Jogo e comunição: o RPG como mídia

June 30, 2017 | Autor: Matheus Romanetto | Categoria: Sociology, Anthropology, Philosophy Of Language, Communication, Games, Role Playing Game (RPG)
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Descrição do Produto

Revista cientifica da ONG Narrativa da Imaginação voltada à análise de experiências e pesquisas sobre Role Playing Game

EDITOR-CHEFE RESPONSÁVEL Ms. Rafael Correia Rocha – Universidad de la Empresa (Uruguai)

CONSELHO EXECUTIVO Dr. Sergio Paulo Morais - UFU Dr. Túlio Barbosa – UFU Ms. Rafael Correia Rocha – Universidad de la Empresa (Uruguai) Esp. Fernando Paulino de Oliveira - UFU Fernando José Calazan Florêncio – UFU

Maria do Perpétuo Socorro Calixto Marques - Unesp - Universidade Júlio de Mesquita Matheus Vieira Silva - Universidade Tuiuti do Paraná Michele Mogami - Universidad de La Empresa (Uruguai) Rafael Carneiro Vasques - Unesp Araraquara Rafael Duarte Oliveira Venancio - USP

CONSELHO CONSULTIVO Alessandro Eleutério de Oliveira – UFSCAR

Sonia Aparecida Silva Gonçalves – Uniube Wagner Luiz Schmit - Universidade Estadual de Londrina

Dilma Andrade de Paula - UFU Edvaldo Souza Couto - UNICAMP COLABORADORES EXTERNOS Fabiano Rodrigo da Silva Santos – UNESP Ana Letícia de Fiori – USP

Ana Letícia de Fiori – USP

Lucas Ferreira de Paula – UFU

Goshai Daian Loureiro - Fundação Oswaldo Cruz

Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos – UFU Luiz Falcão - Unicentro Belas Artes Márcio Roberto do Prado – UNESP Marialva Pinto Moog - Universidade do Vale do Rio dos Sinos

R349

Revista mais dados: peculiaridades sobre o role playing aqui, lá e além mar – Ano 2, v. 2 (2015) Uberlândia, MG: Narrativa da Imaginação, 2015. v. : il. ; 15 cm. Anual. ISSN: 2358-1301. 1. Educação 2. Jogos 3. Role-playing game (RPG) I. Título CDD 794 CDU 79

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP Roberta Amaral Sertório Gravina, CRB-8/9167 REVISORA: Bruna Fontana Frappa CAPA: Rafael Correia Rocha. Foto: Aquadice. Disponível em acesso em 11 de julho de 2015. PERIODICIDADE: Anual INDEXADORES: Sumários.org e Latinex DISPONÍVEL EM: http://www.narrativadaimaginacao.org.br/home/revista/

CORRESPONDÊNCIA

ONG Narrativa da Imaginação Av: Estrela do sul, 1946 – B. Osvaldo Resende - CEP 3840-399 – Uberlândia/MG E-mail: [email protected]

MAIS DADOS é uma publicação virtual da ONG Narrativa da Imaginação. Número editado pela mesma em setembro de 2015.

ARTIGOS AGÊNCIA HISTÓRICA E IMERSÃO DIDÁTICA EM JOGO: A ATIVIDADE LUDOPEDAGÓGICA JOGO DE INTERPRETAÇÃO DE PERSONAGEM HISTÓRICA (JIPH).

PLATAFORMA INCORPORAIS: EXPERIÊNCIA DIDÁTICA LUDONARRATIVA PARA PRODUÇÃO DE ILUSTRAÇÕES EM CENÁRIO DE FANTASIA ANTROPOFÁGICA

JOGO E COMUNICAÇÃO: O RPG COMO MÍDIA

RPG UBERLÂNDIA: JOGADORES, TRAJETÓRIAS E PRÁTICAS SOCIAIS (2001 a 2014)

AUTORIA

E-MAIL

Esp. Jorge dos Santos Valpaços

[email protected]

09

Dra. Eliane Bettocchi Dr. Carlos Klimick

[email protected] erativas.nom.br [email protected]

36

Matheus Capovilla Romanetto

matheus.romanetto@hotmail. com

51

Jaqueline Peixoto Vieira da Silva Ms. Rafael Correia Rocha

vida.jaquelinepeixoto@gmail .com [email protected] om

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OS EFEITOS DO USO DE ROLE-PLAYING ACADÊMICOS EM UM CURSO SERVICELEARNING DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

CONTATO

AUTORIA

Dra. Mary Lynn Crow Dr. Larry P. Nelson

[email protected] [email protected]

TRADUTOR(A)

Maykell J. S. Figueira

[email protected]

TRADUÇÃO

PÁGINA

PÁGINA

98

ENTREVISTA

¿QUE PASSA COM LOS ROLLISTAS DE MONTEVIDÉU?

Entrevistador(a) Giovanni Tavaniello

CONTATO [email protected]

Entrevistado(a)

Martin A.Perez

[email protected]

Tradução

Ms. Rafael Correia Rocha

[email protected]

TRADUÇÃO

RESENHA: PLAYING AT THE WORLD

CONTATO

Phd. Mika Loponen

[email protected]

Ms. Jukka Särkijärvi

[email protected]

AUTORIA

TRADUTOR(A) Gislaine Caprioli

RESENHA SIMPLES: sistema inicial para mestresprofessores lecionarem através de uma estratégia motivadora.

PÁGINA

116

PÁGINA

126

[email protected]

AUTORIA Jaqueline Peixoto Vieira da Silva

E-MAIL PÁGINA [email protected]

133

ENTREVISTA

NARRATIVAS DO IMAGINÁRIO: RPG E A EXPRESSÃO AFIRMATIVA DA IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA.

Entrevistador(a) Arthur Barbosa de Oliveira Entrevistado(a)

ENTREVISTA

Gabriel Contini Abilio

PROJETO: RPG NA ESCOLA.

Entrevistador(a) Ms. Rafael Correia Rocha Entrevistado(a)

Ms.Ricardo Ribeiro do Amaral

ENTREVISTA

O RPG EM SÃO CARLOS E SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, INTERIOR DE SP, DE 1993 A 2015.

Entrevistador(a) Paula Tessare Piccolo Entrevistado(a)

Odair de Paula Junior , (Sam Slovic).

ENTREVISTA

COMO É O RPG NO JAPÃO?

Entrevistador(a) Ms. Rafael Correia Rocha Entrevistado(a)

Ms. Wagner Luiz Schmit

CONTATO

[email protected] [email protected] m

CONTATO [email protected] [email protected]

CONTATO

[email protected] [email protected]

CONTATO [email protected] [email protected]

PÁGINA

140

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ENTREVISTA ORA POIS, COMO É O RPG EM PORTUGAL? Entrevistador

Ms. Rafael Correia Rocha

Entrevistado

ROLE PLAYING GAMES – PORTUGAL

CONTATO [email protected]

JOGO

SÊ UM VIAJANTE EM UMA NOITE DE INVERNO

CATEGORIA

Larp

AUTORIA

Luiz Prado

PÁGINA

179

PÁGINA

212

VINCULAÇÃO NpLarp – Núcleo de Pequisa em Live Action Roleplay E-MAIL

[email protected]

JOGO

GAROU GERIÁTRICO

CATEGORIA

RPG

AUTORIA

Ms. Rafael Correia Rocha

VINCULAÇÃO PIDGIN - Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Jogos Narrativos, Linguagens Culturais e Práticas Psico-Sociais Educativas. E-MAIL

[email protected]

PÁGINA

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Apresentaçao Nesta edição, atravessamos algumas fronteiras, a fim de compreender como o Role Playing contraria os parâmetros da sociedade da tecnologia e isolamento, sem repudiá-la, e consegue transpor, adaptar e organizar meios para existir. Mesmo que os jogos com Role Playing sejam mais complexos subjetivamente, de acordo com nosso olhar, que as estruturas de hardwares e softwares dispostas nos jogos eletrônicos, eles têm necessidade de encontros presenciais e predisposições a lidar com o outro, se tornam jogos de enfrentamento do sujeito consigo mesmo na esfera social. É possível dizer que é um estilo de jogo humanamente instável, em que não necessariamente se busca o controle, mas o experimento, a experiência participativa. Percebemos que existe um portal que começa a se abrir, para compreender perguntas como “por que jogamos?” com outras perguntas mais elaboradas como “o que estamos jogando? E por quê?”. Também é possível visualizar, pelo exercício produtivo, intenções que recordam muito a ideia de Marx sobre heroísmo. O herói, não é o estudioso e tão pouco o popular, ou “escravo da divisão de trabalho” escravo dos condicionamentos sociais, mas aquele que viveu intensamente os interesses de seu tempo, sendo politicamente e socialmente ativo, tomando consciência de suas ações conforme as executava por meio da reflexão. Portanto, um movimento heroico manifesta-se entre os pesquisadores de Role Playing, e é possível, pela observação dos jogos de uma sociedade, compreender como se relaciona com a educação, cultura e explicita suas demandas, e por isso merece a devida atenção.

Rafael Correia Rocha Editor Chefe

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Artigos Os artigos dessa edição permitiram uma variabilidade entre o aspecto educacional e cultural que o Role Playing encontra no diálogo e expressão junto à academia e a comunidade. Um ponto curioso a ressaltar quanto ao aspecto acadêmico é que dentro da esfera de estudo deste objeto, valoriza-se muito a experiência como eixo norteador para compreender a plasticidade de adaptação e estrutura de desenvolvimento dos jogos Narrativos. No campo cultural, observamos outra tendência, a interação de empresas privadas relacionando-se com o campo da pesquisa para produzir jogos coerentes voltados à narrativa, que resgata questões culturais sem uma releitura, que desvincule a origem real do material produzido.

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JOGO E COMUNICAÇÃO: O RPG COMO MÍDIA Matheus Capovilla Romanetto27 RESUMO: Partindo de um contraste entre formulações teóricas clássicas a respeito do caráter sócio antropológico do jogo, o artigo procura investigar alguns componentes da interação lúdica que podem contribuir para diferenciá-la como forma específica de relação social, especificamente no caso do RPG de mesa. PALAVRAS CHAVE: RPG; Comunicação; Jogo; Linguagem; Ação.

ABSTRACT: After discussing some classic formulations on the socio-anthropological character of the game, the article investigates components of the interaction between players which might contribute to differentiate it as a specific form of social relation, specifically in the case of RPG board. KEYWORDS: RPG; Communication; Game; Language; Action.

Introdução – Formulação de um problema Huizinga aponta, em seu Homo ludens, que “as comunidades de jogadores tendem a tornar-se permanentes, mesmo depois de acabado o jogo”28, formando clubes, institucionalizando de algum modo sua vida comum. Ora, certamente vários dos jogadores e pesquisadores do universo do Role-Playing Game, ou RPG, já tiveram ocasião de conhecer grupos que confirmavam essa impressão. Se nos permitíssemos sustentar sobre esse tipo de evidência anedótica à crença em Huizinga, teríamos ocasião de levantar o problema sociológico mais sério de tentar compreender: de onde emana tal propensão? Quais aspectos da atividade lúdica – supondo-se que é nela que se encontra o segredo do vínculo comunitário 27

Graduando em Ciências Sociais, com habilitação em Sociologia, pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/UNICAMP). 28 HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva. 1971. p. 15.

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– deveriam ser apontados como responsáveis pela durabilidade das relações entre seus jogadores? Uma pesquisa que, partindo de tais premissas, pretendesse esgotar o assunto, deveria dispor-se a reconstruir a história da formação desses grupos; buscaria, na interação entre o sentido privado da participação de cada jogador, de um lado, e a estrutura do jogo, de outro, o esquema de relações que faculta aos participantes de uma partida, a extensão de seus laços para além do tempo e do espaço da brincadeira. Não sendo possível um esforço de tamanha dimensão, creio que alguns traços de minha vivência, tanto como jogador quanto como observador, reunidos no curso dos anos, e elaborados em torno de um conjunto de referências teóricas clássicas, podem ajudar a apresentar um caminho para a solução daquele enigma. Antes, porém, é necessário formulá-lo de maneira mais precisa. A “comunidade de jogadores”, tal como a concebe Huizinga, é dotada de algumas características peculiares. Segundo o historiador, é próprio da experiência de seus integrantes que possuam certa “sensação de estar ‘separadamente juntos’, afastando-se do resto do mundo e recusando as normas habituais” – fenômeno este que “conserva sua magia para além da duração de cada jogo”29. Esses grupos são marcados ainda por uma “tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou de outros meios semelhantes”30. Tanto na esfera da experiência subjetiva do lúdico, quanto na das manifestações simbólicas do vínculo que ele ajuda a criar, o tipo que Huizinga faz da relação entre os jogadores tende simultaneamente a uma aproximação entre os indivíduos inseridos na atividade, e ao seu afastamento em relação àqueles que não participam do jogo. Essas duas qualidades parecem encontrar uma síntese adequada na noção de que o jogo estimula a diferenciação de seus membros em relação às formas de cultura que os rodeiam. O mais importante para nossos fins é notar que, segundo o autor, esse efeito do elemento lúdico conserva-se mesmo quando os jogadores não se encontram no interior da partida. Mais que isso: o “domínio lúdico” chega a ser elevado a modelo de todos os “agrupamentos sociais permanentes”, e isso “sobretudo nas culturas arcaicas, com seus costumes extremamente importantes, solenes e sagrados”31. A súbita aparição dessa referência etnológica explicita a necessidade de remeter a ideia de “diferenciação” ao conceito específico de “jogo” construído por Huizinga. Se as 29

Ibid., p. 15. Ibid., p. 16. 31 Ibid., p. 15. 30

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culturas ditas arcaicas logram apresentar-se como exemplo da constituição de uma “comunidade de jogadores”, é porque a noção de “lúdico”, tal como formulada pelo historiador, abrange um domínio muito maior do que aquele que geralmente denotamos por “jogo”, no uso comum do termo português. A fórmula de Huizinga inclui manifestações religiosas, como o ritual e o culto32, e também artísticas, como o teatro e a execução musical33; flerta eventualmente – mas não necessariamente – com o humor e o riso34, guardando, enfim, uma relação equívoca com o fenômeno da seriedade35. Tanto quanto o jogo pode representar um momento de “relaxamento das tensões da vida quotidiana”36, é possível que seja vivido num estado de completa apreensão. Ele é capaz de “absorver o jogador de maneira intensa e total”37, pois envolve sempre a incerteza quanto aos resultados da partida – principalmente quando ela toma a forma de uma competição entre os indivíduos. Nesses casos, a honra dos jogadores entra em disputa, e o comportamento de cada um evidencia “o desejo de ser melhor que os outros, de ser o primeiro e ser festejado por esse fato” 38. Aquilo que, em última instância, deve culminar na formação de um sólido laço entre os jogadores, é mediado, na performance da partida, por um profundo elemento agonístico, que Huizinga interpreta como expressão da necessidade que sentem os homens de lutar. A aparente contradição entre o caráter combativo da competição, de um lado, e a conotação positiva da “diferenciação” a que tendem as comunidades de jogadores, de outro, resolve-se em um aspecto importante dessa tendência belicosa. Para Huizinga, o componente agonístico fica estritamente circunscrito à duração da atividade lúdica. O jogo apresenta-se sempre como evento que “não tem contato com qualquer realidade exterior a si mesmo [...] e contém seu fim em sua própria realização”39. Por isso, o sentido do conflito só se preserva no processo da partida, extinguindo-se tão logo ela tenha fim; e a constituição do vínculo comunitário, que sobrevive a esse término, deve ser antes entendida como consequência colateral do que como finalidade do lúdico. Traduzindo a tese para o jargão sociológico clássico, poder-se-ia dizer que a sedimentação das relações do grupo é função do jogo, mas 32

Cf. Ibid., p. 23. Cf. Ibid., p. 8 e p. 44. 34 Cf. Ibid., p. 9. 35 Cf. Ibid., p. 8. 36 Ibid., p. 226. 37 Ibid., p. 16. 38 Ibid., p. 58. 39 Ibid., p. 226. 33

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não o seu sentido imediato. Ele “naturalmente contribui para a prosperidade do grupo social, mas de outro modo, e através de meios totalmente diferentes da aquisição de elementos de subsistência”, ou da “satisfação imediata das necessidades biológicas”40. Não pode, portanto, ser explicado por nenhum tipo de reducionismo biopsicológico, devendo ser considerado como fenômeno da ordem da cultura, dotado de significação e sentido próprios. O aspecto anti-utilitário do jogo, sua caracterização como atividade “desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro”41 é, aliás, um dos atributos que permitem a Huizinga englobar num só conceito dimensões tão diferentes da cultura quanto as que mencionamos. O historiador crê que, ao lado de sua qualidade desinteressada, o que têm em comum o jogo de tabuleiro, o ritual e o teatro, é uma série de características facilmente enumeráveis. Em primeiro lugar, todos eles são empreendidos de maneira voluntária42. Em segundo lugar, são praticados dentro de um tempo e de um espaço próprios, “previamente delimitado(s), de maneira material ou imaginária, deliberativa ou espontânea”43, que circunscrevem um domínio separado do cotidiano. O jogo “transfere os participantes para um mundo diferente”44, e por isso mesmo “tem, por natureza, um ambiente instável”45. A realidade ameaça constantemente violar a cooperação lúdica, desfazendo o feitiço que a segrega da vida comum. Uma terceira característica de todas as formas de jogo é que elas se organizam “segundo uma certa ordem e certas regras”46 – o que as torna, para Huizinga, aparentadas ao terreno da estética e da beleza. Algumas qualidades que já mencionei antes – a relação equívoca com a seriedade, de um lado, e a própria tendência à formação de comunidades, de outro – completam, finalmente, o quadro de atributos comuns a esses fenômenos. No que concerne aos princípios que governam a ação interior a eles, pode-se reduzi-los a uma dupla de fatores básicos. Em todo empreendimento lúdico, acontece “uma luta por alguma coisa ou a representação de alguma coisa”, podendo haver uma mistura entre essas duas funções, de modo que o jogo passe a “‘representar’ uma luta, ou, então, se torne uma luta para melhor

40

Ibid., p. 12. Ibid., p. 16. 42 Cf. Ibid., p. 10. 43 Ibid., p. 13. 44 Ibid., p. 22. 45 Ibid., p. 24. 46 Ibid., p. 16. Grifo meu. 41

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representação de alguma coisa”47. Nesses casos, confunde-se a ânsia humana de lutar com sua faculdade de imaginar. “Representar”, para Huizinga, “significa mostrar, e isto pode consistir simplesmente na exibição, perante um público, de uma característica natural” 48. Mas também pode envolver a exposição de atos ou objetos que não estão realmente presentes no cenário – e então eles efetivamente se tornam presentes por meio do jogo. “Mais do que uma realidade falsa, sua representação é a realização de uma aparência: é ‘imaginação’, no sentido original do termo”49. Imaginação e conflito compõem o que poderia ser enfim descrito como aquilo que faz do lúdico o que ele é: o divertimento, o aspecto que torna o jogo, em última instância, uma atividade “irracional”50. Formulado a partir dessas ideias, o problema de definir a natureza específica das relações entre jogadores ficaria reduzido à tarefa de descobrir: Como é possível que a atividade imaginativa (e eventualmente competitiva), circunscrita a seu interior como uma finalidade em si mesma, seja capaz de vincular os jogadores entre si também nos intervalos entre os jogos? Isto é: dever-se-ia pesquisar que mecanismos específicos facultariam aos indivíduos sustentar uma nítida diferença em relação às demais pessoas, mesmo quando a separação mágica entre cotidiano e jogo já se extinguiu. A solução dessa questão coincidiria, na verdade, com a solução do problema da cultura em geral. Embora contrário à ideia de que toda forma de atividade humana constitui um jogo, Huizinga não deixa de atribuir ao elemento lúdico um papel determinante na formação das sociedades humanas. Presente já em outras espécies biológicas, ele constitui como que a passagem da natureza à cultura, o substrato inicial, a forma de relação primordial a partir da qual a civilização pôde se desenvolver (ainda que, em tempos mais recentes, tenha se tornado crescentemente independente dessa sua raiz)51. O jogo, lembra o autor em seu “Prefácio”, não é elemento na cultura, mas elemento da cultura52. Ele subsume as propriedades essenciais que permitiram à humanidade criar as instituições que a distinguem dos outros animais – ainda que o lúdico,

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Ibid., p. 16-17. Ibid., p. 17. 49 Ibid., p. 17. 50 Ibid., p. 6. Ver também, para o conceito de divertimento, a página 5. 51 Ibid., p. 229. 52 Cf. Ibid., p. I. 48

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estando já presente entre eles, ateste também ali a presença do espírito, daquela parcela do mundo que não se submete ao mecanicismo das leis naturais53. Um bom ponto de partida para responder a questão assim elaborada talvez se apresentasse na clássica etnografia de Geertz sobre a briga de galos balinesa. Ali, o jogo se eleva à metonímia de toda a cultura local; apresenta, na forma enxuta de “uma ficção, um modelo, uma metáfora”54, aquilo que há de mais essencial no temperamento nativo. Assim como os jogos de Huizinga, a rinha balinesa possui uma misteriosa capacidade “absorvente”: engaja os participantes na ação tanto mais quanto maior é o risco da competição entre os galos55. Reaparece também a separação entre a atividade lúdica e o cotidiano: os competidores estão sempre cientes de que sua interação se dá numa espécie de domínio de “faz de conta”, de que nada do que acontece ali dentro altera efetivamente as relações entre eles em qualquer outro momento56. Tão logo se enunciam as teses de Geertz, entretanto, as divergências entre sua concepção e a do historiador holandês tornam-se evidentes. Enquanto, para Huizinga, o conceito de jogo absorve algumas das formas dos fenômenos culturais estéticos, a análise de Geertz leva-o à conclusão de que o “jogo absorvente” é melhor compreendido se o entendemos como uma “forma de arte”, uma “forma expressiva”57 – e isso o enquadra como algo de natureza diferente, tanto do “rito”, quanto do “passatempo”58. Mesmo a rígida separação entre o domínio do jogo e o domínio do cotidiano sofre aqui algum desgaste. Conquanto seja percebida pelos jogadores como realidade separada da vida comum, a rinha caracteriza-se menos por uma estrutura interna desprotegida diante da interferência de fatores exógenos, e mais como uma forma de “reunião concentrada” – conceito de Goffman que Geertz mobiliza para indicar um tipo de contato social “insuficientemente consistente para ser chamado de grupo e insuficientemente desestruturado para ser chamado de multidão” 59. O trânsito (da ação) entre o interior e o exterior do jogo tem uma liberdade maior. E, o que é mais importante, também o trânsito simbólico entre esses espaços apresenta-se como fator 53

Cf. Ibid., p. 6. GEERTZ, Clifford. “Capítulo 9: Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa”. In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC. 2008. 55 Ibid., p. 204. 56 Cf. Ibid., p. 206. 57 Ibid., p. 206-7. 58 Ibid., p. 210. 59 Ibid., p. 193. 54

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explicativo imprescindível. É apenas em referência a motivos oriundos dos conflitos reais entre os balineses que a rinha encontra seu sentido cultural. Ela constitui, fundamentalmente, “uma dramatização das preocupações de status”60 – isto é, uma ilustração dos traços agonísticos que a própria estrutura social da Indonésia impõe às relações entre indivíduos. Essa mediação entre o exterior e o interior ao lúdico é dada por uma “semântica social” 61, um sistema simbólico que alimenta simultaneamente esses dois espaços, sem respeitar as fronteiras que Huizinga imputava à brincadeira. Em consequência disso, se admitirmos a visão de Geertz, redundamos na ironia de que, precisamente os fatores de sua análise que poderiam nos auxiliar a entender a continuidade das relações entre jogadores na vida real, acabam por arruinar a perspectiva de nos ater à problemática do lúdico em sua formulação huizingiana. Para o antropólogo americano, o que permite à rinha que opere como tradução das relações sociais reais é, em primeiro lugar, a identificação dos donos dos galos com seus animais62. Atividade praticada apenas pelos homens, o jogo absorvente encontra na figura do galo um curioso representante do pênis, e através dele, de todo o orgulho masculino dos jogadores, componente relevante na definição de seu status, ou prestígio social. Ao mesmo tempo, a violência com que as aves se altercam simboliza, para os balineses, a animalidade mais radicalmente oposta a tudo que identificam como tipicamente humano e civilizado63. Postas essas relações ambivalentes, pode-se dizer que “[é] apenas na aparência que os galos brigam ali – na verdade, são os homens que se defrontam”64. A partir desse miolo, a luta por status irradia para todos os demais observadores da rinha, conforme sua relação (de parentesco ou afinidade) com os donos dos galos. Constrói-se toda uma ética para presidir às apostas referentes às brigas entre os animais, cuja base não se encontra em algum tipo de “regra interior” ao jogo, e sim nas relações comuns entre os indivíduos. Assim, requer-se de amigos e parentes que tomem o partido de seus respectivos colegas e consanguíneos; similarmente, aqueles que se apresentam cotidianamente como rivais investem freneticamente contra os galos de seus oponentes65. Apostar contra a ave de um oponente é apostar contra sua

60

Ibid., p. 202. O grifo é meu. Ibid., p. 210. 62 Cf. Ibid., p. 188. 63 Cf. Ibid., p. 190. 64 Ibid., p. 188. 65 Cf. Ibid., p. 202-204. 61

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masculinidade, seu orgulho, seu valor. O risco da aposta monetária fica potencializado pelo combate social implícito ao confronto entre os animais, e apenas aí se encontra a explicação para a força com que a rinha absorve a atenção dos participantes. Apesar de todo esse simbolismo, a briga de galos não pode, para Geertz, ser entendida como processo de regulação social. E isso porque, em seu caráter dramático, a rinha submetese ao que vale para qualquer outra “forma expressiva”: “só vive em seu próprio presente – aquele que ela mesma cria”66. O trânsito simbólico entre vida cotidiana e jogo seria ainda insuficiente para compreender qualquer forma de eficácia do lúdico sobre a conformação das relações entre jogadores – pois, segundo o autor, essa eficácia não existe. No fim das contas, a separação entre a rinha e o real triunfa: pois “não se modifica realmente o status de ninguém”67. Daí que o jogo não possa ser interpretado em termos funcionais (relativamente à manutenção do prestígio social), mas apenas como “comentário metassocial sobre todo o tema de distribuir os seres humanos em categorias hierárquicas fixas e depois organizar a maior parte da existência coletiva em torno dessa distribuição”68. A briga de galos aparece então como texto cultural, como reflexão da sociedade sobre suas próprias bases. Os balineses descobrem em seus galos uma imagem das paixões que secretamente governam suas relações, por sob a fria polidez civilizada de cada dia. A função dos animais não é, portanto, “nem aliviar as paixões sociais nem exacerbá-las”, mas pura e simplesmente “exibi-las em meio às penas, ao sangue, às multidões a o dinheiro”69. A rinha, finalmente, “não significa uma imitação da pontuação da vida social balinesa, nem uma representação dela, nem mesmo uma expressão dela – é um exemplo dela, cuidadosamente preparado” 70, e nada mais. O que resgata o jogo de Geertz de sua aparente ineficácia social é a própria articulação semântica por meio do qual ele se apresenta como forma de arte. Se os galos são tão eloquentes em representar a violência latente da cultura balinesa, é porque, como toda forma expressiva, atuam “desarrumando os contextos semânticos[,] de tal maneira que as conveniências

impostas

convencionalmente

66

Ibid., p. 207. Ibid., p. 206. 68 Ibid., p. 209. O grifo é meu. 69 Ibid., p. 206. O grifo é meu. 70 Ibid., p. 208. O grifo é meu. 67

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a

certas

coisas

são

impostas

não

convencionalmente a outras, as quais são vistas, então, como as possuindo, realmente”71. A rinha ilumina traços ocultos da convivência de Bali ao deslocá-los e apresentá-los como atributos de novos referentes – não mais os homens, mas os animais. A partir de então, ocorre como que uma “utilização da emoção para fins cognitivos”72. A excitação, o desespero, o prazer sentidos pelos homens durante as brigas comunicam, no instante de sua vivência, a semelhança entre a cena que presenciam e a constituição de sua sociedade, de seu próprio arranjo subjetivo. Ora, ocorre que, “porque essa subjetividade não existe até que seja organizada dessa forma, as formas de arte originam e regeneram a própria subjetividade que elas se propõem exibir”73. Na recepção estética da pequena encenação animal de sua cultura, os balineses reproduzem a forma de sensibilidade que os constitui como representantes daquela sociedade. A interpretação de Geertz traz algumas lições para uma reformulação de nossa questão inicial. Em primeiro lugar, lembra-nos de que não chegaremos muito longe se, como Huizinga, nos deixarmos seduzir pela conotação positiva que a sociologia clássica imputou ao conceito de “comunidade”. Num jogo como o balinês, a belicosidade entre os indivíduos existe, não apenas no escopo do imaginário, mas também no da “realidade” social propriamente dita. Afinal, não se pode excluir a violência como fundamento de contatos sociais duradouros. Ela pode produzir vínculos tão sólidos quanto a colaboração – ou, formulado à moda de um velho enunciado psicanalítico: “os sentimentos hostis constituem um vínculo emocional, tanto quanto os afetuosos, assim como a atitude desafiadora indica a mesma dependência que a obediência, mas com o sinal trocado”74. A produção de laços colaborativos entre jogadores deve ser entendida como um caso particular, dentre outros possíveis, e que exigem igualmente uma explicação. Uma segunda lição geertziana é que, não só o trânsito entre cotidiano e jogo é possível, como às vezes constitui a condição para que a atuação dos jogadores tome a forma que toma. É preciso investigar em que circunstâncias o jogo se desenrola conforme suas necessidades interiores, mas também em quais outras ele sofre interferência de motivos externos. Aqui, como no parágrafo anterior, assumo que a melhor alternativa é tentar explicar 71

Ibid., p. 209. Ibid., p. 210. 73 Ibid., p. 211. O grifo é meu. 74 FREUD, Sigmund. “A transferência”. In: Conferências introdutórias à psicanálise (Obras completas, volume 13). São Paulo: Companhia das Letras. 2014. p. 587. 72

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cada caso de maneira simétrica e estrutural; isto é, que devemos chegar a bons resultados se procurarmos conceber cada manifestação empírica do lúdico como um arranjo, dentre outros possíveis, de um conjunto de elementos comuns, aos quais esperamos poder remeter a totalidade dos casos. Um curioso retrato dessas concepções encontra-se – desde que me permitam a metáfora – em um antigo texto de Mauss, preocupado com assuntos muito diversos dos que aqui nos interessam. Discorrendo sobre os fenômenos de civilização (isto é, de empréstimos culturais, e de subsequente formação de comunidades culturais internacionais), já o antropólogo apontava, de um lado, que a produção dessas comunidades pode dar-se mediante “contatos prolongados, amigáveis ou belicosos” – “porque a guerra, por necessidade, é uma grande emprestadora”75; de outro lado, que explicar os caminhos percorridos pelos elementos típicos de cada civilização exige que nos atentemos, não só àquilo que efetivamente aconteceu historicamente, mas também ao que não aconteceu. “O domínio do social”, diz Mauss, “é o domínio da modalidade”76. Toda conformação cultural representa uma possibilidade dentre outras, de modo que, na consideração dos empréstimos entre sociedades, é preciso também levar em conta o “nãoempréstimo, a recusa do empréstimo mesmo útil”77. Acredito que, similarmente, a problemática da natureza do vínculo entre os jogadores não estará bem formulada se, concentrando-nos apenas nas “comunidades” organizadas de maneira colaborativa, deixarmos de lado aquelas que incorporam, também na vida exterior ao jogo, seu elemento conflituoso; ou se excluirmos as comunidades que não se formaram, os jogos que não tiveram sucesso em cumprir com a “tendência” criativa que a tese de Homo ludens lhes atribui. Questionar-nos a respeito dos componentes do lúdico que estimulam a produção de comunidades exige que nos perguntemos, simultaneamente, sobre aqueles seus elementos que resistem a esse resultado. Segundo me parece, apenas na compreensão das contradições possíveis entre esses fatores, e das várias formas híbridas possíveis entre a pura colaboração e o puro conflito, será possível encontrar uma resposta adequada ao enigma sugerido por Huizinga.

75

MAUSS, Marcel. “As civilizações – elementos e formas”. In: Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva. 1999. 76 Ibid., p. 486. 77 Ibid., p. 487.

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Não é por acaso que nomeio minha problemática com o sobrenome do historiador holandês. A aparição desse autor em toda a primeira metade desta seção não tem apenas a função de criticá-lo sob as prerrogativas da hermenêutica cultural. Se é verdade que Geertz permite atualizar algumas das teses de Huizinga, é também verdade que uma análise inspirada exclusivamente em suas conclusões tornaria impossível a formulação do problema que nos propomos. Para o antropólogo americano, não apenas o jogo, mas toda “ a cultura de um povo é um conjunto de textos”78. Sua técnica interpretativa acaba diluindo o lúdico como apenas uma forma dentre outras de auto ilustração da cultura: com isso, a questão de investigar o que há de específico na interação entre jogadores deixa o horizonte da pesquisa. Se continuo a sustentá-la como uma pergunta pertinente, é porque creio que a empiria – aquilo que anteriormente sinalizei como a “evidência anedótica” de minhas pesquisas e das de outros – dá indícios de que pode haver aí algo de interessante a se descobrir. Feitas todas as correções e petições de princípio, o problema com que nos deparamos deixa de ser uma busca sobre os elementos do jogo que tenderiam à produção de relações humanas duráveis e diferenciadas, e passa a ser algo de natureza mais ampla: – Há algo de específico nas relações entre jogadores? Se houver, qual é essa especificidade? Que formas essas relações tomam, e em que circunstâncias? Segundo quais mecanismos elas o fazem? A continuação deste texto propõe-se, não como resposta para esses enigmas de grande alcance, mas como contribuição parcial à sua futura resolução, a partir da experiência com um tipo específico de jogo: o RPG de mesa, usualmente jogado a partir de um cenário e um conjunto de regras fornecidas em livro, com o auxílio de fichas de personagem e instrumentos de cálculo de probabilidades (dados, cartas, fórmulas matemáticas) que coordenam, ao todo ou em parte, a ação dos jogadores, orientada à construção coletiva de uma ou mais narrativas. Naturalmente, a variedade de regras e finalidades possíveis em cada jogo, redobrada pelo fato de que os jogadores podem sempre selecionar as normas e propostas que mais lhes convêm, exige uma atenção especial às configurações específicas que as partidas tomam, de caso a caso. Minha expectativa é que as proposições seguintes, situadas em um plano de abstração razoável, sejam capazes de ordenar de maneira proveitosa essa multiplicidade de performances reais. O leitor notará que mesmo alguns dos RPGs que utilizo em minha explicação escapam, de algum modo, ao modelo rapidamente esboçado nas últimas linhas. 78

GEERTZ, Clifford. Op. Cit., p. 212.

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Confio também à crítica deste texto a possibilidade de verificar em que casos minha elaboração se revela insuficiente, ou mesmo de estendê-la a situações para as quais não estava prevista (os LARPs – Live Action Role-Playing Games –, quiçá também outros gêneros de jogo). Finalmente, no que concerne à própria diferença do conceito de jogo em Geertz, Huizinga e outros autores, também não disponho de solução definitiva. As relações entre o lúdico, o estético, o religioso, e diversas outras formas de manifestação cultural, constituem uma polêmica viva em vários domínios da teoria social, e o parcimonioso material de que disponho seria insuficiente para qualquer avanço de fôlego na controvérsia. Nem por isso deixarei de apontar, muito brevemente, quando julgar pertinente, alguns contrapontos entre o RPG e outros empreendimentos coletivos, que podem vir a ser de utilidade. Postas as ressalvas, avancemos ao problema.

RPG como negociação

O ponto em que a formulação de Geertz exclui uma interpretação do jogo como produtor de relações sociais é aquele em que se revela sua dependência da existência anterior de contato entre os jogadores. Todo o simbolismo da rinha só encontra sua eficácia parcial porque os participantes daquele evento mantêm, antes da briga como depois, contatos sociais de outras naturezas. Olhado dessa perspectiva, o lúdico só consegue ser visto como algo que reproduz uma índole cultural já existente. Ora, uma das características marcantes de algumas formas de jogo – o RPG incluso – é justamente sua independência de contatos pessoais prévios entre os indivíduos para que a partida consiga se organizar. Fiando-se nas regras ou convenções acerca de como a ação deve suceder, completos desconhecidos são perfeitamente capazes de levar adiante uma tarde satisfatória de entretenimentos. É possível constatar esse caráter auto organizativo das regras em eventos de divulgação ou comercialização de jogos, em que os visitantes partilham suas experiências em contexto de relativo anonimato. Às vezes isso é possível até mesmo com jogos que nunca foram provados antes – isto é, com regras que estão sendo aprendidas e aplicadas pela primeira vez. Outro caso é aquele em que um círculo de jogadores recebe um iniciante, e ele é capaz, a despeito do anterior desconhecimento

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daquelas pessoas ou da forma de atividade que empreende, de integrar-se mais ou menos bem à ação. Apontamentos como esses estimulam-nos a estratificar melhor a questão com que estamos lidando. Quando nos perguntamos sobre a continuidade das relações entre jogadores no tempo, é possível pensar em pelo menos três casos: (i) jogadores que se encontram exclusivamente para fins de jogo; (ii) jogadores que já tinham algum tipo de vínculo anterior, e integraram a atividade lúdica às suas demais formas de contato; (iii) jogadores que se conheceram enquanto tais, e em seguida expandiram suas formas de interação para domínios extra-lúdicos. É de se esperar que a multiplicidade de biografias possíveis frustre um ordenamento tão regular dos fatos. Considero, apesar disso, que essa divisão ajuda a especificar um caminho para trabalhar os temas que propus. Em situações como a do primeiro caso, a tentativa de especificar os componentes definidores da relação entre jogadores envolve perguntas como: “por que os indivíduos voltam a se encontrar? É apenas pelo divertimento, ou há algo mais na interação que os estimula ao retorno? Chega a ser relevante, de um ponto de vista de subjetivo, que estejam jogando precisamente com aquelas pessoas, e não com quaisquer outras?”. – No segundo caso, um conjunto de dúvidas iniciais envolveria os seguintes pontos: “a prática do jogo implica uma mudança na forma como as relações se desdobravam anteriormente? Se sim, de que maneiras isso acontece? Que lugar toma o jogo na vida daquele grupo, desde que sua prática passa a ser cultivada?”. – O terceiro caso, segundo me parece, incorpora questões muito similares às do segundo, com o detalhe de que agora seria importante precisar, dada a ausência de um parâmetro inicial quanto às formas de relação entre aquelas pessoas, se é possível efetivamente apontar uma ação do jogo sobre as demais empresas comuns do grupo, ou se aquela “expansão” deve ser considerada como um processo independente, desvinculado do tipo de contato estabelecido em contexto lúdico. Infelizmente, não disponho de narrativas sobre a formação de grupos reais de jogadores, nem em quantidade, nem em qualidade suficiente para uma consideração separada de cada um desses casos possíveis. Por isso, minha estratégia para chegar ao menos a uma solução parcial será uma tentativa de apontar se, formal e abstratamente, é possível enxergar alguma forma de homologia ou comunicação entre o âmbito do jogo e outros terrenos de

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interação entre os jogadores, que viabilize a “expansão” de determinados padrões de ação e pensamento a domínios da experiência diferentes daqueles em que eles se originaram. É conveniente, para uma formulação precisa do argumento, que retomemos a velha distinção weberiana entre o sentido da ação e seus motivos79. Numa interpretação sumária, pode-se dizer que a primeira categoria informa o pesquisador acerca das intenções (conscientes ou não, unívocas ou não) que governam o comportamento do agente: ela responde à questão: “para quê se fez isso?”. Já os motivos constituem o fundamento da escolha daquelas intenções como algo pertinente ao sujeito; respondem à questão: “por que se fez isso?”. Ora, se admitimos essa dicotomia, o RPG de mesa pode ser concebido na forma de uma estrutura tripartite, isto é, como um conjunto de três princípios diferentes de ordenação e interpretação da ação, sobrepostos uns aos outros. Cada um deles subscreve um tipo específico de motivo, e ao mesmo tempo fornece um contexto específico, em função do qual é possível significar o sentido pretendido dos atos. Ao nível da narrativa – daquilo que é propriamente imaginado e construído coletivamente pelas falas dos jogadores –, as relações entre indivíduos tomam a forma de relações entre personagens80. O jogador usualmente dispõe de uma persona diferente de si mesmo, de cujo caráter, melhor ou pior elaborado, espera-se sentir consequências no andamento da partida. Este é o que eu gostaria de denominar o plano ficcional. Acima da narrativa, do jogo propriamente dito, estão as relações reais entre indivíduos, sejam elas quais forem – previamente inexistentes, afetuosas, hostis, profissionais, etc. Trata-se do plano real. Finalmente, entre essas duas camadas, encontra-se o que pretendo denominar o plano normativo. No interior dessa sub-estrutura, os participantes do jogo não aparecem, nem como personagens, nem como selfs realmente atuantes, mas como jogadores abstratos, dialogando entre si a fim de viabilizar a continuidade da interpretação. Penso que o conceito da estrutura tripartite, conquanto formulado por mim, pode guardar uma pretensão de validade do ponto de vista subjetivo dos jogadores. Existe um esforço por manter uma separação nítida entre esses três estratos, que confirma a existência de algum gênero de fronteira entre o jogo e seu entorno. Ele transparece nas ocasiões em que os 79

WEBER, Max. “Conceitos sociológicos fundamentais”. In: Economia e sociedade, volume 1. Brasília: Editora UnB. p. 3-13. 80 Reúno, sob este conceito, tanto as encarnações fictícias de que os jogadores são portadores, quanto os elementos do cenário, que em alguns jogos são controlados por um indivíduo específico: o mestre, ou narrador, responsável por conduzir e direcionar a narrativa.

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próprios jogadores sentem a necessidade de estipular um código que indique em qual camada exatamente estão situados. Não raro, sinais como o de levantar uma das mãos, ou mais diretamente anunciar que se está falando fora do cenário da ficção, são convencionados para evitar confusões na continuidade dos discursos. A falta de uma sinalização clara do contexto em que as mensagens devem ser interpretadas chega mesmo a ser prerrogativa para piadas: o jogador que enuncia algo que, dito por seu personagem, poderia trazer problemas para ele, é ameaçado jocosamente de “ser levado a sério” pelos demais. No todo, o desenvolvimento da partida pode ser visto como uma constante flutuação – mais ou menos livre conforme o caso – entre os três planos estruturais indicados. De modo geral, esse trânsito entre camadas não apenas é possível, como também necessário. Toda forma de jogo que intercale às decisões imediatas algum tipo de regra – por exemplo, a rolagem de dados para decidir se uma ação foi eficaz – impõe, necessariamente, que os intérpretes deixem a ação de seus personagens em suspenso, pelo menos até que os resultados estejam definidos. A dependência, em vários RPGs, de que um narrador (ou mestre) vá apresentando gradualmente o cenário em que se encontram os jogadores tende também a proporcionar momentos de suspensão da imaginação – para tirar dúvidas, contestar o que foi descrito, etc. Ademais, mesmo abstraindo-se desses fatores oriundos das regras do jogo, parece realmente difícil que uma partida tenha curso absolutamente sem interrupções do cenário fictício. Poder comentar, enquanto indivíduo “real”, o que está acontecendo no jogo, é por vezes parte integral da possibilidade de divertir-se com aquela atividade; e, o que talvez seja mais determinante, toda forma de desacordo sobre os rumos da história encontra, nas camadas normativa e real, um espaço de mediação. Desse ponto de vista, o RPG aparece, menos como a construção de uma história, e mais como um jogo de negociação. Acredito que os conceitos apresentados até agora ganham uma concretude maior, se os mobilizamos na tentativa de responder: o que determina o desenvolvimento da ação dos jogadores no tempo? Aqui, uma pequena comparação pode mostrar-se útil. Quando uma pergunta como essa é feita tendo por objeto, não os jogos, mas os rituais, descobrem-se alguns contrastes interessantes. Sem pretensão de empreender uma revisão extensa, parece-me justo afirmar que, em várias de suas análises mais conhecidas, a antropologia encarou o ritual como algo reconhecível pela repetição (previsível) de determinadas condutas. Há, em primeiro lugar, uma regularidade da ação, na medida em que a estrutura do rito prescreve maneiras de

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se comportar a seus participantes. Em segundo lugar, descobre-se uma regularidade de significação, pois a prática é ao mesmo tempo revestida e coordenada por determinado simbolismo. Finalmente, em alguns casos, torna-se possível falar de uma regularidade histórica do ritual – na medida em que ele ocorra sempre em momentos preestabelecidos do calendário social81. A inferência de uma estrutura (social e simbólica) do rito revela, então, que as posições de cada indivíduo ali presente mostram-se funcionalmente adequadas à concretização da sequência de atos previstos. Ora, no RPG de mesa, um esquema como esse não é aplicável sem modificações. Deixando de lado a questão de saber em que momentos, e com que regularidade temporal, os jogadores voltam a se encontrar, é possível dizer de antemão que não existe algo como uma regularidade da ação. Pelo contrário: a narrativa é, desde o início, imprevisível. Cada partida leva a um resultado diferente, irreprodutível em quaisquer outras circunstâncias. A incerteza é vigente. Quanto ao esquema de signos que participam da coordenação da interpretação, tampouco pode-se afirmar com segurança, a priori, que seja conhecido regularmente por todos os jogadores. Mesmo no que concerne ao cenário proposto para o jogo, pode haver diferenças consideráveis no conhecimento de cada integrante da partida; e ela só tende a aumentar, quando levamos em conta que essencialmente qualquer componente do capital cultural dos indivíduos pode encontrar uso durante a narrativa, conforme as circunstâncias. O desenvolvimento da narrativa não pode, pois, ser compreendido a partir de uma norma dada anteriormente, mas como algo que, não sendo completamente livre, tampouco deixa-se subsumir a um conjunto limitado de eventos possíveis. Lévi-Strauss parece haver intuído algo dessas diferenças, quando, em uma pequena passagem d’O pensamento selvagem, afirma: Todo jogo se define pelo conjunto de suas regras, que tornam possível um número praticamente ilimitado de partidas; mas o rito, que também se ‘joga’, parece-se mais com uma partida privilegiada, retida entre todas as possíveis, pois apenas ela resulta em um certo tipo de equilíbrio entre os dois campos 82.

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Ver, por exemplo: DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes. 1996. Também: ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo. 1992. Finalmente: LEACH, Edmund. “Once a Knight is quite enough”. Mana 6(1):31-56. 2000. 82 LÉVI-STRAUSS, Claude. “1. A ciência do concreto”. In: O pensamento selvagem. São Paulo: Papirus Editora. 1989. p. 46.

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O antropólogo aponta, algumas linhas adiante, que há uma diferença crucial entre essas duas formas de empreendimento cultural. O jogo, para ele, é disjuntivo: parte de uma simetria inicial (regras iguais para todos os times) e produz desigualdade (vencedores e perdedores). Já o rito caracteriza-se por ser conjuntivo: parte de uma assimetria inicial (como aquela entre o sagrado e o profano, por exemplo) e faz com que todos passem para a categoria dos “vencedores”, para o lado positivo da dicotomia. Sem nos deter em avaliar até que ponto esses conceitos são aplicáveis universalmente, o importante é notar que também a concepção lévi-straussiana de jogo contrasta com o tipo de atividade que estamos analisando. No RPG de mesa, via de regra, não há ganhadores nem perdedores. É claro que alguns destinos são tipicamente considerados ingratos pelos jogadores: ninguém quer ver seu personagem morrer. Mas, de modo geral, o RPG escapa a uma classificação simples, quanto à sua natureza cooperativa ou competitiva. Elementos dessas duas categorias de jogo podem participar em proporções variáveis de cada sessão, conforme a índole da mesa e do sistema utilizado. Isso é possível porque, por um lado, certa medida de “cooperação” é necessária para que a história consiga encontrar uma direção definida. Se os jogadores insistem em tomar atitudes demasiado idiossincráticas, uma partida em que todos se encontram inseridos no mesmo cenário tem grandes chances de sair frustrada. Por outro lado, é parte integrante, se não dos planos normativo e real, pelo menos do componente ficcional do jogo, que personagens diferentes podem (às vezes devem) entrar em conflito no interior da história. Alguns jogos, como Paranoia83 e Toon84, trazem explicitamente a proposta de que a discórdia deve ser um elemento central da interação. O equilíbrio entre essas formas mais ou menos intensas de competição, e a mínima medida necessária de colaboração para que o curso dos eventos consiga tomar forma, constitui a qualidade mais marcante do desenvolvimento de uma partida, seja qual for o sistema em uso. É precisamente nesse confronto entre harmonia e discordância que o RPG mobiliza o elemento da negociação. Estando o destino do jogo sempre aberto, e sem que haja, em geral, uma noção clara sobre os conceitos de vitória e derrota, a partida exige que outros fatores participem como limitantes do curso da narrativa – isto é, das decisões tomadas pelos jogadores. É possível compreender essas decisões como motivadas por pelo menos três princípios normativos: (i) a obediência às regras adotadas; (ii) a fidelidade ao caráter dos 83 84

COSTIKYAN, Greg; ROLSTON, Ken. Paranoia. São Paulo: Devir. 1995. COSTIKYAN, Greg; SPECTOR, Warren. Toon. São Paulo: Devir. 1996.

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personagens, conforme interpretados pelos jogadores; (iii) o consenso do grupo sobre o que é pertinente ou verossímil fazer em cada situação. Cada um desses elementos situa-se em um dos planos estruturais que delimitei: o primeiro encontra-se no estrato normativo, o segundo, no estrato ficcional, e o terceiro, no estrato real. Todos eles podem virar objeto de discussão no curso de uma partida, mas é especialmente o último que confere ao RPG o seu caráter “diplomático”. Embora nem sempre haja um acordo explícito sobre o que pode ou não ser feito durante a partida, acaba-se estipulando um acordo tácito que seleciona o que é considerado aceitável. Pode-se perceber, por exemplo, que determinadas formas de “desvio” ou de surpresa constituem pontos de tensão da trama, sendo passíveis de interpretações diversas 85. Às vezes, esses desvios são percebidos como grandes desenlaces, como algo que acresce ao mistério ou à empolgação da história. N’outros casos, provocam desconforto, sendo isso tanto mais explícito quanto mais os indivíduos demonstram reprovação em relação a um agente específico. Certas formas de agir ou se expressar são discriminadas como típicas daquilo que Huizinga denomina os “desmancha-prazeres”86. Nesses casos, os jogadores costumam mobilizar toda uma pedagogia, para tentar evitar que os comportamentos desagradáveis de seus companheiros se repitam. Pode mesmo acontecer de o indivíduo inadequado ser expulso da mesa, tornando impossível a continuação de sua interferência sobre o jogo. Já que as próprias condutas dos personagens são, em alguma medida, um produto daquele pacto silencioso, a questão de compreender o que determina o desenvolvimento do jogo pode ser reformulada como a tentativa de descobrir: o que define os parâmetros de verossimilhança e pertinência da ação? Aqui, estamos diante de um interessante problema de sociologia da cultura. Usualmente, os elementos constituintes da história são retirados de duas fontes básicas: (i) a proposta de cenário oferecida pelo livro e pelas regras do sistema; (ii) a introdução, mais ou menos consciente, mais ou menos central, de referências a outros códigos simbólicos, cuja inteligibilidade pode estar restrita a alguns poucos jogadores, ou aberta a todos. Uma discussão detalhada do que faculta aos indivíduos a construção conjunta dos

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Um aspecto interessante da pesquisa sobre RPG é a maneira como, pela própria constituição de suas regras, alguns sistemas parecem facilitar a visualização de aspectos do jogo que, em outros livros, apresentam-se de maneira menos explícita. Em Microscope, os jogadores são estimulados a decidir formalmente, no começo da partida, quais elementos devem constar em sua narrativa, e quais não podem ser inseridos. Cf.: ROBBINS, Ben. Microscope. Lame Mage Productions. 2011. 86 HUIZINGA, Johan. Op. Cit., p. 15.

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conteúdos do jogo a partir desses referenciais excederia os limites deste artigo; mas alguns apontamentos superficiais não deixam de ter utilidade para o argumento. Sendo uma atividade intrinsecamente dependente da capacidade de imaginação de seus integrantes, o RPG é às vezes apresentado como um terreno de libertação da criatividade, espaço de formação cultural e de desenvolvimento das relações interpessoais. Não pretendo negar a veracidade de nenhum desses apontamentos; mas penso que, sozinhos, eles não fornecem uma visão completa do jogo. Com frequência, a observação detecta, na maneira como as histórias são construídas, não o fruto do improviso criador, mas a presença praticamente inalterada de determinados tipos ou estereótipos culturais. Isso se aplica tanto aos motes formais da estrutura narrativa (cenas de combate, introduções de elementos misteriosos, desenlaces), quanto aos seus conteúdos interiores (funções de personagens, sua descrição, seu ethos; caracterizações de cenários, etc.). Esse tipo de chavão, segundo me parece, fornece uma espécie de denominador comum (consciente ou não) a partir do qual os jogadores podem pensar coletivamente o desenvolvimento da história, sem que necessitem transformar seu encontro em uma metadiscussão sobre a lógica do que estão fazendo. Na partida ideal, os momentos de dissenso entre os personagens ficam subordinados às expectativas coletivas sobre o que constitui um conflito pertinente; e é apenas em termos da distância entre expectativa (culturalmente determinada) e atuação real que se pode medir quão inovadora está sendo realmente uma sessão87. Os melhores exemplos de que disponho para exemplificar o que digo constam da observação de partidas de um sistema específico: As Extraordinárias Aventuras do Barão Munchausen88. Neste jogo, cada indivíduo representa um aristocrata do século XVIII, que deve improvisar, sozinho, histórias que seus companheiros lhe pedem. Segregando os jogadores em performances curtas e independentes, o Barão Munchausen elimina muitos dos elementos de negociação que vim apontando como constituintes do RPG, pois já não se trata de tomar decisões coletivas no interior de um mesmo enredo. Concentrando as decisões nas 87

Também aqui, a diluição da figura do mestre, que no plano normativo diferencia-se dos demais jogadores, como um “personagem” dentre outros, obscurece alguns tipos específicos de dificuldade. Os narradores que preparam previamente suas histórias frequentemente veem-se forçados a tentar defender o curso planejado da narrativa contra os desvios de seus jogadores. Nessas condições, é preciso levar em conta que a função de mestre pode dar às preferências desse indivíduo uma probabilidade maior de prevalecerem sobre as outras, mesmo que à custa da insatisfação dos demais jogadores. 88 WALLIS, James et. al. As extraordinárias aventuras do Barão Munchausen. São Paulo: Devir. 2000.

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mãos de uma só persona, o sistema acaba por enfatizar a dependência que tem o material improvisado do repertório cultural de seu autor. Como o objetivo das histórias é que sejam cômicas, e de algum modo absurdas, frequentemente os jogadores optam por impressionar seus companheiros com alusões a domínios culturais rechaçados por todos. Assim, de maneira quase caricatural, numa partida que observei entre estudantes de biologia, a chave do humor repetidas vezes estava em elaborar um personagem que defendesse firmemente ideias criacionistas. Assumindo posturas tanto mais fanáticas quanto mais se distanciassem daquelas crenças na vida real, os indivíduos ironizavam conjuntamente a religião. De maneira análoga, cheguei a ver um físico que valeu-se do mesmo mecanismo para elaborar sua história – mas que teve como alvo, ao invés do criacionismo, a filosofia metafísica do século XVIII. Já tive oportunidade de constatar comportamentos parecidos relacionados a movimentos sociais, como o feminismo e o ativismo negro, e também a diferenças étnicas. Em Mago: A Ascensão89, o jogador interpreta um feiticeiro, usualmente vinculado a uma comunidade que partilha crenças similares à dele. O livro fornece uma série de arquétipos em que a construção do personagem pode ser modelada, baseados em componentes de crenças mágicas extraídas da historiografia real. Há um arquétipo inspirado nas culturas ameríndias, e não é infrequente que os jogadores projetem sobre seus personagens – embora, neste jogo, sem a obrigação da ironia – os trejeitos que supõem típicos dos indígenas. Naturalmente, o mesmo pode acontecer com qualquer outro tipo culturalmente fixado – seja ele referente a uma profissão, a uma sociedade, a um indivíduo, e assim por diante. Diante de situações como essas, é forçoso concluir que o RPG é melhor compreendido se o entendemos como um terreno em que criação e conservadorismo coexistem num equilíbrio tenso. É verdade que cada partida abre espaço para a criatividade; mas também é que há poucos lugares melhores para a reprodução cega das visões de mundo de um grupo – quaisquer que sejam suas índoles. Dependendo de como é jogado, o RPG pode prestar-se a todo gênero de violência ou discriminação. O elemento do riso e do humor, que Huizinga corretamente acreditava dissociável dos jogos em geral, pode assumir na partida de mesa uma função central, e oferece alguns dos melhores momentos para sondar o teor ideológico dos que estão presentes. Ora, no fundo, aquilo de que todos riem não é senão o conteúdo oposto e 89

BRUCATO, Phil et. al. Mago: a ascensão. São Paulo: Devir. 2001.

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simétrico do que torna necessária a negociação no jogo. Ambos são expressões dos conflitos e concordâncias possíveis entre os paradigmas culturais que informam a ação dos jogadores. A dependência que tem a narrativa, para que possa ser desenvolvida, de estabelecer diálogo entre as visões de mundo dos indivíduos ali presentes, inscreve na própria estrutura do RPG a necessidade de diálogo entre elementos simbólicos “internos” e “externos” ao plano ficcional. Por mais que se atenham à pura interpretação e obediência às regras, é enquanto indivíduos reais, ideologicamente posicionados, que os jogadores estipulam o que pode ou não pode ser feito no decorrer da partida. Sua negociação é, em última instância, negociação entre visões de mundo diferentes. Assim como no caso das rinhas de Geertz, a vida simbólica exterior ao jogo torna-se essencial para compreender a lógica de seu funcionamento. Mas, aqui, uma diferença crucial faz-se presente. Já não são galos que representam os confrontos entre os homens e mulheres, mas os próprios homens e mulheres, mascarados como suas personas. Na curiosa relação que personagens e indivíduos estabelecem entre si, vai-se desvendando o que talvez constitua uma especificidade do RPG: a intensa interferência que a imaginação pode exercer sobre o real em seu interior90.

O RPG como mídia Havendo esboçado a maneira como o RPG permite a penetração de conteúdos simbólicos “reais” no plano ficcional, podemos retomar o problema das relações entre os jogadores, e inquirir definitivamente: que destino tem suas ações, em meio às expectativas ideológicas que eles projetam sobre seu jogo? Creio ser possível afirmar que, embora situados em planos estruturais diferentes, os três princípios de conduta que selecionei – a atenção às regras, a atenção ao caráter do personagem, a atenção às expectativas sobre a narrativa – têm em comum o fato de que exercem uma regulação negativa da conduta. Dizem, de maneira geral, não o que deve ser feito, mas o que não pode ser feito. Precisamente por isso o RPG continua aberto às novidades a cada nova partida. E é também por conta desse aspecto que é possível uma segunda forma de interação entre as três camadas da estrutura tripartite. Mais do que o transporte de signos de um plano a outro, é possível que ações cujo sentido se manifesta uma 90

Seria interessante pesquisar as relações entre a representação que os indivíduos fazem de si mesmos, e os personagens que constroem.

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camada tenham suas origens – isto é, seus motivos – em um dos dois outros estratos. A este fenômeno, darei o nome de comunicação (entre planos). Um exemplo bastante claro de comunicação entre planos pode ser visualizado nos casos em que há um “desmancha-prazeres” no grupo. As estratégias mobilizadas para tentar restituir o jogador inoportuno a um comportamento aceitável podem ser as mais diversas. Pode ser que, dentro do plano da ficção, os personagens atuem de maneira a inviabilizar determinados rumos da história, fazendo-se de desentendidos, ignorando, ou mesmo repreendendo os atos de outras personas. Pode ser que, num momento de suspensão da história, o narrador ou outras pessoas intercedam, avisando ao jogador, sob a prerrogativa da atenção às regras, que algo foi ou está sendo impertinente. Pode mesmo acontecer de essa intervenção dar-se no espectro das relações reais entre os indivíduos, caso em que eles se repreenderão, ou pedirão cordialmente que o objeto de incômodo seja evitado. A situação mais extrema possível – aquela em que o “desmancha-prazeres” é julgado tão intolerável que o grupo (ou o narrador) decide expulsá-lo – é bastante ilustrativa dessas estratégias. Um jogador pode ser eliminado da partida a partir da coação pessoal, “real”, exercida contra ele; pode ser pressionado a retirar-se sob a prerrogativa de que não está respeitando as normas do jogo; ou pode, como que pela intervenção de um deus ex machina, encontrar um destino subitamente infeliz no interior da ficção. Mais de uma vez tive ocasião de presenciar narradores que, sentindo-se profundamente irritados com seus jogadores, não tiveram nem o cuidado de dissimular a tragédia como algo casual: romperam a barreira da verossimilhança, com a explícita finalidade de eliminar aquelas pessoas da partida, por meio da introdução de um súbito evento mortal no seio da história, ou de um isolamento forçado do “desmancha-prazeres” em relação aos demais personagens. Nas ocasiões em que os demais jogadores também se sentiam incomodados, não houve objeções à atitude do mestre; mas, em uma delas, ele foi forçado a desfazer o que planejara, pois os jogadores acharam que sua atitude foi injusta. Em todas essas situações, o motivo da ação dos jogadores é o mesmo: um indivíduo está violando os parâmetros que tornam uma narrativa aceitável para o grupo. Esses parâmetros, informados pelos paradigmas culturais dos indivíduos e pelas regras do sistema em uso, cristalizam-se no plano normativo; mas a execução da atitude relativa ao desmanchaprazeres pode dar-se em qualquer um dos três planos, porque em todos eles existem condições

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para expressar o incômodo de maneira inteligível. O personagem que não reage ao outro e o indivíduo que repreende seu colega comunicam o mesmo conteúdo com um conjunto de significantes diferentes, porque adequados a estruturas diferentes. A forma da mensagem é o que varia, conforme o plano escolhido para veiculá-la. Esta regra mantém-se constante, qualquer que seja o ponto de partida da ação (a fonte de seus motivos), e qualquer que seja seu ponto de chegada (a camada em que se manifesta seu sentido). Com esta fórmula, chegamos a uma imagem definitiva sobre o mecanismo de que dispõe o RPG para atuar como produtor de relações sociais. Por conta da capacidade de veicular intenções oriundas de um plano estrutural em termos de outro, o jogo abre a possibilidade de que o real atue sobre o fictício, e o fictício atue sobre o real. Estou disposto a defender, em contraposição à situação de Geertz, que a interpretação em mesa pode ser dada como eficaz para a consolidação de determinadas formas de relação os jogadores na realidade extra-lúdica. Eis como entendo que isso acontece: Se conteúdos oriundos de um plano podem penetrar os outros, é porque a comunicação (entre os indivíduos) dá-se essencialmente do mesmo modo em cada um deles. O principal (e às vezes exclusivo) instrumento na construção da narrativa é a fala. Pode ser que a linguagem corporal, a gesticulação, toda forma de interpretação e atuação acresçam à comunicação verbal outras formas de expressão; mas o núcleo irremovível que opera o desenvolvimento do jogo é sempre o diálogo entre as partes. O segredo está, então, em que, no plano ficcional, e às vezes também no normativo, falar e agir são fenômenos equivalentes. Na vida cotidiana, é verdade que algumas intenções podem consumar-se na mera comunicação de um conteúdo a outra pessoa – no ato de dizer algo. Mas variadas metas exigem formas diferentes de atividade para que possam dar-se como realizadas, e outras tantas, como que numa posição intermediária, utilizam da fala como meio para atingir o que se deseja, e não como seu próprio fim. Já a narrativa do RPG estabelece uma coincidência entre esses dois momentos. No plano da ficção, enunciar a execução de um ato implica executá-lo; afirmar a intenção de comunicar algo a alguém pode equivaler a já têlo comunicado; e a resposta que se dá no improviso de uma atuação vale tanto quanto uma frase dita espontaneamente no plano real. Poder-se-ia dizer, resgatando livremente um conceito da filosofia da linguagem, que nessa camada todo enunciado é perlocucionário – faz valer aquilo que diz, unicamente por havê-lo dito.

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Como um contraponto a essa eficácia imediata do que se diz, está a curiosa faculdade que têm os jogadores de decidir, em retrospectiva, se podem “desfazer” uma ação indesejada. Conforme o temperamento dos indivíduos e a pertinência do pedido, essas correções do curso da história podem ser feitas e refeitas continuamente. Muitas vezes, elas levam em conta a ideia de que o trânsito entre camadas estruturais é suscetível de produzir enganos, de que não se agiu de má-fé, enfim. Esse gênero de desfeita é sintomático de um mecanismo subjacente a todo o jogo. Para compreendê-lo, precisamos finalmente notar que, além das tipologias culturais e das regras do cenário, as relações pessoais entre os jogadores podem ser um elemento determinante na definição das ações pertinentes na narrativa. Assim como os balineses de Geertz se identificavam a seus galos, delegando a eles a função de comunicar a belicosidade subjacente dos status em disputa, é possível que, de tempos em tempos, os jogadores de RPG utilizem de seus personagens para comunicar ações que só encontram sua razão de ser no plano real. Aqui, o caráter perlocucionário da fala em contexto ficcional revela todo o seu potencial. Ações que, na vida real, seriam consideradas impertinentes, ou demasiado arriscadas para serem postas em prática, encontram no jogo uma possibilidade de serem expressas de maneira controlada. O casal de amigos apaixonados, tímido demais no convívio cotidiano para tomar a iniciativa de uma aproximação, encontra na atuação o momento para agir de maneira mais displicentemente erótica, ou mesmo cordialmente belicosa, desenvolvendo, na imaginação conjunta, aquilo que o senso comum não deixava que acontecesse. Dali em diante, conforme as reações de seus personagens, quiçá ganhem segurança de fazer o necessário para dar início a uma relação real. Similarmente, o casal brigado utiliza do jogo para admoestar seu companheiro, ironizá-lo, cometer troças as mais diversas. O conflito latente do cotidiano processa-se sob o signo da casualidade despretensiosa, do mero desdobramento da historieta coletiva. O momento lúdico, limitando a ação em função da estrutura narrativa pretendida, abre, por outro lado, a possibilidade de realizar atos que o dia-a-dia obriga a permanecerem inconclusos. Já que, no RPG, basta falar para que as coisas aconteçam, é muito mais fácil realizá-las; e precisamente porque se sabe que, no fundo, trata-se apenas de “faz de conta”, é que a ação logra tornar-se realmente eficaz. Caso a tomada de uma atitude “arriscada” em jogo dê sinais de que aquilo vai terminar em problemas, pode-se a qualquer momento dissimular a intenção

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do que se comunica, afirmando que, afinal, era apenas brincadeira. A realidade cotidiana encontra, sob o pretexto da ficção, uma oportunidade para violar suas barreiras. O mesmo mecanismo pode ser empregado para reafirmar conteúdos já explícitos nas relações pré-existentes entre jogadores. A dupla inseparável de colegas assume uma postura conscientemente colaborativa, quando constrói a relação entre seus personagens. O grupo de jogadores diverte-se perseguindo sistematicamente, em contexto ficcional, aqueles que já no dia-a-dia lhes servem de bode expiatório. Tudo no jogo conspira contra seus personagens: as piores dificuldades são deixadas em suas mãos, os riscos mais altos confiados a seus desígnios, as cenas jocosas põe-no no centro das atenções. A “verossimilhança” deixa de obedecer meramente aos grandes esquemas culturais de que os jogadores são portadores, para passar a imitar as relações reais tais como já estão dadas. Também nesse aspecto, o RPG pode ser tanto criativo quanto conservador. Ora o jogo vive a fantasia do real; ora reduz-se a copiálo como se fosse fantasia. Do ponto de vista das ações oriundas do plano real, o RPG pode ser interpretado como mídia auxiliar das relações entre os jogadores. Na relação entre as expectativas que se tem para o desenvolvimento da narrativa, e os elementos mobilizados para atendê-las, o jogo funciona como meio de comunicação para as intenções em que se baseiam as relações extralúdicas, expandindo o número de mensagens possíveis de serem emitidas sem a criação de um conflito aberto entre as partes. Na medida em que essas mensagens assumem um duplo sentido – um interior à ficção, e outro interior à realidade –, elas viabilizam, mesmo que de maneira apenas indireta, a conquista de posições que não estavam previstas anteriormente nos contatos entre os indivíduos. Para as relações que já existiam, o jogo torna disponível uma nova linguagem com que exprimi-las – fato que, não garantindo por si só a diferenciação do grupo pretendida por Huizinga, pode constituir uma condição sua. Conforme uma antiga intuição de Weber:

[...] a orientação pelas normas da linguagem comum constitui, [...] em primeiro lugar, apenas um meio para o entendimento entre ambas as partes e não o conteúdo do sentido das relações sociais. Somente a existência de contrastes conscientes em relação a terceiros pode criar, nos participantes da mesma linguagem, um sentimento

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de comunidade e relações associativas cujo fundamento de existência, de maneira consciente, é a linguagem comum91.

Essa participação do real na configuração da ficção, que volta em seguida a repercutir no real, é tanto maior quanto maior a permeabilidade da camada intermediária, normativa, aos conteúdos dos dois outros planos. Um crescimento do rigor com que as regras são aplicadas coage cada vez mais os jogadores a se aterem à narrativa como algo que tem uma lógica própria, independente dos influxos pessoais que suas relações exteriores poderiam estimular. A flutuação da ação passa a concentrar-se em torno das esferas normativa e ficcional, dificultando o estabelecimento de vínculos interpessoais que não estejam relacionados à pura construção da história enquanto objeto autônomo. Toda tendência à “esteticização” do RPG – sua aproximação do teatro ou do cinema – é reflexo desse tipo de relação, mais próxima da racionalidade profissional de uma companhia artística do que da organicidade comunitária que Huizinga visualizava nos clubes de jogadores. A partir daí, certamente é possível a continuidade de encontros para debater e cultivar o jogo; mas a expansão dos laços interpessoais não encontra, na execução da narrativa por si só, ponto em que se apoiar. Com isso, chegamos a uma primeira hipótese a respeito dos elementos do jogo que resistem à consolidação de laços em interações extra-lúdicas. Quanto maior a racionalização das normas da partida em torno dos critérios estético-culturais dos jogadores, menor a probabilidade de que eles se sirvam do jogo como instrumento de comunicação de seus interesses pessoais. Menor, portanto, a chance de que partilhem mais do que o interesse no próprio jogo.

Conclusão Com estas considerações, espero haver contribuído minimamente para a questão de entender o que qualifica especificamente a forma de relação entre os jogadores. O método que empreguei – formalizar a maneira como se dão as relações para fins de jogo, e tentar encontrar, a partir disso, pontos de contato entre as intenções interiores e exteriores à atividade lúdica – talvez encontre aplicabilidade na investigação de outras formas de passatempo, além do RPG de mesa. Mesmo para este objeto, entretanto, a investigação não

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WEBER, Max. Op. Cit., p. 26.

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pode dar-se por completa. A solução que apresentei continua presa à condição de que exista um conjunto anterior de contatos estabelecidos entre os jogadores. Simbolizando as relações entre indivíduos como relações entre personagens, o RPG permite reafirmar os vínculos já existentes entre eles, mas também alavanca o desenvolvimento de novas formas de contato – sejam elas amigáveis ou não. Minha conclusão difere da de Geertz apenas por vislumbrar, além da possibilidade do “comentário metassocial”, a chance de que o jogo enseje mudanças efetivas nas relações extra-lúdicas. O que fica faltando é especificar se, e em que medida, pode haver um fluxo na direção oposta: um conjunto de ações que, sendo motivadas pelo plano da ficção, acabam repercutindo na estrutura real dos contatos pessoais. Acredito que a empiria dá indícios desse tipo de situação também. Um caso ilustrativo é o do ressentimento entre jogadores que, tendo seus personagens traídos por colegas de mesa, não conseguem desprender-se da má impressão que têm dos outros, mesmo após o fim da partida. Para além desse gênero de conflito superficial, o interessante seria investigar se podemos pensar o RPG como espaço de formação de vínculos reais a partir de vínculos entre personagens; e, neste caso, como se daria o processo de transposição da comunicação fictícia para a comunicação real. Por ora, entretanto, é impossível para mim avançar mais no assunto.

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