Identificação de convênios administrativos no direito brasileiro

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IDENTIFICAÇÃO DE C O N V Ê N I O S A D M I N I S T R A T I V O S NO DIREITO BRASILEIRO Thiago

Marrara'

Resumo: Este artigo pretende apontar os elementos de identificação dos convênios administrativos no Direito brasileiro, analisar em que medida tais acordos constituem contratos administrativos e, ao fim, verificar se a figura do convênio se beneficia de um regime jurídico próprio no ordenamento brasileiro. Palavras-chave: Direito administrativo. Convênio administrativo. Abstract: This essay intends to point out the elements which identify a public cooperation agreement in Brazilian Law; to analyze whether such agreements could be regarded as administrative contracts and to verify, in the end. which rules and principies govern it. Keywords: Administrative law. Public cooperation agreements.

1. Introdução O presente ensaio visa traçar critérios para a identificação de convênios administrativos e apontar as implicações jurídicas daí decorrentes sob a ótica do regime jurídico estrutural dos contratos administrativos, cujas bases se encontram na Lei n. 8.666/93 e suas alterações posteriores, mas nela não se esgotam. 1 A escolha do objeto de estudo se justifica por duas simples razões. Em primeiro lugar, não há posicionamentos claros, nem na doutrina, nem na jurisprudência, sobre quais sejam os elementos essenciais do convênio administrativo. Não existe sequer unanimidade sobre a natureza jurídica deste instrumento, quer como espécie de contrato administrativo, quer como outra espécie qualquer de ato jurídico. Em segundo lugar, por conseqüência dessa indefinição conceituai resultam dificuldades para se desenhar o regime jurídico estrutural que os rege, impossibilitando a

Mestre em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Para alguns autores, não há que se falar em regime jurídico padrão quando se analisam contratos administrativos, uma vez que suas várias espécies teriam regras muito distintas. "Los contratos que celebra Ia administración tienen todos un régimen en parte de derecho publico, pero que no es uniforme; todos pueden ser denominados contratos administrativos" G O R D I L L O , Agustín. Tratado de derecho administrativo, tomo I. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. XI-35. N o mesmo sentido, J U S T E N FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 278.

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compreensão dos limites de aplicabilidade de regras e princípios de licitação e contratos administrativos sobre eles. Por tudo isso, é necessário que se concentrem maiores esforços para se responder os seguintes questionamentos: 1) Quais são os elementos que permitem a identificação de um convênio administrativo? 2) Os convênios são espécies de contrato administrativo? 3) Quais são os efeitos jurídicos da identificação dos convênios frente ao art. 116 da Lei n. 8.666/93? As respostas a tais questões automaticamente lançarão um método de reconhecimento desses convênios e de definição de seu respectivo regime jurídico. 2. Elementos de identificação dos convênios administrativos Nas diversas definições de convênio administrativo e, especialmente, no rol traçado por Di Pietro para distingui-lo do contrato administrativo em sentido estrito, vislumbram-se duas categorias de critérios, a saber: uma relativa ao conteúdo das obrigações contidas em seu instrumento (aqui chamados de critérios materiais) e outra concernente aos partícipes, ou seja, à natureza jurídica e às finalidades das pessoas que o celebram (ora designados critérios pessoais). 2 Esses dois conjuntos de critérios resumem os elementos essenciais de certo convênio e, indiretamente, justificam seu regime jurídico peculiar dentro da teoria dos contratos administrativos. Tais critérios fornecem, outrossim, os parâmetros para que se responda à segunda pergunta aqui proposta, a saber, se os convênios são espécies de contratos administrativos. Anote-se, por oportuno, que tais elementos também aparecem em outras espécies de contratos administrativos em sentido amplo, razão pela qual não servem, isoladamente, para que se identifique um convênio. Por isso, indicam uma condição necessária, mas geralmente insuficiente para a configuração desta espécie de ajuste. Na realidade, o reconhecimento do convênio depende de uma análise global das cláusulas contidas em seu instrumento de formalização; análise cujo resultado demonstre a predominância dos elementos mencionados a seguir, revelando uma relação jurídica de coordenação (e não-subordinação) e cooperação (interesse na produção dos mesmos resultados concretos).

2

A escolha desses critérios, no presente trabalho, foi influenciada pelas exposições de JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva. 2005, p. 282, e de Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 292. Por conveniência explicativa, porém, preferiu-se dividi-los, aqui, em elementos materiais e pessoais.

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2.1

Critérios materiais

2.1 -1

Rilateralidade e cooperação Dentro da teoria geral dos negócios jurídicos, a bilateralidade implica a

existência de direitos e obrigações para ambas as partes. A comutatividade, por outra via, sugere a contraposição dos interesses das partes, de modo que a prestação, por alguém, eqüivale à (contra)prestação de outrem. 3 Aparentemente, a comutatividade assemelha-se à chamada reciprocidade obrigacional. No entanto, não se pode dizer que elas sempre revelam um jogo de vantagem e desvantagem. Em regra, os convênios administrativos envolvem a união de esforços de dois ou mais entes, necessariamente públicos ou, possivelmente, privados, em busca de um resultado comum de interesse de ambos partícipes. 4 Trata-se de um "contrato cooperativo", tal como o contrato de sociedade no direito privado. 5 Isso significa que as obrigações constantes de um convênio administrativo devam apontar seu caráter bilateral, resultante da soma de esforços de todos os partícipes, e cooperativo, em busca da consecução de metas e ações finais comuns/' Daí porque não haveria espaço para se falar em prestação e contraprestação, mas tão-somente em prestações. Não se entenda com isso, porém, um empecilho à natureza recíproca das obrigações previstas. 2.1.2. Tipo das obrigações: dar, fazer e não-fazer Como espécie própria de contrato, conforme se demonstrará mais adiante, o convênio administrativo admite obrigações de dar, fazer e, excepcionalmente, não-fazer. Isso não-obstante, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre a presença de obrigações de dar e não-fazer nesses instrumentos. 3

1

5

ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 673; JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 283-284; e GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 09 e seguintes. Maria Sylvia Zanella Di Pietro esclarece que "no convênio, busca-se um resultado comum que deverá ser usufruído por todas os partícipes... as vontades, nos convênios somam-se em busca do interesse comum". Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 292. Marçal Justen Filho afirma que "não é possível compreender os institutos do convênio e da concessão de serviço público sem utilizar o conceito de organização ou de comunhão de escopo". Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 284. Pontes de Miranda explica que "a finalidade comum está na base do contrato de sociedade. Não há a prestação e a contraprestação". Tratado de direito privado, t. XXXVIII. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. p. 12. Prossegue o autor afirmando que "nos negócios plurilaterais ninguém contrapresta. Todos prestam" (p. 64). Leon Fredja Szklarowsky sustenta que, nos convênios, "as pretensões são sempre as mesmas, variando apenas a cooperação entre si, de acordo com as possibilidades de cada um, para a realização de um objetivo comum". Convênios, consórcios administrativos, ajustes e outros instrumentos congêneres. Revista do Tribunal de Contas da União, v. 29, n. 75, jan./mar., 1998. p. 75.

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Se, em regra, os partícipes têm objetivos institucionais idênticos, comuns ou complementares e, conseqüentemente, o convênio administrativo serve como instrumento para a busca de seus interesses. Assim, quanto maior a cooperação e a união de esforços (geralmente por obrigações de fazer e dar), melhores serão os resultados obtidos (objetivos do convênio). As obrigações de não-fazer, no entanto, são geralmente incompatíveis com esse caráter construtivo ou sinérgico dos convênios administrativos, haja vista que exigem ou omissões ou, no mínimo, atos de tolerância, revelando-se como uma auto-restrição para o sujeito passivo da obrigação. 7 Sendo assim, a inclusão de tais obrigações em convênios administrativos deve ter caráter excepcional. Em todo caso, deverão ser plenamente compatíveis com os objetivos do ajuste e, indiretamente, com a razão de existir dos partícipes - principalmente com a finalidade pública dos entes administrativos envolvidos. 8 Estes entes não poderiam afastar em espécie contratual o que previram os diplomas normativos que os criaram, pois, do contrário, estariam afrontando a legalidade administrativa. De outro lado, as obrigações de dar não poderão ser previstas além do necessário à consecução do objeto negociado nos convênios. Toda transferência de bens entre os partícipes que tenha por finalidade gerar vantagens econômicas sem correlação com o objetivo da cooperação será ilegal, implicando enriquecimento ilícito, de uma parte, e desvio de finalidade, de outra. 2.1.3. Vantagens econômicas e natureza pecuniária das obrigações Diversos

autores elegeram

a ausência

de

benefícios ou

vantagens

econômicas dos partícipes como característica marcante do convênio administrativo, o que justificaria, inclusive, a inaplicabilidade das normas sobre contratos administrativos sobre esses acordos de vontade.1' Ocorre

que

a

ausência

de

benefício

econômico

nos

convênios

administrativos é puramente ilusória. 7

8

9

GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 40. Sobre obrigações administrativas em geral, cf. FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. Obrigações administrativas. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 25 e seguintes. Marçal JUSTEN FILHO ensina que "as obrigações de não fazer apresentam relevância menor na contratação administrativa. Isso não significa que o contrato administrativo não possa prever obrigações de não-fazer". Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 286. Neste sentido, escreveu Justen Filho que "o convênio não produz benefícios econômicos ou vantagens econômicas para nenhuma das partes, o que afasta a aplicação das regras genéricas sobre contratação administrativa" Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 286. Não se aceita, aqui, essa asserção.

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Vantagens econômicas nem sempre significam ganhos contábeis. Todo ingresso financeiro é vantagem econômica, mas nem toda vantagem econômica se reduz a um ingresso financeiro, monetário. Assim, um convênio que preveja a criação de um programa de mestrado entre duas universidades públicas pode implicar a prevenção de despesas públicas, tendo em vista a possibilidade de se compartilhar recursos humanos, como docentes e servidores não-docentes, e físicos, como bibliotecas, salas de aula, centros de informação e informática. Existem aí vantagens econômicas claras. Por essa razão, melhor seria dizer, como o fez Di Pietro, que, no convênio, não se deve cogitar de remuneração

para os partícipes. Isso não impediria, porém, a

presença de cláusulas sobre os valores pecuniários necessários à concretização do ajuste. 10 De fato, não haveria motivo para se negar a existência de cláusulas com conteúdo pecuniário, geralmente denominadas cláusulas financeiras. Nada obsta o repasse de recursos entre partícipes, gerando-se benefícios econômicos para um ou todos eles, desde que na proporção exigida para a consecução dos fins previstos no ajuste. Inaceitável seria apenas a existência de cláusulas de preço, remuneração ou qualquer outra que revelasse o intuito de lucro para qualquer uma das partes. Aliás, por esse mesmo motivo, torna-se obrigatória a vinculação de todos os recursos financeiros e bens envolvidos nos convênios às finalidades nele previstas, fazendo todo sentido a regra do art. 116, § 5 o da Lei de Licitações. 2.1.4. Características indiretas O caráter cooperativo do convênio determina sua arquitetura contratual, atraindo determinados tipos de cláusulas "mais amigáveis" Disso decorre a inadequação de diversas regras de Direito Administrativo e Direito Privado em relação a estes instrumentos. A título de ilustração, a previsão de termos de ajustamento e conclusão de atividades, bem como as cláusulas de mediação e arbitragem no tocante à solução de controvérsias que possam surgir são muito mais coerentes ao espírito do convênio do que cláusulas de foro ou regras sancionatórias em favor de um ou outro partícipe. Nesta lógica, também são incompatíveis com os convênios quaisquer modalidades de cláusulas penais, garantias ou arras - comuns nos contratos privados.

"'

Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 292. SZKLAROWSK.Y cita julgado do TCU negando a possibilidade de se prever contraprestação pecuniária em dinheiro nos convênios (TCU, DOU de 18.09.1985, p. 133.651). Convênios, consórcios administrativos, ajustes e outros instrumentos congêneres. Revista do Tribunal de Contas da União, v. 29, n. 75, p. 75, jan./mar. 1998.

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A natureza cooperativa dos convênios administrativos ainda teria o poder de repelir cláusulas de permanência obrigatória e de permitir a inclusão de novos partícipes que pudessem colaborar efetivamente à consecução dos objetivos nele previstos." 2.2.

Critérios pessoais

2.2.1. Pessoalidade no cumprimento das obrigações A busca de objetivos comuns exige soma de esforços, tornando a pessoalidade uma característica natural dos convênios administrativos. 12 Por isso, não faria qualquer sentido aplicar mecanismos licitatórios para escolher os partícipes. A pessoalidade ou natureza personalíssima das obrigações constantes de um convênio administrativo redunda, de outra parte, na inadmissibilidade relativa, ou de regras de cessão ou subcontratação neste tipo de instrumento.

apriori,

13

Poder-se-ia, neste ponto, discutir se os convênios administrativos deveriam prever unicamente obrigações personalíssimas. Entretanto, ainda que a predominância de tais obrigações seja essencial e inafastável para a caracterização do convênio, parece que não seria de todo incabível que "atividades-meio" fossem executadas por outras pessoas jurídicas em razão de cláusula de subcontratação ou cessão. Por outro ângulo, as obrigações dos convênios administrativos presumem-se todas personalíssimas, ressalvada a possibilidade de adimplemento, por terceiros, de obrigações procedimentais simples, para as quais a presença dos partícipes não seja justificável ou essencial e, obviamente, desde que não se gerem custos extras e desnecessários. Mesmo cumprindo tais requisitos, é prudente que haja menção expressa, no corpo do instrumento de convênio, sobre a ausência de pessoalidade em relação a certas obrigações.

ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 676; Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 293; e MEIRELLES. Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 398. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 188. Neste mesmo sentido, JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 284-285. Escreve o autor paranaense que "... há certas contratações em que as características pessoais do contratado são essenciais para o desempenho satisfatório da função administrativa. Nesses casos, haverá contrato administrativo intuito personae" (...) "os contratos administrativos personalíssimos são pactuados mediante um procedimento específico e não admitem cessão ou subcontratação..."

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2.2.2. A natureza jurídica dos partícipes e seus objetivos institucionais Para além da discussão sobre as pessoas autorizadas a adimplir as obrigações previstas nos convênios administrativos, há duas outras que

merecem

destaque. Seria possível indagar, em primeiro lugar, se os partícipes devem apresentar características específicas, ou seja, se os convênios podem ser assinados somente por pessoas que tenham determinada natureza jurídica. Em segundo lugar, seria necessário responder, ultrapassando o problema sobre a natureza jurídica, se os partícipes devem ter objetivos institucionais idênticos. Quanto ao primeiro aspecto, não existe no ordenamento jurídico, nem mesmo implicitamente, vedação para que qualquer pessoa jurídica, de direito público ou privado, celebre convênio administrativo. Vale dizer que não há limitações para a celebração de convênio em razão da natureza jurídica dos partícipes. Por isso, seria possível a celebração de convênio entre: 1. ENTES PÚBLICOS DA MESMA ESPÉCIE. São exemplos desta modalidade aqueles firmados entre duas universidades públicas com o objetivo de efetivar a realização de intercâmbio de alunos, a organização de pesquisas conjuntas ou o oferecimento de cursos. u Até pouco tempo, também se incluíam nesta categoria os consórcios públicos, incluindo os intermunicipais. No entanto, com a Lei n. 11.107/2005, os consórcios públicos passaram a ser entendidos como associação pública ou pessoa jurídica de direito privado, deixando patente a inconveniência de se empregar, desde então, o termo consórcio como hipótese específica de convênio entre entes da mesma natureza; 2. ENTES PÚBLICOS DE DIFERENTE ESPÉCIE e/ou diferente nível político, como um acordo celebrado entre a União e alguns Municípios para o desenvolvimento econômico de uma região. Essa espécie de convênio aparecia na Constituição Federal de 1967, em seu art. 13, § 3o e, atualmente, está prevista no Código Tributário Nacional, em seu art. 83, e no Decreto-Lei n. 200/67, no art. 10.'5 3. ENTES PÚBLICOS NACIONAIS E ESTRANGEIROS, como um convênio firmado entre uma Fundação de Fomento à Pesquisa e uma Organização Internacional; 4. ENTES PÚBLICOS E ENTES PRIVADOS, nacionais ou estrangeiros, tal qual o acordo firmado entre um hospital público brasileiro e um hospital privado estrangeiro com o objetivo de cooperar no tratamento de determinadas doenças.

Odete Medauar esclarece que os acordos entre Universidades são chamados impropriamente de convênios, em contraste ao que prega a doutrina. Convênios e consórcios administrativos. Boletim de Direito Administrativo, v. I I , n. 8, p. 452, ago. 1995. Cf. também M E I R E L L E S , Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 399. N o entanto, com a nova lei sobre consórcios públicos, parece que o melhor é denominar todos os acordos do gênero ora examinado c o m o convênios, mesmo quando celebrados por entes da mesma natureza. Dl P1ETRO, Maria Sylvia /.anelIa. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002. p. 191.

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A possibilidade de participação em convênios administrativos não é limitada pela natureza jurídica ou política do partícipe, mas fica restrita a entes com objetivos institucionais idênticos, comuns ou complementares - e sempre lícitos. Os partícipes apresentam objetivos idênticos notadamente quando revelam a mesma natureza estatal e/ou sua finalidade decorre da lei ou da Constituição, tal como ocorre com os entes políticos (pessoas jurídicas de direito público) ou os partidos políticos (pessoas jurídicas de direito privado); têm objetivos comuns quando apenas algumas de suas finalidades são idênticas, o que se verifica em convênio entre uma agência de fomento e uma universidade, ambas com o objetivo de estimular a pesquisa; e teriam objetivos

complementares,

quando apesar de terem focos institucionais distintos, o

objetivo do convênio é adequado para todos os partícipes, tal como se vislumbra em um acordo de cooperação entre uma entidade privada (como uma associação de moradores) e uma entidade pública (um Município) para a restauração de bens do patrimônio histórico e cultural. Aliás, mesmo neste último caso, a celebração do convênio produz vantagens para ambas as partes. 2.2.3. A participação de pessoas físicas e pessoas jurídicas de intuito lucrativo A despeito das possíveis espécies mencionadas, ainda sobram duas questões em relação aos partícipes dos convênios, quais sejam: 1) poderia ser celebrado convênio com pessoa física? 2) Pode-se celebrar convênio com pessoa jurídica de direito privado que tenha intuito lucrativo? O conceito doutrinário de convênio deixa implícito que este instrumento não é celebrado com pessoa física, mas, no Direito Positivo, não existe tal limitação. Na verdade, o convênio é apenas dispensável ou inadequado pelo fato de existirem outros mecanismos jurídicos

que

permitem

a colaboração

de

pessoas

físicas

com

a

Administração Pública. São deles exemplos os contratos de doação e, mais atualmente, os termos para exercício de serviço voluntário para fins científicos, culturais, educacionais, cívicos ou assistenciais. 16 Isso explica a razão pela qual geralmente se afastam as pessoas físicas da figura do convênio administrativo. Verifica-se, pois, apenas inutilidade prática, mas não-ilegalidade em se aceitar que pessoas físicas figurem como partícipes de convênios, ainda mais quando sua cooperação ou colaboração poderia ser vantajosa para a Administração. 16

Lei n. 9.608/98. Art. I o , capul: "Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade"

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Finalmente, deve-se notar que não há empecilho legal a priorí em relação à celebração de convênio com pessoa jurídica de Direito Privado que tenha intuito lucrativo. A predominância

das atividades

lucrativas,

por exemplo,

das

empresas,

não

as

impossibilita de praticar outras de caráter cooperativo com a Administração Pública, principalmente com a popularização da idéia de responsabilidade social. Na maioria das vezes, o ganho econômico com a celebração do convênio é indireto para o partícipe privado, tal como a melhoria da imagem da organização. Isso, contudo, não prejudica a utilização do convênio, a não ser quando a colaboração seja de interesse de outros entes privados, demonstrando importância em termos concorrenciais. Neste caso, deve-se utilizar a figura do contrato administrativo em sentido estrito e, por conseqüência, o ente público interessado está obrigado a empregar

procedimento

licitatório. Naturalmente, o convênio de um ente privado com a Administração Pública não poderia servir para beneficiar alguns agentes de mercado em detrimento de outros. Dessa sorte, a ponderação das implicações concorrenciais deve preceder o ato de escolha da Administração pela celebração de convênio ou de contrato administrativo em sentido estrito - caso em que se aplicará licitação. 3. Convênios são contratos administrativos? A

enumeração

de

alguns

elementos

característicos

dos

convênios

administrativos não é suficiente para que se defina o bloco de legalidade que sobre eles paira. Para saber quais são as regras e princípios que os regem, seu regime jurídico, há ainda que se discutir se são contratos administrativos e em que sentido pode ser compreendida esta expressão. Há basicamente três posições doutrinárias sobre o assunto no Brasil: a que considera os convênios uma espécie de contrato administrativo (minoritária); a que nega este posicionamento (majoritária) e a que os designa como atos

administrativos

complexos (também minoritária). 3.1.

Convênios são contratos administrativos A defesa dos convênios como modalidade de contrato administrativo se

encontra com mais força nas obras de Justen Filho e Medauar. Para o administrativista paranaense, o convênio seria uma das três espécies de contrato administrativo, ainda que sujeito a um regime jurídico próprio.' 7

17

JUSTEN FILHO, Marçal. Cursos de direito administrativo.

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Além do mais, seria problemático sustentar que os convênios são espécie distinta do contrato administrativo em razão ou dos "resultados comuns" buscados pelos partícipes ou do critério de competências comuns das partes ou da ausência de cláusulas de remuneração nestes instrumentos, haja vista que estas características podem estar presentes em outras espécies de contratos administrativos, como nos de concessão de serviço público. 18 3.2.

Convênios não são contratos administrativos Para Di Pietro, Meirelles e Cretella Júnior, convênios não são contratos

administrativos por diversas razões. A presença de interesses coincidentes dos partícipes nos convênios seria incompatível com a exigência de interesses opostos, que é um traço marcante dos contratos. Em segundo lugar, os partícipes, diferentemente das partes de um contrato, estariam em idêntica posição jurídica, ainda que cada uma colabore na medida de suas forças para a realização do objetivo negociado. 14 Enfim, sob esse posicionamento, se sustenta que se convênios fossem contratos administrativos, o art. 116 da Lei n. 8.666/93 não teria razão de existir.2" 3.3.

Convênios são atos administrativos complexos Com suporte no conceito de ato conjunto (Gesamtakt) criado por Otto

Gierke e, mais tarde, difundido no direito administrativo pelos italianos, Moreira Neto desenvolveu uma teoria brasileira do ato administrativo complexo. 21 Ao lado dos contratos administrativos, tais atos seriam espécies do gênero atos administrativos plurilaterais. Em poucas palavras, os atos administrativos complexos exigiriam a manifestação de vontade de duas entidades, "cada uma delas com sua personalidade

respectiva

jurídica" (complexidade subjetiva) e que produziriam efeitos cumulados

(complexidade objetiva), mas voltados a interesses comuns."" Is

"

20 21

22

MEDAUAR, Odete. Convênios c consórcios administrativos. Boletim de Direito Administrativo, v. 11, n. 8, p. 455. ago. 1995. Hely Lopes Meirelles sustentava que "convênios administrativos são acordo firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes". Não se trataria de contrato, senão mero acordo, pois há interesses coincidentes e não opostos, como nos contratos. Direito municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2001. p. 397. Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 291. MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 185 e seguintes. Nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o ato administrativo complexo seria o "concurso de manifestações de vontade autônomas em que, conforme a espécie, uma delas, várias ou todas emanam da

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Ocorre que, diferentemente do que se entendeu na Itália, Moreira Neto pretendeu incluir atos praticados conjuntamente por pessoas jurídicas de direito público e privado, sem caráter estatal ou paraestatal, como espécies de atos administrativos complexos, ampliando o conceito originário de complexidade subjetiva. Em última instância, isso autorizaria a incluir os convênios administrativos como exemplos do conceito.23 Nesta linha, seguiu-lhe Araújo. 24 Existe aí, porém, um problema insuperável: a ampliação da complexidade subjetiva exigiria que o direito administrativo autorizasse a prática de atos administrativos por pessoa jurídica de direito privado sem qualquer caráter estatal ou paraestatal e, o que é mais problemático, sem qualquer relação com o exercício de função administrativa. Fora isso, afigura-se questionável empregar novos conceitos científicos quando se constata que outros conceitos consagrados ainda são úteis para explicar a realidade analisada. Aliás, apropriado foi o alerta de Rivero sobre a freqüência e o perigo . . .

.

25

de termos insuficientemente precisos no direito administrativo. O reconhecimento do convênio administrativo não afasta a aplicação da categoria dos contratos administrativos e sua teoria. Diz-se isso, pois o próprio Moreira Neto afirma que "por

serem

os atos administrativos

complexos

e os

contratos

administrativos espécies do mesmo gênero, o pacto, os seus elementos são os mesmos que foram estudados no contrato administrativo":

Não há, pois, motivo para que se busque

em outras categorias jurídicas um corpo de regras e princípios que a dos contratos administrativos já oferece aos convênios, respeitando suas peculiaridades. 3.4.

Como enquadrar juridicamente os convênios administrativos? Araújo resume bem os dois aspectos que afastariam os convênios da

categoria estrita do contrato administrativo, a saber: a questão dos interesses ou vontades

"6

Administração Pública, tendo por objeto comum a constituição de uma relação jurídica de coordenação de vontades, nas modalidades de cooperação ou de colaboração, visando a um resultado de interesse público, comum às partes acordantes e de competência, pelo menos, de uma delas" (grifos do autor). Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 186. Para o Diogo de Figueiredo Moreira Neto, "convênio é o ato administrativo complexo cm que uma entidade pública acorda com outra ou com outras entidades, públicas ou privadas, o desempenho conjunto, por cooperação ou colaboração, de uma atividade de competência da primeira" (grifos do autor). Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 189. ARAÚJO. Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 676. "Convênios e consórcios são incluídos, por certos doutrinadores, na categoria de atos complexos, com o que concordamos..." (grifos do autor). RIVERO, Jean. Curso de direito administrativo comparado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 56 e seguintes. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 187.

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paralelas (elemento volitivo) e a ausência de supremacia de qualquer um dos partícipes sobre o outro." 7 A

primeira

questão

envolve

necessariamente

posicionamentos

terminológicos. A importância do elemento volitivo na configuração dos convênios depende da abrangência que se dê à expressão contratos administrativos e outras que lhe são conexas. Vale lembrar, apenas de início, que a definição de contrato administrativo contida no art. 2 o . da Lei n. 8.666/93 não consagra a idéia de que o contrato administrativo depende de interesses contrapostos, mas tão somente que envolve obrigações recíprocas.2* Como

as

obrigações

recíprocas

não

são

sinônimas

de

interesses

contrapostos, indicando, simplesmente, a existência de bilateralidade contratual, os convênios poderiam se enquadrar, sem grandes questionamentos, na definição legal. Aliás, por isso mesmo que se fez necessária uma exceção legal, expressa no art. 116 do diploma, para que os convênios não sejam atingidos automaticamente por todas as normas contidas na Lei n. 8.666/93. Se os convênios não fossem contratos administrativos nos termos do art. 2 o o diploma legal não teria criado uma norma de exceção para definir o regime jurídico que os disciplina, como o fez no art. 116. A lei supõe que os convênios são parte do gênero contrato administrativo, mas abre espaço para normas próprias que sejam mais adequadas ao seu objeto justamente como ocorre com o contrato de concessão de serviço público no ordenamento brasileiro, disciplinado pela Lei n. 8.987/95 e por outros diplomas setoriais. A diferença é que, para os convênios, não existe uma lei ordinária específica."' Por vezes, a exceção legal aberta pelo art. 116, referente aos convênios, serve de argumento para se defender a inexistência do caráter contratual destes negócios jurídicos. Contudo, para derrubar esse argumento, basta que se parta do pressuposto de que, no presente ensaio, fala-se de contrato administrativo em sentido amplo, como contratos da Administração, que não se limitam ao regime da Lei n. 8666/93. 30 O conceito

27

28

29

30

Edmir Netto de Araújo assevera que "os interesses que motivam as declarações dos sujeitos da relação podem ser opostos, criando obrigações reciprocas (no caso dos contratos), quando o Estado se situa em posição de preponderância em relação ao particular, regendo-se a relação por regime jurídico de direito público... ou, então, paralelos, com o interesse público coincidente no objetivo comum, e posição idêntica dos partícipes, da Administração Pública (no caso dos convênios e consórcios), sem essa relação de supremacia de uma entidade sobre a outra" Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 673. Pelo art. 2". parágrafo único, da Lei n. 8.666/93: contrato é "todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações reciprocas, seja qual for a denominação utilizada" Ainda que não haja lei ordinária própria, no nível federal, a Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional n. 001/1997 disciplina, de modo bastante abrangente, a formalização de convênios administrativos. A expressão contratos de Administração é utilizada por GORDILLO, Agustin. Tratado de derecho administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. Xl-l e seguintes; ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de

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amplo de contrato administrativo permite a superação do regime previsto na lei geral, englobando outros ajustes celebrados pela Administração, assim como os convênios, as concessões etc. Voltando-se ao elemento volitivo, questiona-se se a presença de vontades contrapostas não seria comum ao conceito de contrato, tal como defendem Cretella Júnior e Moreira Neto. 31 Neste aspecto, tanto Bandeira de Mello e Justen Filho, 32 quanto Pontes de Miranda, deixam claro que se pode utilizar a expressão contrato, mesmo quando não haja vontades contrapostas, ou seja, mesmo quando as partes estejam interessadas em um objetivo único, ainda que pratiquem atos distintos e complementares, a exemplo do que se vê no contrato

de

sociedade. 33

Estendendo

a discussão

no

âmbito

do

direito

administrativo, Medauar concluiu ser inviável negar a natureza contratual dos convênios por falta de vontades contrapostas dos partícipes.3"4 Trata-se realmente de questão difícil. Mesmo em contratos privados, a primeira vontade das partes é a de celebrar o negócio e, em segundo lugar, a de obter uma prestação que lhe satisfaça. Isso leva a crer que existem pelos menos dois grupos de interesses em jogo: o interesse comum no ajuste em si e o interesse recíproco, porém distinto, nas prestações concretamente consideradas. Naturalmente, em todo contrato, o interesse na celebração do contrato é idêntico, mas o interesse nas prestações é apenas recíproco. direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 613; e por CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 153. Noção ampla de contrato administrativo é igualmente empregada por JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 278. Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto, os contratos administrativos são "manifestações de vontades recíprocas, sendo uma delas da Administração Pública, que. integradas pelo consenso, têm por objeto a constituição de uma relação jurídica obrigacional, visando a atender, com prestações comutativas, a interesses distintos, um dos quais é público". Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 163. Para José Cretella Júnior, o contrato administrativo seria "convenção ou acordo celebrado por pessoa jurídica pública com outra pessoa jurídica pública ou com particular, tendo em vista o interesse público". No contrato administrativo deveria haver vontades contrapostas. Dicionário de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 153 e 154. Para Marçal Justen Filho, o contrato administrativo é "o acordo de vontades destinado a criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, tal como facultado legislativamente e em que pelo menos uma das partes atua no exercício da função administrativa". O autor admite "a possibilidade de contrato administrativo de que não participe o Estado... portanto, o fundamental reside não na identidade da parte, mas na qualidade jurídica em que ela atua" JUSTEN FILFIO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 278. Pontes de Miranda ensina que "negócios jurídicos bilaterais e negócios jurídicos plurilaterais compõem interesses que se contrapõem ou que são paralelos" (grifos nossos). Tratado de direito privado, t. XXXVIII. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. p. 06. Na definição de contratos administrativos de Celso Antônio Bandeira de Mello não se consigna a necessidade de interesses contrapostos. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 574. MEDAUAR, Odete. Convênios e consórcios administrativos. Boletim de Direito Administrativo, v. 11, n. 8, p. 455, ago. 1995.

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Nos convênios isso também ocorre. Os partícipes nada mais fazem que eleger um objetivo comum (acordo de vontades) e atuar à medida de suas possibilidades para atingi-los. Isso não pressupõe prestações idênticas, mas simplesmente obrigações recíprocas. Assim, o elemento volitivo, a contraposição de interesses, não serve, portanto, para questionar a natureza contratual dos convênios, pois, repisando o que foi dito, a definição gira unicamente em tomo da idéia de reciprocidade de obrigações. Superada esta questão, deve-se analisar se, nos contratos administrativos, haveria, necessariamente, uma disparidade entre as partes, 35 enquanto nos convênios e instrumentos congêneres, os partícipes estariam em pé de igualdade. Hoje, reconhece-se que não há obrigatoriamente uma desigualdade entre as partes

nos contratos

administrativos.

A existência

de cláusulas

exorbitantes ou

regulamentares em alguns destes instrumentos, favorecendo a Administração Pública, seriam balanceados, na maioria das vezes, por cláusulas financeiras em benefício da outra parte. Daí não se poder aceitar que as partes, principalmente as com personalidade de jurídica de direito privado, estejam em posição de inferioridade contratual/ 6 Assim,

uma vez que a disparidade entre as partes não é mais que traço

aparente dos contratos administrativos, não há como se afastar os convênios desta categoria com base no argumento de que, neles, as partes estão em pé de igualdade por força dos interesses cooperativos e, em última instância, igualmente sujeitas aos interesses públicos primários. Superando esses dois aspectos, valeria apenas observar que não faria nenhum sentido defender teorias que afastassem a natureza contratual dos convênios para, em seqüência, defender que se lhes deva aplicar a teoria geral dos contratos. E basicamente essa contradição que afeta as posições de Moreira Neto e de Sklarowsky,' por exemplo. Se praticamente toda a teoria geral dos contratos se aplica aos convênios 35

36

37

Themístocles Brandão Cavalcanti explicava que "o contrato administrativo, embora contenha os mesmos elementos intrínsecos, comuns a todos os contratos, obedece, entretanto, a razões de interesse público que acarretam cláusulas que constituem pressupostos do próprio contraio. Essas cláusulas, nem sempre expressas, são baseadas na supremacia do interesse público que geralmente se identifica com a posição assumida pelo Estado no contrato" Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958. p. 74. CAETANO, Marcelo Princípios fundamentais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 224 e seguintes. Celso Antônio Bandeira de Mello, no mesmo sentido, rebate com boa profundidade e suporte doutrinário a pretensa disparidade entre as partes nos contratos administrativos. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 575-576. Leon Fredja Szklarowski acredita qte os convênios não são contratos administrativos, mas logo escreve que "o convênio obedece às mesmas formalidades e requisitos que a lei impõe aos contratos, destacando-se as cláusulas essenciais, o termo escrito, respeitadas as peculiaridades próprias (sic)" Convênios, consórcios administrativos, ajuste e outros instrumentos congêneres, 1998. p. 77.

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sem retirar-lhes a tipicidade conceituai, não haveria problemas, senão vantagens, em reconhecê-los como contratos da Administração ou administrativos em sentido amplo. Nesta visão, a expressão contratos administrativos deve ser compreendida como uma categoria de instrumentos contratuais celebrados pela Administração Pública sem apresentar um regime jurídico padrão ou estrutural. Envolveria, destarte, os contratos administrativos em sentido estrito, regidos basicamente pela Lei n. 8.666/93; os contratos de concessão de serviço público; os contratos regidos por normas predominantemente privadas, de direito civil e/ou comercial; e igualmente outros acordos, como os convênios administrativos,

regidos por normas gerais de

licitações e contratos

complementares expedidas pelos Estados e Municípios.

e

normas

39

4. Quais são os efeitos jurídicos da identificação dos convênios frente ao art. 116 da Lei n. 8.666/93? Se os convênios são contratos administrativos na acepção ampla do termo, 40 cabe a União definir suas normas gerais, por força do art. 22, XXVII, da Constituição da República, respeitadas as competências dos Estados e Municípios para complementá-las. No entanto, isso não significa que todas as normas da Lei de Licitações e Contratos Administrativos sejam aplicáveis aos convênios, por força de seu art. 116, caput.4i

"

Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 163. Para o autor: "... a Administração também pode celebrar vários contratos em que nenhuma das prestações ajustadas esteja dirigida a satisfazer diretamente um interesse público, como tal especificamente definido em lei\ mas, ainda que estejam sujeitos formalmente ao Direito Público, somente os contratos administrativos, caracterizados por preverem prestações de interesse público, a este se submetem materialmente" Para José Cretella Júnior, os contratos administrativos seriam apenas os submetidos a regime publicístico, cujas regras e princípios exorbitam o "direito comum" (cláusulas exorbitantes). Dicionário de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 154. Vale apenas notar que, segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o regime de direito administrativo não é derrogatório, uma vez que o direito civil não é o único direito comum existente no Estado. "(...) Se o Direito Administrativo fosse um regime derrogatório, e, por isso, excepcional, como sustentam alguns autores, ele privilegiaria o Estado, enquanto que, na realidade juspolítica do Estado contemporâneo, que se tem o cidadão como origem e destinatário do Poder Público, impende considerá-lo como mais um direito comum, apenas relativo às suas relações com o Estado (...)". Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 163. Essa divisão é praticamente a mesma de Marçal Justen Filho, que considera que contrato administrativo é gênero do qual há três espécies: "contratos de delegação de atribuições administrativas, contratos administrativos propriamente ditos e contratos de direito privado praticados pela Administração" Daí não haver um regime jurídico uniforme sobre todos eles, podendo, inclusive, haver contratos inominados. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 280. Se os convênios fossem atos administrativos complexos, como prega Diogo de Figueiredo Moreira Neto, nem as normas gerais sobre contratação, editadas pela União por força do art. 22, XXVI1 da Constituição da República, se lhes aplicariam. Não seria possível interpretar extensivamente o citado dispositivo constitucional, contrariando o princípio federativo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 164-165. Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros

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Como observou Di Pietro, apesar da redação, a norma do dispositivo precitado incide sobre todos os tipos de convênio, isto é, não apenas sobre aqueles em que há repasse de verbas ou execução de projetos de engenharia, como se poderia entender pelo texto. 42 4.1.

Inaplicabilidade de licitação Em

vista

do

art.

116 e da

pessoalidade

presente

nos

convênios

administrativos, a eles não se aplicariam os procedimentos licitatórios para a escolha de partícipes. A pessoalidade em si é causa da inviabilidade de competição 41 a qual, por sua vez, afasta a exigência de licitação. Trata-se de uma hipótese de inexigibilidade licitatória que, por sua própria natureza, não depende de previsão legal. A título

ilustrativo, não se poderia, por absurdo, exigir que

uma

universidade pública abrisse licitação para selecionar outra universidade para fins de cooperação científica com base em critérios de julgamento de melhor proposta técnica. As universidades partícipes simplesmente se escolhem por afinidades científicas, respeito, laços tradicionais de cooperação e outros

fatores personalíssimos

que geram a

impossibilidade de aplicação dos procedimentos licitatórios em hipótese típica de inexigibilidade. Mais que isso, essas características demandam a construção de um tipo contratual com base em obrigações personalíssimas, afastando diversos outros tipos de normas típicas do regime jurídico dos contratos administrativos. A esse despeito, há quem defenda a necessidade de licitação para assinatura de convênios, especialmente quando houver diversas entidades particulares que possam

43

instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração. § I o A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades da Administração Pública depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes informações: I - identificação do objeto a ser executado; II - metas a serem atingidas; III - etapas ou fases da execução; IV - plano de aplicação dos recursos financeiros; V - cronograma de desembolso; VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas; VII - se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, comprovação de que os recursos próprios para complementar a execução do objeto estão devidamente assegurados, salvo se o custo total do empreendimento recair sobre a entidade ou órgão descentralizador. § 2° Assinado o convênio, a entidade ou órgão repassador dará ciência do mesmo à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal respectiva (...). Maria Sylvia Zanella Di Pietro critica a redação do § I o , porque "dá a impressão de que somente se aplica a ajuste que tenham por objeto a realização de projetos. Isso se percebe quando se utilizam as expressões "plano de trabalho', 'etapas' e 'fases de execução', 'previsão de início e fim da execução do objeto', bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas". "Isso se justifica provavelmente porque o legislador teve em vista precisamente as hipóteses em que o Poder Público repassa verbas para as entidades conveniadas, dentro da referida atividade de fomento ou mesmo dentro da atividade de gestão associada entre entidades públicas nas matérias de competência concorrente". Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 294. Cf. Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 295.

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executar, de igual modo, as obrigações previstas no instrumento. 44 Deve-se advertir, contudo, que, havendo possibilidade clara de competição pelo baixo grau de pessoalidade que recai sobre as obrigações ajustadas, mais correto seria ignorar a figura do convênio e abrir procedimento para a celebração de contrato administrativo em sentido estrito, nos termos integrais da Lei n. 8.666/93 e outras correlatas. Aliás, a verificação de que o convênio pode causar influências negativas para o equilíbrio de mercado, atacando os princípios da livre-iniciativa, da livreconcorrência ou outras normas de direito econômico, constitui razão legal suficiente para que se prefira celebrar, no caso concreto, um contrato administrativo em sentido estrito. 4.2.

Outras regras incompatíveis com os convênios administrativos Dados os traços marcantes e as finalidades dos convênios administrativos,

bem como a exceção legal aberta pelo art. 116, diversas outras normas, regras e princípios, da Lei n. 8.666/93 não lhes seriam aplicáveis. Em outras palavras, impõe-se que seu regime jurídico seja construído com base em dois vetores essenciais: 1) flexibilidade contratual necessária à consecução dos objetivos de interesse público e 2) natureza cooperativa. Assim, por exemplo, não há que se falar de termo final para os convênios administrativos, não se aplicando o prazo limite de cinco anos, nem mesmo as regras restritivas de prorrogação. No mesmo sentido, as regras que limitam a alteração do objeto do contrato tampouco se aplicam, haja vista que os partícipes colaboram à medida de suas possibilidades, nada impedindo que ampliem suas obrigações em prol dos objetivos constantes do ajuste, independentemente dos limites de alteração do objeto dos contratos administrativos. De outro lado, as normas de sanção pelo inadimplemento do contrato administrativo não são apropriadas para convênios administrativos, restando tão somente o recurso à responsabilização civil de partícipes faltosos em sede judicial, desde que não se resolva a controvérsia por mecanismos de mediação e arbitragem que estiverem previstos no acordo. 45

Leon Fredja Szklarowsky acredita que "se várias forem as entidades particulares que se prestem para a consecução dessas atividades, inquestionavelmente deverá realizar-se licitação" Convênios, consórcios administrativos, ajuste e outros instrumentos congêneres. Revista do Tribunal de Contas da União, v. 29, n. 75, jan./mar., 1998, p. 78. No mesmo sentido, Odete Medauar afirma que "se a Administração quiser realizar convênio com resultado e finalidade que poderão ser alcançados por muitos particulares, deverá ser realizada licitação". Convênios e consórcios administrativos. Boletim de Direito Administrativo, v. 11, n. 8, ago., 1995, p. 459. Essa afirmação se baseia no argumento de que tais mecanismos de solução de controvérsias podem ser utilizados pelos entes públicos por não ser incompatível, a priori, com o principio da indisponibilidade do interesse público.

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As regras procedimentais gerais, por não afetarem o caráter cooperativo dos convênios nem os princípios gerais da Administração Pública, por força constitucional, são plenamente aplicáveis. No entanto, deverão ter caráter geral, respeitando o princípio federativo, pelo qual resta competência para que Estados e Municípios editem regras específicas sobre o assunto. 4.3.

A questão da autorização legislativa Outra antiga questão controvertida em matéria de convênios administrativos

refere-se à exigência de autorização legislativa para sua celebração. Com exceção de Meirelles, 46 a doutrina brasileira e o próprio STF são unanimemente contrários a este tipo 47

de regra.

Para Di Pietro, a autorização legislativa para a celebração de convênios é hipótese ilegal de controle do Poder Legislativo sobre atos administrativos. 48 A despeito da ilegalidade, Medauar observa que a autorização seria ato praticamente inútil, pois a Constituição da República prevê o controle posterior do convênio pelo Tribunal de Contas, nos termos do art. 71. 49 A fiscalização pelos Tribunais de Contas seria, portanto, espécie de controle legislativo, não havendo que se falar de outro com a mesma função sob o risco de se afrontar a eficiência e a razoabilidade que se espera do Estado. 4.4.

Normas de direito financeiro c diplomas complementares Enfim, nada impede que Estados e Municípios aprovem normas específicas

sobre a celebração de convênio no âmbito de sua atuação administrativa, haja vista que à União compete apenas traçar regras gerais sobre contratos administrativos, pelo art. 22, XXVII da Constituição da República. Isso não obsta, contudo, que as regras gerais de direito financeiro traçadas pela União atinjam os convênios celebrados por entes públicos de qualquer esfera da Federação, uma vez que se trata de matéria de competência concorrente dos três entes 46 47

48 49

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 398. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 677. Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002, p. 189 e seguintes. MEDAUAR, Odete Convênios e consórcios administrativos, Boletim de Direito Administrativo, v. 11, n. 8, ago., 1995, p. 458. Esta posição foi confirmada pelo STF nas ADIN 770-0, MG de 26.8.1992 e 165, de 01.02.1990, entre outras citadas por SZKLAROWSKY, Leon Fredja. Convênios, consórcios administrativos, ajustes e outros instrumentos congêneres. Revista do Tribunal de Contas da União, v. 29, n. 75, jan./mar., 1998, p. 78. Cf. também RDA 140/63 e 161/69, RT 599/22. Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 297. MEDAUAR, Odete. Convênios e consórcios administrativos. Boletim de Direito Administrativo, v. 11, n. 8, p. 458, ago. 1995.

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políticos, nos termos do art. 24, I, da Constituição. Seguindo esta visão, todos os entes políticos estariam submetidos aos parágrafos 3 o , 4 o , 5 o e 6 o do art. 116 da Lei n. 8.666/93 e outras normas do gênero. 50 A propósito, esclarece Di Pietro que as normas contidas nos parágrafos do art. 116 devem ser observadas sempre, "já que o objetivo evidente do dispositivo é o de estabelecer normas sobre a aplicação e o controle de recursos repassados por meio de convênio; essas finalidades estão presentes em qualquer convênio, independentemente de seu objeto," ressalvados os casos daqueles que não prevejam obrigações financeiras." 5. Conclusão Em breve resumo, o convênio administrativo é subcategoria dos contratos administrativos, mas esta afirmação deve ser entidade com cautela, pois esse ajuste não se identifica com um contrato administrativo em sentido estrito, de modo que não se lhe aplicam todas as regras e princípios, nem mesmos os considerados gerais, presente na Lei n. 8.666/93. A figura do convênio envolve diversas formas de contratação dentro de um padrão pré-definido, mas que não encontra, no Brasil, uma lei ordinária própria que o discipline. Portanto, rege-se por algumas normas gerais da Lei n. 8.666/93, pelas normas

50

'

Art. 116 (omissis). § 3 o As parcelas do convênio serão liberadas em estrita conformidade com o plano de aplicação aprovado, exceto nos casos a seguir, em que as mesmas ficarão retidas até o saneamento das impropriedades ocorrentes: I - quando não tiver havido comprovação da boa e regular aplicação da parcela anteriormente recebida, na forma da legislação aplicável, inclusive mediante procedimentos de fiscalização local, realizados periodicamente pela entidade ou órgão descentralizador dos recursos ou pelo órgão competente do sistema de controle interno da Administração Pública; II - quando verificado desvio de finalidade na aplicação dos recursos, atrasos não justificados no cumprimento das etapas ou fases programadas, práticas atentatórias aos princípios fundamentais de Administração Pública nas contratações e demais atos praticados na execução do convênio, ou o inadimplemento do executor com relação a outras cláusulas conveniais básicas; III - quando o executor deixar de adotar as medidas saneadoras apontadas pelo participe repassador dos recursos ou por integrantes do respectivo sistema de controle interno. § 4° Os saldos de convênio, enquanto não utilizados, serão obrigatoriamente aplicados em cadernetas de poupança de instituição financeira oficial se a previsão de seu uso for igual ou superior a I (um) mês, ou em fundo de aplicação financeira de curto prazo ou operação de mercado aberto lastreada em títulos da dívida pública, quando a utilização dos mesmos verificar-se em prazos menores que 1 (um) mês. § 5 o As receitas financeiras auferidas na forma do parágrafo anterior serão obrigatoriamente computadas a crédito do convênio e aplicadas, exclusivamente, no objeto de sua finalidade, devendo constar de demonstrativo específico que integrará as prestações de contas do ajuste. § 6 o Quando da conclusão, denúncia, rescisão do convênio, acordo ou ajuste, os saldos financeiros remanescentes, inclusive os provenientes das receitas obtidas nas aplicações financeiras realizadas serão devolvidos à entidade ou órgão repassador dos recursos, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias do evento, sob pena da imediata instauração e tomada de contas especial do responsável, providenciada pela autoridade competente do órgão ou entidade titular dos recursos. Maria Sylvia Zanella Di Pietro esclarece que as normas de controle financeiro previstas no art. 116 "decorrem do fato de que o dinheiro envolvido ainda é público, não se tratando de remuneração para qualquer uma das partes". Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 294 e 295.

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"O

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complementares dos Estados e Municípios, pelas normas de Direito Financeiro e por diplomas menores, como a IN STN n. 01/97 no nível federal. A relativa tipicidade dos convênios administrativos pode ser constatada pela exigência de obrigações recíprocas, geralmente de dar e fazer, predominantemente personalíssimas,

firmadas por partícipes de natureza

necessariamente

pública e,

possivelmente, privada, desde que tenham objetivos institucionais idênticos, comuns ou complementares. Por via negativa, tal tipicidade ainda se conforma pela ausência de regras de subcontratação, sanções administrativas, limitação de prazo de validade e restrições à alteração do objeto do convênio, respeitadas sempre as possibilidades materiais de colaboração e cooperação dos partícipes. Isso tudo sugere que um instrumento qualquer não pode ser considerado convênio administrativo, tanto mais pelo regime jurídico mais flexível que disciplina este último, decorrente da imunidade legal frente a algumas normas gerais de licitações e contratos administrativos. É necessário que se verifiquem alguns elementos materiais e pessoais para que se possa qualificar um contrato administrativo como convênio, já que todo convênio é contrato, mas nem todo contrato é convênio. Por esse motivo, deve-se trazer para este contexto, por empréstimo do Direito do Trabalho, o princípio da primazia da realidade, "em razão do qual a relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira jurídica

estipulada

pelos

contratantes,

relação

ainda que sob capa não correspondente

à

52

realidade"

Em outras palavras, não basta que se batize determinado instrumento como um convênio administrativo. Sua identificação e, por conseguinte, a aceitação do regime jurídico-administrativo "mais flexível" que os agasalha devem vir acompanhadas da verificação caso a caso dos elementos materiais e pessoais que o constituem. Sem isso, corre-se o risco de desvirtuar a atuação estatal, gerando-se benefícios ilegítimos para falsos partícipes. São Paulo, dezembro de 2005.

52

SÜSSEK.IND, Arnaldo; M A R A N H Ã O . Délio [et ai). Instituições

de direito do trabalho.

São Paulo: LTr,

2000. p. 150.

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