O que é ler – um álbum (eletrônico)?

September 18, 2017 | Autor: Paulo Oliveira | Categoria: Philosophy, Reading Comprehension, Translation, Apllied Linguistics
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O que é ler – um álbum (eletrônico)? Paulo Oliveira (UNICAMP) Para sugerir respostas adequadas à pergunta geral sobre como ler o “álbum” que são as Investigações Filosóficas de Wittgenstein, cabe também refletir sobre o escopo dos conceitos mobilizados na pergunta. Afinal, o que é ler? E quais são as características do gênero álbum, por oposição a um livro? Finalmente, pensando no impacto que a disponibilidade do espólio (Nachlass) eletrônico de nosso autor tem exercido no país, que implicações tem o formato eletrônico sobre o modo como acessamos o texto? A breve análise dessas questões apresentada a seguir tem a forma de diálogo explícito com a Lingüística (Aplicada), aqui entendida como interlocutor legítimo e apropriado da Filosofia da Linguagem. Trata-se, nesse sentido, de uma dupla tarefa hermenêutica. Por um lado, manter vivo o diálogo entre essas duas áreas, que comungam parcialmente seu objeto de investigação, mas nem sempre se dão conta do que 1 é feito fora do âmbito estrito de cada uma delas. Por outro, examinar as relações entre texto e leitor, partindo do princípio de que é necessário Ao fazer isso, é preciso não perder de vista que, ao abordarem objetos semelhantes, essas áreas o fazem de modo distinto, de maneira que os resultados de uma não se deixam reduzir àqueles da outra. Em certos casos, um conceito que seria aparentemente o mesmo tem escopo e implicações diversas em cada discussão. Mas essas diferenças não impedem o cotejo, cuja produtividade está em relação direta com sua capacidade de gerar a percepção de novos aspectos nas diferentes áreas, sempre respeitando a dinâmica interna de cada uma delas. Em outros termos: a Filosofia da Linguagem não se transformará em Ciência da Linguagem (Sprachwissenschaft – termo alemão para a Lingüística), nem o contrário, e não se propõe uma hierarquia entre elas. Apenas que uma pode aprender com a outra, vendo-se a si próprias sob outros ângulos, após o cotejo. 1

Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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ler Wittgenstein à luz de uma concepção de linguagem compatível com sua obra, notadamente no tocante ao não-essencialismo antidogmático da chamada segunda fase, já manifesto na alusão à natureza da própria investigação, tal como expresso no prefácio das Investigações. Em última instância, quer-se fazer uma profilaxia das expectativas de leitura, tanto do texto em si, independentemente de seu formato, quanto das diversas variantes disponíveis no Nachlass. Como aspecto parcial desse trabalho, seja destacada a terapia de uma postura que pretende encontrar na letra do texto respostas definitivas e inquestionáveis sobre disputas interpretativas, como se por trás delas não estivessem outras questões, envolvendo sobretudo a atitude filosófica do próprio intérprete, seus objetos privilegiados de comparação etc. Como ponto de partida, tomarei três diferentes modelos de leitura correntes na Lingüística Aplicada e na Didática de Línguas. Veremos que certos aspectos privilegiados nesses modelos têm maior ou menor saliência nas diferentes versões do texto wittgensteiniano. A versão fac símile do Nachlass é basicamente um conjunto de fotografias do original, muitas vezes escrito à mão. Apesar do formato eletrônico, não é possível fazer procura por termos específicos – o que domina é o 2 aspecto gráfico (cf. Anexo I). A versão diplomática é uma transcrição do original, mantendo, em tese, todas suas variantes (aí inclusos aspectos como desvios de grafia) e possibilitando a aplicação de filtros de conteúdo, buscas por termos específicos etc. (Anexo II). A versão normalizada (com “l”) elimina as variantes e destaca graficamente o uso de grafia não-padrão, mas não intervém na segmentação usada por Wittgenstein, que não raro passa ao largo das normas de pontuação – até mesmo em função do caráter fortemente privado de muitas das observações contidas no espólio (Anexo III).

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Para ilustrar as características das diferentes versões, tomo como exemplo um trecho das Observações sobre o Ramo de Ouro de Frazer (WITTGENSTEIN, 1993), texto também abordado nas contribuições de Arley Moreno, Cristiane Gottschalk e João José de Almeida ao presente volume. Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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Quando se tratam de versões impressas, por outro lado, as possibilidades da apresentação de variantes são mais restritas, e dificilmente haverá uma publicação que não opte por fazer o trabalho editorial de padronizar a pontuação. É esse o caso das edições bilíngües, nas quais o texto original serve como opção de consulta ao leitor que não necessariamente é proficiente na língua do original (caso contrário poderia prescindir da tradução). À padronização desse texto, tanto no original como na tradução, chamo aqui de versão normatizada (com “t”) – pela aplicação de uma norma, tanto de leitura quanto face às convenções 3 lingüísticas. Ao “limpar” tudo aquilo que poderia desviar a atenção dos conteúdos (por estranhamento quanto à forma), a versão normatizada é aquela que induz à leitura mais fluente, que se atém sobretudo à argumentação, ao fluxo narrativo etc. (a depender do gênero do discurso). À guisa de hipótese de trabalho, pode-se então afirmar que, em função da maior saliência de um aspecto ou outro, as diferentes versões do texto favorecem determinados estilos de leitura, dando a impressão de que eles são o processo todo, e não apenas um momento de uma cadeia mais complexa, como veremos a seguir. É desse tipo de dieta unilateral de leitura que cumpre fazer a profilaxia. 1. Modelos de Leitura Quando mobilizadas dentro de contextos institucionais, notadamente os escolares, concepções de leitura concorrentes tendem a causar impacto direto na organização curricular e nas expectativas do público atingido. Em função desse impacto, a discussão dos diferentes modelos disponíveis já foi objeto de grandes disputas tanto na Lingüística Aplicada como na Didática de Línguas, levando à consolidação de basicamente três modelos cognitivos de processamento que, por sua vez, não sofreram grandes modificações nos últimos anos. Tendo em 3

Sobre o caráter normativo da tradução, num sentido wittgensteiniano, vide Oliveira (2007). Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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vista esse panorama razoavelmente estável, retomo aqui uma síntese já antiga, que nos permitirá um tratamento mais econômico do tema: O modelo de processamento que vê na leitura um processo de decodificação linear, passando por etapas composicionais indutivas, sempre das unidades menores para as maiores, dentro da tradição da lingüística estruturalista, é conhecido por bottom-up (leitura ascendente). (KATO, 1984, p. 133; citado em OLIVEIRA, 1992, p. 70)

Um aspecto adicional desse modelo é que ele atribui ao processo uma direção única, que vai do texto para o leitor, cuja atuação se limitaria, como explicitado na citação acima, a decodificar significados já objetivamente dados, tidos como presentes no texto. Como oposição direta a tal concepção de leitura, surgiu um outro modelo, com características quase simétricas: (...) o modelo conhecido por top-down, que revolucionou a compreensão de leitura defendida tanto por teóricos quanto por profissionais ligados à prática (ESKEY, 1988, p.93), origina-se na psicolingüística (GOODMANN, 1967 e 1971; SMITH, 1982) e vê na leitura um processo descendente, no qual “o conhecimento prévio do leitor passa a ter um papel igual ou até mesmo mais importante do que os dados do texto. A leitura de uma frase passa a ser vista não mais como uma operação precisa de análise e síntese, mas como um jogo de adivinhações (KATO 1984, p. 134)”. (OLIVEIRA, 1992, p. 70. Grifo na citação acrescido agora.)

Aqui, o movimento de construção do sentido não é mais do texto para o leitor, mas sim do leitor para o texto, e da estrutura global do texto para suas unidades menores. Como uma espécie de corretivo a esses excessos, surgiu então uma terceira abordagem que, ainda nos termos de Oliveira (1992, p. 72), tenta sintetizar as características dos modelos anteriores, havendo nela “lugar para os procedimentos tanto ascendentes quanto descendentes”. Essa síntese seria tributária, por um lado, de “uma concepção de interação na leitura (WIDDOWSON, 1979)”; por outro, de “modelos interativos de leitura (RUMMELHART, 1977; LESGOLD & PERFETTI, 1981)”. A incorporação dessa nova abordagem teórica à Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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prática didática, por sua vez, teria sido “mais tardia (cf. SILBERSTEIN 1987, p. 31-33; GRABE, 1991)”.

2. Leitura e percepção de aspectos É certo que, quando Wittgenstein se refere a “um bom livro” com estrutura linear, está pensando no encadeamento das razões, na consistência temática etc., à maneira da estruturação clássica do discurso filosófico. Ao passo que a própria metáfora do álbum de retratos, como alternativa ao livro, sugere uma maneira descontínua de proceder, não apenas na elaboração do discurso, como também em sua recepção através da leitura. Afinal, normalmente percorremos um livro de forma progressiva, numa mesma página, e o folhear costuma ser constante, de uma página à outra, enquanto o procedimento padrão com álbuns de retratos é dar saltos temáticos, ao sabor daquilo que nos interessa no momento. A questão é saber se essa imagem da linearidade, ainda que útil no cotejo das duas formas de construção (livro vs. álbum), não contamina nosso próprio conceito de leitura, a ponto de pensarmos que um livro se lê necessariamente de modo linear, ou que a leitura seja, em si, algo linear – como propõe, por exemplo, o modelo ascendente. Simetricamente, cabe também perguntar sobre o motivo pelo qual dar saltos seria algo inerente à “natureza da própria investigação”, como assiFigura 1 nalado no prefácio das Investigações. Até que ponto tais saltos corroboram a relação leitor-texto proposta pelo modelo descendente? Ou estaria o modelo interativo em melhores condições de descrever o processo – do ponto de vista da leitura?

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O modelo interativo evocado acima sugere que não há linearidade na leitura, tanto do ponto de vista perceptivo quanto no da construção do sentido. Por esse modelo, o foco de atenção do leitor pode passar tanto de detalhes do texto para blocos maiores (uma frase ou um trecho mais extenso), quanto ir na direção contrária. De certo modo, isso implica um latente ir e vir no texto. Além disso, a construção do sentido comporta um forte componente de antecipação, por parte do leitor, daquilo que será dito a seguir. Confirmando-se as hipóteses de leitura, o processo segue adiante. Havendo algo que modifique as hipóteses iniciais, há retomada de trechos já vistos, para manter a coerência entre a parte e o todo. O próprio movimento ocular, físico, não é constante. O olho movimenta-se em saltos, chamados de movimentos sacádicos, que podem ser maiores ou menores, de acordo com o domínio que o leitor tem da língua, do gênero discursivo, do assunto etc. A Figura 1, na página anterior, ilustra os movimentos sacádicos de um observador face a uma escultura. O acúmulo de fixações em certos pontos indica uma maior atenção do observador, quiçá em função de detalhes tidos como importantes. Trechos em que os olhos passam sem fixações indicam que ali não há nada de novo, ou que mereça maior atenção. Nesse sentido, a Figura 1 é um mapa de leitura – nada linear. Com textos escritos, há certamente um maior direcionamento, um sentido geral, da esquerda para a direita e de cima para baixo (em português), mas certamente não de modo contínuo, e com a possibilidade de retomadas, como já dito acima. Tal movimento seria algo como o sugerido no esquema da Figura 2, abaixo. A Figura 3, por sua vez, revela que nosso mapa de leitura diz respeito ao célebre busto de Nefertite.

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Figura 2

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Figura 3 (In MONACO, 1980, p.140)

Passo aqui ao largo de detalhes técnicos como a distinção entre visão central e periférica, freqüência e duração dos pontos de fixação etc., para retornar a nosso filósofo e sua noção de percepção de aspectos, 4 discutida na segunda parte das Investigações. À guisa de exemplos, tomemos a percepção das figuras do pato/lebre e da dupla cruz, lembrando que a construção do sentido se dá na relação entre as partes, e na disposição do observador a ver uma coisa ou outra. Em ambos os casos, a percepção da gestalt e de suas variações está na dependência da familiaridade com os conceitos que mobiliza, por mais simples e –aparentemente– “naturais” ou “empíricos” que sejam. A atribuição de sentido apóia-se na percepção visual, mas não se limita a ela. A depender da perspectiva assumida pelo observador, e dos objetos de comparação que mobiliza, um traço que era percebido como um bico de pato poderá transformar-se, por exemplo, 4

Registre-se apenas que, na Lingüística Aplicada e sobretudo na Didática de Línguas, surgem por vezes confusões conceituais envolvendo tais questões. Edmund Wild (2002), por exemplo, confunde o empírico com o transcendental, quando sugere treinamento “físico” para que os olhos sejam capazes de abarcar conteúdos cada vez maiores, melhorando assim o desempenho em leitura – quando na verdade tal desempenho depende fundamentalmente de fatores de outra ordem, já aludidos acima, e que podem ser melhor entendidos à luz da discussão sobre a percepção de aspectos (conceituais). Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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em orelhas de uma lebre. Há também uma relação estritamente interna entre as partes, como no caso padrão da figura e fundo que rege a visualização de um cruz negra sobre fundo branco, ou vice-versa, no caso da dupla cruz. Essa mesma figura, por sua vez, quando tomada assumindo-se uma perspectiva tridimensional, é não raro interpretada como um guarda-sol visto da perspectiva de um pássaro – ou avião. Fazer isso significa ler a imagem, de uma forma ou outra – mas não de uma forma qualquer. 3. A dimensão discursiva na leitura: sentido e coerência Os modelos de leitura apresentados anteriormente têm caráter fortemente cognitivo, não explorando todas as implicações discursivas da leitura – como se a construção do sentido resultasse de uma intera5 ção isolada e exclusiva entre leitor e texto, e tomando o texto como algo relativamente monolítico. Ocorre que todo texto insere-se num fluxo discursivo mediado por nossas formas de vida e dá espaço à interação entre diferentes vozes. Uma das características mais marcantes das próprias Investigações é seu caráter marcadamente polifônico, com a intervenção de vozes como a do realista, do idealista, mentalista, beha6 viorista etc. Tais vozes interagem não apenas entre si, mas apontam também para uma interlocução fora do texto empírico, mas dentro do diálogo entre diferentes posições filosóficas. Se o texto encontrado pelo leitor não está só, mas sim inserido em toda uma tradição, tampouco o leitor abordará o texto de modo isolado, na medida em que também ele está inserido, em maior ou menor grau, num diálogo com essas tradições e potenciais outras leitu-

É verdade que, tanto no modelo descendente quanto no interativo, um importante papel é exercido pela a teoria dos esquemas desenvolvida na psicologia por A. C. Alderson (cf. WIDMAYER para uma síntese introdutória). Ainda assim, fica-se sobretudo no âmbito cognitivo, e não no discursivo. 6 A esse respeito, vide –dentre outros– os textos de Rafael Lopes Azize e Eduardo Siqueira neste volume. 5

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ras do mesmo texto – notadamente quando o texto é objeto de comen7 tários concorrentes, como no caso da obra de Wittgenstein. Os conceitos de sentido e coerência, já mobilizados mais acima (sem terem sido alvo de uma delimitação de seu escopo e pertinência), podem se revelar valiosos instrumentos heurísticos para entender o panorama complexo da leitura. Avancemos agora uma definição de ambos que ajuda a compreender os modelos de leitura aqui apresentados, notadamente o interativo, sendo também compatível com uma concepção de linguagem informada pela terapia filosófica: Koch (1997, p. 41) discute a noção de coerência no âmbito do discurso e da cognição. Para ela, os processos discursivos e cognitivos da constituição de sentido são responsáveis pela construção de coerência. Nesse modelo, as noções de coerência e sentido explicam-se mutuamente. Sentido se encontra naquilo que é coerente, e a coerência se manifesta na presença de sentido. Incoerência é a presença de fatores que dificultam a construção de sentido, e aquilo que não tem sentido é percebido como incoerente (cf. KOCH, TRAVAGLIA, 1993, p. 11). Koch (1997, p. 41) afirma que a coerência não é “mera qualidade ou propriedade do texto”, mas é algo construído discursiva e cognitivamente “a partir dele” (ib.). (BLÜHDORN, 2008, p. 94-95; grifo acrescido)

Blühdorn (ib.) qualifica de “circular” a definição de Koch, propondo então uma outra, baseada em modelo cibernético, de sua própria autoria – a qual não discutiremos aqui. Na perspectiva adotada no presente trabalho, a circularidade da definição de Koch é apenas aparente, posto que sentido e coerência são dois lados de uma mesma moeda, e remetem à relação hermenêutica entre a parte e o todo. Na figura do pato/lebre, as orelhas da lebre só adquirem esse sentido na relação com os outros traços (olho, boca, cabeça, pescoço), o mesmo ocorrendo com o bico do pato – onde se tem que abstrair da pequena curva que era a boca da lebre. Ambas interpretações só são 7

Distinguem-se na literatura diferentes matizes de conceitos como polifonia e intertextualidade, aqui entendidos como pertinentes a qualquer texto, mesmo que de forma implícita. Para uma síntese recente, com referências mais detalhadas, cf. Blühdorn (2008). Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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possíveis porque mobilizam o conceito de pato e suas possíveis representações – inclusive na nossa aceitação da figura bidimensional no papel como referindo-se a um algo tridimensional no mundo. Na dupla cruz, a cruz preta só o é em função do fundo branco, e reciprocamente. A relação figura/fundo implica coerência; do detalhe inserido no pano de fundo do contexto maior resulta o sentido – que só se forma, só é construído (pelo leitor/observador) em função desse contexto. O mesmo se aplica a gestalts mais complexas e à própria 8 noção de texto – enquanto tecido de relações (internas). Poderíamos aqui fazer uma analogia com a noção de apresentação perspícua/panorâmica de Wittgenstein (übersichtliche Darstellung), aplicada não às múltiplas acepções de um mesmo conceito, quando usado de modos diferentes em contextos diversos, i.e. com sentidos diferentes, mas sim às múltiplas ligações intermediárias que permitem correlacionar diferentes partes do texto. A globalidade do texto, e da obra, e de seu diálogo com outros textos e outras obras etc., organiza as relações possíveis entre as diferentes partes. Na definição de Koch, dáse a essa organização o nome de coerência textual. O papel que cada parte do texto cumpre localmente, sendo essa parte uma palavra, ou frase ou parágrafo, um pequeno trecho etc., é o que se designa então por sentido. Ao organizar as possíveis relações entre as partes de modo coerente, a partir de uma “visão do todo” (übersichtilich), e com isso 8

O leitor terá percebido que a própria noção de sentido mobilizada nessa definição extraída da Lingüística tem escopo diferente daquela utilizada na Filosofia da Linguagem (em que relações internas de sentido são opostas às relações externas entre o nome e seu referente). Isso porque a noção de coerência, complementar à de sentido na definição fornecida em Koch & Travaglia, também está no âmbito das relações internas. Ambas dizem respeito às relações de sentido como entendidas na Filosofia da Linguagem ou, mais especificamente, na esteira de Frege e Wittgenstein. Mas um aspecto pode perfeitamente ser distinguido do outro, sem que com isso tenhamos relações empíricas (como as atribuídas à noção de coesão na Lingüística, numa determinada leitura do termo [cf. BLÜHDORN 2008]) – e com ganhos significativos para nossa compreensão do processo de leitura. Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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permitindo a percepção de ligações intermediárias e eventuais novos aspectos, o texto ocupa o papel do terapeuta conceitual na apresentação perspícua propriamente dita. Nesse sentido, trata-se, na analogia, de uma apresentação perspícua desassujeitada – sem prejuízo das diferentes 9 vozes que atuam no texto, de modo explícito ou não. Que a coerência e o sentido do texto sejam construções do leitor, a partir de aspectos parciais desse texto (mas diante do pano de fundo das formas de vida em que o leitor está imerso), significa que a letra do texto, sozinha, não basta para dirimir disputas interpretativas, nem mesmo quando se recorre também à norma lingüística para fundamentar certas escolhas. É certo que tanto a letra do texto como a norma lingüística, ou até mesmo desvios face a ela, podem ser importantes na interpretação, i.e. na constituição daquilo que o texto tem de transcendental, de organizador de nosso discurso. Mas a decisão final dependerá também de outros fatores, do diálogo com outras vozes (comentadores, por exemplo), num processo que é público. 4. Versões do texto e estilos de leitura Sugeri mais acima que as diferentes versões do texto wittgensteiniano, sejam elas eletrônicas, como as do Nachlass, ou em papel, como edições bilíngües, por exemplo, põem em maior evidência certas dimensões do texto, favorecendo ou dificultando diferentes estilos de leitura. Retomo agora essa questão, para alguns comentários complementares. Os esquemas a seguir (Figuras 4 e 5) nos fornecerão uma boa síntese introdutória: Essa capacidade de induzir à percepção do que é novo fornece pistas interessantes não somente sobre a construção/manutenção da coerência discursiva, mas também sobre a própria aquisição de vocabulário e até mesmo de novos conceitos por parte do leitor. São os múltiplos contextos em que uma palavra aparece, ao longo de um texto, mas dentro de uma perspectiva discursiva coerente, que esclarecem seu uso, i.e. seu sentido – sem necessidade de uma definição ostensiva como a que ocorre, por exemplo, quando consultamos o dicionário. 9

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Figura 4

Figura 5

Dentro da construção geral do Nachlass, cabe à versão fac símile a função de permitir a averiguação do detalhe, do acidente gráfico, tendo por base uma leitura anterior (ou busca terminológica) feita através de uma das outras versões. Além de não-pesquisável, a versão fac símile traz consigo as dificuldades da leitura de um original talvez manuscrito e de caráter privado, como é o caso das já citadas Anotações 10 sobre o Ramo de Ouro de Frazer (cf. Anexo I). É verdade que as dife10

Neste exemplo específico, fica em evidência a condição de manuscrito do original (MS110), não necessariamente de caráter estritamente privado. Mas anotações de cunho pessoal também são uma fonte importante na pesquisa da Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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rentes variantes do texto estão todas lá, o que possibilita também o ir e vir do cotejo. Mas, sobretudo dentro da estrutura do Nachlass, não é essa a função precípua do fac símile, cabendo essa tarefa antes à versão diplomática – ela sim, pesquisável eletronicamente, e com as variantes marcadas de modo a facilitar sua identificação (cf. Anexo II). Se o fac símile estimula a averiguação do detalhe, a versão diplomática estimula o cotejo das versões, reforçando um movimento que, dentro do modelo interativo, já faz parte de todo e qualquer processo de leitura. De certo modo, a versão diplomática resgata a construção do sentido in modo nascendi, quando de sua elaboração, e por isso registra bem o movimento que é parte constitutiva daquilo que Arley Moreno caracteriza como sendo o espírito do diário (termo pelo qual refere-se ao conjunto da obra, inclusive na compilação feita no Nachlass, notadamente em sua dimensão de escrita constante – e diária [cf. contribuição ao presente volume, sobretudo tópico 6]). A versão normalizada, por sua vez, da qual foram eliminadas as variantes de sentido, i.e. formulações alternativas (cf. Anexo III), favorece o movimento descendente, a fluência de leitura que só é interrompida quando surgem elementos que dificultam a construção da coerência, nos termos sugeridos pela definição apresentada em Koch & Travaglia. Isso não significa que aqui não haja cotejo, retomadas etc. Continuam valendo os pressupostos do modelo interativo, apenas com a ressalva de que o momento descendente está mais presente do que nas outras versões. Por outro lado, a versão normalizada mantém certos desvios em relação à norma lingüística corrente, o que se faz muito evidente na pontuação não-padrão usada por Wittgenstein. Isso, por sua vez, pode colocar dificuldades não desprezíveis para um leitor não proficiente em alemão, na medida em que a pontuação adequada tem uma função fundamental na previsão dos conteúdos, devido às especificidades da sintaxe alemã. obra do filósofo, inclusive aquelas feitas em código – como as discutidas por Arley Moreno (tópico 7.1) neste volume. Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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No caso das versões impressas, inclusive nas bilíngües, não faz muito sentido manter as inconsistências lingüísticas. Aqui, o texto deve alcançar o máximo de fluência, sem prejuízo de notas e comentários onde isso se fizer necessário. Certamente não é por acaso que, na edição bilíngüe inglês/alemão com tradução de J. Beverluis (1993), o trecho das Observações sobre o Ramo de Ouro transcrito nos anexos vem com todas as vírgulas que marcam segmentação sintática omitidas por Wittgenstein (e nas versões do Nachlass). A função desse procedimento editorial é clara: possibilitar uma leitura fluída, na qual o leitor não seja perturbado pelo não-reconhecimento da estruturação sintática, sobretudo no caso de orações mais complexas, com intercalação de inúmeras subordinadas. O resultado desse processo é o que chamo aqui de uma versão normatizada. Um nível adicional de normatização é agregado quando se passa à tradução do texto, visto que o tradutor tem de optar por soluções que privilegiam essa ou aquela opção interpretativa – não cabendo necessariamente arrolar de modo sistemático todas as possíveis variantes tradutórias, sempre que houver mais de uma. Fazer isso seria querer colocarse fora do processo interpretativo, como se fora possível resgatar o texto tal qual, como se sua letra devesse possibilitar, por si só, o contato imediato, no sentido de não-mediado, com o sentido original do autor. Se isso já não é viável no idioma original, na tradução torna-se impossível 11 – até porque a letra, ela mesma, é necessariamente outra.

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Cf. Oliveira (2007), já aludido na nota 3, acima. Certamente existem casos isolados em que a discussão das variantes tradutórias é relevante. Mas há de se encontrar um equilíbrio entre a fluência necessária para a construção de sentido/coerência e a eventual relevância das possíveis variantes. Um texto recortado demais tende a dificultar a visão do todo. E há casos em que a manutenção de variantes tradutórias ou o apego excessivo à letra pode antes confundir do que esclarecer. De resto, em algum momento é preciso que a cadeia de razões chegue a seu fim, para que o mecanismo da interpretação possa ser posto –ou mantido– em movimento. Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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Num certo sentido, ao definir uma perspectiva de leitura para o texto, a tradução cumpre um papel normativo semelhante ao dos comentários do texto (original), que também dizem como o texto deve ser lido. Isso nos leva, por fim, ao que seria uma definição operacional: ler é consolidar uma interpretação, é seguir ou estabelecer uma norma. Que isso seja feito com recurso à letra do texto, não muda a equação básica. Assim sendo, melhor é assumir nossos papéis de intérpretes, cientes de que temos bons motivos para as leituras que propomos (inclusive nas opções tradutórias), mas também dispostos a ver outros aspectos, quando for o caso. 5. Dietas unilaterais de leitura A brevidade de nossa visita à questão da percepção de aspectos, tal como discutida na segunda parte das Investigações Filosóficas (e sintetizada acima via referências ao pato/lebre e à dupla cruz), justifica-se aqui pelo pressuposto de que, na condição de leitores atentos do filósofo, estamos já bastante familiarizados com essa dimensão de sua obra. Mas, até que ponto essa familiaridade é garante de que, ao discutirmos a obra, não recairemos em concepções essencialistas de linguagem que atribuem à letra do texto a condição de árbitro inequívoco em questões de leitura? Um sintoma desse tipo de recaída são as conhecidas disputas sobre a melhor forma de traduzir o texto, nas quais não raro se recorrem a noções como a de literalidade –e suas variantes– na condição de argumento alegadamente definitivo para sustentar essa ou aquela posi12 ção interpretativa. Retomando os diferentes modelos de leitura apresentados acima, não teremos maiores dificuldades em reconhecer que o argumento da literalidade aproxima-se fortemente das concepções de linguagem que dão base ao modelo ascendente, ao passo que a tendência oposta, de 12

Para uma tratamento mais amplo que contempla também esse tema, vide meu texto Benjamin, Derrida e Wittgenstein: forma e percepção de aspectos na tradução (OLIVEIRA, no prelo). Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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minimizar excessivamente a questão da forma, levando a um certo relativismo, ou subjetivismo, permeia de modo latente o modelo descendente. A valorização exclusiva e/ou excessiva dessa ou daquela versão do texto, tal como disponíveis no Nachlass e em edições impressas, tenderá, de resto, a exacerbar ainda mais essas duas perspectivas, acentuando suas limitações. Lembremos que, se é verdade que as diferentes versões do texto favorecem distintos estilos de leitura (correspondentes a diferentes momentos dentro do modelo interativo), isso não significa que qualquer uma delas seja, per se, melhor do que as outras – pois o bom leitor é aquele que sabe alterar os estilos à medida em que isso se faz necessário, assim como o bom motorista não é o que dirige depressa ou devagar, mas sim quem acelera, ou freia, ou mantém a velocidade na hora certa. Inversamente, é mau leitor aquele que não sabe alternar entre os diferentes estilos, insistindo num determinado nível de leitura, o que acaba por levar a uma dieta unilateral que não dá conta dos sentidos do texto em todas suas dimensões. Longe de ser algo raro, dietas unilaterais costumam povoar as expectativas de leitura inclusive do público acadêmico, notadamente (mas não só) na filosofia, e emergem constantemente no contexto de ensino de leitura em língua estrangeira no qual atuo há mais de duas décadas na Unicamp. Uma boa documentação de como isso ocorre, ainda que em contexto ligeiramente diferente, é fornecida em estudo de Rosa Nery (2003) sobre as provas de francês no exame vestibular. Nesse trabalho, são apresentados vários casos que ilustram bem a postura do leitor que poderíamos chamar de decodificador, i.e. aquele que se atém à superfície do texto, mobilizando apenas os processos privilegiados pelo modelo ascendente, ao mesmo tempo em que é incapaz de estabelecer relações de sentido/coerência mais amplas, fundamentais para a compreensão do argumento. Não havendo espaço para retomar esses casos de forma aprofundada e tecnicamente adequada, e sem com isso desviar em demasia o foco de nossa própria temática,

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limito-me aqui a indicar alguns exemplos paradigmáticos (cf. NERY 2003, p. 105-107 e 205, à guisa de ilustração). No extremo oposto está o leitor adivinhador, que passa ao largo de elementos fundamentais do texto, por se fiar em demasia em seu próprio conhecimento prévio – fator de relevância no modelo descendente (ib., p. 99, 248). Algo semelhante ocorre com aqueles leitores de Wittgenstein que procuram alinhá-lo automaticamente a determinadas vertentes filosóficas, em função das diferentes vozes do texto – interpretando tais enunciados como índice inquestionável de suporte às referidas posições, por parte do autor (e ignorando detalhes importantes que tornam esse tipo de alinhamento no mínimo questionável). Uma variante dessa postura seria aquela que vê o filósofo advogando teses – matemáticas, por exemplo–, sem perceber que o que está em jogo, em última instância, restringe-se à terapia filosófica das abordagens unilaterais, ou dogmáticas. 6. Traduzindo Wittgenstein Traduzir é uma tarefa extremamente complexa, que envolve procedimentos tanto da compreensão/leitura como da produção de textos escritos. De modo geral, o processo tradutório decorre em várias etapas, nas quais os diversos estilos de leitura comparecem em diferentes níveis de intensidade: primeira leitura, revisão, cotejos diversos, acabamento estilístico etc. Nesse itinerário, há todo um roteiro editorial que se assemelha, em vários aspectos, ao que ocorre com a edição do espólio eletrônico, quando se elaboram as diferentes versões disponíveis no Nachlass. A produção do fac símile restringe-se a procedimentos estritamente técnicos com a utilização de um scanner, destinados a produzir uma fotografia eletrônica dos originais, em formato gráfico (jpg). Em outros termos, essa etapa não envolve nenhuma operação de produção de sentido. Até certo ponto, pode-se dizer que a etapa seguinte, de criação de um texto pesquisável eletronicamente (ainda com variantes – versão Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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diplomática), guarda algo de mecânico, na medida em que trata-se de fazer a passagem de uma imagem gráfica para um texto escrito em determinada língua – o que, ao se digitar no computador, é feito com recurso a uma série de caracteres disponíveis em uma tabela padronizada (character code). Ora, é basicamente essa mesma operação o que fazem os chamados programas de reconhecimento ótico de caracteres (OCR), usados para transformar textos impressos em eletrônicos, via scanner (passando pela etapa da criação de uma imagem gráfica). Evidentemente, a digitação dos textos manuscritos envolve aspectos semânticos que uma máquina não pode mobilizar. Mas, no caso dos originais disponíveis em datiloscritos, as diferenças começam a se diluir. Já a passagem para a versão normalizada diz respeito sobretudo a decisões sobre o sentido, pois aqui eliminam-se as variantes, que adquirem então o estatuto de “intermediárias”. Por outro lado, não há mudanças nem acréscimos, pois pretende-se manter a fidelidade ao estilo do autor no tocante às suas escolhas lexicais, ao uso de marcas de estruturação sintática etc. A redação final, tal como se lê nas edições impressas (versão normatizada), por sua vez, introduz mudanças e acréscimos necessários para a adequação à norma lingüística corrente. Há questões puramente formais, como as que dizem respeito à grafia de determinados termos. Outras envolvem decisões sobre o próprio sentido do texto – quando são introduzidos os sinais de pontuação em orações complexas, por exemplo. Aqui, entram em jogo as relações de coesão (questões sintáticas propriamente ditas) e também as de coerência (relação semântica com o resto do texto). O que as traduções fazem, ao dar forma ao texto em um outro sistema lingüístico, é evidenciar o caráter decisório já presente na leitura e também cristalizado nas versões mais tardias descritas acima, i.e. normalizada e sobretudo normatizada. Por esse motivo, as traduções são um excelente instrumento para visualizar o caráter construtivo da leitura, em oposição às concepções essencialistas de linguagem que pretendem atribuir à letra do texto um sentido já dado, único e inequívoco. Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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6.1 Estilos de leitura e tradução Discuto a seguir dois casos que evidenciam a aplicação de diferentes estilos de leitura a trechos extraídos do Nachlass. O primeiro deles exemplifica as possíveis associações feitas num momento descendente, i.e. de mobilização do conhecimento prévio do leitor. O segundo lida com questões de coerência e sentido na superação de barreiras 13 interpretativas decorrentes do momento ascendente. A Figura 6 apresenta uma tela com duas imagens superpostas, de um trecho do MS148, retiradas do Nachlass. Na parte superior, vêse a versão diplomática; na inferior, a versão fac símile.

Figura 6

A leitura do original na versão fac símile é muito difícil, pois praticamente não se vê a observação das Auge & der Wald (o olho e a flo13

Ambos exemplos têm origem em questões trazidas ao GT Filosofia da Linguagem e do Conhecimento por João José de Almeida, dentro de um projeto de tradução de textos de Wittgenstein. Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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resta), à direita das letras A. Esse trecho foi também agregado a edição mais recente das Notes for Lectures on “Private Experience” and “Sense Data” (1993), com tradução de David Stern, que leu/interpretou a expressão der Wald como sendo die Welt (ao traduzi-la por the world, p. 203), talvez ecoando a relação entre o olho e o mundo feita no Tractatus (§§ 5.3-5.634). Trata-se de um caso extremo da necessidade de atribuição de sentido a um objeto cuja percepção visual é dificultada por restrições empíricas, mas que, por isso mesmo, exemplifica bem que o sentido é atribuído. A dificuldade agrava-se pela falta de um contexto maior, de um fluxo argumentativo que permita a mobilização de estratégias baseadas na coerência textual mais localizada – daí o provável recurso de David Stern a outras partes da obra do filósofo. Devido ao caráter fragmentário de boa parte do material disponível no Nachlass, problemas desse tipo são certamente muito comuns, o que acentua a necessidade de rigor na mobilização de estratégias interpretativas. A relação entre o olho e a floresta, por sua vez, evoca um dito muito conhecido em alemão (Vor lauter Bäumen sieht man den Wald nicht), a respeito das dificuldades que temos em visualizar o todo quando concentramos nossa atenção excessivamente no detalhe. Em outras palavras, corremos o risco de ver só árvores (ou galhos, folhas etc.) e não perceber a floresta, se a atenção ficar só no detalhe. Apresento a seguir alguns resultados parciais de um levantamento sobre procedimentos de leitura feito no Centro de Ensino de Línguas (CEL) da Unicamp, o qual mostra como a alteração de estilos, com avanços e retornos no texto, possibilita a passagem da árvore para a floresta, e de volta para a árvore etc. Ponto de partida foi um problema de foco excessivo no detalhe que teve sua origem nas primeiras versões de uma tradução das Observações sobre o Ramo de Ouro de Fra14 zer para o português. De passagem, registre-se que é comum a primeira versão de uma tradução ficar mais “colada” no original, quando

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Tradução de João José de Almeida e revisão técnica minha (cotejo com o alemão). Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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o tradutor tenta ater-se ao máximo à letra do texto. Nas revisões posteriores, de modo semelhante ao que ocorre no processo editorial do Nachlass, as decisões baseadas no sentido vão introduzindo as modificações necessárias para a adequação do texto à língua de chegada e à interpretação consolidada no processo de leitura. No trecho em questão (cf. Anexos I–III), Wittgenstein discute a importância do “Rei da Chuva” para os povos primitivos, dentro de uma crítica mais geral dirigida a Frazer, no sentido de que o antropólogo não teria entendido o caráter ritual dos hábitos dos chamados povos 15 primitivos, atribuindo-lhes a prática de uma “má ciência”. A dificuldade específica diz respeito à formulação “und sie hätten dann den Regenkönig für den übrigen Teil des Jahres funktionieren lassen” (cf. possíveis traduções no Anexo IV). Na apresentação oral feita no V Colóquio Wittgenstein, cheguei a sugerir a existência de uma polissemia inerente à forma hätten do original, o que teria levado a problemas 16 interpretativos nas traduções para o português, o inglês e o francês. Posteriormente, durante a redação do presente trabalho, essa hipótese

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Para uma discussão um pouco mais detalhada do trecho em si, vide a contribuição de Cristiane Gottschalk a este volume (p. 253-254). O mesmo texto é retomado sob uma perspectiva mais ampla, neste volume, por João José de Almeida (sobretudo às p. 206-215). Sua relevância no contexto geral da obra do filósofo pode ser percebida no comentário que lhe dedica Arley Moreno, também neste volume (sobretudo tópico 7.1). 16 A hipótese da polissemia pressupõe que hätten indica, alternativamente: 1) possibilidade (eles poderiam ter feito isso, mas não fizeram); 2) discurso indireto (eles teriam de fato feito isso, conforme nos é relatado por alguém). A visada do discurso indireto seria parcialmente induzida pelo uso, na frase anterior, do presente do subjuntivo, forma típica do discurso indireto em alemão: “... er könne Regen machen” – ele poderia (na opinião de outrem, i.e. desse povo africano) fazer chover. Aqui, coloca-se a questão do peso específico das formas verbais utilizadas nas diferentes línguas: alemão, inglês, francês e português. Embora haja estruturas semelhantes, o alcance discursivo de cada uma delas varia de uma língua para outra. Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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pareceu-me excessivamente assertiva, o que me levou então a fazer um 17 levantamento empírico para averiguar sua validade. Para isso, foram elaborados vários questionários com base em diferentes versões do texto (original em alemão, na versão normatizada; traduções em inglês e francês; três versões distintas em português), porém com as mesmas questões de interpretação. Os dados coletados incluem observações de campo e 167 questionários (Q001-167) respondidos por leitores com diferentes graus de conhecimento de língua e proficiência de leitura. A análise inicial desses dados corrobora o que aqui foi dito sobre a leitura enquanto construção contextual do sentido, e reforça também a pertinência de uma profilaxia da atitude do leitor face às diferentes versões do original e suas traduções – sobretudo no tocante aos riscos inerentes a dietas unilaterais. Uma discussão mais técnica e detalhada será apresentada a seu devido tempo, em fóruns de Lingüística Aplicada e/ou Didática de Línguas. Como documenta o Anexo V, com uma versão dos questionários utilizados, as perguntas procuravam aferir: 1) se o leitor entendia que o povo africano citado no trecho realmente pôs o Rei da Chuva 17

Note-se que o termo empírico, tal como usado na Lingüística Aplicada, pode ter um alcance diferente daquele de seu uso na Filosofia da Linguagem, onde opõe-se ao transcendental. No levantamento cujos resultados são sintetizados a seguir, empírico significa simplesmente que tratam-se de dados concretos coletados para um fim específico, a saber: documentar abordagens e procedimentos de leitura, com base num instrumento elaborado especificamente para esse fim. Num certo sentido, esses dados permitem antes a descrição do que a explicação. Onde há hipóteses sobre as estratégias de leitura adotadas, tais hipóteses dizem respeito a processos de construção do sentido – que não são, portanto, “empíricos” no sentido da Filosofia da Linguagem. De resto, toda análise a ser feita com base nesses dados terá necessariamente caráter qualitativo, mesmo quando envolver números – cuja função não será outra senão a de etiquetas que permitam o estabelecimento de referências. Uma análise quantitativa, por sua vez, pressuporia um volume de dados muito maior, além da especificação de uma série de outros parâmetros discriminantes, para poder aspirar a alguma validade. Além disso, e mais importante do que isso, uma tal abordagem quantitativa teria um espírito completamente diverso do aqui proposto. Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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para funcionar na seca; 2) que elementos do texto foram usados para sustentar essa leitura; 3) como o comentador (Wittgenstein) e Frazer se posicionam sobre o assunto. Além disso, foi reservado um espaço opcional para uma espécie de “protocolo de leitura”. Numa versão do questionário, direcionou-se um pouco mais a atenção para o trecho (com hätten) considerado especialmente problemático para a construção do sentido. Pelos dados coletados, ficou evidente que o segmento em questão, por si só, não é capaz de alterar a leitura do texto, ainda que certamente dificulte a manutenção da coerência, como manifestaram explicitamente vários respondentes (Q133 e Q136-138, dentre outros). Nesse sentido, o levantamento indica que a posição defendida no V Colóquio Wittgenstein era realmente excessiva, mas não totalmente desprovida de um certo fundamento: a dificuldade existe, mas não é necessariamente o suficiente para impossibilitar a construção da coerência – inclusive nas traduções. Um respondente da versão do questionário que mescla o trecho problemático com uma tradução em português mais fluente chega a explicitar esse tipo de dificuldade: O início do texto é perfeitamente compreensível, tal qual seu final. Ambos mostram a posição do autor sobre os povos primitivos, dizendo que crê que eles não agem por opiniões, mas por observações e fatos. Ou seja, eles pedem chuva quando chega o período de chuvas, clamam pelo alvorecer quando já é quase manhã... A frase central: “Pois ao se admitir... na parte restante do ano” ficou um pouco confusa para mim, e não sei se a compreendi corretamente. (Q151)

Como nem todos os respondentes se deram ao trabalho de fazer esse tipo de registro (opcional), é lícito supor que também outros leitores enfrentaram dificuldade semelhante com o trecho “central” citado no comentário, mas foram capazes de compensá-las exatamente com os dados explicitados em Q151. De fato, tomando o conjunto dos questionários respondidos como um todo, pode-se afirmar que, de modo geral, o leitor foi capaz de construir o sentido desse segmento buscando exatamente colocá-lo em relação de coerência com o que vinha antes e depois. Isso fica patente pela escolha preferencial desses outros trechos Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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para fundamentar a construção do sentido (pergunta 2), tanto no cômputo geral dos questionários quanto naqueles onde houve direcionamento – e de modo independente da língua utilizada, no caso dos leitores proficientes. Em outras palavras, o leitor foi capaz de desviar sua atenção da árvore para ver também a floresta, ou ainda: foi capaz de reconhecer a floresta mesmo quando se deparou com um espécime de árvore não-identificado, ou aparentemente deslocado naquele contexto. No tocante às expectativas e possibilidades de trabalho do público brasileiro com as diferentes versões do Nachlass, o que mais chamou a atenção foi a nítida dificuldade representada pelo conhecimento de língua dos leitores menos proficientes. Se nas versões em português as eventuais dificuldades criadas por problemas de redação/tradução não chegaram a interferir no resultado final da leitura (ainda que tenham dificultado sua fluidez), os questionários respondidos com base no original em alemão e na tradução em francês indicam forte índice de leituras incompatíveis com a compreensão do trecho consolidada na recepção da obra do filósofo. Quando confrontados posteriormente com versões em português, os leitores do texto original em alemão corrigiram sua interpretação, não havendo, nesses casos, nenhum registro da leitura considerada incompatível com a argumentação desenvolvida no texto (i.e. com sua coerência discursiva): todos respondentes confirmaram que o povo africano em questão não pôs o Rei da Chuva para funcionar no período da seca – independentemente da tradução utilizada. Isso significa que, para esse tipo de leitor, que pode ser considerado representativo do público potencial de uma edição bilíngüe, ir direto ao original pode não ser uma boa estratégia, pois sua capacidade de manter uma leitura fluente é muito maior com base na versão traduzida do que no original. Melhor seria ler a tradução e recorrer ao original apenas em casos de dúvida, de problemas na construção do sentido etc. É verdade que, no nosso exemplo, o problema em foco diz respeito a questões de coerência, e não de erros conceituais propriamente ditos. Mas erros conceituais também acabam por induzir problemas de coeMoreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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rência, posto que o escopo de um conceito não depende de usos isolados em contextos específicos, mas sim de uma recorrência em cadeias discursivas coerentes. Nesse sentido, a recomendação pode receber um grau razoável de generalização, e aplica-se também às diferentes versões do Nachlass, talvez até de forma mais intensa, em função dos estilos de leitura que essas versões favorecem – como discutido mais acima. No tocante à terceira questão dos questionários, tudo indica que o trecho escolhido, tal como apresentado aos sujeitos da pesquisa, é insuficiente para inferir de modo claro as posições de Frazer e de seu comentador (Wittgenstein). Para tanto, far-se-ia necessária uma leitura mais ampla das Observações de Wittgenstein e eventualmente uma certa familiaridade com a própria obra de Frazer – naquilo em que o caráter fragmentário do texto do filósofo não permitir inferir com base no próprio comentário. Ou seja, para perceber as vozes evocadas nesse diálogo, seria preciso ampliar a discussão até que se formasse uma perspectiva de leitura condizente. 7. Observações finais: como ler – um álbum (eletrônico)? Ao longo de minha exposição, o foco central girou em torno da pergunta sobre o que seria ler, e das implicações daí advindas para as expectativas que legitimamente possamos ter quando do acesso à obra do autor, notadamente na forma como está organizada no espólio eletrônico (Nachlass) coligido em Bergen. Pouco foi dito –de modo direto– sobre as características do gênero álbum e do suporte eletrônico. Por outro lado, a discussão do que vem a ser a linearidade em leitura já fornece algumas indicações úteis para abordar esses dois últimos tópicos. Até que ponto poder-se-ia afirmar que o Nachlass como um todo tem as mesmas características de álbum que as próprias Investigações Filosóficas, nos sentidos propostos no V Colóquio Wittgenstein e retomados neste volume (como nas contribuições de Arley Moreno e Alois Pichler)? Do ponto de vista de suas características estruturais, do método filosófico e do espírito que rege o texto, as Investigações certamente Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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diferem bastante de outros textos do filósofo – ainda que mantenham com eles constante diálogo. Há, no entanto, uma perspectiva específica segundo a qual podemos considerar o Nachlass coligido em Bergen um álbum eletrônico: a leitura, naquilo que ela tem de específico por oposição à escrita – um pouco no sentido da estética da recepção proposta pela chamada Escola de Constança nos Estudos Literários, outro tanto na medida em que o meio é a mensagem, no sentido de McLuhan. O Nachlass eletrônico pouco se presta a uma leitura linear, no sentido de se começar “do início” e progredir passo a passo até “o fim” – até porque não há início, meio e fim no sentido clássico; o acesso dáse através da abertura de determinados arquivos com as diferentes versões, e prossegue-se através da procura por determinados termos ou até mesmo de textos inteiros que, por sua vez, dificilmente serão lidos passo a passo. A grande vantagem do suporte eletrônico está exatamente na possibilidade de se dar saltos para outras “paisagens” com os mesmos temas, através dos mecanismos de busca. Não se tratam de hyperlinks à maneira dos textos eletrônicos atuais, que estão mais próximos do complexo sistema de referências cruzadas do Caderno Marrom destacado por Alois Pichler em sua contribuição. Mais do que isso, o sistema de buscas do Nachlass possibilita que o próprio leitor estabeleça – com base na forma dos termos de busca– seus próprios itinerários pelas diferentes paisagens. O que determina a escolha dos termos a serem procurados é o interesse do leitor, alguma hipótese interpretativa que queira verificar. Além disso, os mecanismos de passagem de uma versão a outra (por clique de mouse) possibilitam a checagem de como se deu o processo de escrita, das escolhas do próprio Wittgenstein às decisões editoriais posteriores. Nesse sentido, a dinâmica do trabalho com o Nachlass aproxima-se dos movimentos de ida e vinda da leitura na construção do sentido. Já foi dito que o bom leitor é aquele que sabe utilizar o estilo certo na hora certa, e não aquele que privilegia um só estilo em detrimento dos outros. De forma análoga, será um bom usuário do Nachlass

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eletrônico aquele que souber explorar suas possibilidades e reconhecer suas limitações. Por si só, o Nachlass não substitui as versões escritas, inclusive as bilíngües. Para o público brasileiro, notadamente aquele que não for realmente proficiente em alemão, urge a produção de boas traduções, preferencialmente bilíngües, que permitam uma leitura fluente, ao mesmo tempo em que possibilitam a consulta ao original, quando isso se fizer necessário. O recurso ao Nachlass servirá de complemento a essa consulta ao original, devendo ser um ponto de chegada, de onde se retorna para a construção de nossa coerência do texto – coletiva e pública. É claro que o Nachlass, entendido como álbum eletrônico no sentido acima, pode também ser ponto de partida e suporte de pesquisa nas investigações já maduras, leituras que já tenham algum norte bem definido para servir como ponto de orientação nas múltiplas paisagens. Mas mesmo assim esse trabalho não será feito como se estivéssemos num tête à tête de caráter quase privado com o autor – por termos acesso à versão fac símile do original. Queiramos ou não, visitaremos esse original sempre em companhia de uma plêiade de outros leitores – colegas, comentadores, tradutores etc. Por esse motivo, sugere-se que tal visita ocorra: em boa companhia; evitando qualquer dieta unilateral; com disposição a ver novos aspectos – mas cientes de que estamos lendo, i.e. seguindo uma perspectiva (ou norma) que se estabelece a partir dos objetos de comparação que privilegiarmos. Se procedermos assim, teremos uma boa chance de ler o álbum com base numa concepção de linguagem compatível com a obra de Wittgenstein, sem forjar expectativas essencialistas como aquelas das quais ele fazia a terapia.

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ANEXOS

Anexo I (versão fac símile) Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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Anexo II (versão diplomática)

Anexo III (versão normalizada)

Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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A Ich glaube, das Charakteristische des primitiven Menschen ist es, dass er nicht aus Meinungen handelt (dagegen Frazer). Ich lese, unter vielen ähnlichen Beispielen, von einem Regenkönig in Afrika, zu dem die Leute um Regen bitten, wenn die Regenperiode kommt. Aber das heißt doch, dass sie nicht eigentlich meinen, er könne Regen machen, sonst würden sie es in den trockenen Perioden des Jahres, in der das Land “a parched and arid desert” ist, machen. Denn wenn man annimmt, dass die Leute einmal aus Dummheit dieses Amt des Regenkönigs eingesetzt haben, so ist es doch gewiss klar, dass sie schon vorher die Erfahrung hatten, dass im März der Regen beginnt und sie hätten dann den Regenkönig für den übrigen Teil des Jahres funktionieren lassen. Oder auch so: Gegen morgen, wenn die Sonne aufgehen will, werden von den Menschen Riten des Tagwerdens zelebriert, aber nicht in der Nacht, sondern da brennen sie einfach Lampen. (versão normatizada / edição bilíngüe) P1 Acredito que o característico do homem primitivo é que ele nunca age por causa de opiniões (contra Frazer). Leio, entre muitos exemplos semelhantes, sobre um Rei da Chuva, na África, a quem o povo roga por chuva quando chega o período das chuvas. Isso não significa, porém, que eles queiram propriamente dizer que ele possa fazer chover, se não eles o fariam no período mais seco do ano, em que a terra é “a parched and arid desert” (um queimado e árido deserto). Pois ao se admitir que o povo, certa vez, por estupidez, criou este encargo para o Rei da Chuva, nesse caso fica certamente claro que eles já tinham antes a experiência de que a chuva começa em março, e então teriam posto o Rei da Chuva para funcionar na parte restante do ano. Ou então: pela manhã, quando o sol estiver por nascer, os homens celebram o rito da alvorada, mas não à noite, quando simplesmente acendem as lâmpadas. (Almeida/Oliveira – versão 1) P2 Creio que o característico do homem primitivo é que ele nunca age movido por opiniões (contrariamente a Frazer). Leio, dentre muitos exemplos semelhantes, sobre um Rei da Chuva, na África, a quem as pessoas rogam por chuva quando chega o período das chuvas. Mas o que isso de fato significa, é que elas não pensam realmente que ele possa fazer chover, caso contrário elas o fariam no período mais seco do ano, em que a terra é “a parched and arid desert” (um deserto árido e queimado). Pois, ao se admitir que as pessoas certa vez, por estupidez, criaram este cargo de Rei da Chuva, é portanto certamente claro que elas já tinham antes a experiência de que a chuva começa em março, e então teriam posto o Rei da Chuva para funcionar na parte restante do ano.* Ou ainda: pela manhã, quando o sol está por nascer, ritos do alvorecer são celebrados pelos homens, mas não à noite, quando se contentam em acender lâmpadas. (Almeida/Oliveira – versão 2) * O trecho aqui sombreado (para facilidade de leitura) é idêntico a P1. O restante é idêntico a P3. Não há sombreamento no questionário aplicado.

Anexo IV (p.1) Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

Paulo Oliveira

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P3 Creio que o característico do homem primitivo é que ele nunca age movido por opiniões (contrariamente a Frazer). Leio, dentre muitos exemplos semelhantes, sobre um Rei da Chuva, na África, a quem as pessoas rogam por chuva quando chega o período das chuvas. Mas o que isso de fato significa, é que elas não pensam realmente que ele possa fazer chover, caso contrário elas o fariam no período mais seco do ano, em que a terra é “a parched and arid desert” (um deserto árido e queimado). Pois, ao se admitir que as pessoas, certa vez, por estupidez, criaram este cargo de Rei da Chuva, é portanto certamente claro que elas já tinham antes a experiência de que a chuva começa em março, e então poderiam ter posto o Rei da Chuva para funcionar na outra parte do ano. Ou ainda: pela manhã, quando o sol está por nascer, ritos do alvorecer são celebrados pelos homens, mas não à noite, quando se contentam em acender lâmpadas. (Almeida/Oliveira – versão 3) F Je crois que ce qui caractérise l'homme primitif est qu'il n'agit pas d'après des opinions (à l'opposé, Frazer). Je lis, parmi de nombreux exemples semblables, la description d'un roi de la pluie en Afrique, à qui les gens viennent demander la pluie lorsque vient la saison des pluies. Or cela veut dire qu'ils ne pensent pas réellement qu'il puisse faire de la pluie, ils le feraient, autrement, pendant la saison sèche, durant laquelle le pays est « un désert aride et brûlé ». Car si l'on admet que les gens ont par sottise un jour institué cette fonction de roi de la pluie, ils ont déjà eu auparavant l'expérience du fait que la pluie commence en mars, et ils auraient fait fonctionner le roi de la pluie pour le reste de l'année. Ou encore : c'est le matin, lorsque le soleil va se lever, que les hommes célèbrent les rites de l'aurore, et non la nuit : ils se contentent alors de faire brûler les lampes. (tradução Lacoste) I I believe that the characteristic feature of primitive man is that he does not act from opinions (contrary to Frazer). I read, among many similar examples, of a Rain-King in Africa to whom the people pray for rain when the rainy period comes. But surely that means that they do not really believe that he can make it rain, otherwise they would do it in the dry periods of the year in which the land is "a parched and arid desert". For if one assumes that the people formerly instituted this office of Rain-King out of stupidity, it is nevertheless certainly clear that they had previously experienced that the rains begin in March, and then they would have had the Rain-King function for the other part of the year. Or again: toward morning, when the sun is about to rise, rites of daybreak are celebrated by the people, but not during the night, when they simply burn lamps. (tradução Beverluis / edição bilíngüe) Anexo IV (p.2)

Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

O que é ler – um álbum (eletrônico)?

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Anexo V Moreno, A. R. (org.). Wittgenstein – Como ler o álbum? Coleção CLE, v. 55, p. 281-315, 2009.

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