Homo imago. Imagem como sobrevivência e segundo corpo do homem

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Homo imago. Imagem como sobrevivência e segundo corpo do homem Lidia Zuin

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Introdução

Este artigo tem como proposta o estudo da relação entre imagem e morte ao longo da história humana, baseando-se na visão de “história” da arte segundo Hans Belting. Em O Fim da História da Arte (2003), o autor sugere uma nova abordagem da disciplina, de maneira que ela seja considerada uma espécie de “história da imagem” ou uma “antropologia da imagem” – título dado ao livro publicado em 2001. Sua recomendação é refletir sobre uma “história das imagens depois da era da arte”, entendendo que hoje as questões estão principalmente vinculadas ao meios de comunicação e às novas tecnologias. Nesse sentido, propõe-se aqui uma observação acerca dos valores de culto da imagem e a função da imagem dos mortos – esta última sendo, de acordo com Belting (2007, p.8), a “motivação da práxis humana da imagem”. Para o autor, no culto aos mortos, “uma imagem age como meio para o corpo ausente, e com isso entra em jogo um conceito de suporte completamente diferente ao que a ciência midiática emprega atualmente, ou seja, o conceito de meio portador no sentido físico” (Idem). Por consequência, o conceito de corpo também não pode estar separado do conceito de imagem, “já que a imagem do defunto não apenas representava um corpo ausente, como também o modelo de corpo estabelecido por uma determinada cultura” (Ibidem) – e isso vale até mesmo para as imagens virtuais do corpo. Isto é, ao considerar a imagem como um “segundo corpo”, Belting entende que o que ocorre é uma “transformação de nosso próprio corpo em uma imagem” (Belting, 2007, p.44), a qual pode tanto ser uma máscara, escultura, pintura, fotografia ou uma imagem digital, por exemplo. Ao levar em conta, particularmente, as imagens de estilo figurativo (representação da forma humana), o texto se foca em especial nos formatos da pintura, fotografia e imagem digital, compreendendo que todas estas apresentam propriedades em comum às demais: ritualização do rosto vivo, memória, pós-vida e transcendência (imortalidade). Por esse motivo, são analisadas as características religiosas e ritualísticas presentes em torno do discurso de transcendência a partir da imagem, fazendo a conexão entre os imaginários históricos e contemporâneos. Isto é, como a “imaginação científica” e os modelos religiosos da Antiguidade continuam refletidos hoje, no âmbito cibernético, partindo do dualismo medieval ao monismo fisicalista e a nova espiritualidade empreendida pelos transumanistas. Inclui-se também a observação de como o culto aos mortos e as relações com o corpo se dão das imagens tradicionais (bidimensionais) às imagens técnicas (nulodimensionais) – da história à pós-história (Flusser, 2011) –, levando em conta os apontamentos de Belting

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Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e bacharel em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Publicou artigos nos livros Comunicação e Cultura do Ouvir (2013) e Comunicação, Tecnologia e Cultura de Rede (2010).

(2007) sobre a história do retrato e sua função como registro à memória, além de fazer a conexão com o conceito de pós-vida (Nachleben) de Aby Warburg. O corpo: das imagens antigas às imagens técnicas

Segundo Vilém Flusser, após a criação e multiplicação dos dispositivos eletrônicos e digitais, passamos a viver numa era denominada “pós-história” (Flusser, 2011), na qual nos encontramos cercados principalmente por “imagens técnicas”, isto é, imagens que codificam textos (códigos binários) e eliminam textos (escrita). Estas seriam a principal expressão da contemporaneidade e, diferentemente das imagens tradicionais, que são aquelas produzidas por um agente humano (pintor, escultor, ilustrador), as imagens técnicas são criadas a partir de uma mediação entre o agente humano e um aparelho, por exemplo a câmera fotográfica ou o computador a partir de um software gráfico. Flusser indica que toda imagem é “mágica e seu observador tende a projetar essa magia sobre o mundo” (Flusser, 2011, p.32) e, conforme as imagens técnicas compõem boa parte de nosso entorno atual, passamos a viver “cada vez mais obviamente ... em função de tal magia imaginística: vivenciamos, conhecemos, valorizamos e agimos cada vez mais em função de tais imagens” (Idem). Assim, parece justo considerar um estudo antropológico das imagens, conforme faz Belting (2007, p.14) ao entender que “o corpo enfrenta sempre as mesmas experiências, como o tempo, espaço e morte, as quais já capturamos a priori como imagem”. Desde a perspectiva antropológica, o ser humano não aparece como amo de suas imagens, senão – algo completamente diferente – como “lugar das imagens” que tomam possessão de seu corpo: está à mercê das imagens autogeradas, mesmo quando tenta dominá-las. Sem dúvida, seus testemunhos em imagem demonstram que a troca é a única continuidade da qual pode se dispor. ... A incerteza sobre si mesmo gera no ser humano a propensão de se ver como outro e em imagem. A criação de imagens no espaço social, algo que todas as culturas fizeram, é outro tema referente à atividade de percepção sensorial de qualquer pessoa ou da produção de imagens interiores (Belting, 2007, p.14).

A partir do momento em que o homem teve suas mãos livres do solo e passou a caminhar sobre os dois pés, em postura ereta, ele liberou os dedos para que estes produzissem “coisas e pensamentos” (Bello, 2012, p.35). Quer dizer, o homem pré-histórico usava suas ferramentas também para produzir as primeiras formas de escrita e imagens, sendo estas majoritariamente representações de animais em vez de humanos. Isto porque, conforme explica Jean Clottes em A conquista do imaginário (2002), o "poder atribuído à imagem ..., em muitas civilizações, é equivalente à realidade" (Bello, 2012, p.34). Por outro lado, Boris Cyrulnik, em Falar de amor à beira do abismo (2006), indica que pintar animais "permitiu ao homem compreender a si mesmo e ao mistério do mundo" (apud Bello, 2012, p.34), já que a percepção primitiva era provavelmente de que o homem era apenas um "animal diferente".

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Usando materiais naturais como carvão e óxidos de ferro, ou mesmo os próprios dedos umedecidos pela saliva e ressecados pelo sopro, esses homens registraram suas memórias de caçadores e usaram as imagens como "'tranquilizantes' que contribuíram para a nossa sobrevivência no mundo" (Bello, 2012, p.35). Nesse sentido, as imagens passaram a ser "meios de vinculação desses homens com o universo ... Representaram a vitória sobre a ameaça do tempo. Transformaram-se em portadoras de desejos de imortalidade" (Idem). Portanto, as imagens se tornaram símbolos, conteúdos que transbordam do interior ao exterior do homem, em suportes: da condição de imagens endógenas para imagens exógenas. As primeiras são “próprias do corpo”, enquanto que as outras “necessitam sempre primeiro de um corpo técnico da imagem para alcançar nossa visão” (Belting, 2007, p.26). Tal condição pode ser observada a partir da neurobiologia, que trata da “representação interna” produzida pelo aparelho perceptivo e armazenada na estrutura neural, ou a partir das ciências da cultura, que estudam a mesma questão a partir das relações de intercâmbio entre a “produção de imagens mentais e a produção de imagens materiais em uma época determinada, na qual as últimas deveriam ser contempladas como representação externa” (Idem). Para Belting (2007, p.27), “só nesse sentido é possível falar de uma história das imagens, de maneira similar ao que ocorre com a história do corpo ou do espaço”. Seguindo essa lógica, Margaret Wertheim estudou, justamente, a história do espaço e identificou a evolução do conceito desde a Idade Média até o fim do século XX. De modo semelhante a Belting, Wertheim (2001, p.27) também afirma que “nossas concepções de espaço e as concepções que temos de nós mesmos estão inextricavelmente entrelaçadas”. E acrescenta: Como nós, seres humanos, estamos intrinsecamente incrustados no espaço, o que pensamos ser deve logicamente refletir em nossas concepções do esquema espacial mais amplo. Nesse sentido uma história do espaço torna-se também uma investigação de nossas concepções cambiantes de humanidade. Para os cristãos medievais, que acreditavam no primado de um reino imaterial transcendente presidido por um espírito divino, era impossível imaginar seres humanos sem seu próprio espírito ou "alma"; no entanto, para os materialistas modernos, que veem o universo puramente como uma esfera física, os seres humanos se tornam quase inexoravelmente seres puramente físicos (Wertheim, 2001, p.27).

Assim, tanto a arte quanto a ciência agiram de modo a transformar a visão imaterial e transcendente do cristianismo medieval, sendo esta bem representada por Dante Alighieri em A Divina Comédia. Fosse a partir da pintura em perspectiva ou conforme as novas leis da física que, segundo Wertheim (2001), teriam inclusive sido influenciadas por artistas como Giotto, essas eram duas frentes que buscavam uma nova compreensão do mundo e do estar no mundo. No século XX, o conceito de espaço sofreria novamente uma modificação conforme os computadores ligados em rede deram origem à Internet e a um novo espaço não físico (euclidiano e relativístico): o ciberespaço. Mesmo que durante a Idade Média, por volta do século XII, o discurso científico estivesse

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entremeado pela narrativa religiosa, como no caso de Roger Bacon , isso foi suprimido pelo materialismo e pela visão fisicalista do mundo. Contudo, como indica Wertheim (2001), ao reduzir pela metade as duas dimensões medievais (espiritual e humana), o materialismo e sua visão monística do mundo e do homem passaram a ser insuficientes para as pessoas. Em resposta a essa supressão, discursos espirituais foram direcionados ao ciberespaço e, de acordo com a autora, isso é “parte integrante de um padrão cultural muito mais amplo que é, ele próprio, uma reação a esse reducionismo rígido” (Wertheim, 2001, p.29). Hoje está em curso uma forma de pensamento denominada transumanista, que defende a busca pela imortalidade a partir de diferentes métodos, seja por meio biológico ou cibernético, como é a ideia do upload da mente humana em máquinas. A proposta foi feita nos anos 1980 pelo especialista em robótica Hans Moravec, em seu livro Mind Children. Para ele, o homem seria capaz de “transcender a carne e viver para sempre no domínio digital” (Wertheim, 2001, p.15), tornando sua mente, desse modo, “livre de substratos” (substrate-independent mind). O termo é usado por Randal Koene, neurocientista holandês que tem pesquisado a emulação do cérebro humano em uma máquina. Além desse seu projeto, intitulado Carbon Copies, Koene também participa da 2045 Initiative, na qual estão reunidos especialistas em neuroengenharia, robótica, inteligência artificial, futuristas e até mesmo pessoas ligadas a questões espirituais, como é o caso do monge budista Phakyab Rinpoche e do arcebispo da Igreja Ortodoxa americana Lazar Puhalo. Além disso, os transumanistas têm tomado iniciativas mesmo no âmbito político, criando o Transhumanist Party (Partido Transumanista) que, atualmente, possui representantes nos Estados Unidos e no Reino Unido – há até mesmo um candidato para as eleições presidenciais americanas de 2016. No caso da 2045 Initiative, os participantes estão interessados em, primeiramente, criar um robô humanoide intitulado “Avatar” e definir o estado da arte dos sistemas de interface cérebro-computador. Na página oficial do projeto, é indicado que “a próxima fase consiste em criar um sistema de suporte à vida para o cérebro humano e conectá-lo ao ‘Avatar’”, sendo a última etapa a criação de um “cérebro artificial no qual será transferida a consciência original do indivíduo”. Nesse estágio, aliás, os pesquisadores afirmam que, apesar de não ser a meta atual, tentarão “criar um corpo holográfico ou um corpo de luz”. Vale fazer aqui um comentário sobre o termo avatar. Com origem no sânscrito ava-tāra (descida de uma entidade do céu), a palavra passou a ser usada, principalmente no âmbito informático, durante os anos 1980, ao se referir a videogames e seus personagens. Assim, segundo o Wiktionary, é possível entender avatar como "uma representação digital ou o suporte de uma pessoa ou ser", sendo que isso pode se dar de várias formas: em imagens 3D, fotos animadas, ilustrações de pessoas ou ainda o "alter ego" de um indivíduo que pode ser usado em um mundo virtual ou numa sala de bate-papo virtual. Por último, avatar também pode se referir à "encarnação física de uma ideia ou conceito, uma personificação" – tanto que, no hinduísmo, o termo está relacionado à encarnação de uma deidade, particularmente Vishnu.

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Roger Bacon foi um filósofo inglês e monge franciscano que, após o fracasso da sétima cruzada, em 1267, enviou um tratado ao Papa Clemente IV, no qual defendia o valor da ciência para o cristianismo, evidenciando então o novo pensamento fisicalista.

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Com quase 38 mil membros associados à comunidade online, a 2045 Initiative conta também com o 3

apoio de pessoas como o Dalai Lama e Martine Rothblatt . Desde 2011, a iniciativa fundada pelo empresário russo Dmitry Itskov vem chamando a atenção dos transumanistas que, inclusive, fazem doações ou são convidados a fazer uma aplicação de pelo menos 3 milhões de dólares para uma possível customização de um ‘Avatar’ próprio. Isto é, ainda que o formato de transcendência, extensão da vida ou aquisição da imortalidade, nesse caso, seja a partir de robôs que, em última instância, poderiam ser transformados em hologramas (portanto, imagens), nos primórdios do imaginário transumanista havia o desejo de viver na máquina, em um mundo simulado. Desde livros como Neuromancer (1984), em que o autor, William Gibson, moldou o pensamento em torno da vida no ciberespaço (e inclusive cunhou esse termo), até Hans Moravec em Mind Children, o imaginário cyber esteve interessado numa “vasta simulação em computador ... [que] recriaria no ciberespaço toda a história da humanidade” (Wertheim, 2001, p.16), permitindo, desse modo, “a todos que viveram em qualquer tempo alcançar a imortalidade no ciberespaço” (Idem). Seguindo esse raciocínio, há defensores do ciberespaço que “sonham em se livrar por completo do que um comentador chamou de ‘o lastro da materialidade’” (Wertheim, 2001, p.19). Isso, aliás, não é nada novo, como afirma a autora, já que teria a ver com um “desejo de escapar da encarnação física”: “A cultura ocidental carregou essa semente nas profundezas de si mesma desde o tempo de Platão, e no cristianismo ela floresceu na tradição gnóstica” (Wertheim, 2001, p.19). De qualquer maneira, seja com robôs-avatares (como proposto no filme Surrogates, de Jonathan Mostow) ou como hologramas de luz (ideia abordada nos quadrinhos Transmetropolitan, de Warren Ellis), bem como os avatares em simulação virtual, todos são desdobramentos da imagem: em três, duas ou nenhuma dimensão, segundo a Escalada da Abstração de Vilém Flusser (Flusser, 2008). Mas esse tipo de tradução do corpo em imagem, diagnosticado por Belting (2007), já ocorria na época dos brasões e heráldicas, que datam do século XI. Tanto estes quanto a fotografia ou ainda o espelho e a pintura “comprovam, como meios arquetípicos, a capacidade humana de traduzir corpos tridimensionais em um meio que nos contradiz de maneira tão profunda por tratar-se de uma superfície” (Belting, 2007, p.31). Ambos os brasões e os retratos passaram a funcionar como “‘meios do corpo’, no sentido de que apareceram no lugar do corpo, estendendo sua presença temporal e espacialmente” (Belting, 2007, p.144). No caso do culto aos mortos, há ainda a troca de um “corpo perdido por uma imagem, por meio da qual [o falecido] permanecia entre os vivos” (Belting, 2007, p.38). Nesse movimento, portanto, está representado um arquétipo da imagem no qual estariam contidas “todas as experiências anteriores com a imagem” (Idem), sendo estas baseadas na consciência de que “utilizamos nosso próprio corpo como meio para gerar imagens interiores ou para captar imagens exteriores” (Ibidem).

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Empresária americana fundadora e CEO da United Therapeutics Corp, companhia de biotecnologia. Martine Rothblatt é uma mulher trans que se considera transumanista e que adquiriu um busto robótico e realista da esposa Bina.

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Assim, a imagem, ou mais propriamente o retrato, torna-se o “segundo corpo” que, no caso da nobreza, um quadro era usado durante as cerimônias da corte para dar um testemunho do “eu” dinástico. Já no âmbito burguês, retratos serviam de culto aos antepassados, de celebração aos mortos. No alto Renascimento italiano, alguns retratos privados levam a inscrição emblemática v.v., que se lê como vivens vivo, ou “[pintado] em sua vida para o [espectador] vivo”. Aqui encontramos uma reflexão intermedial do comportamento do corpo e do retrato. O retrato se pinta em vida do corpo. Dado que este é mortal, sobrevive unicamente para quem dirigir seu olhar ao retrato. Essa ideia é mencionada por Leone Battista Alberti em seu tratado sobre a pintura: “Graças à pintura, o rosto de quem já morreu goza de uma longa vida”. Assim, a pintura proporciona no retrato uma imagem para a recordação, que se opõe à morte. Mas o argumento vai ainda mais longe. Vive da analogia entre o corpo e um meio do corpo. Essa analogia existe somente porque um retrato representa alguém que alguma vez viveu em um corpo da forma que agora se vê na imagem. Por isso também resulta na tão importante “expressão” vital que se esperaria da pintura dos mortos. O corpo, como um meio vivente, faz intercâmbio com um meio artificial e artisticamente produzido, no qual se recorda a um sujeito memorável (ainda que seja por motivos afetivos). Deste modo, a vida e a morte aparecem simultaneamente no olhar do espectador (Belting, 2007, p.168).

Portanto, seria ainda possível fazer uma divisão entre as imagens post mortem, isto é, quadros e fotografias de defuntos, e os retratos vivens vivo, feitos com o sujeito ainda vivo. Independentemente da condição do retratado, a finalidade continua sendo a extensão da vida e transferência do corpo humano para o corpo imagético. Para Belting (2007, p.31), é “somente por meio das imagens [que] nos libertamos da substituição de nossos corpos aos que podemos olhar à distância”. E isso valeria mesmo ou ainda mais no caso das imagens técnicas: “Os espelhos eletrônicos nos representam tal como desejamos ser, mas também como não somos. Mostram-nos corpos artificiais, incapazes de morrer, e com isso satisfazem nossa utopia in effigie”(Belting, 2007, p.31). Permanecer vivo na imagem significa permanecer vivo em memória. Segundo Belting (2007, p.156), a burguesia renascentista encomendava retratos para que o sujeito continuasse a “ser reconhecido por meio da recordação” e para que fossem feitos “apelos pela salvação da alma da pessoa representada in absentia”. Isto é, o quadro passava a funcionar como um meio do corpo morto continuar em comunicação com os vivos e com o tempo: O rosto frontal que busca nosso olhar (do mesmo modo como faria um corpo vivo no trato com o espectador) é, de certa forma, uma máscara que se separou do corpo graças à cópia em pintura. Por detrás do retrato se oculta um rosto mortal, com o qual devemos estabelecer comunicação através do meio, através de um rosto pintado. O retrato não é um documento, senão um meio do corpo, no sentido de que convida o espectador a participar. Como meio, o corpo mortal obteve uma imortalidade paradoxal, que até então só o signo heráldico havia reclamado para si mesmo (Belting, 2007, p.156).

Do mesmo modo, Wertheim (2001) diagnostica isso a partir das imagens compartilhadas na internet. O próprio meio já teria favorecido uma “crescente ênfase dada à imagem” (p.20), algo que também foi apontado por Flusser (2011) sobre as imagens técnicas, mas a autora americana indicou, no ano da publicação, que uma comunicação online feita por imagens se tornaria ainda mais popular e que essas fotografias e vídeos compartilhados no ciberespaço se tornariam “avatares” que comunicam por nós. Essa prática pode ser

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observada atualmente, mais de dez anos depois, nas redes sociais como Facebook e Instagram, mas também em aplicativos móveis como Snapchat e Vine. De forma mais óbvia, no entanto, esses avatares estão presentes na forma de personagens customizáveis em simuladores online e em realidade virtual, como os chamados MUDs (Multi-User Dungeon) e os MMORPGs (Massively multiplayer online role-playing games). Com a chegada dos óculos de realidade virtual Oculus Rift, mais empresas estão desenvolvendo conteúdo em realidade virtual, como foi o caso do simulador de viagem espacial Elite: Dangerous. Lançado em dezembro de 2014, o game segue o conceito de “mundo aberto” ao criar galáxias e planetas baseados na Via Láctea e em aglomerados reais. O jornalista Lee Hutchinson (2014) descreveu, em uma resenha publicada no site ArsTechnica, que o Oculus fez a experiência de jogo “incrível e impossível de descrever”. Ao comentar sobre uma de suas ações no game, na qual fez um “salto” de uma colônia espacial em direção a uma estrela, ele vislumbrou uma “perfeita conjunção estelar, como se fosse algo feito por Kubrick, faltando apenas um monolito para fazer a imagem completa”. Cinemática, a experiência visual proporcionou ao jogador a imagem de um sistema de sóis binários: “Logo acima de mim, grande como Deus, enquanto minha estrela de referência estava entre eles e o planeta que dominava um quarto da parte inferior de minha visão. Foi, literalmente, de tirar o fôlego” (Idem). Talvez seja porque, ao parear o movimento feito no mundo real e físico com o rastreio rotacional e posicional, eu não notei nem mesmo uma pequena náusea ou vertigem – o que seu ponto de vista está fazendo na tela combina perfeitamente com o que está fazendo na vida real. Talvez porque, até onde posso lembrar, eu sempre quis pilotar minha própria nave espacial. E agora, real e verdadeiramente parece que eu estou. A cabine e os instrumentos holográficos são ótimos, mas é essa sensação de presença que faz [a simulação] tão poderosa. Estar sentado e olhando para a parte de fora da janela da minha nave enquanto eu navego é simplesmente... viciante” (Hutchinson, 2014).

Por fim, enquanto os softwares em realidade virtual cada vez mais têm aprimorado a experiência de 4

vivência numa simulação , entende-se que as imagens técnicas têm ganhado ainda mais força e fundamento como um “segundo corpo” em que o homem pode, talvez, não ainda prolongar a sua vida, mas estendê-la do mesmo modo que propunha Marshall McLuhan (1974) ao tratar das mídias – afinal, imagens também são mídia.

O eu: indivíduo divisível

Considerando a ideia de Belting (2007) de que o “eu” se torna imortalizado nas obras de arte e de que o corpo, sujeito à morte, assim poderia escapar subjetivamente desta a partir da imagem, ainda se deve levar

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A Sony anunciou, em março de 2015, que os óculos de realidade virtual Project Morpheus devem chegar ao mercado no primeiro semestre de 2016 e funcionarão integrados ao PlayStation 4. Além disso, Mark Zuckerberg, executivo-chefe do Facebook, declarou no Mobile World Congress (2015) que, logo, os conteúdos compartilhados na rede social serão em realidade virtual, como anteriormente a tendência foi o formato de texto, imagem e então vídeo (Estadão, 2015).

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em consideração que o autor entende que esse processo não se tratava de uma diferença entre identidade coletiva e individual, mas de que o “espírito” (mens) se punha em contraposição ao corpo – o que vai contra a concepção do cristianismo medieval, mas não deixa de ser um parecer dualista. Além disso, a vida póstuma adquirida por meio da imagem “se distinguia também da vida póstuma da alma cristã no além devido às suas pretensões individualistas de permanecer na memória” (Belting, 2007, p.169). Assim, apesar da importância do discurso religioso impregnado nessa situação, é mais interessante aqui discorrer sobre a função da memória sobre a qual atuam as imagens. É algo que vai na linha do raciocínio de Vilém Flusser, quando este dizia que “nós devemos sobreviver na memória dos outros” – especialmente se considerarmos o significado do retrato para a burguesia, conforme apontado por Belting (2007). Por isso, o quadro Timoteo (1432) serve como um exemplo de um autêntico retrato funerário, como confirma Belting (2007, p.158), ao destacar a presença da inscrição funerária “LEAL SOUVENIR” (memória fiel) e também a rachadura sobre a idade na lápide pintada, que alude ao ano da morte, de modo que isso “dá um novo sentido ao retrato como meio para recordação”. O mesmo vale para a fotografia, seja ela post mortem ou um registro trivial feito pela câmera fotográfica. Para Hallam, Hockey (2001, p.141), fotografias têm servido como uma expressão de sentimento e reduzido em escala o corpo humano, guardando traços deste em um formato que pode ser tido como uma “posse preciosa”. Citando Marina Warner, em The Inner Eye: Art beyond the visible (1996), as autoras indicam que os primeiros retratos fotográficos ocidentais criaram uma forte semelhança com o corpo, assim como relíquias de santos, máscaras mortuárias, estátuas de cera e modelos anatômicos de seres humanos também pertencem a uma categoria de “nem mortos, nem vivos” (apud Hallam, Hockey, 2001, p.142). Do mesmo modo, a fotografia tem a capacidade de preservar, ou manter vivos, aspectos daqueles que se foram e daqueles que morreram: “preservar a identidade, criando um memorial que pleiteia a imortalidade e emite um desafio ao tempo – em nome de alguém”. Fotografias, nesse contexto, mantêm uma relação particular com o corpo – elas não possuem carne humana como no caso das relíquias, mas elas invocam a proximidade do tempo em que foram feitas. É essa proximidade, contato, ou o espaço físico compartilhado pela câmera e a pessoa que permitem à fotografia um poder de evocar sensações e intimidade com aquele que partiu (Hallam, Hockey, 2001, p.142).

Já nos vídeos e imagens digitais, é um caso em que “animamos as imagens, como se vivessem ou como se falassem conosco, quando as encontramos em seus corpos mediais” (Belting, 2007, p.16). Segundo o autor, “a percepção das imagens, um ato da animação, é uma ação simbólica que se pratica de maneira muito distinta em diferentes culturas ou técnicas de imagem contemporâneas” (Idem). No entanto, Belting considera que o culto aos mortos praticado por meio de máscaras, pinturas, fantasias ou múmias funcionava de maneira mágica e ritualística. Essa experiência teria sido perdida na atualidade, quando temos imagens em movimento e com som, técnicas que compensam a apropriação mítica da imagem. O autor afirma que “quando as imagens foram retiradas dessa função ... perderam toda relação com a atividade de culto. Na prática ritual, pelo contrário, fazia-se com que elas falassem por meio de apelações e encenações na comunidade” (Belting, 2007, p.184).

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Portanto, era justamente a animação que se adquiria por meio do ritual que “outorgava vida à imagem, vida que esteve sempre latente na encarnação na imagem” (Idem). Então, “se a prática mágica caiu em desuso, a imagem já só podia ser um pedido para a recordação. Mas inclusive a recordação, exercida pelos meios próprios do espectador, era outra maneira de encarnação da imagem” (Belting, 2007, p.184). Isso significa que, por mais que as imagens técnicas não possuam a mesma magia mitológica também vislumbrada por Flusser (2011) nas imagens tradicionais, as mais recentes continuam mágicas ao prolongarem sua função de “encarnação, como re-presentação, ao espectador e às suas imagens interiores. A recordação no sujeito individual apagou a prática coletiva de imagens de culto aos mortos” (Belting, 2007, p.185). Nesse sentido, a imagem é caracterizada por uma sobrevivência, uma pós-vida ou vida póstuma (Nachleben) que anima e configura um novo modelo de temporalidade. Ou seja, aquilo que é figurado em uma imagem traz de volta “afinidades com o tempo do inconsciente, do retorno do recalcado e a forma do posteriori” (Lissovsky, 2014, p.315). O movimento, a animação que Warburg coloca em jogo, não é apenas o deslocamento de um ponto a outro, mas salto, montagem, repetição e diferença, na confluência entre memória e corpo, diante de coisas que são, ao mesmo tempo, arqueológicas (fósseis, sobrevivências) e correntes (gestos, experiências). Isto é, diante de imagens: “é uma questão não apenas de encarnar as sobrevivências, mas também de criar uma reciprocidade ‘viva’ entre o ato de conhecer e o objeto de conhecimento” (Lissovsky, 2014, p.315).

Apesar de o conceito warburgiano dizer mais respeito à sobrevivência de um “inconsciente histórico” do que à sobrevivência daquilo ou daquele que é retratado, é justamente esse poder da imagem que reforça uma temporalidade estendida em forma de arquétipos. Nesse caso, seria interessante citar ainda o conceito de pintura encarnada de Georges Didi-Huberman. Influenciado por Warburg, ele faz o mesmo questionamento de Belting sobre o paradoxo existente entre a carne a superfície: Cumpre, pois, interrogar-se sobre esse encarnado, a começar pela impossível arbitragem da palavra. En, seria dentro, seria sobre? E a carne, não seria o que em todo caso designa o sanguinolento absoluto, o informe, o interior do corpo por oposição à sua branca superfície? Mas então, por que nos textos dos pintores as carnes encontram-se constantemente invocadas para designar seu Outro, isto é, a pele? Talvez seja porque esse equívoco mesmo, essa impossível arbitragem, já constitua algum fantasma maior da pintura (Didi-Huberman, 2012, p.32).

Desse modo, numa relação de imagem como fantasma e corpo encarnado na imagem, Didi-Huberman (2012, p.37) explica que a pintura aparece colorida como se “dotada de sintoma”, dotada das “capacidades de epiphasis e de aphanisis, que se reconhecem em um corpo quando é habitado, atravessado, assombrado pelos tormentos, pelos reviramentos de humor”. Trata-se de um colorido “por meio da qual a pintura pode se imaginar como corpo e como sujeito”. O olhar de compaixão das imagens milagrosas da Virgem (e, ao olhar, ela não olha senão a mim), ou o sangue da Paixão que brota da superfície dos ícones do Cristo, flagelados por algum herético, quiçá curioso de experimentar a imagem tanto quanto a divindade ..., esses olhares e esses sangues não indicam nada diferente de um fantasma relativo aos meios da própria pintura: olhar e cor líquida (DidiHuberman, 2012, p.38).

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É na cor do retrato que Didi-Huberman enxerga a vida, a encarnação do sujeito que faz o cruzamento entre a existência do suporte (sub, de debaixo), a existência colorida (jectus, que é jogado, sobre o suporte) e a existência significante (o que faz impossível o discernimento entre o que é o sujeito e o que é subjectus, sujeitado). Assim, o indivíduo (do latim in, privativo + dividere, dividir, portanto, sem divisão, indivisível) é sujeito e sujeitado na pintura. Não é mais indivisível, da mesma forma que seu equivalente grego atomo. No fim do século XIX e início do século XX, novos componentes subatômicos e estruturas interiores ao átomo foram descobertos. Como consequência, passou-se a discutir se o átomo como conhecemos hoje (átomo químico) seria o mesmo estudado por Demócrito ou se este já discorria sobre partículas subatômicas atualmente estudadas pela física quântica. Desse modo, seria possível entender que o indivíduo, o homem, também pode ser divisível como o átomo? No ensaio Da Imortalidade (s.d.), Vilém Flusser argumenta que o homem paleolítico provavelmente não se via como inteiro, mas como integrado (à tribo, ao ambiente vital). Por isso, por não ser inteiro (indivíduo), ele também não possuía um corpo e, nesse caso, a morte como desintegração não corresponde, porque vivo ou morto, o corpo do homem paleolítico sempre esteve integrado ao “ecossistema”. Em razão disso, a morte paleolítica não é tida como ponto final, mas como “ponto em ciclo” – daí também os ritos funerários em que o homem de Neanderthal punha seus mortos em posição fetal, provavelmente sugerindo renascimento (Bystrina, 1995). Flusser, então, sugere também que em nossa época, pós-histórica, estamos retornando ao paleolítico ao pensarmos sobre a morte. Do caçador paleolítico que “ainda” não se tinha como indivíduo até nós, há milênios que nos separam e que se repercutem em individualização progressiva. Contudo, afirmar isso é curioso, porque se há progressivamente mais individualizações, é porque também há progressivas divisões, as quais nos trazem mais perto do indivisível – o “indivíduo”, aquilo que recusa ser dividido. Mas tanto o caçador paleolítico não era indivíduo porque “ainda” não sabia dividir quanto nós “já” não o somos também, “porque sabemos que nada é indivisível” – nem mesmo o átomo. Flusser lembra que tanto “dividir” quanto “cortar em rações” provêm do mesmo gesto e, por conta disso, o caçador não é indivíduo por “ainda” não raciocinar e nós também já não o somos porque raciocinamos ao extremo (“até a raiz, radicalmente”). No entanto, isso não significa que o homem paleolítico não raciocinava ou não dividia, no sentido de cortar em dois, uma vez que isso é gesto humano e o caçador o realizava, por exemplo, ao criar facas (instrumento, tecnologia). É essa ferramenta que executa o corte entre sujeito e objeto, fazendo a divisão entre homem e mundo. Apesar disso, o abismo formado entre os dois não é irreversível: homem e mundo se integram, de modo que a fabricação de facas (racionalidade) não o impede de praticar rituais e celebrar a magia (irracionalidade). Por conta desse aspecto é que, justamente e outra vez, Flusser argumenta: “Embora pois o caçador, sendo homem, seja bicho alienado, sabedor da morte, concebe a morte não como ponto final, mas como ponto em ciclo”.

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E assim, cada vez mais refinando seu corte e tornando suas rações cortadas cada vez mais finas, o homem vislumbrou que “tudo que era cortável era sempre melhor definido”, mesmo nem tudo sendo cortável – o sujeito dos objetos, o indivíduo. Mas com recortes cada vez mais esguios, a ponto de alcançarem o nível das “partículas de partículas”, o homem entrou num âmbito tão minúsculo que passou a não ser mais concebível, palpável pelos dedos, apreensível (lembrando que o verbo apreender vem do latim apprehendere, que significa agarrar, tomar posse de). Para Flusser, isso “rebateu sobre o sujeito até então mal raciocinado”, mal dividido. Raciocínio neurofisiológico, psicoanalítico, existencial (e outro) passou a recortar o sujeito em rações de partículas como actomas, decidemas, bits de informação, saltos sobre fendas do sistema nervoso. Ora, isto não apenas destruiu todo conceito de "indivíduo" (nenhum núcleo duro do sistema psicossomático resistiu à faca da razão), mas destruiu igualmente a distinção entre sujeito e objeto. ... Em meados do nosso século, a razão cortadora tinha reduzido tanto objeto quanto sujeito à poeira da análise calculadora, e as facas não têm mais o que cortar doravante. O paleolítico foi restabelecido: morte enquanto desintegração não mais é concebível (Flusser, s.d.).

O grifo acima vem como uma lembrança a outro conceito descrito por Flusser e também trabalhado pelo filósofo alemão Dietmar Kamper: a Escalada da Abstração (Treppe der Abstraktion). A pós-história, bem como a telemática, atuaram na progressiva e acelerada transferência de valor para as não-coisas (Undinge), em contraposição às coisas materiais (corpóreas). Como lembra Baitello (2014, p.25), não se trata aqui das nãocoisas da interioridade, do pensamento, "mas daquelas que sobrevivem apenas no mundo de fora, nas abstrações e subtrações". Portanto, Flusser usa o termo "nulodimensional" para as "configurações produzidas por aparelhos técnicos programáveis, com algoritmos que geram ilusões de imagens, imagens fugidias, não palpáveis, imateriais, imagens no ar e no vazio, no nada e no vento" (Baitello, 2014, p.25). Dessa forma, se Flusser em Da Imortalidade sugere que o homem, durante seu processo de racionalização, reduziu tanto objeto quanto sujeito "à poeira da análise cortadora", é porque ambos já atingiram o nível dos bits de informação, de abstração calculada em máquinas computacionais – seja na forma de imagem digitalizada, de registro numérico (RG, CPF, IP), de mente independente de substrato (substrateindepent mind). E, seguindo esse mesmo raciocínio, estamos novamente integrados ao "ecossistema" uma vez rompida a casca do Eu, como sugere Flusser: "Estamos desintegrados enquanto possuidores de corpo e conceitos como 'alma', 'espírito', 'o Eu' etc, não mais nos dizem respeito".

A desintegração da individualidade (a descoberta de que tudo que se passa "dentro do sujeito" pode ser dividido em partes sem jamais resultar em núcleo indivisível) levou ao abandono da distinção entre sujeito e objeto, "dentro" e "fora". Isto, por sua vez, tornou possível simularmos os processos "interiores" (pensamentos, decisões, projetos etc) em fenômenos "exteriores". Por exemplo: se todas as nossas decisões se revelam, sob análise, enquanto computações de decidemas pontuais, torna-se possível construir instrumentos que decidem. Mas sabemos (graças a análises precedentes) que instrumentos rebatem sobre quem os utiliza. Por exemplo: alavancas são máquinas que simulam braços, mas com o tempo o utilizador de alavancas move os braços como se fossem alavancas. De maneira que a simulação dos processos outrora tidos por "interiores" (mentais) em instrumentos "exteriores" (físicos) leva necessariamente a um comportamento "mental" mecânico e calculado. O resultado disto é que cai por terra a distinção entre "corpo" e "mente". Os dois se confundem, e afirmar que a mente é "como o corpo se move", ou que o corpo é "mente palpável" passa a afirmar o mesmo de dois pontos de vista. Ao se desintegrar o possuidor do corpo (a mente), desintegrou-se igualmente o corpo (Flusser, s.d.).

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Assim, se aceita a hipótese do indivíduo como existência divisível, é possível entender como a imagem se daria como uma extensão, sobrevivência, segundo corpo ou encarnação do homem, já que este passa a ser visto dissolvido em seu “ecossistema” e a morte não mais tida como um processo de desintegração. Sendo que, tudo isso vem como um sintoma do traumatismo causado pela consciência da morte e do choque diante da noção da perda da individualidade causada pelo fim da vida (Morin, 1970). Como “solução”, o homem encontraria, portanto, nas imagens, nos textos de cultura (Lotman, 1996) e nos códigos terciários (Bystrina, 1995), uma forma de lidar com a assimetria da morte sobre a vida. Por conta disso é que, segundo Bystrina (1995, p.8), “em todas as culturas o homem aspira sempre a uma imortalidade, ou seja, à vida após a morte” e o faz assim a partir de dinâmicas simbólicas, com a criação de mitos e ritos, imagens e textos de cultura que fazem parte do que o semioticista chama de Segunda Realidade. A ideia vai ao encontro do conceito de Segunda Existência trabalhado por Morin (1979) e também de Semiosfera, segundo Iuri Lotman.

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Referências

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Bibliografia complementar

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