Literacia 3D: uma nova potência de inclusão

June 4, 2017 | Autor: Maria Romeiras | Categoria: Accessibility, Educational Research, 3D literacy
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Literacia 3D: uma nova potência de inclusão

Inclusão é uma palavra-chave no âmbito comunicacional. Na realidade, esta comunicação plural ideal passa pela inclusão de todas as pessoas sob o âmbito de uma identificação acessível e imediata com os signos que nos ligam ao mundo, uns aos outros e a nós mesmos. Deste modo, o que passaremos a designar por literacia comunicacional tem diversas vertentes e a acessibilidade é tão só uma vertente lógica, um direito e um dever de uma comunicação de qualidade, com as suas variantes culturais, sociológicas e históricas consideradas. No mundo actual, as tecnologias disponibilizam hardware e software que facilitam e aproximam a informação perceptível para uma mais completa compreensão da sua totalidade pelos nossos sentidos. Se ao longo da história da educação encontramos diversas tentativas de disponibilizar a alunos com e sem o sentido da visão a possibilidade de literacia de um mundo tangível, esforço necessário porque compreendendo elementos de contacto difícil, raro ou longínquo (donde as soluções de uso didático e cultural de animais empalhados, moldes de monumentos e mesmo medalhística para ilustrar determinadas realidades), desde os anos 80 do século XX que surgiram as impressões tridimensionais, tema desta nossa abordagem ao incremento do acesso à informação, mudando a face da literacia visual e permitindo uma abordagem individualizada e em liberdade de interpretação dos conteúdos pelos seus utentes que não dispõem do sentido da visão. É obviamente muito diferente ouvir uma descrição ou tocar uma impressão relevada, mais ainda se a tridimensionalidade libertar o objecto em questão para o tacto sem restrições, e o primeiro encontro do utente com a informação for directo, pessoal, adequado à sensibilidade e ao ritmo de leitura de cada pessoa. É a acessibilidade em

forma mais absoluta porque democratizando o direito de interpretação e não apenas de acesso a leituras de outrem. Considerando estes prossupostos, é portanto da maior importância a existência de meios de produção e de reprodução de objectos didáticos e culturais sob a forma de impressões tridimensionais, prestando ao utente cego um serviço de libertação de intermediários e de focalização de uma literacia visual com acuidade personalizada dominante. Dou o exemplo da escola Perkins, em que o modelo Perkins’ MakerBot Replicator 2X 3-D Printer é usado no programa pedagógico para Surdo-cegos Fittle1, imprimindo em puzzle palavras básicas para introdução à literacia escrita e visual em simultâneo, como por exemplo as letras que compõem a palavra FISH que surgem em quatro partes de um peixe tridimensional. Mas como chegámos a esta possibilidade comunicacional? Esta tecnologia é relativamente recente, tendo surgido patenteada pela primeira vez em 1980, no Japão2. Ao longo dessa década do século XX foram-se multiplicando desenvolvimentos da ideia inicial de impressão tridimensional. Mas só em 2007 se atingiu o patamar financeiramente exequível de impressoras 3D no mercado internacional, até se chegar às impressoras tridimensionais actuais que estão a atingir o mercado de pequenas instituições quando não já o doméstico. A grande vantagem desta tecnologia é a possibilidade de situação do mundo à distância de uma escala, a sua percepção personalizada e o facto de não implicar a visão como sentido primordial. Pelo contrário, a literacia tridimensional pode ser complementada pela visão mas é uma literacia tangível, privilegiando o tacto. Cria-se, assim, uma potência criadora de novos e mais precisos conceitos semióticos. Na verdade, se podemos tocar 1

https://www.newswire.com/fittle-an-educational-toy-for-blind/241951 acedido em 15/04/2016. http://3dprintingindustry.com/3d-printing-basics-free-beginners-guide/history/ acedido em 13/04/2016. 2

a torre de Belém acabada de sair da impressora 3D e ter consciência das suas características em relação ao tamanho do corpo humano, por um lado, da cidade de Lisboa, por outro lado, as nossas hipóteses de conhecimento do mundo passam a adquirir uma largura fabulosa e as suas aplicações escolares, culturais e académicas tornam-se inúmeras. O próprio conceito de torre: Torre de Belém? Torre dos Clérigos? Torre de Pisa3? Cada conceito tem variantes e se numa escala que ultrapassa o toque existem variações, as tecnologias 3D permitem a miniaturização e a percepção, à escala correcta, destes mesmos objectos, construções ou fenómenos, sempre com a vantagem de uma abordagem directa e pessoal. Outra característica desta nova forma de aproximação à comunicação consiste na independência da visão. Se a visão tem uma história própria e uma componente cultural de interpretação fortíssima e construída – vejam-se os estudos de Jonathan Crary4 – e a fase da literacia 3D é uma revolução científica e académica para qualquer aluno regular – e cito aqui os estudos recentes de Paul Chandler5 - sabemos que pode ser iludida, por exemplo, por um desenho de características anamórficas, exigindo o sentido do tacto para certificação da realidade ou ilusão que lhe são presentes. O conceito semiótico de tridimensionalidade abrange portanto novas funcionalidades para todas as pessoas na sua relação com o mundo e muito em particular das pessoas cegas com as suas representações e interpretações, no domínio da arte em geral, da geografia, das ciências, da fotografia, da pintura. Diversos projectos tem explorado esta possibilidade, como o Digital Rhetorics project (Lankshear et 3

http://www.3ders.org/articles/20131022-type-a-machines-next-generation-series-1-3d-printer-allowsall-users-to-modify.html acedido em 13/04/2016. 4 Crary, Jonathan (1992). Techniques of the observer. On Vision and Modernity in the Nineteenth Century. MIT Press, Massachussets. 5

http://acce.edu.au/sites/acce.edu.au/files/pj/journal/AEC_Vol_25_No_1Towards3DdigitalMultimodalCu rric.pdf

al., 1997) e o Information Technologies, Literacy and Educational Disadvantage (ITLED) project (Comber et al., 1997-2000). Domínios tradicionalmente apenas acessíveis por uma descrição dos signos tornam-se agora tangíveis, como se a literacia ligada a determinadas áreas culturais e científicas tivesse sido liberta de um filtro de interpretação do outro. O que nos aproxima da definição de Pierce6 (18391914) em que a interpretação de semiótica é precisamente “a definição dos signos usados por uma inteligência capaz de aprender por experiência”. Uma das aplicações desta nova forma de literacia foi bastante explorada em estudos desenvolvidos pela empresa 3dphotoworks7, criada por John Olson, que tem investido bastante na área cultural desta tecnologia. Utentes cegos de um museu narram que na sequência de uma exposição onde uma reprodução tridimensional da Mona Lisa fora exposta, sentiram com acuidade essa revolução semiótica pessoal. Num dos casos foi o reparo no sorriso contido e tímido, outro foi a observação dos cabelos encaracolados que nunca antes lhe tinham sido descritos. Finalmente, quais são as possibilidades que se elevam pela disponibilização actual desta tecnologia auxiliar da literacia e da comunicação?  Na educação, em primeiro lugar (ver os estudos da Universidade do Colorado por Stangle, Kim and Yeh8). Se além de livros em Braille e com imagens relevadas, os pais e educadores tiverem modelos e representações tridimensionais diversas, as crianças cegas podem, ao longo da escolaridade e desde o início da mesma, aperceber-se directamente e sem intermediários, de 6 7

8

http://plato.stanford.edu/entries/peirce-semiotics/ acedido em 15/04/2016. http://www.3dphotoworks.com/ acedido em 13/04/2016.

Stangle, Kim, Yeh (2014). 3D Printed Tactile Picture Books for Children with Visual

Impairments: A Design Probe. https://pdfs.semanticscholar.org/3fc8/d7920b4572e22a0eb6e9cf4f2256e8af8e54.pdf acedido em 15/04/2016.

representações do mundo que as rodeia, importantes na sua formação, abrindo-lhes as portas de uma linguagem plástica tridimensional e de um discurso mais preciso e contextualizado.  Na vida cultural de adultos, abrindo as portas a informação que era, até agora, prestada por terceiros;  Na vida profissional de adultos, desbravando caminho a profissões em que a relação com a imagem seja fundamental;  Na vida social, no acesso a conceitos que, depois de directamente explorados, são mais adequados no seio de um discurso coerente e culto, de uma nova e acessível semiótica visual, direito que devia ser de qualquer pessoa, independentemente das suas circunstâncias pessoais.

Porque o poder excluir-se de um plano fixo complementado por explicações e descrições ao ritmo e capacidade alheia é, de facto, a grande revolução desta nova hipótese de literacia que nos enriquece, finalmente, a todos.

Maria Romeiras Amado, Abril de 2016

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