzzle. Galeria Dois no Porto, 1976. 106. Jantar/ Intervenção. Grupo Puzzle. Galeria Dois no Porto, 1976. 107. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Poemas Breves. Tobas. Textos lançados de uma avioneta. Póvoa de Varzim, 1976. 108. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Miller & Cameron- Landscapes and Living Spaces. Póvoa de Varzim, 1976.

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109. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Miller & Cameron- Landscapes and Living Spaces. Póvoa de Varzim, 1976. 110. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Miller & Cameron- Landscapes and Living Spaces. Póvoa de Varzim, 1976. 111. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Miller & Cameron- Landscapes and Living Spaces. Póvoa de Varzim, 1976. 112. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Miller & Cameron- Landscapes and Living Spaces. Póvoa de Varzim, 1976. 113. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Miller & Cameron- Landscapes and Living Spaces. Póvoa de Varzim, 1976. 114. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Miller & Cameron- Landscapes and Living Spaces. Póvoa de Varzim, 1976. 115. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Intervenção sobre barco poveiro. Henrique Silva com Serge III. Póvoa de Varzim, 1976. 116. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Intervenção sobre barco poveiro. Henrique Silva com Serge III. Póvoa de Varzim, 1976. 117. Terceiros Encontros Internacionais de Arte.. Intervenção sobre barco poveiro. Henrique Silva com Serge III.Póvoa de Varzim, 1976. 118. Terceiros Encontros Internacionais de Arte.. Nadir Afonso. Póvoa de Varzim, 1976. 119. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Intervenção de arte sociológica. Fred Forest. Póvoa de Varzim, 1976. 120. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Apresentação Arte Sociologica. Fred Forest. Póvoa de Varzim, 1976. 121. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Apresentação Arte Sociologica. Fred Forest. Póvoa de Varzim, 1976. 122. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Pintura de painel colectivo. Pierre Alain Hubert e Rolland Miller. Póvoa de Varzim, 1976. 123. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Concerto Fluxus. Serge III e Grupo Puzzle. Póvoa de Varzim, 1976. 124. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. As Três Mortes de São João Baptista. Albuquerque Mendes. Póvoa de Varzim, 1976. 125. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. As Três Mortes de São João Baptista. Albuquerque Mendes. Póvoa de Varzim, 1976. 126. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. As Três Mortes de São João Baptista. Albuquerque Mendes. Póvoa de Varzim, 1976. 127. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. As Três Mortes de São João Baptista. Albuquerque Mendes. Póvoa de Varzim, 1976.

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128. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Actividade com Crianças. Póvoa de Varzim, 1976. 129. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Manifesto Vermelho. Abílio. Póvoa de Varzim, 1976. 130. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Manifesto Vermelho. Abílio. Póvoa de Varzim, 1976. 131. Terceiros Encontros Internacionais de Arte. Manifesto Vermelho. Abílio. Póvoa de Varzim, 1976. 132. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Performance. Orlan. Caldas da Rainha 1977. 133. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Programa. Caldas da Rainha 1977. 134. Quartos Encontros Internacionais de Arte Programa. Caldas da Rainha 1977. 135. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Programa. Caldas da Rainha 1977. 136. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Intervenção - Movimento de Libertação Infantil. Robert Filliou. Caldas da Rainha 1977. 137. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Jaime Isidoro, Egídio Álvaro e Fernando Pinheiro. Caldas da Rainha 1977. 138. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Intervenção. Da Rocha. Caldas da Rainha 1977. 139. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Concerto Espontâneo. Nadir Afonso. Caldas da Rainha 1977. 140. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Intervenção/palestra. Nadir Afonso. Caldas da Rainha 1977. 141. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Acção Corporal. Chantal Guyot. Caldas da Rainha 1977. 142. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Intervenção/Ritual. Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Caldas da Rainha 1977. 143. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Children & Others. Miller & Cameron - Landscapes and Living Spaces e Miguel Yeco. Caldas da Rainha, 1977. 144. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Bathimg the twins. Roland Miller, Shirley Cameron e Angela Carter. Caldas da Rainha, 1977. 145. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Performance. Miguel Yeco. Caldas da Rainha 1977. 146. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Cisão de Personalidade. Serge III. Caldas da Rainha 1977. 147. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Intervenção. De Filippi. Caldas da Rainha 1977.

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148. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Intervenção. Armando Azevedo. Caldas da Rainha 1977. 149. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Primavera, Verão, Outono, Inverno. Albuquerque Mendes. 6, 7, 8 e 9 de Agosto. Caldas da Rainha 1977. 150. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Primavera, Verão, Outono, Inverno. Albuquerque Mendes. 6, 7, 8 e 9 de Agosto. Caldas da Rainha 1977. 151. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Monumento ao 16 de Março de 75. Grupo ACRE. Caldas da Rainha 1977. 152. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Monumento ao 16 de Março de 75 destruído por acto de vandalismo. Grupo ACRE. Caldas da Rainha 1977. 153. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Grupo Puzzle. Caldas da Rainha 1977. 154. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Calendário. Grupo Puzzle. Museu José Malhoa .Caldas da Rainha 1977. 155. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Calendário. Grupo Puzzle. Museu José Malhoa. Caldas da Rainha 1977. 156. Quartos Encontros Internacionais de Arte. Calendário. Grupo Puzzle. Museu José Malhoa. Caldas da Rainha 1977. 157. Ciclo de Arte Moderna nº1. IADE , Albuquerque Mendes. Janeiro de 1977, Lisboa 158. Ciclo de Arte Moderna, nº1. IADE, Albuquerque Mendes. Janeiro de 1977, Lisboa 159. Ciclo de Arte Moderna, nº2. IADE, Da Rocha. Março de 1977, Lisboa 160. Ciclo de Arte Moderna nº2. IADE, Da Rocha. Março de 1977, Lisboa 161. Ciclo de Arte Moderna, nº3. IADE, Alvess. Maio de 1977, Lisboa 162. Ciclo de Arte Moderna, nº3. IADE, Alvess. Maio de 1977, Lisboa 163. Ciclo de Arte Moderna, nº3. IADE,Alvess. Maio de 1977, Lisboa 164. Alternativa Zero. Não há sinais inocentes. E. M. de Melo e Castro. Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém, Lisboa, 1977. 165. Alternativa Zero. Concerto. Jorge Peixinho e o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém, Lisboa, 1977. 166. Alternativa Zero. Performance. Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém, Lisboa, 1977. 167. Alternativa Zero. Performance. Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém, Lisboa, 1977. 168. Alternativa Zero. Meditações... . The Living Theatre. Primeira sessão das Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa, 1977. 169. Alternativa Zero. Meditações... . The Living Theatre. Primeira sessão das Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa, 1977. 170. Capa do catálogo Massificação e Identidade Cultural, SNBA, Lisboa, 1977.

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171. Massificação e Identidade Cultural. Grupo Cores. SNBA, Lisboa, 1977. 172. Massificação e Identidade Cultural. Grupo Cores. SNBA, Lisboa, 1977. 173. Massificação e Identidade Cultural. Grupo Cores. SNBA, Lisboa, 1977. 174. Massificação e Identidade Cultural. Grupo Cores. SNBA, Lisboa, 1977. 175. 1ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Flyer/cartaz. Vila Nova de Cerveira, 1978. 176. 1ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Catálogo Vila Nova de Cerveira, 1978. 177. 1ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Concert au Clocher. Pierre Alain Hubert e Ruiko Ishida. Vila Nova de Cerveira, 1978. 178. 1ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Preparação da intervenção Teste-se. Gracinda Candeias. Vila Nova de Cerveira, 1978. 179. 1ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Gracinda Candeias e Manoel Barbosa. Vila Nova de Cerveira, 1978. 180. Ciclo de Arte Moderna, nº4, IADE, Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Fevereiro, Lisboa, 1978. 181. Ciclo de Arte Moderna, nº4. IADE ,Intervenção/Ritual. Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Fevereiro, Lisboa, 1978. 182. Ciclo de Arte Moderna, nº5. IADE, Miguel Yeco. Abril, Lisboa, 1978. 183. Ciclo de Arte Moderna, nº5. IADE, Miguel Yeco. Abril, Lisboa, 1978. 184. Ciclo de Arte Moderna nº5 ,. Buster rainer maria ri-te versus fka mões és. IADE, Miguel Yeco. Praça Luis de Camões. Abril, Lisboa, 1978. 185. Ciclo de Arte Moderna nº5. Buster rainer maria ri-te versus fka mões és , IADE, Miguel Yeco. Praça Luis de Camões. Abril, Lisboa, 1978. 186. Peinture Portugaise Actuelle. Capa do catálogo. Egídio Álvaro. De 13 de Maio a 3 de Junho, Bretigny, França, 1978. 187. Peinture Portugaise Actuelle. Flyer da Intervenção de Miguel Yeco: Ibis is. Com: Miguel Yeco e Maria Cabral. 23 de Junho, Bretigny, França, 1978. 188. A Caixa. Túlia Saldanha. Galeria Diferença, Lisboa 1979. 189. Incorpóreo II . SACOM II. João Vieira. Museu Vostell, Malpartida de Cáceres, 1979. 190. Incorpóreo II . SACOM II. João Vieira. Museu Vostell, Malpartida de Cáceres, 1979. 191. Diagonale/Espace Critique. Miguel Yeco. Paris, 1979. 192. Diagonale/Espace Critique. Miguel Yeco. Paris 1979. 193. Diagonale/Espace Critique. Catálogo, Paris 1979. 194. Diagonale/Espace Critique. Elizabete Mileu. Paris 1982.

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195. Diagonale/Espace Critique. Manoel Barbosa. Paris 1982. 196. Universidade de Toulouse Mirail. Performance. Grupo Puzzle. Toulouse Mirail, França, 1979. 197. Universidade de Toulouse Mirail. Performance. Grupo Puzzle. Toulouse Mirail, França, 1979. 198. I Simpósio de Performance de Lyon. Performance. Grupo Puzzle. Lyon, França,1979. 199. I Simpósio de Performance de Lyon. Performance. Grupo Puzzle. Lyon, França,1979. 200. Grupo DiasPositivos. José Fabião, Adelaide Colher, Gracinda Candeias, Michael e Ossião. 201. 3 dias de performance. Grupo DiasPositivos. Galeria Quadrum, 1980. 202. 3 dias de performance. Grupo DiasPositivos. Galeria Quadrum, 1980. 203. 3 dias de performance. Grupo DiasPositivos. Galeria Quadrum, 1980. 204. 3 dias de performance. Grupo DiasPositivos. Galeria Quadrum, 1980. 205. 3 dias de performance. Grupo DiasPositivos. Galeria Quadrum, 1980. 206. 3 dias de performance. Grupo DiasPositivos. Galeria Quadrum, 1980. 207. 3 dias de performance. Grupo DiasPositivos. Galeria Quadrum, 1980. 208. 3 dias de performance. Grupo DiasPositivos. Galeria Quadrum, 1980. 209. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Preparação da performance Perfo-Tinta. Grupo DiasPositivos. Vila Nova de Cerveira, 1980. 210. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Preparação da performance Perfo-Tinta. Grupo DiasPositivos. Vila Nova de Cerveira, 1980. 211. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Preparação da performance Perfo-Tinta. Grupo DiasPositivos. Vila Nova de Cerveira, 1980. 212. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Perfo-Tinta. Grupo DiasPositivos, Michael. Vila Nova de Cerveira, 1980. 213. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Perfo-Tinta. Grupo DiasPositivos, Michael e Adelaide Colher. Vila Nova de Cerveira, 1980. 214. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Perfo-Tinta. Grupo DiasPositivos, Michael e Adelaide Colher. Vila Nova de Cerveira, 1980. 215. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Perfo-Tinta. Grupo DiasPositivos, Michael, Gracinda Candeias e Adelaide Colher. Vila Nova de Cerveira, 1980. 216. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Performance. Manoel Barbosa. Vila Nova de Cerveira, 1980.

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217. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Performance. Manoel Barbosa. Vila Nova de Cerveira, 1980. 218. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Performance. Manoel Barbosa. Vila Nova de Cerveira, 1980. 219. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Performance. Manoel Barbosa. Vila Nova de Cerveira, 1980. 220. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Concerto. Anar Band. Vila Nova de Cerveira, 1980. 221. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. Actividade com Crianças. Vila Nova de Cerveira, 1980. 222. 2ª Bienal de Vila Nova de Cerveira. O público. Vila Nova de Cerveira, 1980. ´´223. Ciclo de Arte Moderna, nº6. IADE Armando Azevedo. Maio, Lisboa ,1980. 224. Ciclo de Arte Moderna, nº6. IADE Armando Azevedo. Maio, Lisboa ,1980. 225. Ciclo de Arte Moderna , nº6. IADE, Armando Azevedo. Maio, Lisboa, 1980. 226. Ciclo de Arte Moderna, nº6, IADE, Armando Azevedo. Maio, Lisboa 1980. 227. Ciclo de Arte Moderna, nº7. IADE, Manoel Barbosa. Junho, Lisboa ,1981. 228. Capa do catálogo da Alternativa 1 - Festival Internacional de Arte Viva. Almada 1981. 229. Flyer da Alternativa 1 - Festival Internacional de Arte Viva. Almada 1981. 230. Alternativa 1. Elizabete Mileu. Almada,1981. 231. Alternativa 2 - Festival Internacional de Arte Viva. Capa do catálogo. Almada 1982. 232. Alternativa 2. Perfo-tinta. Grupo DiasPositivos. Almada 1982. 233. Alternativa 2. Silvestre Pestana. Almada, 1982. 234. Alternativa 2. Elizabete Mileu. Almada 1982. 235. Performance - Arte. Capa do catálogo. ACARTE. Novembro de 1986. 236. Ciclo de Arte Experimental. Capa do catálogo. ACARTE. 2 a 9 de Fevereiro de 1989. 237. Festival de Performance Portuguesa. Capa do catálogo. Egídio Álvaro (organizador), Carlos Gordilho, Albuquerque Mendes, António Olaio, Rui Orfão, Ção Pestana, Silvestre Pestana e Miguel Yeco. De 25 de Novembro a 1 de Dezembro, Makkom, Amesterdão 1984. 238. Festival de Performance Portuguesa. António Olaio. Makkom, Amesterdão 1984. 239. Festival de Performance Portuguesa. António Olaio. Makkom, Amesterdão 1984. 240. Festival de Performance Portuguesa. Miguel Yeco. Makkom, Amesterdão 1984. 241. Alternativa 3.Performance. Silvestre Pestana. Almada 1983. 242. Alternativa 3. Performance. Silvestre Pestana. Almada 1983. 243. 5º Symposium International d'Art Performance. Co-Direction: Orlan, Hubert Besacier. De 25 a 30 de Abril, Lyon, 1983. Participação portuguesa de Manoel Barbosa e Elizabete Mileu. 244. Festival Performance Portugaise. Capa do catálogo. Fernando Aguiar, Manoel Barbosa, Gerardo Brumester, Carlos Gordilho, Albuquerque Mendes, Elisabete Mileu, António Olaio, Rui Orfão, Miguel Yeco, Telectu (Lima Barreto/ Vítor Rua). Centre Georges Pompidou, Paris 1984. 245. Festival Performance Portugaise. Elizabete Mileu. Centre Georges Pompidou, Paris 1984. 246. Festival Performance Portugaise. Gerardo Burmester. Centre Georges Pompidou, Paris 1984.

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247. PERFORMARTE - I Encontro Nacional de Performance. Capa do catálogo. Concepção e direcção: Fernando Aguiar e Manoel Barbosa. De 13 a 28 de Abril, Torres Vedras, 1985. 248. Alternativa 5 - Festival Internacional de Performance. Capa do catálogo. Porto 1987. 249. Art Dans la Rue - Performance Art Dans la Ville. Capa do catálogo. Albuquerque Mendes, Art et Tecnique, Didier Chenu, Hervé Nisic, Lydia Schouten, Manoel Barbosa, Marie Kawasu, Mogly Spex, Roland Miller, Shirley Cameron, Wonder Performance dept. 18 a 20 de Março, Champy, França, 1982. 250. Art Dans la Rue - Performance Art Dans la Ville. Albuquerque Mendes. 18 a 20 de Março, Champy, França, 1982. 251. Art Dans la Rue - Performance Art Dans la Ville. Albuquerque Mendes. 18 a 20 de Março, Champy, França, 1982. 252. Nuit de la Performance Portugaise. Albuquerque Mendes. Espace Pali-Kao 1982. 253. Ciclo de Arte Moderna, nº8, IADE, Elizabete Mileu. Março, Lisboa ,1982. 254. Ciclos de Arte Moderna nº8, IADE, Elizabete Mileu. Março, Lisboa ,1982.

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SEGUNDO VOLUME. IMAGENS EM CRONOLOGIA

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