INVENTÁRIO DA EXPERIÊNCIA EM DEWEY

May 23, 2017 | Autor: Paulo Fochi | Categoria: John Dewey, Experiencia
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Infância e educação infantil

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS

Reitor Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, SJ

Vice-reitor Pe. José Ivo Follmann, SJ

Editora Unisinos Diretor Pe. Pedro Gilberto Gomes, SJ

Editora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Editora Unisinos Av. Unisinos, 950 93022-000 São Leopoldo RS Brasil

Tel.: 51.3590 8239  |  51.3590 8238 [email protected] www.edunisinos.com.br

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Infância e educação infantil

Marita Martins Redin Marta Quintanilha Gomes Paulo Sergio Fochi

Editora Unisinos 2013

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© dos autores, 2013 2013 Direitos de publicação e comercialização da Editora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Editora Unisinos

R317i Redin, Marita Martins, 1952-. Infância e educação infantil / Marita Martins Redin, Marta Quintanilha Gomes, Paulo Sergio Fochi. – São Leopoldo: UNISINOS, 2013. 72 p. – (EaD)

ISBN 978-85-7431-584-3

1. Educação de crianças. 2. Ensino à distância. I. Gomes, Marta Quintanilha. II. Fochi, Paulo Sergio. III. Título. IV. Série.

CDD 372.21 CDU 373.2 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Bibliotecário: Flávio Nunes – CRB 10/1298)

Esta obra segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa vigente desde 2009.

Editor Carlos Alberto Gianotti Acompanhamento editorial Mateus Colombo Mendes Revisão André de Godoy Vieira

Editoração Rafael Tarcísio Forneck

Capa Isabel Carballo

Impressão, inverno de 2013.

A reprodução, ainda que parcial, por qualquer meio, das páginas que compõem este livro, para uso não individual, mesmo para fins didáticos, sem autorização escrita do editor, é ilícita e constitui uma contrafação danosa à cultura. Foi feito o depósito legal.

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Capítulo 

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INVENTÁRIO DA EXPERIÊNCIA EM DEWEY Inspirado na metáfora de Umberto Eco sobre as listas, sobre os inventários, o presente capítulo reflete a respeito do tema da experiência na educação a partir dos preceitos de John Dewey. Propõe-se inventariar os princípios deweyanos da experiência, iniciados neste texto a partir da ideia da interação, da continuidade, do hábito e da estética. Assim como as diversas listas que Eco indica em seu livro A vertigem das listas, feitas pela arte, pela humanidade, pelos mitos e lendas, o capítulo indica sobre o começo de um tema que não se pode indicar sobre o fim, sobre o que termina, garantindo assim o sentido do sem-fim, do inacabado.

3.1  Primeiras palavras: começando o inventário É fascinante o que a etimologia de algumas palavras sempre nos ensina, em especial daquelas que com frequência utilizamos sem nos darmos conta de que em cada uma existe um mundo submerso. O autor português Vergílio Ferreira dizia que, nas palavras, a pergunta não chega, porque ela é um labirinto como a eternidade da noite. Inventário, por exemplo, termo utilizado para iniciar o título deste capítulo, vem de inventarium e é sinônimo de repertorium, “lista ou inventário”, que, por sua vez, deriva da palavra reperire, que significa re, “intenso, mais”, e parire, uma forma arcaica de paerere, equivalente a “produzir, trazer à luz”.1 A escolha de inventariar, de listar a respeito da ideia de experiência no pensamento de John Dewey parte da sugestão dada por Umberto Eco em seu livro A vertigem das listas, em que versa muito bem sobre a cultura ocidental, afirmando haver uma infinidade de listas, elencos ou inventários. Aliás, estamos repletos deles, de modo que parecem ser algo que compõe as formas como tentamos compreender e organizar as nossas vidas. O homem, ao longo de sua história, buscou por meio de diferentes listas o contável, o descritível, mas, como observa Eco (2010), esse modo primitivo de listar, à medida que fomos compreendendo a dimensão do infinito, a forma como nos mobilizamos para construir as listas da e na nossa vida também se modificaram, buscando a ideia da permanência na magia daquilo que nos escapa, das listas sem limites, man-

1 Consulta feita ao dicionário etimológico constante do endereço http://www.prandiano. com.br/htm/fcdic.htm, em 10 jan. 2012.

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tendo, assim, um espaço para o sem-fim. Eco (2009) diria: “A lista é a origem da cultura [...] o que a cultura quer? Tornar a infinitude compreensível.”2 Conforme o autor, as listas podem ser da ordem do prático, com a particular característica da finitude – como os catálogos de livros de uma biblioteca –, ou, ao contrário destas, sugerir o incontável, incomodam-nos e instaurando um profundo senso perturbador de infinitude, já que não acabam, não se concluem em uma forma. Ao mesmo tempo, a possibilidade de uma lista sem fim é a viabilidade de mantermos a vida; seria essa, de acordo com Eco (2009), a razão pela qual listamos: “gostamos das listas porque não queremos morrer.” E na experiência de não matar a experiência, listei. Listei, primeiro, perguntas que me conduziram nas buscas e reflexões sobre a dimensão do tema da experiência. Perguntas que estão presentes até o fim do texto e que, sem a pretensão de obter respostas, atuam no sentido da sedução, do seducere, variação de um verbo romano, que significa levar a um lugar afastado, sair de si, empurrar para o estranho.3 Perguntas que me seduziram na intensa reflexão a respeito da questão da experiência e que, quanto mais me aproximava das leituras sobre o assunto, mais fora de mim, em um longínquo lugar, sentia-me. A tentativa que aqui fiz de listar a experiência, a lista no seu sentido infinito, foi um exercício de sedução. Precisei afastar-me. Não listei respostas. Comecei uma lista sobre as pistas ou, como o próprio Dewey (2010a, 2010b) afirmava, princípios, para pensar a experiência. Os princípios servem-nos como forma de acessar o oculto, a verdade, se pensarmos que em “grego, a verdade pode ser dita como aletheia, que significa o ato de descobrir o oculto. [...] aqui, a verdade tem a ver com a memória” (BÁRCENA, 2005, p.17). Listei memórias e encontrei alguns sentidos para pensar as minhas experiências. E, com os princípios propostos por Dewey – da continuidade, da interação e do hábito –, as listas foram prolongando-se e entrelaçando-se, sumindo os inícios, os meios e os fins. Mas como seria listar a experiência do homem? Seria possível fazê-lo? O que define um fenômeno, um acontecimento, um encontro para que seja nomeado como uma experiência? É possível tornar palavras aquilo que vivemos, que experimentamos? As palavras dão conta da experiência ou a experiência dá conta das palavras? De Umberto Eco roubo a atração pelas diversas listas e, assim como ele, motivado pelo desafio de fazer a curadoria de uma exposição no Louvre utilizando como mote “as vertigens das listas” para inventariar a possibilidade da reflexão acerca do assunto da experiência, também opto pela lista, pelo inventário, já que, dessa forma, poderei criar meios de compreender o tema da experiência à luz do pensamento de John Dewey, em um sentido no qual 2 3

Entrevista concedida pelo autor italiano Umberto Eco, traduzida e disponibilizada no site . Acesso em: 10 jan. 2012. Consulta feita ao dicionário etimológico . Acesso em: 10 jan. 2012.

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aquilo que listarei, o inventário produzido, poderá manter seu significado de infinitude, de inacabado. E, nesse sem-fim, garantir a primazia do termo, o seu sentido vital.

3.2  Achados no inventário: dos princípios da experiência em John Dewey Percorrer as listas deste inventário da experiência me dá a possibilidade de iniciar um percurso sensível na obra de Dewey. A experiência é um dos aspectos centrais da filosofia deweyana e tem-se mostrado ponto crucial para as discussões tão desejadas pelo autor, ou seja, refletir a educação a partir precisamente deste conceito, o da experiência. Contudo, mais do que manifestar o que é ou não experiência, o presente texto propõe-se iniciar este inventário com os mais importantes princípios deweyanos para, a partir daí, abrir um vasto campo de reflexão acerca da temática, já que, para o próprio Dewey (2010b), esse tema consiste em um intercâmbio ativo e contínuo com o mundo – portanto, imediatamente transmutável: “o tempo de consumação é também o de um recomeço” (2010a, p. 81). Assim, para poder falar da experiência na ideia de John Dewey, busquei na leitura da obra A arte como experiência uma iniciação ao assunto, mais ou menos como um processo de admiração ao tema, como quando uma criança abre os olhos e começa a enxergar o mundo, descobri-lo. Uma criança que, com sua imaturidade – não no sentido de impotência, mas de potencialidade de crescer –, abre-se em um campo aberto; ad mira, olha, espanta-se. A partir dali, admirado, fui inventariando os escritos de Dewey, procurando encontrar pistas possíveis para pensar a experiência. Além do livro citado, utilizei como fonte Experiência e educação; a publicação portuguesa A escola e a sociedade e a criança e o currículo; Democracia e educação: capítulos essenciais, escrita por Dewey e comentada por Marcus Vinícius da Cunha; John Dewey e a educação infantil: entre jardineiras e cientistas, de Ieda Abbud; além da revista História da Pedagogia nº 6 (John Dewey) e do texto de Martin Jay constante do livro Variaciones modernas sobre un tema universal, especificamente o capítulo “El retorno al cuerpo mediante la experiencia estética. De Kant a Dewey”. A partir dessas fontes, fui demarcando argumentos que permitissem pensar “a experiência na medida em que é experiência, consiste na acentuação da vitalidade” (DEWEY, 2010a, p. 83). Encontrar palavras para sublinhar essa “acentuação da vitalidade” foi talvez o desafio principal, já que, desde o princípio, não procurei reduzir tal temática a um conceito fechado, rígido e, portanto, imutável. Nesse afã, acabei reportando-me sempre à dimensão da experiência na educação, talvez por ser essa a pauta do próprio autor, talvez por minhas próprias experiências na educação, acreditando em uma dimensão vital tomada por uma “troca ativa e alerta com o mundo; [...] entre o eu e o mundo dos objetos e acontecimentos” (DEWEY, 2010b, p. 83). Por isso, na minha minúscula lista, de apenas três princípios, começo por aquilo que, conforme Dewey, era central no que tange ao tópico da experiência,

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visto que, segundo o autor,“uma experiência é sempre o que é por causa de uma transação acontecendo entre um indivíduo e o que, no momento, constitui seu ambiente” (2010b, p. 45). Trago, primeiramente, a dimensão da ideia de interação em Dewey. A interação, para o autor, forma o que ele chamaria de situação. “Situação e modos de interação são inseparáveis. A afirmação de que os indivíduos vivem em um mundo significa, concretamente, que eles vivem em uma série de situações” (2010b, p. 43). A partir dessa ideia, os modos pelos quais vivemos, as situações que enfrentamos, nossa troca aberta com tudo isso faz com que as experiências vividas provoquem transformações no ambiente, mas também no próprio homem, uma vez que a experiência é contínua. O homem está no mundo, está em interação constante; assim, nessa tensão dele com o meio e do meio com ele, as emoções, as intenções e os desejos vão modificando-se e transformando tanto quem sofre como quem provoca a experiência. Assim, “quando dizemos que eles vivem em uma série de situações, [...] isso significa que, mais uma vez, está ocorrendo interação entre um indivíduo, objetos e outras pessoas” (DEWEY, 2010b, p. 43). Ao situar o homem no contexto da interação, que, em Dewey, diz respeito à tensão entre o organismo e o ambiente, o autor afirma a relação entre a esfera biológica e a natureza essencialmente cultural do ser humano, haja vista que “[...] toda experiência humana é fundamentalmente social, ou seja, envolve contato e comunicação” (DEWEY, 2010b, p. 39). De acordo com o autor, A palavra interação [...] atribui direitos iguais a ambos os fatores da experiência – condições objetivas e condições internas. Qualquer experiência normal é um intercâmbio entre esses dois grupos de condições (2010b, p. 39).

Nessa ruptura do dualismo que produzirá tensão entre o que é cultural e o que é biológico, Dewey traz a complementaridade desses dois fatores, retirando o “ou”, que indica alternância, e acrescentando o “e”, que expressa adição. Portanto, para a experiência em Dewey, é preciso levar em conta o fator interação (sujeito e ambiente/ambiente e sujeito). Este é o sentido novo que Dewey atribui à palavra experiência, até então estigmatizada pela tradição filosófica. O ser biológico, com seus caracteres herdados, é moldado pelo meio social, tendo que se acomodar a ele; tal acomodação, no entanto, nunca é passiva, pois o homem não recebe as configurações de sua cultura como um molde que se impõe sobre ele, mas vai modificando, adequando, pouco a pouco, na medida de suas necessidades, as injunções que pensam sobre ele. Em suma, o que define o homem e estabelece o conhecimento formalizado é a experiência, entendida como processo de interação entre o organismo individual e o meio social e cultural, do qual o homem é parte integrante (CUNHA, 2010, p. 26).

Entretanto, se por um lado esse processo de interação é contínuo e permanente, por outro Dewey tensiona sobre a incipiência da experiência. Não há dúvida de que a tensão está presente entre o meio e o homem; contudo, a possibilidade de tornar-se aquela experiência vai convocar outros fatores. Quando lembramos um fato vivido, é comum dizermos “aquilo, sim, foi experiência”, e

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isso tanto serve para situações de muita relevância como para outras insignificantes, e, aqui se instaura um aspecto fundamental para o pensamento deweyano de que nos movimentamos, nessa marcha da vida, motivados por aquelas experiências, que nos modificam constantemente, de modo que nunca somos os mesmos. As tais experiências estão marcadas não por um longo tempo ou importância, mas pela fruição de cada instância, de cada parte. “Ao mesmo tempo, não há sacrifício da identidade singular das partes” (DEWEY, 2010a, p. 111). Tal experiência, Dewey a chamará “experiência singular”. O autor reclamará a necessidade de uma “fusão contínua” (2010a, p.111), mesmo compreendendo que “há pausas, lugares de repousos, mas eles pontuam e definem a qualidade do movimento. Resumem aquilo por que se passou e impedem sua dissipação e sua evaporação displicente” (idem, ibidem). A experiência singular tem uma unidade que lhe confere seu nome – aquela refeição, aquela tempestade, aquele rompimento da amizade. A existência dessa unidade é constituída por uma qualidade ímpar que perpassa a experiência inteira, a despeito da variação das partes que a compõem (DEWEY, 2010a, p.112).

Conforme anotaria Dewey (2010a, p. 111), “em uma experiência, o fluxo vai de algo para algo. À medida que uma parte leva a outra e que uma parte dá continuidade ao que veio antes, cada uma ganha distinção em si.” Assim, o autor provoca a continuar a lista e, a partir daí, encontro a segunda dimensão do pensamento deweyano em torno do tema, a qual diz respeito à ideia de continuidade. Segundo o autor, “assim como nenhum homem vive e morre para si mesmo, nenhuma experiência vive e morre para si mesma” (DEWEY, 2010b. p. 28). Vivemos diversas experiências ao longo de nossas vidas e cada uma delas carrega um pouco e leva um pouco para as outras experiências. Não se trata de uma definição em relação ao percurso do homem, já que a dimensão humana está em constante movimento, mas de uma implicação para a nossa constituição de vida. A partir desse ponto de vista, o princípio da continuidade da experiência significa que toda experiência tanto toma algo das experiências passadas quanto modifica de algum modo a qualidade das experiências que virão (DEWEY, 2010b, p. 36).

Dewey, para manifestar esse princípio, busca, em sua ampla lista de autores e referências, as palavras de Lord Alfred Tennyson: “toda experiência é um arco por onde resplandece esse mundo não viajado, cuja margem desaparece toda vez que me movo” (DEWEY, 2010b, p. 36). A distância e a proximidade de um ponto estão imbricadas com as experiências que sofremos, pois, conforme a tensão do homem com o meio incide e traz das outras experiências, a relação desse mesmo homem com aquilo que vê, que sente, que pensa, já não será mais a mesma. Por isso, Dewey dirá que a unidade da experiência só pode ser expressa pela experiência, ou seja, “a experiência é de um material carregado de suspense e avança para sua consumação por uma série interligada de incidentes variáveis” (2010a, p.121).

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Assim, acreditando na dimensão social do homem e também ciente da experiência do homem, inventario o pensamento de Dewey para pensar o último princípio que inicia esta lista. Mais especialmente, o princípio que ora é anunciado, o do hábito, surge para entrelaçar os princípios antes inventariados, o da interação e o da continuidade. Isso porque, conforme o autor, Vivemos do nascimento à morte em um mundo de pessoas e coisas que, em grande medida, é o que é por causa do que vem sendo feito e transmitido a partir de atividades humanas anteriores. Quando esse fato é ignorado, a experiência é tratada como algo que se passa exclusivamente dentro do corpo e da mente do indivíduo (DEWEY, 2010b, p. 40).

No tocante a esse princípio, há que se declarar a forma como o hábito coloca em relação os dois princípios antes mencionados; contudo, é necessário chamar a atenção para o que o autor compreende por “incorporação”, já que, segundo ele, tal conceito passa por uma dimensão da reconstrução. Incorporar, segundo Dewey, não significa agregar ao que já se tem, ao que já existe, mas reconstruir o que se tem. Tal reconstrução pode ser dolorosa ou prazerosa, embora, para ele, de modo geral, o caráter da reconstrução que implica a incorporação costume ser bastante doloroso – se não no todo, em parte. A característica básica do hábito é a de que toda ação praticada ou sofrida em uma experiência modifica quem a pratica e quem a sofre, ao mesmo tempo em que essa modificação afeta, quer queiramos ou não, a qualidade das experiências subseqüentes, pois, ao ser modificada pelas experiências anteriores, de algum modo, será outra a pessoa que passará pelas novas experiências. Assim entendido, o princípio do hábito se torna mais amplo do que a concepção comum de um hábito como o modo mais ou menos fixo de fazer coisas, embora essa concepção também esteja incluída como um de seus casos especiais. A concepção ampla de hábito envolve a formação de atitudes emocionais e intelectuais; envolve nossas sensibilidades básicas e nossos modos de receber e responder a todas as condições com as quais nos deparamos na vida (DEWEY, 2010b, p. 35).

O hábito deweyano, como uma ideia de incorporação, leva a compreender, por exemplo, que os gestos, os olhares, as palavras, os ritmos e os modos de organizar a vida das crianças pequenas configuram-se, para elas, como experiências que vão construindo narrativas para os seus percursos de vida. Registro, nesse caso, na dimensão tanto das experiências positivas como das experiências negativas. Porém, não posso deixar de assinalar que essa ideia de hábito não está relacionada à transmissão. Esse processo é uma transformação que envolve o meio e o organismo: ambos são afetados e transformados pelas experiências. Conforme afirma o autor, jamais a experiência se dá somente no organismo, como tampouco é possível somente no ambiente. Além de ser necessário que essas duas esferas estejam em relação, o “processamento” da experiência acontece no sujeito, modificando-o, interpelando-o, transformando-o, mas também o faz, de forma equivalente, nas condições do ambiente.

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Vale destacar que o ambiente, nas premissas deweyanas, abarca os espaços, os tempos, as materialidades, assim como a imaginação, os sonhos, as sensações. Em outras palavras, pode-se dizer que o ambiente é “quaisquer condições em interação com necessidades pessoais, desejos, propósitos e capacidade de criar a experiência por que se está passando” (DEWEY, 2010b, p. 45).

3.3  Por fim, aquilo que poderia ser o começo Nesta lista iniciada, mas infinita, sobre a dimensão da experiência em Dewey, concluo iniciando outro aspecto importante, o da estética, ou, conforme afirma o próprio autor, uma experiência estética, e essa “não é a contemplação passiva dos objetos inertes; é ativa e dinâmica, um fluxo padronizado de energia – em uma palavra, é viva” (2010a, p. 22). Dewey defendeu a estética como um desejo, como aquilo que se espera, que não é senão um empreendimento ético do homem no mundo. Muito embora esse conceito de experiência estética esteja ligado “à perda de fé de um mundo inteligível de objetos intrinsecamente belos, e a diferenciação da arte de suas funções religiosa, política, moral e econômica” (JAY, 2009, p. 192, tradução minha). Pensar na dimensão estética implica uma capacidade da pessoa de entrar em ressonância com o mundo, de maneira que, na forma de conhecer, supõe incluir o gosto pelo belo, pelo maravilhoso, entendido como experiência, e não como adorno vazio. Por isso, a teoria estética só pode basear-se em uma compreensão do papel central da energia. [...] o caráter ordeiro da experiência estética não é imposto de fora para dentro, mas feito das relações das interações harmoniosas que as energias têm entre si. A arte não leva à experiência, ela já é uma experiência (DEWEY, 2010a, p. 41).

Assim, “quanto mais definida e honestamente se acredita que a educação é um desenvolvimento na, por e para a experiência, mais importante é que sejam claras as concepções do que seja experiência” (DEWEY, 2010, p.29). Isso, ou seja, a concepção do que seja experiência estética, que poderia ser o começo, conclui este capítulo, trazendo algumas ideias inicias da experiência estética para remontar o que, inicialmente, conduziu a escrita, a sedução e a lista. Para sair desse lugar empobrecido de dizer o que as coisas são, para sentir-me seduzido ao percorrer as inúmeras páginas dos livros que versam sobre a experiência, precisei, no desejo de compreender, listar sobre a experiência. A sedução foi fatal, encontrei algo sem fim para continuar listando. Talvez esse seja o meu desejo de manter-me vivo, ou em um experiência viva.

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REFERÊNCIAS BÁRCENA, Fernando. La experiencia reflexiva en educacion. Barcelona: Paidós, 2005. CUNHA, Marcus Vinicius da. John Dewey – Coleção Grandes Educadores. Atta Mídia e Educação. 2010. ______. Uma filosofia da experiência. In: CUNHA, Marcus Vinicius da. História da pedagogia – John Dewey. São Paulo: Segmento, dez. 2010, vol. 6, p. 90. ECO. Humberto. A vertigem das listas. Rio de Janeiro: Record, 2010. DEWEY, John. A escola e a sociedade e a criança e o currículo. Lisboa: Relógio D’água, 2002. ______. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. ______. Democracia e educação: capítulos essenciais. São Paulo: Ática, 2007. ______. Experiência e educação. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2010b. JAY, Martin. El retorno al cuerpo mediante la experiencia estética. De Kant a Dewey. In: JAY, Martin. Cantos de experiencia. Variaciones modernas sobre un tema universal. Buenos Aires: Paidós, 2009, p. 163-205.

 Este capítulo foi elaborado por Paulo Sergio Fochi.

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