Mais um golpe na \'jurisprudência defensiva\': STJ alinhado ao Novo Código de Processo Civil

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MAIS UM GOLPE NA 'JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA': STJ ALINHADO AO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Fernanda M. Q. Farina Setembro de 2015

Em sede de Questão de Ordem levantada neste mês pelo Ministro Luis Felipe Salomão

no

julgamento

do

Recurso

Especial



1.129.215,

a

Corte

Especial do Superior Tribunal de Justiça alterou seu entendimento para restringir o alcance do Enunciado nº 418 da Súmula daquela C. Corte. De acordo com o texto: "É inadmissível recurso especial interposto antes da publicação dos embargos de declaração, sem posterior ratificação". O 418º enunciado da Súmula do STJ tem como origem o Recurso Especial nº 776.265 julgado pela Corte Especial em 18/4/2007, com relatoria do de Ministro Cesar Asfor Rocha. O precedente se formou em um julgamento apertado, de 7 votos a favor e 6 votos contra. O relator, Min. Humberto Gomes de Barros, ficou vencido na tese de que "a exigência somente faria sentido, quando os embargos são recebidos, com alguma alteração do acórdão embargado. Do contrário, permanecendo íntegro o aresto, não faz sentido exigir-se ratificação", acompanhado pelos Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Paulo Gallotti, Luiz Fux e Teori Zavaski. A tese vencedora, trazida do voto-vista do Min. Asfor Rocha, foi de que "a abertura da via eleita exige o exaurimento da via ordinária, prescrevendo a Carta Magna, em seu art. 105, inciso III, o cabimento do recurso especial em causas decididas em 'última instância'. Como cediço, no julgamento dos embargos declaratórios é possível a alteração do julgamento pelo reconhecimento de omissão, como o caso dos autos, ou erro material e, ainda que não haja tal modificação, o acórdão dos aclaratórios passa a integrar o aresto embargado, formando, assim, a decisão de última instância prevista na Constituição Federal. Não se pode, por isso, ter por oportuno o recurso especial interposto contra acórdão que foi desafiado por embargos de declaração, mesmo que veiculado pela parte contrária". O voto-vista, vencedor, foi acompanhado pelos Ministros José Delgado, Felix Fischer, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Nancy Andrighi e Laurita Vaz. Desse precedente foi redigido o enunciado 418 supra transcrito, e seguiram-se inúmeras outras decisão que aplicam diuturnamente o impedimento para  

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negar conhecimento aos recursos especiais, não importando a relevância de seu mérito. Isso porque, em tese, ainda não estariam atacando a "última decisão" proferida por tribunal a quo. Não obstante ter-se firmado o entendimento no STJ, a tese foi sempre alvo de críticas severas por parte da doutrina [1]. Tal crítica se viu cristalizada inclusive em algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, tal como Recurso Extraordinário 680.371 AgR/SP, julgado em 2013, no qual considerou-se desnecessária a ratificação do recurso quando a decisão embargada é mantida pela rejeição do recurso. Essa posição, já defendida na doutrina há muito, assim como por uma parcela descontente da jurisprudência, foi finalmente agora abraçada pelo STJ. Na Questão de Ordem o Ministro Salomão apontou a necessidade de rever o precedente da Corte, resumido no enunciado nº 418, em prol da justiça social. De acordo com o ministro: "a admissibilidade recursal não pode ser objeto de insegurança e surpresa às partes, não se podendo exigir comportamento que não seja razoável e, pior, sem previsão legal específica, com objetivo de trazer obstáculo à efetividade da prestação jurisdicional. (...) É sabido que o excesso de formalismo com o fito de reduzir o número de recursos muitas vezes acaba por traduzir, em verdade, num efeito contrário ao desejado: o Judiciário pode ter uma duplicação de seu serviço, já que além de brecar determinado recurso em sua admissibilidade, terá de julgar, posteriormente, as respectivas rescisórias.” A decisão segue o compasso do Novo Código de Processo Civil na tentativa de combater a chamada "jurisprudência defensiva"[2]. De acordo com o novo diploma: "Art. 218, §4º. Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo". E, "Art. 1024, §4º Caso o acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão embargada, o embargado que já tiver interposto outro recurso contra a decisão originária tem o direito de complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da intimação da decisão dos embargos de declaração.  

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§5º Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação." A previsão - bem como o entendimento sedimentado na Q.O. - abraça todos os princípios que embasam a Teoria Geral do Processo e o Processo Constitucional: celeridade, eficiência, segurança jurídica, instrumentalidade das formas e rendimento dos atos processuais. Como bem apontado pelo Min. Salomão: "Ao que parece, diante da notória divergência, considerando-se a interpretação teleológica e a hermenêutica processual, sempre em busca de conferir concretude aos princípios da justiça e do bem comum, penso que é mais razoável e consentâneo com os ditames atuais o entendimento que busca privilegiar o mérito do recurso, o acesso à Justiça (CF, art. 5°, XXXV), dando prevalência à solução do direito material em litígio, atendendo a melhor dogmática na apreciação dos requisitos de admissibilidade recursais, afastando o formalismo interpretativo para conferir efetividade aos princípios constitucionais responsáveis pelos valores mais caros à sociedade." Uma interpretação literal, excessivamente formalista da Constituição Federal, de fato poderia levar ao entendimento de que "última decisão" significa aquela não mais passível de qualquer recurso; a última publicação presente no site do tribunal. O que daria ensejo ao entendimento previsto no enunciado nº 418, segundo o qual a completude

do

requisito

previsto

na

CF

para

abertura

da

instância

extraordinária, "última decisão", somente se daria após a efetiva publicação da última decisão proferida pelo tribunal a quo. Mesmo em casos de embargos sucessivos, protelatórios, sempre rejeitados. Essa interpretação em nada se coaduna com o modelo constitucional do processo; com o processo moderno que almejamos construir, objetivo maior da reforma do CPC. Ao contrário, uma interpretação de acordo com os princípios da celeridade, eficiência, instrumentalidade [3] e rendimento dos atos processuais, só nos permite compreender o requisito da Constituição Federal, "última decisão", como a publicação da última versão da decisão atacada. Se a mesma não foi alterada pelo acolhimento de embargos de declaração com efeito modificativo, a decisão última continua a ser aquela publicada antes mesmo da oposição dos embargos. As decisões

 

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subsequentes, meramente rejeitando eventuais embargos de declaração (quantos forem), não alteram a versão final da decisão que de fato importa para fins recursais. Segundo a dicção do art. 538, do CPC, “os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes”, redação esta mantida pelo novo CPC: Art. 1.026. "Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso". Trata-se de consequência inerente à natureza do próprio recurso [4] de embargos de declaração, que tem como resultado a integração da decisão atacada e não sua substituição. Ou seja, se o julgamento dos embargos de declaração tem o condão de modificar ou integrar a decisão recorrida, há que se interromper o curso do prazo dos demais recursos cabíveis ao seu ataque. O contrário significaria iniciar o prazo do recurso antes mesmo da completa conclusão da decisão. Essa previsão é uma segurança, um benefício às partes, que assegura às mesmas tempo integral para compreensão de toda a decisão, em amplo contraditório, e não apenas de parte dela, quando eventualmente modificada pelos embargos declaratórios. Esse benefíco não pode significar, de outro modo, um ônus às partes [5]. Se a decisão embargada ficar mantida, seja pela rejeição dos embargos como por sua integração sem modificação do resultado, não há motivos para que as partes mudem as razões recursais de eventuais recurso já interpostos. Isso porque as razões recursais estão adstritas aos fundamentos da decisão; se estes não foram alterados, não haverá [em tese] alteração das razões recursais. Foi o que, corretamente, entendeu o STJ no julgamento da Questão de Ordem em comento, seguindo o que determinará expressamente o Código de Processo Civil a partir de 2016. A nova lei, bem didaticamente, deixa claro: não há extemporaneidade prematura de atos praticados antes do prazo, e, no caso específico dos embargos de declaração, caso a decisão embargada seja modificada pelo acolhimento do recurso, a parte que já houver interposto outro recurso tem o direito - e não o dever - de complementar suas razões no limite da modificação. E, ainda mais expressamente, se os embargos forem rejeitados ou se, mesmo acolhidos, não tiverem efeitos modificativos, não haverá necessidade de ratificação de eventuais recursos já interpostos, que deverão ser processados e julgados. Neste mesmo sentido concluiu o voto do Min. Luis Felipe Salomão: "Destarte, penso que a única interpretação cabível para o enunciado da súmula é aquele que  

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prevê o ônus da ratificação do recurso interposto na pendência de embargos declaratórios apenas quando houver alteração na conclusão do julgamento anterior, sob pena de consubstanciar despropositada exigência, que não contribui para a efetiva prestação jurisdicional. Por óbvio que, ocorrendo efeitos infringentes aos aclaratórios (em sua função anômala), nascerá a pretensão de interposição de novo recurso pelo sucumbente, haja vista que perderia interesse recursal naquele seu primogênito". Um ponto a favor do processo constitucional na batalha contra a jurisprudência defensiva. Melhor ainda que a jurisprudência do STJ já concorda com a lei processual que entrará em vigor no próximo ano. Todos ganhamos. Perdem somente o formalismo e o condutor do "banana boat" [6].

REFERÊNCIAS [1] E.g.: DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol 3. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 232; DINAMARCO, C. R., Tempestividade dos Recurso, in Revista Diaética de Direito Processo, n. 16, julho/2004, pg. 23; Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, p. 630 e 695; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Indagações acerca da Intem-pestividade do Recurso Prematuro e a Súmula nº 418 do STJ. Revista Dialética de Direito Processual nº 88. Julho/2010. Editora Dialética. São Paulo: 2010. Pág. 40.; FARIA, Márcio Carvalho. A jurisprudência defensiva dos tribunais superiores e a ratificação necessária (?) de alguns recursos excepcionais. In: Revista de Processo nº 167. Editora Revista dos Tribunais. Ano 34. Janeiro/2009. Pág. 255.; [2] Já tivemos oportunidade de tratar do tema no artigo "Jurisprudência Defensiva e a Função dos Tribunais Superiores": "A denominada 'jurisprudência defensiva' pode ser caracterizada, hoje, como um excesso de rigorismo processual e procedimental. São decisões que se utilizam indiscriminadamente e estendem a aplicação de entendimentos jurisprudenciais, sumulados ou não, que contenham algum óbice ao conhecimento dos recursos. Se voltam exclusivamente a reduzir o número de processos julgados pelas Cortes Superiores, deixando de entregar uma prestação jurisdicional plena." (Farina, F. M.Q, Jurisprudência ..., Revista de Processo vol. 209, jul/2015, pg. 105).  

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Também neste sentido: Oliveira Junior, Z. D.; Roque, A. V.; Gajardoni, F. F. e Dellore, L. A jurisprudência defensica ainda pulsa no novo CPC, disponível em http://www.conjur.com.br/2013-set-06/jurisprudencia-defensiva-ainda-pulsa-codigoprocesso-civil. E CAIS, Fernando Fontoura da Silva. Em torno do formalismo processual: a cria-ção de requisitos para a prática de atos processuais pelos tribunais. Revista Dialé-tica de Direito Processual nº 57. Janeiro/2007. Editora Dialética. São Paulo: 2007. Pág. 11. [3] “Se o processo é um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa. E mesmo quando não se trata de bens materiais deve haver uma necessária proporção entre fins e meios, para equilíbrio do binômio custo-benefício. É o que recomenda o denominado princípio da economia, o qual preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais.” CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido Rangel. GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. [4] Faz-se a ressalva de que alguns autores discordam da categorização dos embargos de declaração como recurso, afirmando se tratar de incidente, técnica ou meio formal de integração da decisão. Defendem esta posição João Monteiro, Cândido de Oliveira Filho e Antonio Cláudio da Costa Machado entre outros. Em sentido diverso, no entanto, fixando a natureza recursal dos embargos estão Cassio Scarpinella Bueno, Nelson Nery, João Batista Lope e José Guilherme Marinoni. De modo bastante claro, nos parece, Alexandre Câmara assevera que: “Em primeiro lugar, há que se considerar que a atribuição de natureza recursal a determinado instituto é função do legislador, cabendo ao intérprete, tão-somente, acatá-la (ao menos de lege lata) (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. 2. 18 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 114)”. É o que se deu inclusive no código de 2015, que manteve os Embargos de Declaração no capítulo dos recursos (art. 994, IV). [5] "a interrupção ocorre na data da interposição dos embargos e perdura até a publicação do acórdão que os julgue. Daí em diante, recomeça a fluir, por inteiro, o prazo de interposição do outro recurso. Este, porém, não será inadmissível só pelo  

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fato de haver sido interposto, antecipadamente, durante a interrupção: a regra legal visa a beneficiar o recorrente, e não se há de entender que o prejudique a circunstância de não se ter aproveitado do benefício" (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 567-568). [6] Expressão criada pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, que afirmou: “Isso é brincar de ‘banana boat’ com o contribuinte. Depois de seguir reto em uma direção, o piloto da lancha dá uma virada brusca para derrubar todos os que estão em cima da banana. Nós temos feito isso com o contribuinte”, comparou o ministro. “O STJ foi concebido como um farol e não como uma bóia à deriva. Ele precisa indicar ao navegante, ao cidadão, qual é o caminho. Mas esse caminho há que ser definitivo.” Expressão

esta

que

é

utilizada,

além

da

oscilação

brusca

de

jurisprudência, também para tratar da jurisprudência defensiva.

 

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