Novas práticas da subcultura riot grrrl: reconfigurações na produção de fanzines a partir das potencialidades do tumblr

May 30, 2017 | Autor: Jonas Pilz | Categoria: Social Networks, Subcultures, Fanzines, Tumblr, Riot Grrrl Movement
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NOVAS PRÁTICAS DA SUBCULTURA RIOT GRRRL: RECONFIGURAÇÕES NA PRODUÇÃO DE FANZINES A PARTIR DAS POTENCIALIDADES DO TUMBLR Riot Grrrl subculture new practices: fanzines production resettings through Tumblr’s potentialities Gabriela Gelain (Unisinos)1 Jonas Pilz (Unisinos)2 Resumo: O propósito deste artigo é observar de que modo a subcultura Riot Grrrl reconfigura a sua produção de fanzines impressos, prática da cultura de fãs, para a plataforma Tumblr. As riot grrrls, enquanto fãs e integrantes desta comunidade, disseminam seus posicionamentos socio-políticos e culturais em redes sociais como blogs, sites, grupos on e off-line e publicações impressas. Parte-se do questionamento de que modo as fãs desta subcultura utilizam tais plataformas digitais de produção e compartilhamento com uma grande similaridade ao caráter dos seus fanzines impressos (grrrlzines). Assim, configuram um ativismo de fãs, compreendido como uma prática de resistência cotidiana. Com observações em perfis no Tumblrs de fãs da subcultura Riot Grrrl, analisamos o caráter de fanzine impresso na plataforma Tumblr em perspectiva de uma nova prática de ativismo de fãs utilizado por atuais adeptas e fãs desta cultura juvenil. Palavras-chave: Riot Grrrl. Fanzines. Tumblr. Subcultura. Abstract, Resumen ou Résumé: This paper aims to analyse how Riot Grrrl subculture updates its printed fanzines production, that is a fan culture practice, to Tumblr plataform. Riot Grrrls, as fans and participants of this community, spread their social and political points of view in social networks such as weblogs, websites, online and offline groups and printed publications. Our questioning is how the fans of this subculture use those digital resources of production and spreading with a great similarity to their printed grrrlzines. Thus, this is understood as a fan activism as a practice of everyday resistence. Through an observation in Riot Grrrl fans Tumblr profiles we have analysed printed fanzines characters in a perspective of fan activism that is apropriated by the current supporters and fans of this subculture. Palavras-chave: Riot Grrrl. Fanzines. Tumblr. Subculture.

Introdução Em Invasores do Texto, Jenkins (2015) propõe uma concepção dos fãs como leitores que se apropriam de textos populares e os ressignificam de modo que sirvam a inclinações diferentes e, enquanto espectadores, modificam a experiência de assistir à televisão em uma cultura participativa mais complexa. Através da elaboração de fanzines impressos e

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Mestranda do PPG em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Linha de Pesquisa: Cultura, Cidadania e Tecnologias da Comunicação. E-mail: [email protected]. 2 Mestrando do PPG em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Linha de Pesquisa: Linguagem e Práticas Jornalísticas. E-mail: [email protected]

digitalizados, além de Tumblrs, as meninas que se identificam com a subcultura Riot Grrrl3 articulam interesses4 que geralmente não são encontrados na mídia hegemônica (como textos que desconstroem a objetificação da figura feminina na mídia, críticas a capas de revistas para jovens mulheres, debates sobre violência sexual, psicológica e doméstica em relação ao que toca a vida das mulheres na sociedade). Desta forma, corroboram a perspectiva de Jenkins (2015, p. 42), quando afirma que “fãs constroem sua identidade cultural e social a partir do empréstimo e da modulação de imagens da cultura de massa, articulando interesses que costumam não ter voz na mídia dominante”. Feixa (1998, p. 84) entende que as culturas juvenis são cristalizadas pela forma como os jovens expressam suas experiências sociais "coletivamente mediante a construção de estilos de vida distintos, localizados fundamentalmente no tempo livre, ou em espaços intersticiais da vida institucional". Hall e Jefferson (1976) problematizaram a noção de que as culturas juvenis tinham uma notória origem de classe, ou seja, eram referentes à cultura da classe da qual seu grupo era originário. Surgindo durante o período do pós-guerra, as subculturas são explicadas como conjuntos menores dentro das culturas de classe (ou cultura dos pais) - estruturas diferenciadas e localizadas - imersas em uma rede cultural maior. Assim, as subculturas devem, primeiramente, ser analisadas em relação à cultura dos pais, depois à dominante, e quando são diferenciadas por idade e geração, podem ser chamadas de culturas juvenis. As seguidoras da subcultura Riot Grrrl, enquanto fãs inseridas neste fandom musical, inspiram-se nas garotas feministas do punk e, assim, denominam-se ativistas, vinculadas ao movimento feminista. Em pesquisa realizada por em janeiro de 2016 com 58 mulheres de 15 a 42 anos de idade, 54 de 58 entrevistadas afirmaram que se consideram fãs do que entendem por Riot Grrrl e 46 consideram-se também ativistas (GELAIN, no prelo). Os fandoms representam um tipo de coletividade (agem como comunidade) e conectividade onde seu poder é ampliado pelo acesso às comunicações ligadas em rede (JENKINS, GREEN e FORD,

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Movimento feminista que teve início dentro do punk, vinculado a terceira onda do feminismo, que surge no início dos anos 90. 4 “As riot grrrls não faziam questão de se mostrarem bonitinhas, meigas, ou bem comportadas. Elas raspavam as cabeças, usavam roupas masculinas e, por vezes, como forma de protesto, se envolviam com outras mulheres, mostrando aos homens, de que eram tão capazes ou “até mais” do que eles. “Destruíam” revistinhas que “tornavam” as meninas “prendadas” com dotes domésticos e dependentes dos homens, além de destruírem também a imagem feminina aliada à fraqueza e aos moldes de estética, que forçavam garotas a ser o que a mídia impunha e não o que elas realmente queriam ser ou eram de fato.” Retirado de: http://www.radiorock.com.br/riot-grrrl Acesso em 13/04/16.

2014). Este artigo pretende verificar de que modo a subcultura Riot Grrrl atualiza a sua produção de fanzines para a plataforma Tumblr. Neste momento, identifica-se esta plataforma, e suas lógicas, como um dos novos espaços de circulação de conteúdos, manifestações, exposições e luta de representantes da cultura de fãs que está presente na Riot Grrrl. Assim, pretende-se observar as potencialidades, limitações e transformações que o Tumblr implica para a subcultura que surgiu vinculada à produção de periódicos impressos alternativos, com tiragem pouco expressiva. Parte-se do questionamento de que modo as fãs desta subcultura utilizam tais plataformas digitais de produção e compartilhamento com uma grande similaridade ao caráter dos seus fanzines (grrrlzines).

O ativismo (de fãs) Riot Grrrl Surgindo concomitante à Terceira Onda Feminista5, a subcultura Riot Grrrl inspirou a mudança de imagem da resistência feminista dentro da música, principalmente dentro da subcultura punk, seu primeiro espaço de enfrentamento sexista e de discussão de gênero. Surgiu em Olympia, Washington, em 1990, apresentado pela mídia através de bandas como o Bikini Kill, L7 e Bratmobile. Contudo, apesar do estabelecimento dos grupos de rock liderados por mulheres como principais representantes do movimento, a subcultura Riot Grrrl não se limitou apenas à música, sobretudo em suas produções culturais. As próprias integrantes das bandas são autoras de publicações independentes (fanzines), como os fanzines intitulados Riot Grrrl e Bikini Kill. Assim, entende-se a subcultura Riot Grrrl, em sua abrangência, como a ruptura dos polos de produção cultural independentes sendo protagonizados por homens, com a reivindicação das mulheres por seu espaço através da formação de coletivos de produção independente. O termo “Riot Grrrl” possui como significado literal "garotas amotinadas". O “Grrrl” é uma onomatopeia usada para representar um rosnado de raiva, uma fúria da subcultura, dando a entender que são garotas furiosas (RIBEIRO et al., 2012). Recentemente, a Riot Grrrl tem sido representada nos meios midiáticos através de quadrinhos, blogs, fanzines digitais, bandas e em grupos nas redes sociais na internet. Em 2015, a cidade de Boston (EUA) promoveu o 5

A Terceira Onda Feminista iniciou na década de 90 e teve como característica principal a crítica às definições essencialistas da feminilidade, que se apoiavam nas experiências de mulheres brancas, integrantes de uma classe média-alta da sociedade (GASPARETTO, 2015).

Riot Grrrl Day, onde Kim Gordon, do Sonic Youth, lançou sua autobiografia, e importantes bandas do cenário punk feminista, como Sleater Kinney, Babes in Toyland e L7, se reuniram para apresentações especiais. No Brasil, existe uma série de produções de quadrinhos, voltadas para as lógicas de consumo online, que contemplam conteúdos de caráter Riot Grrrl. Entre as publicações de maior destaque, estão as personagens Anna Grrrl, Magra de Ruim, Xereca, Lovelove6, e Negahamburguer. Segundo Amaral et al. (2015), alguns autores denominam "ativismo de fãs" as formas de engajamento político nos fandoms, sobretudo aqueles relacionados aos produtos e celebridades da cultura pop. Para Brought e Shresthova (2012) há quatro pontos principais para compreendermos o conceito de ativismo de fãs: as intersecções entre participação política e cultural; a tensão entre participação e resistência; o papel do afeto em mobilizar a participação cívica; o impacto das mobilizações "no estilo de fãs" (AMARAL et al, 2015). Os instrumentos pelos quais este ativismo Riot Grrrl é manifestado, segundo Costa et al. (2012), são os protestos nas letras das músicas, nos fanzines e na estética corporal das jovens mulheres. Quando esta subcultura surgiu as garotas combinaram esse recurso a outros presenciais, como shows, coletivos e reuniões, para mobilizar, sensibilizar e divulgar ações coletivas através do feminismo, da juventude e da música punk e hardcore. O ativismo de fãs da subcultura Riot Grrrl pode ser visualizado em práticas como produção de fanzines impressos, oficinas de música para garotas de idades diversas, e na cultura digital através de grupos em redes sociais e sites como o Tumblr. As riot grrrls surgiram quando a internet comercial ainda dava os primeiros passos na América do Norte. Embora já existisse acesso à rede e algumas plataformas de relacionamento, e o correio eletrônico, a comunidade foi marcada pela produção e circulação de fanzines. Este tipo de material, de baixo custo de produção e reprodução, foi o principal meio pelo qual as garotas escreveram e espalharam manifestos, informações de bandas, ideais, questionamentos e demais expressões culturais, artísticas e sociais. Desta forma, os fanzines eram distribuídos em eventos específicos vinculados à subcultura ou enviados pelo correio. Para Oliveira (2006), o fanzine é uma mídia alternativa, com base na qual foi criado um movimento cultural alternativo internacional. É uma expressão viva, concreta e palpável de que os movimentos sociais também educam, inclusive e principalmente, os movimentos (sub)culturais juvenis.

Com o fim de algumas bandas e o envelhecimento natural das principais, e pioneiras, representantes, a Riot Grrrl foi perdendo força no decorrer dos anos 90. Consequentemente, e a partir da consolidação de meios digitais, a produção de fanzines também foi gradativamente diminuindo. Nos últimos anos, ícones da comunidade Riot Grrrl, e dos principais grupos dessa vertente, passaram a ocupar espaços nos meios de comunicação tradicionais em entrevistas lembrando o seu auge. Algumas bandas também voltaram à ativa. Contudo, o movimento que se caracterizou pelos eventos presenciais, onde bandas tocavam e, sobretudo, materiais impressos eram trocados/vendidos, hoje se reconfigura com a circulação de conteúdos nas redes digitais.

Fanzines produzidos pelas riot grrrls ou “grrrlzines” Os fanzines surgiram nos anos 1930, com os fãs de ficção científica. Os fãs de rock passaram a se apropriar das suas lógicas apenas quatro décadas depois. As primeiras publicações relevantes neste segmento foram Punk (EUA) e Sniffin’ Glue (Reino Unido), ambas publicadas em 1976. A filosofia Do It Yourself6, a corporificação do espírito punk, ocupa uma posição de liderança no mundo dos zineiros e zineiras. O “Faça Você Mesmo” é, ao mesmo tempo, uma crítica ao modo dominante de cultura do consumidor passivo e a criação ativa de uma cultura alternativa, que intenta fazer algo diferente além de criticar o status quo - velho ideal dos fanzines (DUNCOMBE, 1997). Nos anos 90, os fanzines foram o primeiro meio de disseminação das ideias propostas pelas riot grrrls. Nas produções impressas independentes do início da subcultura Riot Grrrl, as mulheres escreviam sobre o sentimento de opressão dentro do rock, onde eram desencorajadas a tocar instrumentos e atuar efetivamente na cena. Allison Wolf e Kathleen Hanna, das bandas Bratmobile e Bikini Kill, respectivamente, passaram a editar suas próprias publicações impressas. No segundo zine de Hanna, intitulado Bikini Kill #2, está publicado o Manifesto Riot Grrrl, um levantamento de alguns pontos de crítica que as garotas tinham sobre o punk e a sociedade patriarcal. Em 1993, segundo um jornal canadense7 mencionado no livro Girls to

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Ação individual ou coletiva que se propagou por meio do movimento punk. É a corporificação do espírito punk: não dependa de ninguém para fazer na cena, faça você mesmo. 7 O autor não especifica o nome do jornal.

The Front, 40 mil zines foram publicados no norte dos Estados Unidos, também chamados de grrrlzines8. As riot grrrls são as primeiras feministas a usarem os fanzines para discutir temas considerados tabus, como violência doméstica, sexual e bulimia, homossexualidade e heteronormatividade, estabelecendo redes com outras garotas para que estas pudessem compartilhar livremente suas experiências particulares. Contemporaneamente, as riot grrrls criaram comunidades na internet (coletivos, grupos do Facebook, blogs e uso de outras plataformas online) e, embora muitas discussões abordem pautas como o feminismo, o racismo e o sexismo, escrevem com maior frequência sobre questões cotidianas (CAMARGO, 2008). Segundo Marcus (2010), as primeiras garotas que se envolveram nas comunidades de caráter Riot Grrrl iniciaram uma lista de e-mails. Este foi o primeiro sinal, dentro desta subcultura, de que em breve haveria uma grande mudança do papel e da máquina de escrever para o uso da internet. As integrantes da lista discutiam questões de política, raça e classe. A lista de e-mail era restrita, e a única forma de ser inserida, e talvez até mesmo tomar conhecimento da lista, era a partir de alguém que já estivesse no grupo. Contudo, o potencial democrático da internet foi mais visível no caso da America Online Riot Grrrls, onde as mulheres jovens promoveram suas bandas e fanzines. Diversas musicistas enviavam pedidos de agendamento de shows e

compartilhavam informação sobre o que estavam lendo e

ouvindo (MARCUS, 2010) . Com a internet, tornou-se possível uma comunicação imediata entre editoras e leitoras de fanzines por intermédio das salas de discussões e grupos de estudos. O correio eletrônico reduziu as despesas com os custos postais e acelerou a troca de informações. Os sites ou fanzines digitais lançaram mão de novas possibilidades estéticas, com a inserção de cores e até de som e movimento, como é possível observar em perfis sociais em comunidades virtuais com temáticas Riot Grrrl (MAGALHÃES, 2005). Na visão de Mello (2010), a utilização de qualquer recurso que esteja relativamente disponível é uma das forças evidentes na produção de fanzines, quando o objetivo é proporcionar circulação a uma necessidade de expressão. Um destes recursos, utilizado de forma recorrente nas produções manuais, é a união de materiais escritos com materiais visuais

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Ao longo do texto utilizaremos a expressão grrrlzines e fanzines para nos referirmos aos fanzines de caráter feminista produzidos pelas riot grrrls.

de diversas origens, sem a necessidade de respeitar princípios estéticos na diagramação. Os grrrlzines são caracterizados por conter textos pessoais, entrevistas com bandas de mulheres, imagens, cartazes de shows e colagens com temática feminista (desconstrução de padrões de beleza, por exemplo). Também carregam uma tentativa de empoderamento das jovens, com meninas escrevendo para meninas. O estilo de música, as roupas utilizadas e os modos de comportamento destas garotas, assim como acontece em várias cenas musicais à margem do chamado mainstream, são as formas a partir das quais são criados mecanismos de identificação coletiva. Esta identificação gera visibilidade no espaço público, onde é combinada com formas próprias de expressão e socialização ligadas ao estabelecimento de veículos próprios de comunicação como os fanzines e, principalmente, os e-zines (os zines virtuais), bem como um uso bastante intenso das redes sociais digitais (CASADEI, 2003). Neste artigo, a subcultura Riot Grrrl, representada por novas adeptas de seu propósito, é abordado como uma subcultura originada por redes sociais e que hoje se reconfigura a partir das lógicas de redes sociais digitais, da cibercultura e apropriação de tecnologias de espalhamento (JENKINS et al., 2014) e interação.

As (novas) práticas fandom na cultura juvenil Riot Grrrl Segundo Kate Nash, compositora britânica que traz, em seu último álbum, Girl Talk (2013), influência das Riot Grrrls, em artigo9 publicado no jornal The Guardian do Reino Unido, o Tumblr, plataforma que permite aos usuários publicarem textos, imagens e vídeos, tornou-se a nova “parede do quarto” das adolescentes que se inspiram na subcultura feminista do punk, e um local utilizado para se expressarem. The internet has exploded in ways that most of us couldn‟t have imagined – and even at 27, I feel like I fall fast behind the teenagers of 2015. Tumblr is the new teenage bedroom wall: a perfect place to express yourself, an eternal stream of images and ideas. Combine that with a lot of girls‟ desire to craft, scrapbook and stay up till the early hours thinking about feelings, and you can see why the internet has helped facilitate the comeback of a pro-feminine scene such as riot grrrl. (NASH, 2015)

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Acesso em 06/02/15.

O estudo sobre o uso do quarto adolescente como um meio de entender espaços online começou na década de 1990, com a demanda de criação e manutenção de homepages pessoais. Chandler e Roberts-Young (1998) e Walker (2000) sugerem que, apesar de terem sido acessíveis ao público, o modo como estes sites foram centrados e controlados por um indivíduo em particular acabaram por replicar o estado do quarto como um território físico individual centrado na vida de pessoas jovens. Estes estudos ressaltaram como a performance da identidade por meio de interesses pessoais, gostos, preferências e amizades aproximaram a exibição das identidades visíveis nas paredes dos quartos dos adolescentes. A customização da aparência do espaço online é uma característica fundamental de algumas redes sociais digitais contemporâneas (como o Tumblr) e tem poder de afetação nas interações de comunicação instantânea. Este modo de comunicar-se é intrínseco nas culturas "always-on" que acessam seus Tumblr por tecnologias móveis (RENNINGER, 2014; TIIDENBERG, 2015). O Tumblr é um espaço de produção e compartilhamento, uma vez que é possível publicar e acompanhar publicações de outras pessoas, criando laços de afetividade e aproximação, no sentido de redes sociais e sites de redes sociais (RECUERO, 2009). No caso específico da Riot Grrrl, potencializa a divulgação de fanzines, flyers (cartazes), as lógicas de “copiar” e “colar” postagens (assim como nos fanzines, com a estética de colagem) de outras meninas, além da circulação de vídeos e músicas com conteúdos feministas. Assim, a partir de uma busca pela palavra-chave #riotgrrrl no campo disponível pelo Tumblr, encontramos perfis na plataforma que produzem ou compartilham postagens relacionadas a bandas, letras de música, textos sobre Riot Grrrl e feminismo. A partir de uma observação pontual destes perfis que surgiram a partir da hashtag, foram encontradas recorrências, no sentido de práticas semelhantes, da cultura zinística, que são sistematizadas em categorias de práticas apropriadas ou reconfiguradas pelas potencialidades do Tumblr. O processo de observação e categorização foi realizado em concomitância. Inicialmente, surgiram muitas propostas de categorias, mas na medida em que um número significativo de páginas no Tumblr é analisado, elas são reduzidas pelas aproximações gerais percebidas na observação. De todo modo, há interseções entre estes elementos. A amostra não determinada inicialmente é considerada suficiente quando novas categorias deixam de surgir, como apontam Fragoso, Recuero e Amaral (2013) sobre o momento de saturação dos dados. Assim, propõe-se a nomeação de quatro núcleos de apropriação da cultura zínistica no Tumblr

das riots grrrls ou com temática Riot Grrl: a) fanzine impresso que usa a plataforma Tumblr para divulgar outros conteúdos (Histérica), b) fanzine online que possui versão impressa e digitalizada (Grrrls in Subculture) c) webzine (que não possui versão impressa, intitulado Riot Grrrl‟s Not Dead) e d) Tumblr com (novas) práticas da cultura de fãs do Riot Grrrl.

a) Fanzine impresso usa a plataforma Tumblr para divulgar outros conteúdos

Algumas páginas no Tumblr são criadas para divulgar fanzines de papel. É o caso do Zine Histérica (Figura 1), zine feminista e Riot Grrrl brasileiro e impresso. As autoras possuem a página online que traz o mesmo nome do fanzine, ou seja, utilizam a plataforma para divulgar a sua publicação fotocopiada em papel. Porém, deixam claro, na sessão "Sobre o zine", que ainda não disponibilizam a publicação digitalizada ou para download – demonstrando uma certa resistência das autoras a favor da perpetuação do fanzine impresso. As autoras cobram o valor de custo pela edição de cada fanzine, que possui capa em papel colorido e às vezes em papel colorido com a sobreposição de papel vegetal.

Figura 2. Capas do fanzine impresso Histérica no Tumblr Fonte: Histérica Tumblr http://histerrrica.tumblr.com/ Acesso em 23/08/16.

b) Fanzine online possui versão impressa e digitalizada

Diferentemente de perfis no Tumblr como o Histérica, que não disponibiliza a sua publicação impressa no formato digital, perfis como Grrrls in Subculture (Figura 2), que também assume-se já no subtítulo como um fanzine punk e feminista, trazem os seus fanzines

digitalizados pela plataforma Dropbox. Além disso, as autoras divulgam um e-mail para possíveis contribuições ao fanzine impresso.

Figura 2. Capas do fanzine impresso Grrrls in Subculture no Tumblr

Fonte: Grrrls in Subculture Tumblr http://grrrlsinsubculturezine.tumblr.com/ Acesso em 23/08/16.

c) Webzine (Fanzine digital)

Webzines são os fanzines digitais. De forma geral, tratam sobre feminismo e cultura popular e nem todos tem o hábito de compartilhar conteúdos de outros perfis. Destacamos nesta categoria o perfil Riot Grrrl's not Dead, que publica entrevistas com bandas de meninas, textos narrados em primeira pessoa, resenhas de livros, críticas sobre o papel das mulheres em programas televisivos, indicações de músicas de novas bandas. Na primeira postagem do Tumblr, a autora diz que escreveu e formatou um fanzine impresso mas não tinha certeza se alguém realmente iria adquiri-lo, então decidiu colocar alguns de seus artigos online para despertar o interesse de outras meninas. Além disso, afirma que nem todos os artigos que constam em seus zines impressos estarão disponíveis no Tumblr.

Figura 3. Webzine no site Tumblr

Fonte: Riot Grrrl’s Not Dead Tumblr http://riotgrrrlsnotdead-blog-blog.tumblr.com/ Acesso em 23/08/16

d) Tumblr com (novas) práticas da cultura de fãs do Riot Grrrl

Nesta categoria há conteúdos como ensaios fotográficos, pequenos textos que abordam questões raciais, estupro, sexismo, transsexualidade, protestos e celebridades que falam sobre questões feministas. Percebemos o uso de recursos como imagens de gifs e vídeos hospedados em sites de redes sociais. Destacamos o perfil Be a Riot Grrrl, que conta com uma seção intitulada "Self Love Sundays" (Auto-Amor de Domingo), onde a autora pede para as seguidoras enviarem seus auto-retratos dizendo o que mais amam em si mesmas. Também enfatiza que o "auto-amor" não é algo para ser refletido apenas aos domingos (como demonstra no título, possivelmente uma tag utilizada em outros tumblrs). Esta seção é muito similar aos fanzines feministas da cultura Riot Grrrl, que valorizam a mulher per se. Através de um sentimento de sororidade entre garotas, fanzineiras publicam cartas e textos de outras meninas e de fanzines de outras leitoras e consumidoras de suas publicações, assim como as visitantes do tumblr analisado.

Figura 4. Tumblr com (novas) práticas da cultura de fãs do Riot Grrrl

Fonte: Be a Riot Grrrl Tumblr http://be-a-riot-grrrl.tumblr.com/ Acesso em 23/08/16

No Quadro 1 pontuamos algumas especificidades dos fanzines/grrrlzines e dos Tumblrs, embora não sejam pontos "obrigatórios". Há interseções neste sentido. Tanto nas publicações impressas quanto no site podemos encontrar textos pessoais. Um dos pontos recorrentes utilizados pelas narradoras riot grrrls: a primeira pessoa do singular (eu) e a primeira pessoa do plural (nós). Além disso, trechos de músicas também são presentes em ambos, porém no Tumblr, além das letras completas e trechos, podemos encontrar a postagem da música em formato mp3, além de links para o Youtube, apropriando-se das potencialidades da cibercultura e das redes digitais. Quadro 1. Fanzines e Tumblrs

Algumas

especificidades

Fanzines/ Algumas especificidades/Tumblrs

Grrrlzines 

Textos pessoais (às vezes, escrito a



Textos Pessoais

mão)



Postagem da música (em formato mp3,



Trechos de músicas



Colagens (recortes)



Editorial

de



Limite de cores (fotocópias em

digitalização de colagens feitas a mão

por exemplo) e letra da música 

Montagens (com utilização de softwares editoração

de

imagens)

ou

preto e branco; algumas poucas



“Sobre” o Tumblr

impressões coloridas em gráficas)



Geralmente colorido



Gifs, imagens com movimento, Memes, Vídeos (Youtube, Vimeo)

Fonte: Tabela desenvolvida pelos autores

A colagem é uma das técnicas utilizadas pelas riot grrrls em seus fanzines, enquanto nos Tumblrs elas utilizam montagens de imagens, sobreposição de figuras (em programas como Paint, Photoshop, por exemplo) e às vezes digitalizam colagens feitas a mão. O início do fanzine geralmente possui uma sessão intitulada "Editorial", onde a fanzineira traz as informações sobre o que o leitor encontrará na publicação autônoma. No Tumblr este movimento é visualizado na sessão "Sobre o Tumblr". Embora os grrrlzines dos anos 90

fossem fotocopiados em preto e branco, hoje não há tanta dificuldade em encontrar fanzines um pouco mais coloridos, com capas coloridas e impressão em outras cores. O Tumblr geralmente é bastante colorido, possui imagens em movimento, Memes e Vídeos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS É inegável que existem novas lógicas, práticas, linguagens e plataformas para a comunidade da subcultura Riot Grrrl e que a internet potencializou a disseminação das ideias feministas desta comunidade. O Tumblr é apropriado como extensão dos fanzines impressos, como plataformas para divulgar as publicações e como instrumento originário de publicações com características de fanzines ou fanzines digitais. Alguns perfis param de ser atualizados depois de um certo tempo, como os fanzines param de ser editados. Essa característica de peridiocidade irregular ou abandono do material pode ser compreendida a partir do caráter pessoal de produção e manutenção. A falta de tempo, expectativas de repercussão não atingidas, ou qualquer outra motivação pode levar a produtora de conteúdo a não mais realizálo. O ativismo de fãs das riot grrrls é visualizado nas práticas cotidianas de feminismo expresso através de letras de música, fanzines, textos pessoais, blogs, sessões dentro da plataforma Tumblr e conversações em grupos fechados nas redes sociais digitais e em coletivos feministas, entre movimentos on e off-line. As integrantes da subcultura Riot Grrrl se debruçam no modelo da propagabilidade (JENKINS et al., 2014), de modo individual e coletivo: utilizam os textos da mídia para fazer ligações entre si, mediar suas relações, dar um sentido ao seu campo social e, possivelmente, ao seu campo subcultural. Com as plataformas digitais que surgiram, houve o aumento das atividades do público participativo e conectado em rede (JENKINS et al., 2014) e, agora, os fandoms possuem mais facilidade para conectar e formarem comunidades, eventos e realizarem o ativismo de fãs (AMARAL et al., 2015), através de fanfics, crowdfunding, campanhas e fanzines digitais ou impressos digitalizados, Tumblrs, páginas do Facebook, entre outros. Assim como os fanzines das fãs da subcultura Riot Grrrls surgiram da sua inconformidade, do âmbito íntimo para o público, onde meninas produziram textos com impressões e frustrações pessoais referentes ao cenário cultural nos anos 90, hoje o Tumblr surge como uma nova prática, no universo digital, das atuais representantes das comunidades de fãs da subcultura Riot Grrrl.

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