O poema de Þrýmr (Þrýmskviða)

July 11, 2017 | Autor: Yuri Fabri Venancio | Categoria: Old Norse Literature, Old Norse Language, Mythology (Old Norse Literature), Translation
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O POEMA DE ÞRYMR – extraída do manuscrito islandês Codex Regius da Edda Poética

Yuri Fabri Venancio

Sobre a fonte Esse poema foi traduzido diretamente do antigo islandês a partir de duas edições: dos livros gamle Eddadigte (1932) de Finnur Jónsson e Eddukvæði (1956) de Guðni Jónsson. Ele está preservado no manuscrito Codex Regius (GKS 2365 4to) da Edda Poética que, segundo Faulkes (2007, p. 127), foi composto na segunda metade do século XIII; no entanto, a data real desse poema é muito debatida. E. V. Gordon (apud FAULKES, idem) é da opinião de que ele pode ter sido composto aproximadamente no ano 900, Faulkes opõe-se a isso argumentando que a composição deve ter sido muito mais recente, provavelmente com datação na primeira metade do século XIII. Para tal argumentação ele considera que o poema diverge ocasionalmente das regras tradicionais da poesia aliterativa nórdica e cita como testemunhos para tal posterioridade de composição em relação aos outros poemas édicos a existência de uma rima final nas duas primeiras linhas, a exclusão de algumas aliterações, o uso de repetições (usa três vezes o verso "disse essas palavras"), que mostram a influência da balada europeia não atestada confiadamente na Escandinávia até o século XIII, e o tom cômico. Além do mais, o autor acredita que o tom cômico do poema não necessariamente justifica que o poema seja tardio, pós-pagão (FAULKES, op. cit., p. 128). Ademais, segundo Turville-Petre (apud FAULKES, idem), o fato de naquela época serem narrados contos cômicos sobre os deuses não é um indicativo de descrença sobre eles; entretanto, como nenhum outro registro é encontrado sobre Þórr perdendo e recuperando seu martelo e, por conta do tom cômico, Faulkes (idem) sugere que o poema tenha sido composto como uma resposta literária tardia e cômica à mitologia Escandinávia pré-cristã e que a estória narrada é um produto de invenção literária. Portanto, Peter Hallberg (apud FAUKES, idem) argumenta que o próprio Snorri Sturluson foi o autor desse poema, uma vez que ele era muito capaz de compor convincentes pastiches de poema édico mitológico.

Sobre a forma e o conteúdo O conteúdo do poema mostra como os deuses nórdicos Þórr e Loki, vestidos respectivamente de noiva e de criada, conseguiram resgatar o martelo do primeiro, que foi roubado por Þrymr, o senhor dos gigantes. Essa composição é uma poesia édica e está atribuída à classe de poemas mitológicos (Neijmann, 2006, p. 10). A autora afirma que a poesia narrativa sobre deuses e heróis parece ter sido a mesma por todo o mundo germânico, ou seja, um verso com quatro sílabas tônicas que criam aliterações entre si; além da sílaba tônica, a quantidade silábica também é importante na estrutura do verso. A linha aliterativa de quatro sílabas tônicas é dividida por uma cesura em dois versos curtos; portanto, há oito versos curtos e cada um possui duas sílabas tônicas. Esse modelo é chamado de fornyrðislag ou antiga métrica édica e as semi-estrofes formadas por quatro versos curtos são conhecidas como vísuhelmingar (Neijmann, ibidem, p. 3-4). Ross (2005) afirma que tal modelo é a medida mais utilizada nos poemas da Edda Poética, embora também se encontrem os modelos málaháttr "modo de fala" e ljóðaháttr "modo de canção", e que também é um desenvolvimento nórdico do verso longo aliterativo comum no mundo germãnico, encontrado no repertório cultural de todos os povos falantes de línguas germânicas da Idade Média cuja poesia vernacular sobreviveu (p. 22). Com relação à aliteração, a autora afirma que ela ocorre em uma ou duas sílabas no primeiro verso e na primeira sílaba que carrega a tonicidade do segundo verso, mas essa regra não é tão formalizada como, por exemplo, no dróttkvætt "métrica da corte" (p. 23). Essa métrica é utilizada nos drápur, que é um tipo de poema de elogio a reis. Uma outra característica existente no poema é o kenning. Os kenningar são paráfrases com pelo menos dois componente que substituem um nome e que possuem frequentemente alusões mitológicas com o objetivo de evitar palavras simples (Neijmann, op. cit., p. 31). No poema há apenas quatro kenningar e todos eles fazem referência a Þórr: Vingþórr (Þórr tempestuoso), Hlórriði (o cavaleiro estrondoso, como sugerido por Simek (2007, 173)), Óðins sonr (filho de Óðin) e harðhugaðr (furioso, "o determinado enérgico"). Os poemas de tipo drápur, por outro lado, podem possuir centenas de kenningar. Na tradução foi mantida essa estrutura de oito versos como também o verso branco, característica também compartilhada por esse modelo; porém, tanto o ritmo, o pé métrico, quanto as aliterações do poema foram descartados na tradução, pois as estruturas das línguas são muito diferentes, ou seja, o antigo islandês, assim como as línguas germânicas, tem grande facilidade em criar composições, o que teria que ser compensado no português por meio de preposições como "de, "com", etc., e isso romperia o ritmo do poema, o deixaria com versos muito mais longos e, por isso, não seria fiel à suas regras e estrutura. Por outro lado, qualquer tentativa para uma tal

adaptação seria de grande valor. O objetivo da tradução é apresentar o conteúdo do poema e proporcionar alguns esclarecimentos sobre ele, se servindo da mitologia, história, arqueologia e etimologia, com base em autores consagrados. Foram mantidos os nomes em antigo islandês, portanto é necessário fazer um breve comentário sobre alguns caracteres que aparecem no poema, de acordo com a maneira de que se considera a pronúncia de tal língua extinta: o ð (fricativa dental sonora) se pronuncia igual ao inglês th em weather; a letra Þ (fricativa dental surda) é pronunciada como o inglês th em thin; as vogais á, é, í, ó e ú significam a, e, i, o, e u alongados, mas não acentuados; o ø pode ser pronunciado como o ö do alemão e o æ tem som de é. O caractere j é uma semivogal antes da vogal a e se apresenta como ia. A sílaba tônica de cada palavra sempre se encontra na primeira sílaba. As seguintes abreviações são utilizadas nesse artigo: Abreviações: alemão

ale.

antigo alto alemão

AAA

antigo índico

AInd.

antigo inglês

AI

antigo nórdico

AN

antigo saxão

AS

dinamarquês

din.

feroês

fer.

frâncico.

frân.

gótico

gót.

grego

gr.

inglês

ing.

islandês

isl.

latim

lat.

norueguês bokmål

nbok.

norueguês nynorsk

nny.

proto-germânico

germ.

proto-nórdico

PN

sueco

sue.

Ilustração: "Ah, what a lovely maid it is!" de Elmer Boyd Smith (1902)

1. Furioso ficou Vingþórr1 quando acordou e de seu martelo a falta ele sentiu, a barba ele sacudiu, os cabelos mexiam-se para os lados; o filho de Jorð2 o procurou às apalpadelas ao seu redor.

1. Vreiðr var þá Vingþórr er hann vaknaði ok síns hamars of saknaði, skegg nam at hrista, skör nam at dýja, réð Jarðar burr um at þreifask.

2. E antes de tudo disse essas palavras: “Ouve tu, Loki3, pois aquilo que agora digo não é sabido nem na terra e nem no céu: do áss o martelo foi roubado!”4

2. Ok hann þat orða alls fyrst of kvað: "Heyrðu nú, Loki, hvat ek nú mæli er eigi veit jarðar hvergi né upphimins: áss er stolinn hamri!"

3. Foram à linda campina de Freyja,5 e antes de tudo disse essas palavras:6 “Freyja, me emprestarias teu fjaðrhamr,7 se assim eu puder meu martelo resgatar? Freyja respondeu:

3. Gengu þeir fagra Freyju túna, ok hann þat orða alls fyrst of kvað: "Muntu mér, Freyja, fjaðrhams léa, ef ek minn hamar mættak hitta?". Freyja kvað:

4. “Com ele poderia te presentear mesmo se fosse de ouro

4. "Þó munda ek gefa þér þótt ór gulli væri,

É um kenning para Þórr. Magnússon (2008, p. 1140) em seu dicionário etimológico considera que há duas etimologias possíveis para a palavra Ving. Uma das possibilidades é de ter o significado de “algo sinuoso, serpenteante, tortuoso” e a outra é de algo “que sempre tem tempestade, tempestuoso”. Sugere-se aqui a opção por “Þórr, o tempestuoso”. 2 De acordo com Simek (1984, p. 216), é a deusa da família dos æsir, embora ela também seja designada como uma giganta. Ela é a mulher (ou amada) de Óðinn (comp. Skaldskaparmál cap. 9, estr. 10 do Edda em prosa) e dita como mãe de Þórr (comp. Gylfaginning, capítulo 36 e Skaldskaparmál cap. 11, ambos do Edda em prosa). 3 É uma figura mais complexa e também mais negativa do panteão germânico. É o pai dos inimigos dos deuses, da serpente de Midgarð, do lobo Fenris e de Hel (com a mãe giganta Angrboða), mas ele também ajuda os deuses em situações difíceis. As fontes sobre ele são numerosas e de modo algum óbvias; mas muito pelo contrário, as interpretações sobre ele são muito multifacetadas (SIMEK, ibidem. p. 238) 4 Áss (plural æsir) é a denominação de um membro do principal panteão na mitologia nórdica, do qual Þórr faz parte. Nesse contexto Þórr fala de si mesmo em terceira pessoa. 5 Provável referência a Fólkvangr, campina governada por Freyja, para onde uma parte daqueles que morrem em combate vão após a morte; a outra parte vai para Valhalla. Freyja é a deusa mais importante da mitologia antiga escandinava e é a deusa dos amantes. Ela pertence ao panteão dos vanir e é filha do deus Njörðr com a própria irmã dele que não está nomeada nas fontes. 6 Loki 7 Fjaðrhamr significa "traje de penas para voo". É um equipamento de voo de Freyja. 1

e a ti entregá-lo mesmo se fosse de prata.”8

ok þó selja, at væri ór silfri."

5. E Loki pôs-se a voar, - o traje de penas zuniu partindo da morada dos æsir9 e chegando na terra dos gigantes.10

5. Fló þá Loki, - fjaðrhamr dunði, unz fyr útan kom ása garða ok fyr innan kom jötna heima.

6. Þrymr, o senhor dos Þursar,11 sentado na colina, prendia seus cachorros com correntes de ouro e de seus cavalos as crinas alisava.

6. Þrymr sat á haugi, þursa dróttinn, greyjum sínum gullbönd sneri ok mörum sínum mön jafnaði.

Þrymr perguntou:

Þrymr kvað:

7. “Como estão os æsir? Como estão os elfos? Por que vens sozinho a Jötunheim?”

7. "Hvat er með ásum? Hvat er með alfum? Hví ertu einn kominn í Jötunheima?"

Loki respondeu: “Terrível está para os æsir Terrível está para os elfos.

Loki kvað: "Illt er með ásum, illt er með alfum;

Jónsson (1932, p. 114) coloca em pauta a relação ouro/prata. Ele sublinha o fato de prata ser nomeado depois de ouro por talvez ser o último mais importante que o primeiro, visto que, geralmente, em uma enunciação, o último elemento é o mais importante. Seria prata mais importante que ouro na época da composição do poema? 9 No AN o termo coletivo æsir indica um conjunto de áss. Foi utilizado o termo æsir por já ser um termo amplamente conhecido. 10 Referência a Jötunheim, que significa " lar dos gigantes". O original utiliza a palavra jötunn para gigantes. Magnússon (op. cit., p. 437) denomina jötunn (< *etuna) como algo þurs, risi “gigante“ e stórvaxinn maður “homem muito corpulento“. Como étimo ele indica a palavra reconstruída *etuna-, com significado provável de “canibal”; “glutão”, “comilão”. Comp. o ing. eat, ale. essen, nbok. eta, isl. jeta, lat. edo, AInd. admi (*< ed-mi). De acordo com De Vries (1977), o esclarescimento é problemático, pois uma raiz originária em u *edu- seria questionável, apesar do latim edulus (comedor) e o sufixo *-una- (comp. latim tribunus), ao lado de -ana- e -ina-, é pouco atestado (p. 296). 11 Mantivemos a palavra þurs (pl. þursar), que significa gigante ou troll; portanto, þursa dróttin "o senhor dos gigantes, dos trolls". Perceba que ele não utilizou a palavra jötunn, como na estrofe anterior. Magnússon (op. cit., p. 1203) denomina Þurs (< *þurisaz) como “jötunn”, “gigante”, “troll”; “homem simples e ingênuo” e “homem grosseiro e teimoso”, também afirma que a origem da palavra é obscura e pode ter o significado de “aquele que desobstrui com barulho”; também é o nome da runa þ (þorn nos poemas anglo-saxões) no alfabeto rúnico Novo Futhark. Segundo Simek (op. cit., pg. 412), era runa que possuía um caráter danoso e que, posteriormente, na literatura nórdica, designava gigantes malignos com traços demoníacos, diferentemente do termo jötunn, que era neutro e amplo. 8

Escondeste o martelo de Hlórriði?12”

hefr þú Hlórriða hamar of folginn?"

Þrymr respondeu:

Þrymr kvað:

8. “Escondi o martelo de Hlórriði, está a oito rastir13 abaixo da terra; lá ninguém jamais poderá alcançá-lo, exceto se me entregares a mão de Freyja.”

8. "Ek hef Hlórriða. hamar of folginn átta röstum fyr jörð neðan; hann engi maðr aftr of heimtir, nema færi mér Freyju at kvæn."

9. E Loki pôs-se a voar, - o traje de couro zuniu partindo da terra dos gigantes e chegando na morada dos æsir; E no meio do jardim com Þórr se encontrou, que disse antes de tudo essas palavras:

9. Fló þá Loki, - fjaðrhamr dunði, unz fyr útan kom jötna heima ok fyr innan kom ása garða. Mætti hann Þór miðra garða, ok þat hann orða alls fyrst of kvað:

10. “Obtiveste sucesso em sua árdua empreitada? Pronuncia em pormenor as notícias pelos ares; sempre os que sentam estórias esquecem e os que deitam mentiras proferem.”

10. "Hefr þú erendi sem erfiði? Segðu á lofti löng tíðendi, oft sitjanda sögur of fallask ok liggjandi lygi of bellir."

Loki repondeu:

Loki kvað:

11.

11.

“Saí muito bem na árdua empreitada;

"Hef ek erfiði ok erendi;

É um kenning para Þórr. De Vries (op.cit., p. 239) afirma que a primeira parte da palavra composta Hlórriði ou também Hlóriði, ou seja, Hlór- ou Hló-, pertence a hlói (aquele que fala alto, que grita) ou a Hlóra (mãe adotiva de Þórr). Hlóra é citada no Skáldskaparmál, da Edda em Prosa, no capítulo 11. A segunda parte da palavra é –riði, que significa cavalgar, tendo relação com outros nomes para Þórr como, por exemplo, Einriði (aquele que cavalga sozinho). Simek (op. cit., p. 153) traduz como “o cavaleiro estrondoso”. Entretanto, foi decidido permanecer com nome em antigo islandês. 13 Mantivemos a antiga milha nórdica, chamada de röst (pl. rastir, pl. dat. röstum). Segundo Magnússon (op. cit, p.790), um röst equivale a doze quilômetros. Portanto, Þrymr escondeu o martelo de Þórr a noventa e seis quilômetros abaixo da terra. 12

Þrymr, o senhor dos gigantes, está com teu martelo; ninguém poderá jamais alcançá-lo, exceto se com ele Freyja contrair matrimônio”

Þrymr hefr þinn hamar, þursa dróttinn; hann engi maðr aftr of heimtir, nema hánum færi Freyju at kván.

12. Foram ter com a linda Freyja e antes de tudo, disse essas palavras: “Veste-te, Freyja, com o véu de noiva; nós dois devemos partir para Jötunheim.”14

12. Ganga þeir fagra Freyju at hitta, ok hann þat orða alls fyrst of kvað: "Bittu þik, Freyja, brúðar líni; vit skulum aka tvau í Jötunheima."

13. Furiosa ficou Freyja que bufava ferozmente, estremecendo, então, todo o salão dos æsir, fazendo com que dela escapasse o grande colar de Brísing:15 “Tú sabes que serei a mais ávida por homens 16 se contigo partir

13. Reið varð þá Freyja ok fnasaði, allr ása salr undir bifðisk, stökk þat it mikla men Brísinga: "Mik veiztu verða vergjarnasta, ef ek ek með þér

Não está claro quem profere tais palavras. Jónsson (op. cit., p. 116) considera que é Loki que o faz. Como ele já foi solicitado por Þórr para resgatar o martelo, faria realmente sentido ser o próprio Loki, como continuidade à empreitada, portanto, fizemos a opção por ele. 15 É o colar de Freyja nas fontes nórdicas mais tardias. Veja Skáldskaparmál, capítulo 28: hvernig skal Freyju kenna? (....) eigandi valfalls ok Sessrúmnis ok fressa, Brisíngamens (....), trad. como é Freyja conhecida? (...) aquela que possui os derrotados em batalhas, o Sessrúmnir (salão de Freyja), o gato, o colar de Brísing (...). Segundo Simek (op. cit.) talvez possa ser uma influência do Brōsinga mene mencionado em Beowulf (Wealhþēow, a rainha dos dinamarqueses no poema faz um discurso e recompensa Beowulf por matar Grendel com três cavalos e um colar). Ele também afirma que é difícil de avaliar o roubo desse colar, transmitido de maneira fragmentada e dispersa, e cita várias fontes para isso, mas a versão mais detalhada e mais recente está no Sörla Þáttr, pequena narrativa encontrada no manuscrito medieval islandês chamado Flateyjarbók (livro de Flatey), composto por dois padres chamados Jón Þórðarson e Magnús Þórhallson. As informações dessa obra foram provavelmente bem elaboradas para se ajustarem à função literária dessa narrativa que explica o Hjaðningavíg (a batalha eterna) (p. 57-58). De acordo com a narrativa, o colar de Brísing foi forjado por quatro anões para a deusa Freyja; em troca, ela dormiria uma noite com cada anão. Loki, que era conhecido por dar presentes a Óðinn em troca de informações, o informou sobre o colar e este obrigou Loki a trazê-lo para ele; para tal, Loki se transformou em uma mosca e entrou nos aposentos de Freya que dormia e, como o fecho da jóia estava abaixo do pescoço de Freyja, Loki se transformou em uma pulga e a picou na bochecha, fazendo com que ela acordasse, deitasse de bruço e dormisse novamente e, assim, Loki conseguiu abrir o fecho do colar. Quando Freyja acordou, ela descobriu que Óðinn o possuía e fez um acordo com ele para tê-lo de volta: ela deveria encantar dois reis, que possuíam cada um vinte reis subordinados, para que eles lutassem até a morte e, em seguida, renasceriam e continuariam a lutar, e isso só se apaziguaria se houvesse um homem cristão tão valente e cheio de boas fortunas que entrasse entre os combatentes e os aniquilasse. Freyja concordou com isso e recebeu seu colar de volta (Sörla Þáttr, cap. 2). 16 Lit. ninfomaníaca. Não utilizamos esse termo para evitar relação à mitologia grega e também para permitir um tom mais “cômico”. 14

para Jötunheim. ”

í Jötunheima."

14. Depressa todos os æsir foram para o Þing17 e todas as ásynjor18 estavam em discussão, os poderosos deuses discutiam como Hlórriði teria o martelo em mãos.

14. Senn váru æsir allir á þingi ok ásynjur allar á máli, ok um þat réðu ríkir tívar hvé þeir Hlórriða hamar of sætti.

15. Então disse Heimdall19, o mais alvo dos æsir, que bem sabia o futuro como aqueles, os Vanir: 20 “Pois vistamos Þórr com o véu de noiva,

15. Þá kvað þat Heimdallr, hvítastr ása, vissi hann vel fram sem vanir aðrir: "Bindum vér Þór þá brúðar líni,

Reunião dos deuses em forma de assembléia de homens livres. Þing era uma assembleia legal na Escandinávia do período viking. Simek (op.cit.) afirma que no Estado livre da Islândia, o Alþing (em contraponto com os þing regionais) ganhou, como a base para os þing germânicos entre o século X e XIV, o caráter de um parlamento legislativo e jurídico. O autor fornece mais informações e comenta sobre Tacitus (p. 386). Uma evidência concreta e famosa de sua existência é a estela rúnica Bällsta em Täby, norte de Estocolmo, Suécia. Lê-se: [ulfkil] uk arkil uk kui þir kariþu iar þikstaþ - "Ulvkel e Arnkel e Gye, eles fizeram aqui o sítio de Þing. Há vários outros sítios de Þing na Suécia. É também possível encontrá-los em escavações como, por exemplo, em Þingnes, perto de Reykjavík na Islândia; acredita-se que ele é o famoso sítio do Kjalarnesþing mecionado no Landnámabók (séc. XI) "Livro da Colonização". Também se sustenta que não é possível saber a idade do Þing; entretanto, no artigo "Stand der Forschung" de Per Sveaas Anderssen (apud BRINK, 2008, p. 27) afirma-se que seria plausível considerá-lo como originário no início da Idade do Ferro (aprox. antes de 600 a.C.) (BRINK, ibidem, p. 26-27). Brink (ibidem) afirma que as comunidades legais escandinavas não eram baseadas em uma sociedade igualitária de camponeses, mas nelas havia uma hierárquia, ou seja, havia reis, chefes, camponeses livres, escravos; mas a pergunta é: quem "controlava" o Þing? O autor assume que não é possível saber se era um chefe ou o próprio público. E também o que seria o lagman (homem de lei) e como ele era escolhido pela comunidade? Ele era um chefe que tomava essa posição ou era eleito (pelo estrato superior)? Muito provavelmente alguém controlava ou até mesmo possuía o Þing; entretanto, sem fontes escritas é necessário tomar conclusões por meio de topônimos e análise de paisagem, por análises retrospectivas da literatura antiga islandesa e de documentos medievais mais antigos e também pela comparação com as culturas dos francos, dos anglo-saxões e dos irlandeses. O mais importante para o autor é saber que a sociedade viking, ou de preferência, as sociedades vikings, possuíam um cunho legal e o fato de ter ocorrido até mesmo o empréstimo da lǫg "lei" para a língua inglesa (law, IA lagu < PN *lagu-) é uma grande evidência para isso (p. 24) 18 Deusas. É o feminino de æsir. 19 Deus do panteão dos æsir. Ele é inimigo mortal de Loki e os dois matam um ao outro no Ragnarök, a batalha final. De acordo com Snorri, ele é conhecido como o áss branco; é grande, sagrado e nasceu de nove irmãs, possui dentes de ouro e um cavalo chamado Gulltoppr. Mora em Himinbjörg na ponte Bifröst e, por isso, é o guardião dos deuses. Se encontra no fim do céu para proteger a ponte contra os gigantes das montanhas (...) Possui um trompete chamado Gjallarhorn e seu som é ouvido por todos os mundos (....) (Gylfaginning, cap. 27). 20 Lit. “como os outros vanir”, mas Heimdall é um æsir, como já está indicado na própria estrofe, então foi traduzido por “como aqueles, os vanir“. Segundo Faulkes (2007, p. 139), caso o poema tenha sido escrito em tempos cristãos, o autor pode ter se confundido os panteões (æsir, vanir) da mitologia nórdica. Lindow (2002, p. 170) considera que não há nenhuma prova de que Heimdall pertença aos vanir. Jónsson (op. cit., p. 116) afirma que na narrativa não está indicado que Heimdall era um dos vanir. 17

e que ele enfeite-se com o grande colar de Brísing.”

hafi hann it mikla men Brísinga.

16. “Deixemos ao lado dele as chaves tinir,21 e o vestido de noiva sobre os joelhos cair Adornemos o peito com largas pedras preciosas, e a cabeça, jeitosamente, com um belo toucado.”

16. Látum und hánum hrynja lukla ok kvenváðir um kné falla, en á brjósti breiða steina ok hagliga um höfuð typpum."

17. E então disse Þórr, o mais forte dos deuses: “De infame me chamarão se eu permitir que com o véu de noiva me vistam!”

17. Þá kvað þat Þór, þrúðugr áss: "Mik munu æsir argan kalla, ef ek bindask læt brúðar líni!"

18. E então disse Loki, o filho de Laufey:22 “Cala-te, Þórr, com tuas palavras. Logo os gigantes Asgard irão habitar caso tu teu martelo não resgatares.”

18. Þá kvað þat Loki Laufeyjar sonr: "Þegi þú, Þórr, þeira orða. Þegar munu jötnar Ásgarð búa, nema þú þinn hamar þér of heimtir."

19. Então vestiram Þórr com o véu da noiva, enfeitou-se com o grande colar de Brísing, deixaram ao lado dele as chaves tinir e o vestido de noiva sobre o joelho cair, adornaram o peito com largas pedras preciosas e a cabeça, jeitosamente, com um belo toucado.

19. Bundu þeir Þór þá brúðar líni ok inu mikla meni Brísinga, létu und hánum hrynja lukla ok kvenváðir um kné falla, en á brjósti breiða steina, ok hagliga um höfuð typpðu.

20. E então disse Loki, o filho de Laufey,

20. Þá kvað Loki Laufeyjar sonr:

21 22

Jónsson (op. cit., p. 117) identifica essa frase como um sinal de dignidade da futura dona de casa. Também conhecida como Nál. Veja Gylfaginning (Edda em prosa), capítulo 33.

“Irei contigo como criada, nós duas partiremos23 para Jötunheim.

"Mun ek ok með þér ambótt vera, vit skulum aka tvær í Jötunheima."

21. Rapidamente foram os bodes24 levados para a casa, atrelados nas correias, tinham que correr em disparada. Penhascos se romperam, a Terra queimou-se em chamas, o filho de Óðinn25 viajava para Jötunheim.

21. Senn váru hafrar heim of reknir, skyndir at sköklum, skyldu vel renna; björg brotnuðu, brann jörð loga, ók Óðins sonr í Jötunheima.

22. E então disse Þrymr, o senhor dos gigantes: “Levantai, gigantes, e forrai os bancos com palha,26 para o matrimônio trazem-me Freyja,27 filha de Njörðr28 de Nóatún29

22. Þá kvað þat Þrymr, þursa dróttinn: "Standið upp, jötnar, ok stráið bekki, nú færa mér Freyju at kván Njarðar dóttur ór Nóatúnum.

23. Para o jardim vão vacas de chifres dourados,

23. Ganga hér at garði gullhyrnðar kýr,

“Duas” pois estão vestidos de mulher. Bodes da carruagem de Þórr. De acordo com Snorri (Gylfaginning, cap. 21), os bodes chamam Tanngnjóstr "ranjedor de dentes" e Tanngrisnir "mostrador de dentes". Simek (op. cit., p. 382) afirma que esses nomes são tardios e possíveis criações de Snorri. De acordo com a narrativa Gylfaginning (cap. 44), Þórr e Loki pararam na cabana de um camponês para passar a noite. Þórr matou seus dois bodes, os esfolou, os levou para o caldeirão e convidou o camponês, sua esposa, seu filho Þjálfi e sua filha Röskva para comê-los. Após a ceia eles deveriam jogar os ossos intactos dentro da carcaça dos bodes; o menino, entretanto, cortou o femur de um dos bodes com a faca para sugar a medula óssea. No amanhecer, Þórr se vestiu, pegou seu martelo Mjöllnir, o balançou e consagrou a carcaça dos bodes para que os bodes ressucitassem; mas não ocorreu como o esperado, pois um dos bodes estava coxo na perna traseira. Com isso, Þórr ficou furioso e tomou os filhos do sitiante como recompensa, que, a partir daí, tornaram-se servos de Þórr. O poema (do tipo drápa) Þórsdrápa trata sobre a viagem de Þórr e de seu servente Þjálfi até a morada do gigante Geirröð em Jötunheim. 25 Kenning para Þórr. 26 Segundo Jónsson (op. cit., p. 188), isso ocorria quando iria ocorrer alguma comemoração. 27 Segundo Jónsson (idem), nesse momento, Þrymr pode ter ouvido Þórr chegar, por causa dos trovões. 28 É um deus do panteão dos vanir e é o pai dos irmãos Freyr e Freyja. 29 Morada do deus Njörðr. Isto está atestado no poema mitológico Grímnismál (estr. 16) do Edda Poética, nas narrativas Gylfaginning (cap. 23 e 24) e Skáldskaparmál (cap. 3), ambas do Edda em Prosa. No Gríminismal há uma descrição realizada por Grímnir (uma das várias formas de Óðinn) sobre a cosmogonia dos mundos e de seus habitantes. Nóatún é o décimo primeiro local. De acordo com Magnússon (op. cit.), a palavra significa "local, terra do navio". O elemento nór é uma antiga designação em AN para skip, bátur "navio"; comp., por exemplo, IA. nówend "marinheiro" e nny. nu "caixa geralmente construída de madeira para depositar água". A forma do germ. seria *nōwa-z. Compare lat. nāvis e gr. nāūs (p. 671 e 673). 23 24

bois cor de piche,30 para o deleite dos gigantes. Tesouros tenho aos montes, colares tenho aos montes, Apenas Freyja parece-me que falta para possuir.

öxn alsvartir jötni at gamni; fjölð á ek meiðma, fjölð á ek menja, einnar mér Freyju ávant þykkir."

24. Lá eles chegaram no princípio da noite, e para os gigantes cervejas foram trazidas. Sozinho Þórr devorou um boi, oito salmões, todas as sobremesas, destinadas às mulheres; o consorte de Sif bebeu três joeiras de hidromel.

24. Var þar at kveldi of komit snemma ok fyr jötna öl fram borit; einn át oxa, átta laxa, krásir allar, þær er konur skyldu, drakk Sifjar verr sáld þrjú mjaðar.

25. Então disse Þrymr, o senhor dos gigantes: “Onde já se viu uma noiva de mordida mais ávida? Eu nunca vi uma noiva de mordida mais larga, nem uma donzela que bebesse mais hidromel do que essa.”

25. Þá kvat þat Þrymr, þursa dróttinn: "Hvar sáttu brúðir bíta hvassara? Sák-a ek brúðir bíta breiðara, né inn meira mjöð mey of drekka."

26. Ao lado sentava-se a astuta criada, que tinha as respostas na ponta da língua: “Tão ansiosa estava Freyja em chegar a Jötunheim que nada comeu por oito noites.”

26. Sat in alsnotra ambótt fyrir, er orð of fann við jötuns máli: "Át vætr Freyja átta nóttum, svá var hon óðfús í Jötunheima."

27. Inclinou a cabeça abaixo do véu pois desejava beijá-la, mas saltou para trás até o fundo do salão: “Por que está Freyja com olhos tão encolerizados? Parece-me que os olhos dela queimam-se em chamas.”

27. Laut und línu, lysti at kyssa, en hann útan stökk endlangan sal: "Hví eru öndótt augu Freyju? Þykki mér ór augum eldr of brenna."

30

Jónsson (op. cit., p. 188) considera que era um tipo de boi muito apreciado.

28. Ao lado sentava-se a astuta criada, que tinha as respostas na ponta da língua: “Tão ansiosa estava Freyja em chegar a Jötunheim que nada dormiu por oito noites.”

28. Sat in alsnotra ambótt fyrir, er orð of fann við jötuns máli: "Svaf vætr Freyja átta nóttum, svá var hon óðfús í Jötunheima."

29. Então apareceu a infeliz irmã dos gigantes que atreveu-se a pedir o dote de casamento:31 “Com os anéis vermelhos de tua mão, deves me presentear, se quiseres ganhar meu amor, meu amor, e todo o meu apreço.”

29. Inn kom in arma jötna systir, hin er brúðféar biðja þorði: "Láttu þér af höndum hringa rauða, ef þú öðlask vill ástir mínar, ástir mínar, alla hylli.

30. E então disse Þrymr, o senhor dos gigantes: “Trazei aqui o martelo para consagrar a noiva, colocai o martelo no colo da donzela, 32

30. Þá kvað þat Þrymr, þursa dróttinn: "Berið inn hamar brúði at vígja, lekkið Mjöllni í meyjar kné,

Egilsson (1931, p. 67) afirma que é o dote que a noiva deveria dar aos familiares ou convidados de seu noivo 32 Cleasby e Vifgusson (1874, p. 715) afirmam que Mjöllnir, o martelo de Þórr, era utilizado para consagrar cerimônias pagãs. De acordo com Simek (op. cit.), o martelo de Þórr não serve apenas como uma arma ou instrumento mítico, que defende os deuses, os homens e o mundo; mas, como atestam as pinturas rupestres de formas mitológicas que carregam martelo ou machado encontradas na Idade do Bronze, ele já era tinha importância como um instrumento de consagração como, por exemplo, nos cultos de fertilidade. As dez estelas rúnicas dinamarquesas e suecas de consagração do período viking , que apresentam a inscrição "Þórr consagra essa estela rúnica" ou a imagem do martelo com a inscrição, não atestam Þórr como o "deus da consagração", mas atribuem ao martelo a função ritualística como instrumento de consagração. Tal função se encontra em benção de casamento de pinturas rupestres da Idade do Bronze, em consagração de noivado, como a do presente poema (veja a nota 24), e em poemas medievais alemães como, por exemplo, o Marienleich (Unser frouwen leich) de Heinrich von Meißen, conhecido como Frauenlob. Nesse poema composto por volta de 1300, a jovem Maria tem relações com a Trindade, representado no poema como der smid von oberlande "o ferreiro da terra de cima" (estr. 11), ou seja, Deus, que joga seu martelo no útero de Maria e, a partir daí, ela carrega der den himel und die erden treit "aquele que carrega a terra e o ceu" (estr. 11), sem perder a virgindade, er lag in mir und liez mich sunder arebeit "ele estava em mim e saiu de mim sem trabalho" (estr. 11). Newman (2003) afirma que Frauenlob foi aquele que criou a metáfora mais audaciosa da relação entre Maria e a Trindade, ou seja, utilizou a imagem que remete tanto a Þórr quanto ao seu martelo (p. 272). Langer (2015) também cita as funções de assegurar terras e propriedades, marcar fronteiras e localizar ladrões e, além das imagens do martelo em estelas rúnicas, há ainda representações em esculturas, com cenas da pesca da serpente do mundo por Þórr e em pingentes usados como adornos pessoais, geralmente encontrados em tumbas (p. 302-303). No período viking, o martelo de Þórr era o símbolo mais importante do paganismo escandinavo e fazia oposição à cruz cristã (SIMEK, op. cit., p. 270). De acordo com a etimologia do nome, Mjöllnir tem uma origem controversa, mas é sempre relacionado com os verbos mylja "esmagar, triturar" e mölva "despedaçar, esmagar" 31

consagrai-nos pela mão de Vár.”33

vígið okkr saman Várar hendi."

31. O coração de Hlórriði sorriu dentro do peito quando o enfurecido34 o martelo avistou, Þrymr, o senhor dos gigantes foi o primeiro que matou, e toda a linhagem do gigante exterminou.

31. Hló Hlórriða hugr í brjósti, er harðhugaðr hamar of þekkði; Þrym drap hann fyrstan, þursa dróttin, ok ætt jötuns alla lamði.

32. Matou a velha irmã dos gigantes que pediu o dote de casamento; ela recebeu pancadas ao invés das moedas,35

32. Drap hann ina öldnu jötna systur, hin er brúðféar of beðit hafði; hon skell of hlaut fyr skillinga,

e os substantivos mjöll "neve caída recentemente" e mjöl "farinha", ou seja, ambos de coloração branca, o que pode lembrar um relâmpago, uma arma de relâmpago luminosa. Kock (apud De Vries, op. cit. p. 390) apoia a etimologia por conta da coloração. De Vries (idem) cita relação com o russo molnija, antigo eslavônico mlŭnŭji (
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