OS ONZE DA BRIGADA: As relações políticas da Brigada Militar e seus conflitos internos na consolidação do Golpe Civil-Militar de 1964

May 29, 2017 | Autor: L. Cabral Ribeiro | Categoria: Policia, Ditadura Militar, Golpe Militar, Legalidade, brigada militar
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LUCAS CABRAL RIBEIRO

OS ONZE DA BRIGADA: as relações políticas da Brigada Militar e seus conflitos internos na consolidação do Golpe Civil-Militar de 1964

PASSO FUNDO, JUNHO DE 2013

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LUCAS CABRAL RIBEIRO

OS ONZE DA BRIGADA: as relações políticas da Brigada Militar e seus conflitos internos na consolidação do Golpe Civil-Militar de 1964

Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial e final para obtenção do grau de mestre em História sob a orientação do Profa. Dra Gizele Zanotto.

PASSO FUNDO 2013

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Dedico esta dissertação ao meu pai João Batista Winter Ribeiro e à minha mãe Lilian Cabral Ribeiro.

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AGRADECIMENTOS

Não tive como chegar ao fim deste trabalho sem o apoio de muitas pessoas que passaram por minha formação no mestrado. Começo este agradecimento com as pessoas de maior importância na minha vida, meus pais, que me deram todas as condições necessárias para chegar ao fim de mais uma etapa de formação acadêmica. Tenho que agradecer, também, aos meus mestres, que, desde a graduação, me acompanham no meu processo formativo. Em especial, um agradecimento ao professor que orientou meu trabalho em sua fase inicial, Eduardo Munhoz Svartman, que colaborou para a consolidação desta ideia, e também à professora orientadora Gizele Zanotto, que me “adotou” em meio ao processo de construção desta dissertação e sempre se manteve com muita dedicação e pronta para iluminar os caminhos que precisavam ser trilhados. Agradeço também à toda equipe do PPGH-UPF, por sempre estar à disposição e pronta para ajudar. Não posso esquecer-me de meus caros amigos e colegas, tanto de graduação quanto de mestrado, que, sempre de forma incentivadora, contribuíram para que eu pudesse chegar ao final desta etapa de minha formação. São muitos os amigos a serem lembrados, sintam-se todos homenageados. Agradeço também a todos os atendentes e coordenadores de Arquivos pelos quais passei nesse período de pesquisa, que sempre me atenderam com muita atenção. Enfim, agradeço a todos que de alguma forma incentivaram e apoiaram minha caminhada e que contribuíram para a concretização deste trabalho.

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"Quem vigia os vigilantes?" Juvenal

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RESUMO Esta dissertação tem como objetivo demonstrar as relações políticas nas Polícias Militares. Para tanto, será analisado o caso da Brigada Militar do estado do Rio Grande do Sul, remontando seu processo de formação histórica e buscando compreender seu posicionamento político durante sua formação e analisando também os momentos mais relevantes no seu processo formativo. Para isso parte-se do entendimento de que as ações das Polícias estão ligadas a ações políticas, pois constituem-se em instituições de sustentação do poder do Estado, fatos estes que torna-se mais aparente quando percebese momentos de crise política no Estado. O contexto histórico está referenciado nos períodos entre os anos de 1961 a 1964, o qual foi marcado por intensa crise política, iniciada com a Campanha da Legalidade e culminando no Golpe Militar de 1964. Marcos temporais que, ao mesmo tempo em que representam uma crise no cenário político, são importantes episódios para as ações da Brigada Militar, pois deixam mais claras as relações políticas existentes internamente na instituição, expondo assim as diferentes correntes de pesamento político que atuam internamente na instiuição. Dessa forma, são analisadas as ações do Grupo dos Onze da Brigada Militar, grupo de policiais que, ao defender o governo de João Goulart e as reformas de base, posicionouse contra as ações promovidas em busca da consolidação do Golpe Militar. Para o desenvolvimento desta pesquisa, contou-se com análise documental, composta por Boletins Gerais da Brigada Militar dos anos de 1961 a 1964, encontrados nos arquivos do Museu da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul e por Inquérito Policial Militar, divididos em três volumes, que versam sobre as acusações e punições contra o Grupo dos Onze da Brigada Militar, que encontram-se no arquivo do Superior Tribunal Militar, em Brasília. Além das fontes documentais, foram analisadas bibliografias sobre os temas tratados durante a dissertação. Palavras Chaves: Brigada Militar, política, golpe civil-militar, legalidade, Grupo dos Onze.

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ABSTRACT This dissertation aims to demonstrate the political relations in the Military Police. Therefore, will be analyzed the case of the Military Police of the State of Rio Grande do Sul, reassembling its process of historical formation and pursuing to understand its political positioning. It is understood that the actions of the Police are linked to political actions, as these are institutions of support to the State power. The historical context is referenced in the periods between the years 1961 to 1964. Period characterized by intense political crisis initiated with the Legality Campaign and culminating in the 1964 Military Coup. Timeframes which, in one hand, represent a crisis in the political scenario, are important episodes for the actions of the Military Brigade, make clearer the political relations existing within the institution. In this way, will be analyzed the actions of the Group of Eleven from the Military Brigade. Group of police officers whom in defending the government of João Goulart and the base reforms, spoke out against the actions promoted in pursuit of the consolidation of the Military Coup. The development of this research includes documentary analysis, Military Brigade General Bulletins, found in the Museum of the Military Police of Rio Grande do Sul and also a Military Police Inquiry, divided into three volumes, that deal with the allegations and charges against the Group of Eleven Military Brigade, lying in the Superior Military Court file in Brasilia. In addition to the documentary sources, bibliographies were analyzed on the topics addressed during the dissertation. Keywords: Military Brigade, politics, civil-military coup, legality, group of eleven.

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LISTAS DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Brasão de Armas da Brigada Militar................................................... p 35.

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LISTAS DE TABELAS

Tabela 1 – Cronologia das forças policiais no extremo sul......................... p 26-27.

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LISTA DE ABREVEATURAS E SIGLAS

AI-I – Ato institucional número I AI-II – Ato institucional número II BM – Brigada Militar BOC – Bloco Operário Camponês CRT – Confederação Regional do Trabalho CPM – Código Penal Militar DSN – Doutrina de Segurança Nacional EUA – Estado Unidos da América FAB – Força Aérea Brasileira GBC – Grupo de Batalhões de Caçadores IPM – Inquérito Policial Militar JM – Justiça Militar PCB – Partido Comunista Brasileiro PM – Polícia Militar PSD – Partido Social Democrata PTB – Partido Trabalhista Brasileiro QG – Quartel General RBMont – Regimentos de Polícia Montada RGBM – Regulamento Geral da Brigada Militar STF– Superior Tribunal Federal STM – Superior Tribunal Militar USB – União Social Brasileira

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................12 CAPÍTULO I – A CONSTITUIÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES E AS SINGULARIDADES DA FORMAÇÃO NA BRIGADA MILITAR .......................16 1.1 – As Polícias Militares no Brasil ........................................................................16 1.2 – O policiamento no Rio Grande do Sul (1750-1930) ......................................27 1.3 – Um policiamento mais político (1930-1964)...................................................44 CAPÍTULO II – PODER E PUNIÇÃO: AS RELAÇÕES DAS POLÍCIAS MILITARES COM O PODER POLÍTICO E ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA MILITAR .......................................................................................................................55 2.1 – O poder político e as Polícias Militares ..........................................................55 2.2 – A profissionalização e a burocratização dos Corpos Policiais .....................64 2.3 – A organização da Justiça Militar no Brasil ...................................................72 2.4 – A Justiça Militar no Rio Grande do Sul, organização e formação..............79 CAPÍTULO III – OS CONFLITOS POLÍTICOS NA BRIGADA MILITAR: FORMAÇÃO, INFLUÊNCIA E AÇÕES DOS ONZE DA BRIGADA ...................86 3.1 A influência da Legalidade na formação dos “onze da Brigada” e o dualismo legalista de 1964 ........................................................................................................86 3.2 As influências políticas dos onze da Brigada Militar e sua ligação com o PTB do Rio Grande do Sul ...............................................................................................97 3.3 As ações e as punições dos Onze da Brigada Militar .....................................104 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................119 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................122 ANEXO I ......................................................................................................................128

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INTRODUÇÃO O objetivo geral desta dissertação é a análise das relações políticas na história da Brigada Militar do estado Rio Grande do Sul, principalmente entre os anos de 1961 e 1964, período em que a instituição tem ativa participação em acontecimentos importantes da história do Brasil e do estado, em especial a participação da instituição na campanha da Legalidade em 1961 e no Golpe Militar de 1964. Dessa forma, busca-se elucidar a participação e a atuação política da Brigada Militar, ou seja, analisar porque, em diferentes momentos da história institucional, encontramos posicionamentos políticos discordantes. O foco da análise centraliza-se entre 1961 e 1964, pois, nesse curto espaço de tempo, são perceptíveis as discordâncias políticas de suas lideranças. Como o cenário político nacional estava em crise, ficam mais claras as ações e controvérsias políticas das forças policiais. Nesse sentido, procuramos sondar como se davam as relações internas da Brigada Militar, principalmente no ano de 1964, fazendo uma busca do que ocorria com os polícias militares que se manifestavam contrários ao golpe que se estabelecia naquele ano e também as origens desse movimento de oposição. A perspectiva norteadora desta dissertação são os episódios da campanha da Legalidade e o Golpe Militar de 1964 e a forma como se apresentam os posicionamentos diferenciados da Brigada Militar, principalmente os de oposição à estrutura que se consolidava pós 1º de abril de 1964. As questões apresentadas até então têm fácil resposta, se entendermos que as ações polícias correspondem a ações de manutenção da ordem, que, por muitas vezes, estão ligadas às questões de governo, ou seja, nos dois momentos, a BM e os grupos que a comandavam se mantêm ao lado da ordem estabelecida apesar da existência de grupos políticos contrários a essas determinações. São justamente esses grupos que passam a ser nosso objeto de análise e, nesse sentido, buscamos perceber o que passa a ocorrer com quem se liga à quebra de hierarquia e à mudança de lógica estabelecida e defendida pela corporação. Focando a análise no sentido de esclarecer parte da história da Brigada Militar no Rio Grande do Sul, ao analisar os conflitos políticos existentes na instituição entre os anos de 1961 e 1964, procuramos organizar esta dissertação em três capítulos.

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O primeiro capítulo busca compreender a origem histórica das polícias militares, bem como o surgimento da Brigada Militar no Rio Grande do Sul. Esse capítulo visa aprofundar o conhecimento sobre como se formam as polícias no Brasil e qual era o cenário político que conduziu as ações da Brigada Militar desde o ano de sua criação até o ano de 1964. Em relação às fontes utilizadas para a elaboração desse capítulo, foram usados essencialmente materiais bibliográficos e alguns relatórios dos presidentes das províncias (1890 a 1930) e boletins gerais da Brigada Militar, que apresentam informações sobre o dia a dia do polícial militar. Tal tarefa, aparentemente é fácil, mas, pela falta de publicações que tratem especificamente das relações políticas das polícias militares, a busca de informações claras e confiavéis sobre a instituição torna-se um desafio. No segundo capítulo, elabora-se uma contextualização sobre as polícias militares, ou seja, busca-se entender sua relação com a política e com o Estado e também como se dá sua composição. Esse capítulo tem caráter essencial, uma vez que é nele que contextualizamos as principais linhas sobre a formação das polícias e sua ligação com o poder político. Procuramos esclarecer o papel da polícia e seus deveres, que no decorrer do texto são apresentados como o papel da polícia que passa a ser entendido, em linhas gerais, como a manutenção da ordem do Estado, mas sabe-se que essa relação vai além se partirmos da compreensão de que toda a ação de polícia não pode ser entendida sem vincularmos ela a uma ação política. Compreendendo a ação policial como política, abrimos um leque de interpretações em relação à temática, saindo do simplório entendimento de que a polícia militar simplesmente cumpre ordens, para entender que ela exerce um papel de agente político. Esse capítulo é desenvolvido a partir de estudos anteriores sobre o tema, analisando a literatura especializada da área e, nele, apresenta-se um histórico do Superior Tribunal Militar (STM) e de como foi seu campo de ação no início da ditadura militar. No terceiro e último capítulo, aprofundamos o debate sobre as questões referentes aos conflitos políticos decorrentes da ação de alguns oficiais da Brigada Militar. Nesse tópico, são retomadas algumas das contextualizações que foram abordadas anteriormente, unindo-as com elementos que nos ajudam a compreender o Grupo dos Onze da Brigada Militar, apontando a Campanha da Legalidade e a ligação com o PTB como pontos de influência do movimento. Após a identificação dos fatores formativos, chega-se à avaliação de como ocorreram as ações do grupo e procede-se à

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análise dos resultados, assim como do processo de julgamento dos oficiais vinculados ao grupo. Para a construção desse terceiro capítulo, recorre-se, além das fontes bibliográficas, a fontes primárias, como Inquéritos Policial-Militares (IPM) e informações encontradas nos Boletins Gerais da Brigada Militar. Neste trabalho busca-se fazer uma análise da memória dos fatos ocorridos com o Grupo dos Onze da Brigada Militar, principalmente no capítulo terceiro. Sobre a memória, ressalta Le Goff que “onde cresce a história, que por sua vez a alimenta [a memória], procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para libertação e não para a servidão dos homens”1. Importante ressaltar que tanto a história quanto a memória não apresentam-se mais como elementos inocentes ou ingênuos e que por isso os historiadores passam a considerar fenômenos como seleção consciente ou inconsciente de determinados fatores sobre o objeto de análise. Nesse sentido, resgata-se a memória existente nos acontecimentos que cercaram o desenvolvimento da polícia militar do Rio Grande do Sul e também a sua ação dentro dos onze da BM, memória essa que por muitas vezes busca-se deixar de lado quando se trata da história da formação da corporação. Entre as fontes utilizadas para a produção desta dissertação, vale destacar o uso de IPM movido contra os oficiais de Brigada Militar contrários ao Golpe Militar de 1964. Essa documentação possibilita ao pesquisador uma maior noção sobre os oficiais que estavam sendo julgados. Entre as informações contidas na documentação, encontram-se relatados fatos que levaram os policiais a julgamento, por quais crimes estes foram julgados e quais artigos do Código Penal Militar (CPM) foram usados para o julgamento. O IPM é composto por três volumes e mais três volumes de apensos com provas recolhidas contra os oficiais. Essa documentação encontra-se hoje nos arquivos do STM na cidade Brasília/DF. Além do IPM, principal fonte de informação para esta pesquisa, também foram analisados Boletins Gerais da Brigada Militar. Essa documentação propiciou a identificação dos que foram julgados no início do Golpe de 1964. Algumas dificuldades foram encontradas durante o desenvolvimento da pesquisa. Podemos citar a pouca bibliografia específica sobre temas relacionados à história das Polícias Militares no Brasil, bem como sobre a própria história da Brigada Militar do estado do Rio Grande do Sul, eis que na literatura que contempla o tema são 1

LE GOFF, Jacques. “Memória”.In: História e Memória. Campinas: Ed. UNICAMP,1994, p. 477.

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encontrados textos voltados a temas mais amplos sobre a instituição, como a sua história, ou a temas mais contemporâneos, mas ligados mais a outras áreas do conhecimento. Também foram encontrados textos produzidos pela própria instituição, nos quais estão disponíveis alguns referenciais utilizados para este trabalho, como os textos de Hélio Mouro Mariante e Aldo Ladeira. Nessas obras, encontramos informações mais pontuais, como especificações de datas e principais eventos pelos quais a instituição passou em sua formação histórica. Nesse sentido, referente ao processo histórico da BM, são poucos os trabalhos que buscam o enfoque de refletir sobre as questões de ruptura política da instituição. Em grande parte, os textos trabalham sobre a violência policial, a formação da identidade desse policial e as posições tomadas pela instituição desde a formação das primeiras ordens policiais até as suas ações mais contemporâneas. Vale ressaltar que, conforme nos aproximamos da ditadura militar, os trabalhos referentes à polícia apresentam uma redução relevante, o que se explica pela dificuldade de encontrar documentações, bem como pelo fato de que, quando disponíveis, o aceso a essas informações é restrito e difícil. Durante o desenvolvimento do texto, optou-se pelo uso de pseudônimos quando se faz referencia aos policiais militares citados nos Inquéritos Policial-Militares. Essa opção decorre do compromisso assumido com o arquivo do STM de que os nomes encontrados nos IPMs não seriam revelados, para, assim, preservar a imagem dos policias e de seus familiares. O acesso à documentação analisada também pode ser entendido como um dos elementos dificultadores da pesquisa, pois todos se encontram centralizados nos arquivos do STM em Brasília, o que restringe o acesso ao seu conteúdo. Em linhas gerais, objetiva-se construir uma análise que venha a contribuir para o melhor entendimento do processo de formação histórica da Brigada Militar e, ao mesmo tempo, compreender o papel da instituição no meio social em que ela esta inserida, analisando também as relações políticas da instituição, partindo do entendimento de sua pluralidade política e de como ela se destaca em momentos de conflitos políticos como os estabelecidos na formação do Golpe Militar de 1964.

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CAPÍTULO I – A CONSTITUIÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES E AS SINGULARIDADES DA FORMAÇÃO NA BRIGADA MILITAR

Com a criação e o desenvolvimento do Estado2, ocorrre a fundação e/ou o crescimento de algumas instituições usadas muitas vezes para dar sustentação ao seu funcionamento. Sendo assim, percebemos que as Polícias Militares (PMs), no decorrer da história, foram sofrendo mudanças de caráter teórico, tecnológico, formativo e ideológico, o que acaba por tornar necessário compreender como se deu o desenvolvimento dessa instituição de grande importância para a formação do Estado Moderno. Nesse sentido, buscamos neste capítulo dissertar sobre a construção histórica dessa instituição, dividindo o texto em três subitens. No primeiro, o foco será o desenvolvimento das Polícias Militares no Brasil, analisando os modelos e as influências que a polícia militar teve no país. Nos subitens seguintes, analisamos o desenvolvimento histórico da polícia sul-rio-grandense, ainda hoje denominada Brigada Militar (BM), desde a sua constituição até o início do governo militar de 1964.

1.1 As Polícias Militares no Brasil O foco desta análise consiste em mostrar como se dá a formação das PMs no Brasil e, dessa forma, em buscar a compreensão do que é e para que serve o trabalho policial em cada contexto histórico em que atuou no país. Sendo assim, procuremos definir o papel dessa instituição na sociedade e no Estado. Para compreender a polícia militar e sua formação, vamos desenvolver um pequeno histórico desta instituição. Com base em algumas informações, podemos 2

Segundo Bottomore, i) um Estado é um conjunto de instituições; estas são definidas pelos próprios agentes do Estado. A instituição mais importante nesse contexto é a dos meios de violência e coerção; ii) essas instituições encontram-se no centro de um território geograficamente limitado, ao qual geralmente nos referimos como sociedade. De modo crucial, o Estado olha para dentro de si mesmo, no caso de sua sociedade nacional, e para fora, no caso de sociedades mais amplas entre as quais ele precisa abrir seu caminho; seu comportamento em uma área, em geral, só pode ser explicado pelas suas atividades na outra; iii) o Estado monopoliza a criação das regras dentro do seu território. Isso tende à criação de uma cultura política comum, partilhada por todos os cidadãos. Para maiores informações ver: BOTTOMORE, Tom. OUTHWAITE, William. Estado. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro. Editora: Jorge Zahar.1996. p. 258.

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identificar as primeiras composições de polícias militares no Brasil, desde o império até a década de 1960, a partir de estudos sobre o tema e materiais da própria PM e BM. Nos primeiros anos do Brasil Império (1822-1889), não se pode fazer uma referência a uma polícia militar profissionalizada. Na verdade, o que encontramos sobre a realidade dessas polícias é que eram frágeis, incapacitadas, pouco articuladas e disciplinadas, mas que serviam às necessidades daquela época. Com o passar dos anos e com a consolidação do Império, vemos a polícia recebendo funções mais específicas, buscando uma organização urbana e todas as atribuições jurídicas necessárias para o seu funcionamento como polícia militar. Um ponto marcante para o início da polícia militar no Brasil ocorre no momento da abdicação de Dom Pedro I (1831) e do estabelecimento do período regencial (18311840). Nesse contexto, o então Ministro da Justiça, Pe. Diogo Antônio Feijó, determina, em 1831, a extinção de todos os corpos policiais existentes e a criação de um novo agrupamento, as Guarda Municipais de Voluntários por Províncias ou Corpo de Guardas Municipais Permanentes, que tinha como atribuição “exercer as funções da extinta Guarda Real, bem como as tarefas de fiscalização da coleta de impostos”.3 A criação dessas guardas se justificava também como um auxilio até a estruturação e regulamentação da Guarda Nacional.4 Uma importante mudança que ocorre nas Guardas Municipais diz respeito à sua forma de recrutamento, que priorizava elementos da sociedade que detinham posses, ou seja, elementos da sociedade que tivessem condições de participar da vida política (eleições censitárias), o que deixa claro que essas guardas tinham um papel fundamental de manter a ordem estabelecia, assegurando o controle do Estado.5 A criação da Guarda Nacional (1831) como força cívica, e não propriamente militar naquele contexto, representou, segundo Sodré, “uma organização permanente, consistindo o seu serviço ordinário, dentro e fora dos municípios, em destacamentos à disposição dos juízes de paz, criminais, presidentes de províncias e ministro da

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MUNIZ, Jaqueline. A Crise de Identidade das Polícias Militares Brasileiras: Dilemas e Paradoxos da Formação Educacional. Security and defense Studies Review. Rio de Janeiro, p 177-198, 2001. 4 Mais informações referentes a estruturação das Guardas Municipais ver : FARIA, Regina Helena Martins de. Em nome da ordem: a constituição de aparatos policiais no universo luso-brasileiro (séculos XVIII e XIX). Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em História. Recife, 2007. p.131-141 5 SODRÉ, Nelson Werneck. A História Militar do Brasil. 3º Ed. Rio de Janeiro. Editora: Civilização brasileira.1979. p 118- 119 .

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Justiça”.6 Podemos compreender que a criação da Guarda Nacional objetivava legitimar o poder imperial, ainda em seus anos iniciais de implementação, sobretudo pela Guarda ser uma organização permanente que estava a serviço do governo regencial. Os aspirantes que poderiam compor as fileiras dessa Guarda Nacional eram geralmente homens maiores de dezoito anos, com algumas restrições aos militares, políticos, membros do governo – como conselheiros do Estado e da Igreja e oficiais da Justiça –, homens com mais de cinquenta anos e pessoas consideradas inaptas ao serviço militar.7 A Guarda Nacional é representativa, pois ela aproxima alguns segmentos das elites nacionais ao controle do aparelho estatal existente no período, como indica Sodré: “Criando a Guarda Nacional em 1831, a classe dominante dos senhores de terras e de escravos ou de servos, numa fase em que travava intensa luta para manter-se no controle do aparelho de Estado, estava forjando o instrumento militar de que necessitava, e empreendendo a neutralização das forças armadas regulares”. 8 Nesse sentido, podemos perceber que as forças existentes na Guarda Nacional representavam um poder ligado às classes senhoriais, que tinham como principal objetivo se manter no poder, e que tinham naquela instituição um dos braços de sustentação desse poder. Sobre a Guarda Nacional, vale ressaltar algumas outras características de sua parte organizacional e as influências estrangeiras. Segundo Jeanne Berrance de Castro, a Guarda Nacional origina-se da influência do modelo francês, mas ao mesmo tempo passa a apresentar elementos da national guard norte-americana, como, por exemplo, na discussão sobre a função de guarda do exército e das guardas, onde, nos Estados Unidos, em 1832, debatia-se sobre de quem seria a função de guarnição interna e externa. Na lei de criação das guardas nacionais do Brasil, tinha-se a mesma preocupação. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, o Exército permaneceu pequeno, enquanto as milícias estatais, como as guardas, em contrapartida, eram o ponto de maior potencial humano.9 Ainda nesse sentido, as guardas nacionais passam a representar um contraponto às milícias locais e se tornando elementos militarizados a serviço de um governo centralizado.

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SODRÉ, . p 152 Mais informações referentes ao recrutamento na Guarda Nacional, ver : SODRÉ, Op. Cit., p.119 8 SODRÉ, Op. Cit., p.117 9 Sobre as relações estrangeiras da formação das Guardas Nacionais, ver: CASTRO, Jeanne Berrance de. A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850. 2ª Ed. São Paulo. Editora Nacional, 1979. 7

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Essa nova polícia, que começa a ser constituída no Brasil a partir do Império, deveria criar um corpo organizacional, definir uma hierarquia, disciplinar seus integrantes, bem como tornar permanentes os ofícios policiais, ou seja, tornar seu trabalho uma forma integral e assalariada. Em 1830, já com o Brasil independente e imperial, temos uma mudança importante em relação à vinculação das polícias militares, ou seja, a partir dessa data, a sua subordinação passa a ser direta ao Ministério da Justiça. O Exército cedeu alguns oficiais para as fileiras dos corpos de polícia – esses militares, muitas vezes, tinham como função a organização das fileiras policiais, no sentido de passar maiores instruções para as fileiras de polícias e ficar à frente do comando da própria polícia. A Guerra do Paraguai10 (1864-1870), realizada pela Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai) contra o Paraguai, impulsiona outra transformação na gestão policial. A partir do conflito, as forças policiais militares passam a servir nas unidades de infantaria. É nesse momento que os policiais começam a ter a primeira experiência de aquartelamento (recolhido ou alojado em quartel) e passam a atuar “Menos nos serviços de proteção da sociedade e mais nas questões de defesa do Estado”. 11 A proximidade entre as polícias militares e o exército é um fator não só percebido na adoção do nome militar, mas em uma série de práticas comuns existentes entre as duas organizações. Sócrates Mezzomo salienta que os policiais militares “sempre tiveram grande proximidade com o próprio Exército, com destaque para a adoção do modelo militar, a estrutura organizacional e empregadas como „forças auxiliares do Exército regular‟”12. Muniz também ressalta que a polícia, a partir dessa 10

A Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai foi o maior conflito da história da América do Sul, estendendo-se de 1865 a 1870 e dizimando quase dois terços da população paraguaia. O conflito teve início em 10 de novembro de 1864, quando Solano López fechou ao Império do Brasil o acesso ao rio Paraguai, nele capturando o vapor Marquês de Olinda e aprisionando o coronel Carneiro de Campos, presidente da província de Mato Grosso. Entretanto, a declaração formal de guerra ao Brasil ocorreu somente em dezembro. A guerra aproximou-se do seu fim em 1º de março de 1870, sendo assinada a paz com o Império, à revelia dos outros aliados, em 1º de maio de 1870. Como resultado final para o Paraguai, este não conseguiu o território reclamado ao Brasil, perdeu parte das terras fronteiriças com a União Argentina, ficou arrasado em todos os sentidos, em especial nos econômicos e demográficos. Para maiores informações sobre o tema, ver: PINTO. Genivaldo Gonçalves. A Província na Guerra do Paraguai. In: História Geral do Rio Grande do Sul: Império.Coordenação geral Nelson Boeira, Tau Golin; diretores dos volumes Helga Iracema Landgraf Piccolo, Maria Medianeira Padoin. Passo Fundo: Méritos, 2006. p 97- 123 11 MEZZOMO, Sócrates Ragnini. O sofrimento psíquico dos expurgados da Brigada Militar no período da repressão: 1964-1984. Dissertação de Mestrado em História. Universidade de Passo Fundo. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Curso de Pós-Graduação em História. P.134. Março de 2005, Passo Fundo. p 29. 12 MEZZOMO, Op. Cit., p.31

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proximidade, atuava tanto nas guerras quanto “nos conflitos internos, como rebeliões, motins, revoltas populares, além evidentemente, das operações de grande porte relacionadas ao controle de fronteiras da nação”. 13 Com a proclamação República em 15 de novembro de 1889, ocorreu uma mudança na relação de poder do Estado, ou seja, com a organização republicana federativa, os estados foram tornados mais autônomos, o que refletirá diretamente na gestão de suas polícias. Percebemos essas mudanças em relação à polícia na formulação da Constituição da República, em 1891, quando são criadas as forças públicas – representação da segurança –, ou seja, tais forças teriam como objetivo a defesa dos governos estaduais. A força pública torna-se uma organização militar a serviço dos poderes regionais constituídos na federação. Referente a essa relação, relata Sócrates: “as antigas províncias, ao se tornarem estados autônomas, trataram de se organizar em pequenos exércitos estaduais chamados „forças públicas‟ ou „brigada‟ ou outras designações regionais‟.14 Tudo isso era necessário e se justificava, pois era um momento onde estes estados autônomos necessitavam se firmar e também precisavam evitar o retorno da centralização de poder, o que eventualmente anularia a autonomia conquistada. E as forças policiais entravam como um elemento de garantir a afirmação de suas políticas. Reconhecendo a necessidade das recém-formadas forças públicas, aumentam os investimentos na sua expansão. Um exemplo é a adoção de novas técnicas e modelos formativos para as policias. Pode-se citar o exemplo da Força Pública de São Paulo, que adotada o modelo formativo da polícia francesa.15 Outras forças passam a adotar o modelo formativo do Exército. Ou seja, com essas influências, as polícias passam a ser hierarquizadas, disciplinadas e com remuneração vinda dos cofres públicos, bem como passam a prestar dedicação exclusiva e permanente, ajudando, sua organização, dessa forma, a dar maior clareza à função da polícia de “manter a tranquilidade pública e auxiliar a justiça”.16 Mas não somente isso, pelas polícias passarem a ter esse atrelamento maior aos governos, também passam a ser responsáveis pela manutenção política do estado.

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MUNIZ, Op. Cit., p. 182 MEZZOMO, Op. Cit., p.25 15 BICUDO, Hélio Pereira. Violência – O Brasil cruel e sem maquiagem. São Paulo. Editora: Moderna. p 38-39, 1994. 16 SOUZA, Benedito Celso de. A polícia Militar na Constituição. São Paulo. Editora: Universitária de Direito, p.10, 1986. 14

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É possível perceber que alguns modelos de polícias estaduais recebem influências estrangeiras, como no caso da formação e organização da força pública de São Paulo. A partir do ano de 1906, quando o então governador de São Paulo Jorge Tibiriçá (1904-1908) comentava sobre a intervenção da missão francesa, “salientou que os distintos oficiais do Exército Francês elevariam o nível moral e intelectual da força pública”.17 Ainda sobre a relação da missão francesa e as Forças Públicas de São Paulo, vale ressaltar que “A contratação da Missão Francesa para instruir a Força Pública marca o início do processo de profissionalização dos agentes policiais militares paulistas”.18 Segundo Fernandes, “Esta Missão chegou a São Paulo em 1906 sendo a precursora das missões militares estrangeiras no Brasil; o Exército só passaria a receber este tipo de missão, também da França, em 1919”.19 Com o passar dos anos, as forças públicas buscavam se profissionalizar cada vez mais, com destaque para as forças dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Com o exemplo da polícia de São Paulo, a maioria dos Estados brasileiros buscou adotar modelos para reformular e profissionalizar suas forças, todavia, é importante ressaltar que nem todos os Estados adotaram missões estrangeiras de modo direto. Em algumas entidades da federação, se buscou a aproximação com as Forças Armadas, como no caso da polícia militar do Rio Grande do Sul, que, por isso implementaram uma gestão muito próxima da organização do próprio Exército, cujo modelo, todavia, também é estrangeiro. A União, que buscava adotar um modelo federativo, visa manter uma vinculação com as forças policiais que vinham sendo criadas nos Estados. Uma das formas de manter o vínculo das forças policiais estaduais com a União era através da intervenção do Exército e a adoção de modelos propostos por este. Nesse sentido, foi criada a Lei n° 1860, de 4 de Janeiro de 1908, que, em seus artigos 7° e 32°, instituía o serviço militar obrigatório e colocava as forças estaduais como auxiliares da Guarda Nacional, à disposição da União. Isso pode ser entendido como uma manobra de segurança para, de alguma maneira, manter laços com as forças militares dos estados. A União também implementa a Lei Federal n° 3216, de 3 de janeiro de 1917, que abre um caminho para a

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BICUDO, Op. Cit., p.38. FERNANDES Heloisa Rodrigues. A força pública do Estado de São Paulo. História Geral da Civilização Brasileira. In: O Brasil Republicano. Sociedade e Instituições (1889-1930). Organização Boris Fausto. Rio de Janeiro – São Paulo:Editora DIFEL/Difusão Editorial S.A, 1978. 2º V. p 249 19 FERNANDES, Op. Cit., p. 249 18

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vinculação das polícias militares ao Exército Brasileiro, o que consolida as polícias militares dos estados como “forças auxiliares”.20 Com isso, podemos concluir que o federalismo implementado pela chamada Nova República, formada da transição do período imperial para o republicano, contribui para fortalecer as polícias militarizadas dos estados, mesmo com a intervenção do exército sobre as forças, colocando-as na posição de “pequenos exércitos estaduais”, que defendiam diretamente o interesse dos governantes. Tornam, dessa forma, as polícias militares elementos com determinada importância na estruturação e manutenção das políticas do governo republicano. Com essa estrutura criada a partir da formação da Nova República, é relevante apontar alguns acontecimentos em que as polícias militares tiveram intensa participação: em Canudos (1896-1897), no Movimento do Contestado (1912-1926), na chamada Revolta Paulista de 1924 e no movimento de 1930, que contribuiu para que Getúlio Vargas ascendesse ao governo federal. Esse conjunto de acontecimentos, entre outras crises que serão vivenciadas durante a República, contribuiriam para conduzir o Brasil a um novo cenário político que acaba, até por desgastar a política hegemônica de São Paulo e Minas Gerais, então preponderante no comando do país, contribuindo para o início de contestações por parte de alguns estados no país, e que tem um importante marco em 1930. As crises geradas contribuem para o fim da chamada Primeira República e começo de um novo período, conduzido pela liderança de Getúlio Vargas. Nesse período, percebemos um forte envolvimento das tropas da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, que fornecem sustentação para que as mobilizações daquele ano fossem vitoriosas. O envolvimento da Brigada Militar foi intenso. Sob o Comando Geral do Coronel Claudino Nunes Pereira (1925-1930), “A Brigada Militar também se mobilizou. Seguiram para o Rio de Janeiro os 1º, 2º e 3º batalhões de infantaria, o 1º e 2º regimentos de cavalaria e um esquadrão de Regimento Presidencial”.21 Entretanto, segundo Mariante, “Poucas foram as ações bélicas em que se viram envolvidas as unidades brigadianas”.22 Apesar das poucas ações militares, a presença e a mobilização de alguns de seus batalhões foram importantes para sustentar as pretensões de Vargas em ascender ao poder. Essa ação 20

SOUZA, Op. Cit., p. 26 MARIANTE, Hélio Mouro. Crônica da Brigada Militar Gaúcha. Porto Alegre. Editora: Imprensa Oficial, 1972. p 163 22 MARIANTE, Op. Cit., p. 163 21

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chama atenção, pois mais uma vez demonstra o caráter político da polícia, que envolvese diretamente na transformações políticas nacionais. Após a Revolução de 1930, ou seja, com o começo do Governo Vargas, percebe-se uma centralização de poder. Vargas, em seu governo provisório (19301932), provocou uma tentativa de desmantelamento do aparato bélico das polícias militares, ou seja, de desmilitarizar as forças, para obter um maior controle sobre estas. Com isso, buscou ter um melhor relacionamento com o Exército e as polícias frente às questões políticas. No mesmo sentido, buscou a renovação no quadro dos oficiais para melhorar as relações do governo com as forças militares. Em relação à ligação de Vargas com os militares nesse período, ressalta José Murillo de Carvalho que “A reforma da organização militar foi sendo realizada sistematicamente sob as bênçãos de Vargas, a quem interessava um aliado confiável e sólido” .23 Em decorrência da ação da força pública de São Paulo na chamada Revolução Constitucionalista24 que teve duração de julho a agosto de 1932, podemos compreender o porquê do começo da intervenção do governo federal para a desmobilização e centralização dos exércitos estaduais (polícias militarizadas) que existiam nessa época. Após a intervenção federal e a retomada parcial do controle das polícias, a União busca se mobilizar para uma revitalização dessas instituições, como lembra Mezzomo:

Após aquela intervenção federal, o próprio governo Vargas assumiu a iniciativa de dirigir a revitalização das polícias militares, direcionandoas para o exercício de missões de segurança nacional, dando inicio a formação do Estado unitário, que se definiu em 1937, com a configuração do Estado Novo. 25

Com a consolidação do Estado Novo (1937-1945) e a aprovação da Constituição de 1937, iniciamos uma nova fase nas relações da polícia com o Estado, marcadas pelo 23

CARVALHO, José Murillo. Vargas e os militares: Aprendiz de feiticeiro. In: As instituições brasileiras na era Vargas.Org.Maria Celina D`Araujo. Rio de Janeiro: Editora: UERJ, Editora: Fundação Getúlio Vargas, 1999. p 62 24 Em 9 de julho de 1932, eclodia em São Paulo a chamada “Revolução Constitucionalista”. Estavam presentes, sobretudo, os grupos agroexportadores paulistas e mineiros que almejavam a restauração da ordem constitucional de 1891, dissolvida pela Revolução de 1930 e, assim, a volta da hegemonia da oligarquia café-com-leite sobre o Brasil. Para maiores informações sobre o tema ver: DAVIDOFF. Henrique Carlos. Revolução de 1932. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro. Disponível http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx 25 MEZZOMO, Op. Cit., p.27

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centralismo do poder do governo federal sobre as competências das polícias militares. Na nova Constituição de 1937, vemos a afirmação de que as polícias militares são definidas como forças de reserva do Exército voltadas para a segurança interna e manutenção da ordem. A principal mudança que se apresenta a partir de 1937 refere-se à legislação e à organização das polícias, que passam a ser uma competência da União.26 A polícia no Estado Novo segue a sua função de ser um membro importante para a manutenção do sistema, pois é vista como uma instituição de relevante contribuição para o controle da sociedade. Sobre isso, leciona Elizabeth Cancelli:

A polícia, neste contexto, começou a exercer um novo papel. No momento o governo passara a ser o Estado, e a polícia, o mais importante dos órgãos de poder na sociedade, uma vez que personificava o braço executivo da pessoa do ditador e de um novo projeto político.27

Aprofundando a análise nas questões operacionais dessas polícias, podemos ressaltar algumas outras importantes alterações que ocorrem no pós-revolução de 1930. Entre essas mudanças, vemos um aumento na perseguição aos considerados comunistas – o fato de perseguição aos comunistas não representa uma inovação, o que se diferencia é o aumento na perseguição. Esse aumento está representado principalmente pela mudança de alguns chefes de polícia e também pelos interventores estaduais, guiando as novas ações policiais. Além disso, Vargas, a partir do momento que consegue exercer um maior controle sobre os corpos policiais, dá início a um completo reaparelhamento da polícia. Outra relevante modificação refere-se às constantes trocas de chefes polícia situação que tinha por objetivo fazer com que a polícia atendesse às necessidades do governo que estava sendo construído no Brasil, bem como garantir que suas corporações não se configurassem a partir de uma única liderança. Sobre essas mudanças, ressalta Cancelli:

26

Para maiores informações sobre a relação das polícias a partir da Constituição de 1937, ver: SIMÕES, Moacir, A História da Brigada Militar – Para fins Didáticos e de Palestras. Porto Alegre. Editora: APESP, 2002, p.114-115. 27 CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. Brasília. Editora: Universidade de Brasília, 1993, p.47.

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O sentido das reformas era o de subtrair a polícia das maquinações políticas, preservando-a do fascismo envolvente, saneando-a, educandoa, instituindo-a de tal maneira que respondesse às necessidades do modelo ditatorial. Não seria por acaso que, em março de 1931, Luzardo tornaria pública a contratação de dois técnicos do Departamento de polícia de Nova Iorque, para que fosse organizado no Brasil o serviço especial de repressão ao comunismo.28

Com todas as transformações realizadas no governo de Getúlio Vargas, podemos afirmar que a polícia passa a ser essencial para a manutenção do governo, e apesar de os corpos policiais militarizados ainda manterem toda sua estrutura organizacional e sua tradicional hierarquia, era intensamente perceptível a intervenção das propostas do governo federal na organização de suas ações. Essa renovação da polícia no pós-1930 demonstra uma importante transformação, que, a partir desse ano, fica mais clara, qual seja a relacionada à politização das ações polícias, uma vez que fica evidenciada a percepção de que algumas ações desenvolvidas pelas polícias eram ligadas à política do governo. Com o fim do Estado Novo em 1945, Getúlio Vargas é deposto por uma ação de civis e militares, com uma intensa participação de alas das Forças Armadas. Esse período de democratização é marcado pela eleição do General Eurico Gaspar Dutra pelo voto direto no ano de 1945. Já no primeiro ano de governo de Dutra, o Congresso aprovou uma nova Constituição. Essa nova Carta vai alterar significativamente as funções e o papel da polícia militar no país. Na Constituição de 1946, as funções das polícias militares, pela primeira vez, foram definidas claramente:

Art. 183. As polícias militares, instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como forças auxiliares, reservas do Exército. Parágrafo único. Quando mobilizado a serviço da União em tempo de guerra externa ou civil, o seu pessoal gozará das mesmas vantagens atribuídas ao pessoal do Exército 29.

Naquela Carta Constitucional, são mantidos os direitos da União de “legislar sobre a organização, efetivos, instrução, justiça e garantias das polícias militares, 28

CANCELLI, Op.Cit; p.48-49 CAMPANHOLO, Adriano. LOBO, Hilton Campanholo. Constituições do Brasil. 7ª edição. São Paulo: Atlas,1984, p.259. 29

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incluindo sua convocação e mobilização”.30 O documento demonstra o aumento das funções das polícias militares. Analisando a história da formação das polícias militares, é possível perceber que as suas práticas cada vez mais foram dando sustentação para as ações dos governos e a consolidação de seus projetos políticos. No período Vargas dos anos 1930/40, as polícias militares centralizadas no Estado foram importantes instrumentos de manutenção da ditadura. Segundo Amador, “a ação da polícia [...] caracterizou-se como uma ação explicitamente violenta, muito embora com caráter de justiça e de legitimidade”.31 Diferentemente da Constituição de 1891, que dava liberdade aos governantes estaduais para criarem e coordenarem as ações das polícias militares, nas Cartas de 1934/37 e 1946, ocorre uma inversão nas questões legais, quando essas constituições tratam de deliberar que o poder da União era legislar e organizar com exclusividade sobre as forças policiais dos Estados, criando uma aparente centralização e controle sobre as polícias. No entanto, isso não representa uma total fidelidade das forças à União, pois tais instituições ainda mantinham uma forte ligação com seus governos estaduais. Essa tentativa de centralização ganha um maior destaque durante os períodos do Estado Novo de Vargas e na ditadura civil-militar em 1964. Na história das Polícias Militares do Brasil, podemos perceber que, por princípio, atribuições e regulamentações, tais forças estão vinculadas à manutenção da ordem e à sustentação do sistema político, muitas vezes defendido pelas oligarquias. Mas, o poder dessas forças e sua autonomia, comparada ao Exército, as colocava em uma situação de inferioridade, isso tudo em decorrência da série de constituições brasileiras que permitiram a centralização de poder da União sobre as forças policiais. Esse controle sobre as ações policiais poderia ser entendido como um elemento de fragilização, mas, pelo contrário, a tentativa de controle da União sobre a polícia muitas vezes a coloca à frente de projetos políticos devido à sua ação direta e de controle da população e também pelo poder político que tal instituição exerce sobre a comunidade, a qual ela representa. Essa proximidade de proteção e controle exercida pelas polícias a

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MEZZOMO, Op. Cit., p.29 AMADOR, Fernanda Spanier. Violência Policial: Versos e reverso do sofrimento. Dissertação de Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. 145p. Porto Alegre 1999. p.4849 31

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aproxima dos populares, dando uma maior credibilidade à instituição, o que faz os governos quererem exercer o controle sobre a instituição, que, assim, já passa a assumir seu papel político. Essa relação existente entre a polícia e os estados pode até mesmo responder por que as forças policiais, no decorrer de sua história, geralmente estiveram ao lado dos diferentes regimes políticos. Sobre isso:

Percebe-se que as polícias dos Estados sempre vivenciaram dupla atribuição, como “polícia” e “Força Militar” nas questões de “segurança pública, segurança interna e segurança nacional”. Fizeram-se presentes em todos os regimes políticos e formas de governo, [...] não se restringindo aos períodos como a ditadura de Vargas, em 1937 a 1945 e a ditadura militar de 1964 a 1984. Sempre foram mobilizadas e empregadas quando da “conveniência da União”.32

Com isso, podemos concluir, nessa retomada histórica sobre as polícias no Brasil, que muito da formação do Estado brasileiro se confunde com a própria história da instituição polícia militar, que em vários momentos esteve presente agindo de acordo com os interesses do Estado e sofrendo alterações importantes que contribuíram para definir sua operacionalidade durante o processo de formação institucional – e a história da Brigada Militar sul-rio-grandense também evidencia semelhanças com tal processo – , embora mantendo significativas especificidades, como veremos na sequência.

1.2 O policiamento no Rio Grande do Sul (1750-1930)

Há muito tempo se afirma que a história da Brigada Militar se confunde com a própria história do estado extremo sulino. Essa afirmação nos coloca em um estado de generalização, pois, apesar de as instituições militares estarem presentes em boa parcela da história do Rio Grande do Sul, nem sempre ela foi o agente principal dos acontecimentos da história do estado. No entanto, é inegável que o Rio Grande do Sul, desde sua fundação, foi palco de conflitos que de certa forma exigiram dos habitantes

32

MEZZOMO, Op. Cit., p.31.

28

uma determinada organização bélica, para manutenção e sustentação de suas propriedades. Segundo Sodré:

A fisionomia militar sulina oferece, assim, características que não se repetem no resto da colônia. Não só as necessidades da guerra externa, levada quase sempre a territórios vizinhos, como as contingências regionais, com os traços pertinentes ao regime pastoril, criam ali condições específicas.33

Dessa forma, vemos o Rio Grande do Sul como um Estado marcado pela militarização, em decorrência dos vários entraves ocorridos pelas disputas de terras e demarcação de fronteiras. Pois é justamente dessa necessidade que surgem as primeiras forças militares organizadas no estado extremo sulino, forças essas que sofreram inúmeras transformações em sua organização e nomenclatura ao longo dos anos, como podemos ver na tabela abaixo.

Tabela 1: Cronologia das forças policiais no extremo sul Data

Denominação/Acontecimentos

1737 1750-1832 1765-1832 1809 1822-1832 1830-1832 1831 1831

Dragões de Rio Pardo Ordenanças Milícias Guarda Real de Polícia Milícias dos homens pardos Milícia dos Henriques (Porto Alegre) Guarda Nacional Companhia dos Guardas Municipais Permanentes (assume algumas funções da Guarda Real) Revolução Farroupilha Corpo Policial (criado apenas por Decreto, não foi implementado) Corpo Policial Pedestres Polícias Municipais (dissolveu e incorporou o efetivo da Guarda Nacional) Guerra do Paraguai Campanha dos Muckers Força Policial (substitui o Corpo Policial) Guarda Cívica do Estado (substitui a Força Policial) “Governicho” Corpo Policial (substitui a Guarda Cívica) Brigada Militar (substitui o Corpo Policial) Corpo Policial (substitui a Brigada Militar)

1835-1845 1835 1837-1873 1830 1854 1864-1870 1870 1873-1889 1889-1892 1892 Março – 1892 Junho – 1892 Junho – 1892 33

SODRÉ, Op. Cit., p. 56

29

Outubro-1892 1893-1895 1912-1916 1915 1918 1923 1923 1924 1925-1927 1930 1948 1952 1961 1964 1964

Brigada Militar do Estado (substitui o Corpo Policial) Revolução Federalista Contestado Projeto de criação de uma escola de aviação (não aprovado) Assistente Militar da Presidência (atual Chefe da Casa Militar) Escola de Aviação Revolução de 1923 Revolta Paulista Coluna Prestes Revolução de 1930 Regimento Geral da Brigada Militar Estatuto da Brigada Militar Movimento da Legalidade Golpe civil-militar no Brasil Batalhões Volantes

Fonte: elaborado pelo autor, com base em SODRÉ, Nelson Werneck. A História Militar do Brasil. 3º Ed. Editora Civilização brasileira. Rio de Janeiro 1979/ MARIANTE, Hélio Mouro. Crônica da Brigada Militar Gaúcha. Porto Alegre. Ed. Imprensa Oficial, 1972 .

Ainda no período colonial, o serviço policial do atual estado sul-rio-grandense era basicamente feito por diferentes instituições militares ou paramilitares, que exerciam a função de polícia. Entre elas, o Regimento dos Dragões, as Milícias e as Ordenanças, existentes em todo o território do Brasil Colonial. O Regimento dos Dragões de Rio Pardo, estabelecido em 1737, muitas vezes foi visto como uma das primeiras formas de organização do policiamento da região. Sobre as Ordenanças, temos como marco de início de suas atividades no Rio Grande do Sul o ano de 1750. Algumas Ordens e Determinações do Vice-Rei nos ajudam a esclarecer como funcionavam. É o caso da ordem-régia dada pelo Vice-Rei em 1776, prevendo o “alistamento de todos os moradores das terras do Continente do Rio Grande de São Pedro, sem exceção de nobres, plebeus, brancos, mestiços e pretos, ingênuos ou libertos”. 34 Essa mesma Ordem-Régia determinava ainda que “à proporção que tiver alistado cada um das referidas classes, o governador forme os terços de auxiliares e ordenanças, assim de cavalaria como de infantaria, criando para cada um deles um sargento-mor, escolhido dentre os oficiais das tropas pagas”.35 Nesse período, segundo Mariante, o Rio Grande do Sul já contava com “oito companhias, comandadas pelo sargento-mor Cristovam da Costa Freire”.36

34

MARIANTE, Op. Cit., p.56 MARIANTE, Op. Cit., p.56 36 MARIANTE, Op. Cit., p.55 35

30

Voltando o olhar para as Milícias que também eram um importante meio de serviço policial da época, vemos que, a partir de 1765, eram representadas no Rio Grande como o Regimento de Cavalaria São Pedro do Rio Grande. As Milícias eram distribuídas por toda a Capitania do Rio Grande de São Pedro, tendo boa presença pelo território. Na região dos Sete Povos das Missões, por exemplo, encontramos o Regimento de Milícias dos Guaranis, que tinha como função a “defesa do seu território, exercendo, também, funções policiais”.37 Como um exemplo da atuação dessa milícia, temos uma descrição das atividades do destacamento junto à povoação de São Borja:

Neste povo se conserva um Destacamento de 115 praças Guaranis; o qual se muda de 2 em 2 meses; fornece diariamente uma guarda de 16 praças imediata à Prisão, e mensalmente os 2 sobreditos destacamentos dos Passos de S. Borja, e Camaquã. As diligências em que algumas vezes são empregados os Milicianos, consistem em prenderem os criminosos vagabundos, ou extraviadas dos seus Povos, e conduzirem alguns presos a Rio Pardo.38

Com a declaração da independência do Brasil e a formação do Império em 1822, é decretada a criação de novas milícias no Rio Grande do Sul, como a Companhia de Milícias dos Homens Pardos, formada em 23 de dezembro de 1822, que contava com um efetivo de 117 praças na capital em 1830; e a “Milícia dos Henriques”, força formada de negros livres que faziam o policiamento da cidade e que tinham no comando o sargento-mor Lourenço de Castro Junior. Outra importante força que desempenhava o papel de policiamento era os Municipais Permanentes, que tiveram sua instituição no Brasil em 14 de junho de 1831 e que, nesse mesmo ano, já atuavam na província do sul. A Companhia de Guardas Municipais Permanentes estava distribuída em três regiões: na capital Porto Alegre, Rio Grande e em São José do Norte. Em 1835, é criada outra companhia na região de São Francisco de Paula. Esta, em sua abertura, já contava com um efetivo de 120 homens. Ainda em 1831, a nível nacional, são criadas as chamadas Guardas Nacionais, que iriam se estabelecer nas principais localidades do Brasil.

37 38

MARIANTE, Op. Cit., p.56. MARIANTE, Op.Cit; p.56.

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Ainda sobre os Municipais Permanentes, é importante ressaltar que estes atuaram na Revolta Farroupilha39 (1835-1845) – muitos de seus membros lutaram ao lado das tropas farroupilhas, mesmo estando a serviço do Império. Mariante, analisando o relatório do Presidente da Província Antônio Rodrigues Fernandes Braga (1834 – 1835), destaca sobre o assunto que:

O presidente, ao relatar os acontecimentos da véspera de 20 de setembro e referente ao encontro que ficou conhecido como o combate da ponte da Azenha, na capital gaúcha, afirma que os municipais permanentes tornaram parte no mesmo juntamente com a Guarda Nacional, num total de 70 homens. Adita ainda que os mesmos haviam desertado para os rebeldes, com exceção do 1º comandante Francisco Felix da Fonseca Pereira Pinto, do 2º dito tenente Alvarenga, um cabo, um soldado e um corneteiro.40

O governo imperial determinava a extinção das Milícias e Ordenanças logo após a organização das Guardas Nacionais na província. Entretanto, no Rio Grande do Sul, as Milícias e Ordenanças permaneceram atuando somente até dezembro de 1832. Em 28 de novembro de 1835, Marciano Pereira Ribeiro, então presidente da província, anuncia a criação do Corpo Policial, com uma expectativa de montar um efetivo de 700 praças. A criação desse Corpo Policial foi mal recebida pelos farroupilhas, pois viam nessa formação um elemento de oposição do Estado aos grupos que contestavam o poder imperial. O Corpo Policial, por fim, não teve muita adesão, ficando apenas no Decreto de Lei e não foi efetivamente implementado. Segundo Mariante: “Sem dúvida, deve-se este fato à atmosfera revolucionária que se respirava nessa época” .41

39

A revolta Farroupilha foi uma guerra civil que provocou uma separação e independência de parcela do Rio Grande do Sul, proporcionando uma mudança política por ocasião, em 1836, da proclamação da República Rio Grande do Sul. Tal fato ocasionou uma organização político-administrativa própria, a elaboração de um projeto de Constituição republicana, e uma política de relações internacionais e a cisão de parte do clero do Rio Grande em relação à Igreja do Rio de Janeiro. Porém, é importante ressaltar que a Revolução Farroupilha não provocou uma transformação na estrutura das relações econômicas e sociais existentes desde o período colonial e que no território sul-rio-grandense coexistiram dois governos, quais sejam, o provincial imperial e o da República Rio-Grandense. Para maiores informações sobre o tema, ver: PADOIN. Maria Medianeira. A Revolução Farroupilha. In: História Geral do Rio Grande do Sul: Império.Coordenação geral Nelson Boeira, Tau Golin; diretores dos volumes Helga Iracema Landgraf Piccolo, Maria Medianeira Padoin. Passo Fundo: Ed Méritos, 2006. V.2. p 39-70. 40 MARIANTE, Op. Cit., p,58. 41 MARIANTE, Op. Cit., p.61.

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O Corpo Policial no estado foi oficialmente formado pela Lei Provincial n° 07,42 de 18 de novembro de 1837, no governo do Marechal de Campo Antônio Elzeário de Miranda e Brito. Contava, com um efetivo de 19 oficiais e 344 praças. Como previsto no artigo 3º da referida lei, “Esta força terá por fim auxiliar as Justiças, manter a boa ordem, a segurança pública assim na Capital, e seus subúrbios, como nas Comarcas por Destacamentos, não podendo ser distraída deste serviço, exceto no caso de invasão de inimigos”.43 Um fator interessante na formação do Corpo Policial é o que consta no art.4º da Lei Provincial de 18 de novembro de 1837, o qual dispõe que o Corpo Policial poderia ser dissolvido a qualquer momento pelo Presidente da Província, o que que pode ser entendido como um ato de segurança, no intuito de evitar o que ocorreu em 1835 durante a Revolta Farroupilha, quando membros da Guarda Nacional e dos Municipais Permanentes passaram para o lado farroupilha, muitas vezes pela simpatia que tinham pela proposta dos farrapos. No que se refere ao ingresso nas forças policiais no período provincial, não havia nenhum tipo de concurso. A seleção era feita conforme o art. 5° das leis provinciais da Província do Rio Grande de São Pedro, que aceitava o engajamento de nacionais ou estrangeiros, de 18 a 40 anos, com boa conduta moral e civil, atestado pelo respectivo juiz de paz. Na falta de engajados, apelava-se para o recrutamento, mobilizando em grande parte os recrutas do Exército, pois representavam uma mão de obra qualificada para a polícia. A lei que regulamentava o Corpo Policial, embora tenha sido editada no ano de 1837, passou a ser efetiva somente a partir de 5 de maio de 1841, por decreto do Presidente da Província, Saturnino de Souza Oliveira44. Pelo Decreto, era previsto que o Corpo Policial “tivesse duas companhias de cavalaria e duas de infantaria e nele seriam admitidas praça de pré45 dos batalhões provisórios e Corpos destacados da Guarda Nacional”46. É importante ressaltar que na criação desse Corpo Policial houve uma forte 42

O original da citada Lei Provincial n° 07 consta no Centro Histórico do Estado do Rio Grande do Sul e sua cópia no Museu da Brigada Militar. 43 MARIANTE,Op. Cit ; p..66. 44 SIMÕES, Moacir, A História da Brigada Militar – Para fins Didáticos e de Palestras. Editora APESP, POLOST, 2002, Porto Alegre. p.41 45 Praças de Pré era a denominação dada aos integrantes de nível de execução, argentos, cabos e soldados. 46 CONSUL, Júlio Cezar Dal Paz. Brigada Militar: Identifique-se! A Polícia Militar revelando sua identidade. Tese do curso de doutorado em Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Programa de Pós Graduação em Serviço Social. 276p. Porto Alegre, 2005. p. 63.

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influência do modelo do Exército; o primeiro comandante do órgão fora o TenenteCoronel Quintiliano José de Moura. Um questionamento que se aponta ainda na formação do Corpo Policial é a demora em sua oficialização legal, que se protelou por mais de três anos (1837-1841). A justificativa para tal demora na regulamentação da Lei foi a Revolta Farroupilha, que estava em pleno andamento, e também que os Municipais Permanentes estavam em atividade, o que dificultava o recrutamento de voluntários, que muitas vezes não procuravam se introduzir nas fileiras do Corpo Policial em razão da baixa remuneração e em alguns casos por serem simpáticos à Revolta. Nas décadas de 1840 e 1850, percebemos que, apesar de o Corpo Policial ser a força oficial no policiamento da província, havia outras corporações que também exerciam o papel de segurança. Verifica-se a existência de três corporações distintas: o Corpo Policial, Pedestres e Guarda Nacional. Muitas dessas forças, como os Pedestres e a Guarda Nacional, ainda permaneciam em algumas localidades por não ter se conseguido formular por completo o Corpo Policial. Com o objetivo de tentar aumentar o contingente e a importância do Corpo Policial, em 1846, o efetivo é aumentado. Como ressalta Consul, “quando da abertura da segunda legislatura da Assembleia Provincial, em que Caxias sugeriu o aumento do efetivo do Corpo Policial em 200 homens e, que fossem equipados e armados aos moldes dos Dragões”, uma demanda que foi aceita.47 No relatório de 1848, o Presidente da Província Francisco José de Souza Soares de Andréa comenta em relação às outras forças policiais e ao próprio Corpo Policial:

Há já um crescido número de diversas denominações dadas a Corpos Armados, sem que de tanta gente paga se consiga mais do que pouco, e mau serviço por muito dinheiro. Esta nova denominação de Pedestres parece-me bem dispensável, principalmente com este caráter de perpetuidade, que se lhes dá. Se é preciso que o Corpo Policial seja mais forte, aumentem-se suas fileiras, e destaque-se quanta força precisa em lugar dos Pedestres, que estão fora do alcance de toda a fiscalização. Eu ainda não vi um só mapa desta Companhia de Passo Fundo, de que trata o Relatório, nem correspondência alguma do seu comandante. De uma Secção de Companhia, que existe no Passo da Esperança, tive notícias, quando o seu Comandante veio buscar pagamento.48

47 48

CONSUL. Op.Cit; p 66. Apud. MARIANTE. Op.Cit; p 72

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Pode-se perceber, com base no relatório do Presidente, que havia um esforço do governo para suprimir a existência de algumas das forças policiais que conviviam com o Corpo Policial, principalmente no que se refere aos Pedestres, que, para o então governante, eram dispensáveis. A valorização do Corpo Policial pode ser entendida pelo seu intenso uso na defesa territorial, se envolvendo diretamente em questões da unidade territorial do país, não se restringindo ao policiamento e à defesa das cidades da Província. No ano de 1854, no governo de João Lins Vieira Cansansão Sinimbú, é determinada a criação de várias polícias municipais. Essas polícias eram formadas com efetivos da Guarda Nacional, que, ao servir aos Municipais, deixavam suas funções na Guarda. Essas polícias não recebiam remuneração do governo, mas de particulares, que os pagavam pelos serviços prestados. Podemos comparar as polícias municipais com uma espécie de polícia rural. Essas forças tiveram intensa participação nos distritos de São João Batista de Camaquã, São Vicente, Ibicuí Grande, Santana do Rio dos Sinos, Mostardas, Pontas do Arroio Vacacai e Salso Bagé, Aldeia dos Anjos, Pedras Brancas e Vacaria.49 O ano de 1855 marca algumas mudanças no Corpo Policial, recebendo um novo Regulamento e também a distribuição de suas Companhias em outros distritos, assim ampliando sua atuação na Província. Em 1857, o Corpo Policial já contava com um efetivo de 429 homens. Nesse mesmo ano, é lançada a Lei provincial n º 335, de 13 de fevereiro, que previa um amparo do Estado aos oficiais do Corpo Policial. Segundo Mariante:

A Lei Provincial n º 335 de 13 de fevereiro de 1857, concedeu aos oficiais da corporação o benefício da instituição da aposentadoria. Por esta, todos aqueles que contassem mais de 30 anos de serviço poderiam aposentar-se percebendo o soldo por inteiro; a vantagem seria proporcional aos que tivessem mais de 15 anos e perceberiam a terça parte do soldo os que não se encontrassem compreendidos nos dois primeiros casos.50

49

Atuais municípios de Camaquã, São Vicente, São Gabriel, São Leopoldo, Mostardas, São Gabriel, Bagé, Gravataí, Guaíba e Vacaria, respectivamente. 50 MARIANTE. Op.Cit; p 73

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A estruturação do Corpo Policial segue por quase todo o período do Segundo Reinado (1840-1889), encerrado este ciclo somente com o envolvimento do Rio Grande do Sul na Guerra do Paraguai (1864-1870), onde houve mobilização das forças e dos soldados do sul. Sobre o envolvimento do Corpo Policial no conflito, segundo Júlio Consul, em um primeiro momento, as forças do Corpo Policial, por ordem do presidente da província, não respeitaram o Decreto Imperial n° 3.371, de 07 de janeiro de 1865, que ordenava que os integrantes do Corpo Policial devessem aderir às tropas de voluntários. A autorização do Presidente da Província só viria no mês de julho, quando os membros do Corpo Policial incorporaram o 33° Batalhão de Voluntários da Pátria. Inicialmente, foram cerca de 60 praças do Corpo Policial agregados ao Batalhão de Voluntários.51 Podemos nos questionar sobre a mudança de posição do Presidente da Província quanto ao envolvimento do Corpo Policial. Segundo Júlio Consul “presume-se que esta se dera em face de não ter possibilidades bélicas de fazer frente às forças paraguaias que já estavam instaladas em Corrientes, na Argentina”52. Tal fato já passava a ameaçar o território do Rio Grande do Sul. Após a Guerra do Paraguai, ocorre a extinção do Corpo Policial e a substituição deste pela Força Policial, institucionalizadas pela lei provincial n° 874, de 26 de abril de 1873, “que encarregava esta força do policiamento ostensivo da Província”.53 O período de existência da Força Policial é de relativa calmaria bélica no que concerne a conflitos externos. Isso torna possível a atuação dessa força em missões regionalizadas. Exemplo disso é sua presença na campanha dos Muckers,54 quando foram cedidos vários homens de seu efetivo, para a resolução desse conflito.

51

CONSUL. Op.Cit;p 68 CONSUL. Op.Cit;p 68 53 SIMÕES. Op. Cit., p.46 54 Em 1870, São Leopoldo era um fervilhante caldo de cultura para conflitos entre urbanos e lavradores,entre maçons e católicos. Nesse ambiente, João Jacob e Jacobina Maurer começou a receber pessoas que iam em busca de religião e curas e a pregar sobre um novo mundo para o qual esse casal conhecia o caminho. O nome mucker, pelo qual o grupo ficou conhecido, é um termo pejorativo, atribuído a eles, aparentemente, por um pastor luterano contemporâneo. O movimento liderado pelo casal Maurer teve a duração de aproximadamente seis anos, de acordo com os registros documentais. Tem-se como evento inaugural o ocorrido em 1873, quando os habitantes da região de Ferabrás e de outras linhas coloniais percebiam o casal Maurer e seus seguidores como um grave problema de segurança, solicitando, então, a presença da polícia. O resultado foi a prisão de Maurer por 45 dias e a obrigação da assinatura de um documento o “termo de Bem Viver”, no qual se comprometia a não fazer mais a reunião. A partir desse evento, têm início os conflitos entre os seguidores e moradores da região, os quais resultam na interferência da Brigada Militar e, como consequência, a prisão e o julgamento dos muckers. Para maiores informações, ver: DICKIE. Maria Amélia Schmidt. O movimento Mucker, o demônio, a 52

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Com o início da República (1889-1930), a Força Policial criada no período imperial é logo extinta, dando lugar à Guarda Cívica do Estado, por meio do ato de 26 de dezembro de 1889. Observa-se, em sua formação, um caráter muito militar, que tinha como objetivo impor um maior respeito e disciplina, visando manter a tranquilidade pública e auxiliando a justiça. Muito dessa missão legada à Guarda Cívica é entendida pelo momento de transição que o país vivia. Assim, podemos também entender a missão da Guarda Cívica como “um núcleo armado de patriotas leais à República, capazes de morrer em sua defesa e, para tal, contava com quase todos os integrantes da extinta Força Policial”.55 A partir do ano de 1892, inicia o governo de uma Junta, muitas vezes reconhecida pela história como “governicho”.56 Nesse ano, ocorrem sequenciais mudanças na denominação da Guarda Cívica, a qual, em 28 de março de 1892, tem seu nome alterado para Corpo Policial. Já em 9 de junho passou a ser chamada Brigada Militar, passando, em apenas oito dias, a novamente se denominar Guarda Cívica. Essas alterações de nomes da instituição deixam clara a instabilidade política pela qual o estado passava. Em 24 de junho de 1892, a Guarda Cívica participou na defesa de Porto Alegre quando a capital foi bombardeada pela canhoneira de Marajó,57 cujo comandante havia se sublevado. A Guarda Cívica teve, nesse ato, sua última ação, pois, a partir dessa data, se inicia a reorganização da instituição por intermédio do presidente interino do estado, Fernando Abott (1891-1893), que, pelo “ato n° 357, de 15 de outubro de 1892, criou a

irracionalidade e o expírito. In: História Geral do Rio Grande do Sul: Império.Coordenação geral Nelson Boeira, Tau Golin; diretores dos volumes Helga Iracema Landgraf Piccolo, Maria Medianeira Padoin. Passo Fundo: Editora Méritos, 2006.v.2. p 337 - 350 55 CONSUL. Op.Cit;p 75 56 Com a promulgação da primeira Constituição Estadual Republicana, em 14 de junho de 1891, o Poder Legislativo apresentava limitações em suas competências, ao passo que o Poder Executivo detinha fortes poderes, como de legislar por decreto. Júlio de Castilhos, seu mentor intelectual, com a entrada em vigor desta, acabou sendo eleito na condição de primeiro presidente constitucional pelo regime republicano. A 3 de novembro de 1891, o marechal Deodoro da Fonseca dissolveu o Congresso Nacional. Júlio de Castilhos, que recebera apoio daquele para governar o estado manteve-se indefinido frente à situação de tamanha gravidade no campo político. Com essa atitude, Castilhos foi obrigado a abandonar o cargo em 20 de dezembro de 1891. A Constituição do Estado acabou sendo anulada pelo governo que o substituiu. Deste acontecimento até meados de 1892, o estado passou pela sucessão de dezoito governos, ficando este intervalo conhecido pela historiografia como “o período do Governicho”, codinome usado pela oposição em tom pejorativo. SIMÕES, Moacir, A História da Brigada Militar – Para fins Didáticos e de Palestras. Porto Alegre. Editora: APESP, Polost. 2002. p 57 57 A Canhoneira Marajó foi o primeiro navio a ostentar esse nome na Marinha do Brasil, em homenagem a Ilha do mesmo nome localizada no estuário do Amazonas. Foi construída no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro

37

Brigada Militar do estado, extinguindo a Guarda Cívica”

58

. Pelo Ato n° 371, de 22 de

outubro de 1892, foi aprovado o Regimento Interno da Brigada Militar. Em seu artigo 6º, constavam as competências da BM, que eram “zelar pela segurança pública” e manter “a República e o Governo do Estado, fazendo respeitar e executar as Leis” .59 A trajetória histórica da BM, assim como seus valores e princípios, estão expostos no brasão da entidade, conforme observamos na imagem abaixo:

58 59

MARIANTE, Op. Cit., p.12 SIMÕES, Op. Cit., p.61

38

Figura 1 - Brasão de Armas da Brigada Militar:

Fonte: Brigada Militar, disponível em Acesso em 30 de janeiro de 2013.

Ao analisar o brasão da BM, observa-se que o emblema apresenta muitos símbolos representativos para a instituição, que demonstram conflitos em que esteve envolvida. Entre esses símbolos, destaca-se a figura do centauro, que representa alguns princípios da instituição, como vigilância, sabedoria, autoridade, bravura e proteção e ainda a apresentação dos ramos de carvalho, representado força e longevidade e o ramo de fumo representando a riqueza do Rio Grande do Sul. Entre esses princípios, não se percebe a existência de elementos como a hierarquia, e a disciplina aparece sendo representada por uma espada, que também faz alusão ao ideal de justiça. No brasão, ainda são apresentados alguns nomes dos cinco expoentes, fazendo referência a importantes comandantes da instituição. E, pelas estrelas presentes no brasão, também são representados os principais conflitos nos quais a BM se envolveu.

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A Brigada Militar foi criada com base no modelo do Exército Nacional. Apesar disso, não podemos negar a contribuição de elementos externos em sua formação, pois o próprio Exército é formado em suas relações com grupos estrangeiros. A diferença entre a BM e, por exemplo, a Força Pública de São Paulo, consiste no fato de que, no estado paulista, a adoção de modelos estrangeiros ocorre de uma forma direta. Outro elemento importante a ser lembrado é que a BM é formada em meio a uma situação de disputa política no Rio Grande do Sul, ou seja, logo após a sua criação eclodem os conflitos da Revolta Federalista (1893-1895),60 o que exigiu dessa polícia uma estrutura organizacional voltada para dar a sustentação ao governo nesse conflito. Sobre a estrutura da Brigada naquele contexto, ressalta Cláudia Mauch:

[...] entre 1892 e 1893 foram criados três batalhões de infantaria, um regimento de cavalaria e mais dois batalhões de infantaria de reserva, além de dezessete Corpos Provisórios e um Esquadrão Provisório de Cavalaria subordinados ao comando e regulamento da Brigada. 61

A atuação da Brigada Militar na Revolta Federalista teve como foco a participação de suas unidades da ativa e da reserva nos combates de Inhanduí, Salsinho, Restinga, Piraí, Serrilhada, Cerro Chato, Itajaí, Cerco de Bagé, Serra do Oratório, Carovi, Capão das Laranjeiras, Campo Osório e Traíras62 . Com isso, fica evidenciado que novamente a instituição policial do Rio Grande do Sul estava em uma missão de defesa da ordem, sob o prisma do governo constituído, e que a segurança pública ficava legada aos tempos de calmaria. Com essa reestruturação no período republicano, podemos visualizar uma tentativa de maior profissionalização e aumento significativo de batalhões e regimentos 60

Em 20 de novembro de 1892, Júlio de Castilhos foi reeleito à presidência do Estado, por voto direto, e renovou-se a Assembleia dos Representantes. A oposição não participou do pleito, por estar voltada aos preparativos insurrecionais. Uma proposta de Silveira Martins de participação do poder entre republicanos e federalistas foi rejeitada por Castilhos. Em 25 de janeiro de 1893, o novo presidente foi empossado e, em 2 de fevereiro, eclodiu a Revolta Federalista , com a invasão dos territórios sulinos por tropas chegadas do Uruguai. As forças rebeldes eram comandadas por Gumercindo Saraiva e pelo general João Nunes da Silva Tavares. Para maiores informações, ver: PEREIRA, Lenir de Paula.O positivismo e o Liberalismo como base doutrinária das facções políticas gaúchas na Revolução Federalista de 18931895 e entre maragatos e chimangos de 1923. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre. 2006, p.83 a 88. 61 MAUCH, Cláudia. Dizendo-se autoridade: polícia e policiais em Porto Alegre, 1896-1929.Tese de doutorado Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre. 2011, p.39. 62 MARIANTE, Op.Cit; p. 119-120.

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da instituição, principalmente depois do término da Revolução Federalista. No comando do coronel José Carlos Pinto Junior (1897-1909), é citada a formação de um setor cultural, “que foi ativado, de modo a incutir nos seus integrantes [da BM] a necessidade de um sempre crescente preparo, quer técnico, quer intelectual”.63 Outra medida tomada no sentido de conduzir a Brigada a uma maior profissionalização foi a criação de Escolas Regimentais que, segundo Mariante, tinham a “finalidade de alfabetizar os praças”.64 Nesse sentido, também são criados os cursos preparatórios para oficiais que visavam sua formação na instituição. A partir do ano de 1910, já sob o comando do Coronel Cipriano da Costa Ferreira (1910-1915), a Brigada Militar teve importantes acréscimos com a inauguração da Linha de Tiro, inaugurada no dia 20 de novembro de 1910, e também com a criação do Depósito de Recrutas, que seria uma escola de formação dos voluntários que se apresentavam para servir a corporação. Em 21 de fevereiro de 1913, o mesmo comandante assina a ordem de formação do 2º Regimento de Cavalaria, que ficaria sobre o comando do Tenente-Coronel Juvêncio Maximiliano de Lemos, e sua sede seria a cidade de Santana do Livramento. No comando do Coronel Cipriano, a BM também esteve envolvida nos acontecimento referentes ao Movimento do Contestado,65 no qual a mobilização das tropas da Brigada tinha o objetivo de fazer a guarnição do território do Rio Grande do Sul e apoiar as tropas que lutavam para conter o movimento. Segundo Mariante:

63

MARIANTE, Op. Cit., p.129 MARIANTE, Op. Cit., p.129 65 O movimento social do Contestado iniciou-se como um fenômeno religioso de exaltação milenar com fortes características messiânicas, mantendo basicamente estas características místicas, com maior ou menos intensidade, até a sua liquidação final. Nesse aspecto, o Contestado apresentou um certo ineditismo pelo fato da principal liderança mística – o Monge José Maria – morrer no primeiro combate, no faxinal do Irani, em outubro de 1912. Porém, a expectativa pela “volta” do Monge além de provocar uma nova reunião de seu grupo inicialmente restrito de seguidores no ano seguinte, acabou por agregar diferentes segmentos sociais como posseiros e sitiantes expulsos de suas terras, comunidades negras e caboclas do planalto, ervateiros, trabalhadores desempregados pela estrada de ferro, médio fazendeiros, antigas lideranças federalistas e opositores políticos dos Coronéis de Curitibanos, Canoínhas, Lages, Rio Negro, Timbó e União da Vitória. Para maiores informações, ver: MACHADO, Paulo Pinheiro. Um estudo sobre as origens sociais e a formação política das lideranças sertanejas do Contestado, 19121916. Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas. 2001./ ESPIG. Marcia Janete. Personagens do Contestado: Os turmeiros da estrada de ferro São Paulo – Rio Grande (1908-1915). Tese de doutorado Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre. 2008. 64

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Acautelando-se com o rumo dos acontecimentos, que prenunciavam tornar realidade a ameaça de invasão do território gaúcho, o governo do Estado determinou o envio, em fins de 1914, do 1º regimento da cavalaria e do 2º batalhão de infantaria para as margens do rio Pelotas, a fim de evitar se consumasse tal evento.66

No comando do coronel Afonso Emílio Massot (1915-1925), a Brigada Militar

até então não mostra um preparo dos praças e oficiais para o oficio de situações tidas como normais à área de segurança pública, ou seja, para exercer o papel de policiamento nas ruas. Um fato que deixa isso bem claro ocorre em 1915, quando da apresentação do nome do marechal Hermes da Fonseca a uma cadeira senatorial pelo Rio Grande do Sul. Isso gerou vários protestos de pessoas contrárias a indicação o que resultou em comícios realizados na capital, que tiveram como resultado a morte de três manifestantes e dois praças da Brigada Militar, além de 15 feridos (8 civis e 7 policiais militares). Alguns anos após tais agitações, a Brigada Militar é novamente convocada a intervir, em outubro de 1917, em uma revolta popular decorrente da notícia do torpedeamento do navio Paraná por navios alemães. A BM, nesse momento, tinha como objetivo conter os atentados cometidos pela população contra propriedades de descendentes germânicos. Importante ressaltar que se destacava no Brasil, nesse período, uma forte repressão aos trabalhadores, sendo utilizados o expediente da prisão não comunicada às autoridades judiciárias e a soltura dos presos, tempos depois, sem recursos, fora de seu estado de origem.67 Ainda reconhecendo o processo de organização da BM, podemos destacar dois importantes momentos. Em 25 de abril de 1918, foi criado, no Rio Grande do Sul, o cargo de Assistente Militar da Presidência, atual Chefe da Casa Militar. Isso se torna relevante, segundo Júlio Consul, por ter uma “importância estratégica aos interesses da Brigada Militar, pois seu detentor é o verdadeiro lugar-tenente do Governador, sendo o responsável direto pela segurança pessoal deste e de seus familiares, bem como do Palácio do Governo e por razão óbvia, com possibilidade de influência no processo decisório e defesa de conveniências corporativas”.68

66

MARIANTE, Op. Cit., p.136 Para maiores informações sobre o tema, ver: CONSUL. Op.Cit; p 84 68 CONSUL. Op.Cit;p 85 67

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Em 1919, ocorre a visita de uma comitiva chefiada pelo General Maurice Gustave Gamelin, do Exército Francês, e general da Primeira Guerra Mundial (191418).

Essa missão tinha como objetivo observar a Brigada Militar e trocar

conhecimentos. Segundo Júlio Consul, “Isso, no meio militar, tem repercussão simbólica

relevante

para

a

Organização,

pois

enseja

um

reconhecimento

internacional”.69 Em 6 de agosto de 1915, a Brigada Militar encaminha um projeto da criação de uma escola de aviação. Nesse ano, o projeto não foi aprovado sendo instalado apenas em 1923, através do decreto n º 3161 de 31 de maio. Nesse mesmo ano, a Brigada Militar ainda se envolveu diretamente com os conflitos da rebelião de 1923.70 Nos conflitos, a Brigada Militar manteve-se ao lado do governo, dando-lhe sustentação militar. A rebelião de 1923 tem início, no Rio Grande do Sul, com as acusações dos oposicionistas de Borges de Medeiros de fraude eleitoral na sua reeleição para o 5 º mandato consecutivo. Com isso os oposicionistas, ligados ao líder político Assis Brasil, pegam em armas, iniciando em 24 de janeiro de 1923 um processo de contestação contra o governo. Por conta do processo de revolta que se estabelecia no Rio Grande do Sul em 1923, o governo estadual busca mobilizar a BM para o conflito, dividindo-a “em cinco Brigadas Provisórias, fazendo parte o 1 º e 2 º Regimento de Cavalaria da Brigada Militar. Vários Corpos Auxiliares foram enquadrados nos diferentes destacamentos”.71 As Brigadas organizadas foram ganhando nomes conforme a região que atuavam, “Assim, havia as Brigadas do Norte, Sul, Nordeste, Oeste e Centro”.72 Em 1924, a Brigada Militar novamente se envolve em um conflito, quando foi convocada pelo presidente Artur Bernardes para ajudar na luta contra o movimento que 69

CONSUL, Op.Cit;p .85 Após ser reconhecida a vitória de Arthur Bernardes, em 5 de julho de 1922, eclodiram movimentos militares no Distrito Federal (Vila Militar, Escola Militar do Realengo, Forte de Copacabana), no Rio de Janeiro (Niterói) e no Mato Grosso (Campo Grande), a fim de impedir a posso de Arthur Bernardes. O governo instituiu o estado de sítio e os movimentos rebeldes foram fácil e duramente debelados. No Sul, imediatamente, Borges de Medeiros publicou, em 7 de julho, em A Federação, órgão oficial do PRR, o editorial “ Pela Ordem”, que estendia a mão a Arthur Bernardes, reconhecendo sua vitória e opondo-se a qualquer “desordem civil”. A aproximação de Borges de Medeiros com Arthur Bernardes foi recompensada quando da insurreição armada das forças maragatos e assisistas, em 1923, com a não intervenção federal no estado. Para maiores informações sobre o tema ver: XAVIER. Mateus Fernandez. A Coluna Prestes e a política externa brasileira na década de 1920 – As relações Brasil-Argentina. Brasília. Instituto de Relações Internacionais. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. 2011, p.69. 71 CONSUL, Op.Cit; p. 86. 72 MARIANTE, Op.Cit; p.148. 70

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ocorria no estado de São Paulo, decorrente da rebelião de grupos civis contra o governo central. Sendo assim, o presidente do estado do Rio Grande do Sul determina “o envio de um Grupo de Batalhões de Caçadores (GBC) para o teatro da luta”.73 Nesse batalhão, faziam parte o GBC o 1 º e 3 º Batalhões de Infantaria e, ainda, uma companhia de metralhadoras pesadas – o efetivo passava de mil homens. Além da intervenção em São Paulo, a Brigada Militar esteve presente também em combate no território do Rio Grande do Sul, Guassu-boi, Tupanciretã, Santo Angelo, São Luiz Gonzaga e Ramada. Podemos destacar dois desses conflitos, o de Guassu-boi e Ramada, onde a BM teve intensa participação. Os combatidos nessas batalhas pela BM, após os conflitos, buscaram se refugiar no estado vizinho de Santa Catarina. Muitos dos envolvidos vieram um ano após, em 1925, a compor as fileiras da Coluna Prestes.74 No século XX, mais especificamente nas décadas de 1920 e 1930, a Brigada Militar entra em um período histórico conhecido internamente como o “Decênio Histórico” ou “Segundo Período Bélico”. Faz-se a referência pelo fato do grande envolvimento da BM nos conflitos que existiram nesse período, ou seja, estando presente em conflitos fora e dentro do estado do Rio Grande do Sul. Analisando os relatórios anuais do presidente da província do Rio Grande do Sul, entre 1920 a 1930, percebemos maiores detalhes sobre o “Decênio Histórico”, nas mensagens deixadas pelos presidentes provinciais se constata uma exaltação sobre a BM. Os relatórios apresentam as ações da Brigada Militar nos movimentos ocorridos no referido período, bem como os investimentos feitos pelo governo estadual na corporação que, segundo os relatos presidenciais, marcariam o uso do termo “Decênio Histórico”. No relatório de 1924, vale ressaltar uma referência sobre o envolvimento do Exército na instrução militar da Brigada Militar. “A instrução militar continua a ser eficientemente ministrada pela missão de oficiais do Exército”,75 o que reforça as suas características militares. No decorrer dos anos, os relatórios, quando fazem referência às

73

MARIANTE, Op.Cit; p. 152 A Coluna Prestes foi um movimento que ocorreu entre os anos de 1925 a 1927 que estava ligado ao movimento tenentista e também com conexão a outros movimentos que haviam eclodido no Brasil e que contestava as políticas da Primeira República no Brasil. Figura de destaque na organização desse movimento foi o Tenente Luís Carlos Prestes. Op.Cit Xavier, p 69-75 75 Relatórios dos presidentes das províncias do Brasil de 1830-1930. Relatório do ano de 1924, p 12. Disponível em: http://crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul. Acessado em: 24 fev. 2013. 74

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tropas da Brigada Militar, apontam uma série de investimentos em termos de estruturação, isso é percebido principalmente nos relatórios de 1925 a 1929. A partir de 3 de outubro de 1930, a Brigada Militar novamente está inserida no cenário de conflitos políticos nacionais. Aqui, passamos a ressaltar a importância da BM no movimento revolucionário de 1930, que levaria Getúlio Vargas ao poder. A BM teve relevante participação nesse momento, mobilizando boa parte de seus batalhões para o conflito. Como ressalta Mariante, “A Brigada Militar também se mobilizou. Seguiram para o Rio de Janeiro os 1º e 2º e 3º Batalhões de Infantaria, o 1º e 2º Regimentos de Cavalaria e um esquadrão de Regimento Presidencial”.76 O envolvimento da Brigada Militar nos movimentos que ocorrem durante a Primeira República demonstra que as ações realizadas estavam muito mais ligadas a características de defesa – atribuição específica do Exército – do que ao papel das funções de polícias nas cidades, características essas que permanecem durante a Era Vargas, mas que, a partir desse momento, passam a ganhar novas funções, como desenvolver um papel de controle político sobre a população. Por isso, é de grande importância compreender o processo de consolidação da BM, durante o período de 1930 (governo Vargas) a 1964 ( regime militar), no qual esse papel político das polícias passa a ter um maior destaque.

1.3 Um policiamento mais político (1930-1964) A ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930 marca um novo momento para as polícias no Brasil, bem como para a própria BM. Entre essas mudanças, podemos afirmar que as funções políticas das instituições policiais são potencializadas, no sentido de estas estarem cada vez mais ligadas à função de manutenção do poder da União, tornando o seu policiamento muito mais político. Podem-se perceber, inclusive, algumas mudanças na regulamentação policial nacional que afetaram também a Brigada Militar. Muitas dessas mudanças foram compreendidas pela corporação77 como uma limitação de seus trabalhos, pois, a partir daquele ano, as policias militarizadas deixam de ser uma espécie de exército estadual para tornarem-se responsáveis pelas ações de policiamento preventivo. 76 77

MARIANTE. Op.Cit; p 163 CONSUL. Op.Cit; p 93

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As ações que foram entendidas como limitadoras ficam expostas em um primeiro momento no Decreto n° 20.348, de 20 de agosto de 1931. Esse documento limita as despesas com polícias militares a 10% das despesas ordinárias e ainda proíbe que as polícias tenham suas próprias aviações, suas artilharias e limitava o número de armas automáticas. Os excessos deveriam ser recolhidos para o Ministério da Guerra. Em 1932, a Brigada Militar se vê novamente em conflito, com a Revolução Constitucionalista, na qual rio-grandenses e paulistas voltam-se contra o governo federal em reação às discordâncias que tinham com o governo Vargas. Nesse momento, a BM fica ao lado do Governo do Estado e Federal. Sobre esse posicionamento, ressalta Júlio Consul que “Novamente a Brigada gaúcha adotou um comportamento legalista, e afirmando suas características identificatórias”.78 Após os quatro primeiros anos do governo de Getúlio Vargas é aprovada a Constituição de 1934, quando, pela primeira vez, as polícias militares são citadas. A Carta Constitucional salienta a citação que “competia à União legislar sobre a organização, instrução, justiça e garantias das forças policiais estaduais e que as PMs seriam consideradas reservas do Exército Nacional”.79 No dia 1º de fevereiro de 1936, o comandante João de Deus Canabarro Cunha (1932-1937) apresenta uma proposta de reorganização da Brigada Militar, motivada pela extinção das Guardas Municipais e Guardas Civis. Essas reformas serviriam para alinhar a Brigada Militar com as novas propostas do governo a partir de 1930. Na reformulação da Brigada, estava previsto tornar as ações desenvolvidas em atividades próprias de polícias ostensivas80. Essa troca de função estava fundamentada na Lei Federal n °192 de 17 de janeiro de 1936, que passa a atribuir às Polícias Militares a garantia da ordem pública e segurança das instituições. Essas mudanças, que ocorrem em 1936 sobre as atribuições da BM, não são bem aceitas por alguns grupos de oficiais, que entendiam o serviço de policiamento como depreciativo. Segundo Mariante, “Necessitou, de imediato, conquistar seus próprios 78

CONSUL. Op.Cit;p 91 CONSUL. Op.Cit;p 92 80 O policiamento ostensivo é a atividade de manutenção da ordem pública cujo emprego é identificado de relance pela farda, armamento, equipamento, viatura e aprestos. Tal policiamento não se confunde com zeladoria, atividade de vigilância particular, nem com a segurança pessoal de indivíduos sob ameaça. O desempenho do sistema de policiamento ostensivo faz-se pela presença continuada, objetivando criar e manter na população a sensação de segurança que resulta na possível tranquilidade pública. Para maiores informações, ver: ALMEIDA. Juniele Rabêlo de. Farda e Protesto. Policiais Militares de Minas Gerais em Greve. Belo Horizonte: Segrac, 2008, p.30-31. 79

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integrantes principalmente os mais antigos”.81 Por isso, pouco a pouco se iniciou um trabalho de persuasão, junto à oficialidade, especialmente com os que estavam iniciando sua carreira. A partir de outubro de 1937, o controle da União torna-se mais expressivo sobre a Brigada Militar, havendo, assim, maior intervenção do Governo Federal nas possíveis resistências geradas por causa das mudanças ocorridas com a consolidação do Estado Novo, principalmente as orientações dadas aos policiais militares de fazerem o policiamento ostensivo, que ainda era recebida com resistência por parte de alguns policiais militares. Pode-se afirmar que a corporação, até os dias de hoje, não compreendeu seu papel de policiamento ostensivo. Ainda sobre o governo Vargas, relevante se faz analisar a inserção de movimentos políticos na BM, que demonstram a pluralidade da instituição. Durante a década de 1930, é perceptível a influência do PCB. Sobre esse fato, ressalta Paulo Ribeiro Cunha que é importante lembrar que, no Rio Grande do Sul, o PCB, em seu setor militar, tinha elementos atuando nos batalhões do Exército e também alguns oficiais e praças na Brigada Militar. Nesse sentido, vale lembrar-se de um fato descrito por Artur Duarte Peixoto em sua dissertação de mestrado, na qual descreve o seguinte fato: [...] o primeiro-tenente do Exército, Napoleão de Alencastro Guimarães, estava de serviço no 7º Batalhão de Caçadores, quando ouviu o diálogo entre Santo Trevisano, “soldado de rancho da segunda companhia” e um civil desconhecido, o qual se encontrava ao lado da janela pelo lado de fora, de onde incitava o praça a rebelião. Dizia a Trevisano “que, num caso de guerra, ou de onde desordem, ele, soldado, não deveria atirar contra os amotinados, pois que todos eram irmãos, mas deve voltar suas armas contra os oficiais, a quem não deviam obedecer”. Logo a seguir, o soldado recebeu do indivíduo um exemplar de A classe Operária com a responsabilidade de entregar aos presos políticos que houvesse no quartel. 82

Além da difusão do jornal, os comunistas distribuíam entre os soldados da BM um panfleto intitulado Pela greve dos soldados, que tinha como principal objetivo fazer com que esses militares aderissem ao movimento operário e contribuíssem com a estruturação deste. Peixoto relata fragmentos do panfleto:

81

MARIANTE. Op.Cit; p 186. PEIXOTO. Artur Duarte. Da organização à frente única: A repercussão da ação política do partido comunista do Brasil no movimento operário gaúcho. Dissertação de mestrado do Programa de Pósgraduação em história do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006, p189. 82

47 Na caserna, vivemos pior que os operários! Rancho infame! Soldos miseráveis” Etapas reduzidas! Obediência cega de escravos. E em nossos lares, mulher, mãe, pai, filhos, pobre como nós, a passarem fome. Somos homens e nos tratam como escravos! Somos cidadãos e não podemos votar! Como acabar com isso? Como conseguiremos os nossos direitos de homens de cidadãos e de proletários? [...] A nossa salvação está na união com os nossos companheiros de classe, os operários, que nunca se esqueceram de nós [...] Preparamos a greve geral e armemos os nossos companheiros de classe, os operários! Viva a vitória da greve dos soldados! Comitê militar de reivindicações dos soldados da Brigada Militar.83

Essas ações dos comunistas levam a uma atitude repressiva por parte dos oficiais da BM e também do Exército. A repressão passa a atingir militares com influência ideológica comunista. Muitos desses militares atuavam em movimentos como Bloco Operário Camponês (BOC) e Confederação Regional do Trabalho (CRT), o que motivou a invasão das sedes desses grupos para apreensão de documentação, e, a partir disso, vários militantes foram presos. Justificou-se essa invasão como uma medida para conter a infiltração de comunistas entre os soldados e sargentos da BM. Ao fim do Estado Novo, algumas transformações no campo organizacional da Instituição passam a ocorrer: como a reorganização da Justiça Militar do Estado, a criação da Corte de Apelação (19 de novembro de 1940) e também a mudança da Companhia de Guardas de Rio Grande para Batalhão de Guardas (25 de Março de 1943). Com o final do primeiro governo Vargas e, logo após, com a formulação da Constituição de 1946, a Brigada Militar irá sofrer novas mudanças, que contribuirão para conduzir a instituição a uma afirmação dos serviços de policiamento ostensivo. Importante lembrar o período de comando do Coronel Peracchi Barcellos (1947 -1950), que colaborou com o lançamento da Polícia Rural Montada, em 8 de fevereiro de 1950, que demonstrava com isso uma mudança na força policial, na busca de tornar a BM mais próxima dos serviços de policiamento e provocar um distanciamento de suas características militarizadas. Ainda buscando a reformulação do serviço de policiamento, em agosto de 1948 foi aprovado o primeiro Regulamento Geral da Brigada Militar (RGBM), que ajuda a esclarecer o seu funcionamento bem como nortear suas ações. Com isso, ficam definidas algumas funções e competências da BM:

Exercer as funções da vigilância e garantia da ordem pública, a prevenção de incêndio e combate ao fogo, na conformidade das leis” e 83

Op.cit. PEIXOTO, p 189.

48

“Atender à convocação pelo Governo Federal nos casos e mobilização ou de guerra, de acordo com a legislação da União.84

Outro elemento muito presente no RGBM é a questão da hierarquia e da disciplina. Segundo o art. 3 do Regimento Geral da Brigada Militar, a instituição tem por base de organização esses dois princípios. Sobre as questões de disciplina, vale ressaltar o que consta no art. 65 do RGBM:

As ordens devem ser cumpridas sem hesitação, abstraindo-se o executante de qualquer opinião pessoal em contrário, por isso que a autoridade de que emanam assume inteira responsabilidade pela sua execução e consequências. Parágrafo único – A reclamação só é permitida ao inferior depois de ter obedecido, podendo, entretanto, pedir esclarecimentos, quando a ordem lhe parecer obscura.85

O artigo apresentado acima demonstra uma exigência de uma disciplina rígida e total ao Comando Policial. O que nos chama a atenção é que essa disciplina total não condiz com o trabalho de policiamento ostensivo, que muitas vezes exige do policial certa criatividade e atitude para tomar decisões. Outro elemento presente nesse Regimento é a presença da sujeição das polícias militares ao Exército, causando certa contradição, porque, ao mesmo tempo em que se busca fazer com que as PMs abandonem o serviço de guarnição externa, estas devem estar a postos ao serviço de mobilização de guerra. Com a Lei n° 1753 de fevereiro de 1952, é criado o primeiro Estatuto da Brigada Militar, que estava mais focado em questões da vida funcional do policial, ou seja, focado mais em definir formas de ingresso na polícia, os benefícios e deveres do brigadiano. Os 8º e 9º artigos, que definiam as formas de ingresso na BM. Art.8° O ingresso na Brigada Militar é permitido a todos os brasileiros, observadas as condições de cidadania, idade, capacidade física, moral e intelectual, previstas nas leis e regulamentos especiais da Força. Art.9° 84 85

Apud. SIMÕES, p.94. CONSUL. Op.Cit; p 98

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d) Para os soldados em geral, ser brasileiro nato ou naturalizado, ter 17 anos ou menos de 35 de idade e preencher as demais condições estabelecidas em leis federais ou estaduais, porém para os especialistas, mais o exame de capacidade profissional.86

Podemos concluir, pelos artigos publicados nesse Estatuto da Brigada Militar de 1952, que as formas de ingresso na instituição, com o passar dos anos, também foram alteradas. Passa a ingressar na carreira de policial o brasileiro nato ou naturalizado, o que, antes de 1952, não era necessário, pois, pelo Estatuto de 1937, era permitido o engajamento de estrangeiros. Os novos candidatos deveriam passar por uma seleção e serem submetidos a uma banca avaliativa. Ainda sobre o processo de ingresso na Brigada, ressalta Mezzomo:

Segundo informações fornecidas pelos policiais militares que trabalhavam na Brigada Militar na época (1952-1955), os sujeitos, ao ingressarem, eram obrigados a ser solteiros e permanecerem arranchados – destacados - por um período de dois anos. Como se não bastasse isso, deveriam apresentar um comportamento “bom” e receber o aval do comando; só a partir dai, então poderiam contrair matrimônio. Ainda, não era permitido para os cabos e soldados, mesmo estando de folga, usar trajes civis; caso fossem surpreendidos sem o uniforme da corporação, sofriam sanção disciplinar – prisão. Tais informações deixam clara a subordinação a que eram submetidos os policiais ao ingressarem na carreira militar em nível estadual naquela época.87

Outro elemento que demonstra as inovações e mudanças estratégicas na Brigada Militar é o “Pedro e Paulo”, ou seja, o policiamento em duplas, um modelo adotado na capital do Rio Grande do Sul em 12 de agosto de 1955, mas que já vinha sendo aplicado em grandes cidades, como Paris, Londres, São Paulo e Rio de Janeiro. Esse tipo de policiamento melhorou a qualidade técnica e profissional dos que integravam essa função, pois tratavam diretamente com a população, exigindo técnicas diferenciadas de trato com o público. Ao mesmo tempo, ocorreu a modernização dos materiais, que foram adequados pasa este tipo de serviço, usando um armamento mais moderno e condizente. Outra transformação ocorrida no ano de 1955 foi a criação de um curso intensivo de delegado de polícia militar. Essa proposta fez a Brigada Militar enviar, pela primeira 86 87

Boletins da Brigada Militar, 3º R.C. (Regimento de Cavalaria), 2º trimestre de 1952, p.417-418. MEZZOMO. Op.Cit; p.40

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vez em sua história, oficiais para fora do país, a fim de aprimorar seus conhecimentos. Os primeiros foram enviados para Provost Marschal General School em Fort Gordon (EUA), onde os coronéis Clovis Antônio Soares e Esau Alvorcem atingiram o conceito superior em seus cursos.88 Esses cursos também representavam uma maior proximidade da BM com membros da polícia norte-americana. Além disso, entende-se que esse estreitamento de relações no campo militar pode estar ligado com a política de segurança nacional, pois os oficiais passaram a ser enviados aos treinamentos anos antes da consolidação do Golpe Militar e continuavam a frequentá-los após a conclusão desses cursos. A partir de 1964, os cursos se direcionam para instruções como Cursos de Orientação sobre Guerra especial, operações e controle de fronteira, investigações criminais, método de instrução para professores de polícia, sobrevivência na selva, controle de distúrbios civis e tumultos, instruções especiais de policiamento, operação de patrulha. Novas mudanças ocorrem a partir do ano de 1961, quando a Brigada Militar passa por um processo de renovação na sua organização básica, extinguindo alguns batalhões e substituindo outros, na tentativa de modernizar e qualificar o trabalho. Essas extinções e substituições ocorrem com o advento do Decreto n° 12.280, de 21 de abril de 1961, que determinava “a extinção dos Batalhões de Caçadores, que foram substituídos pelos Batalhões de Guardas e Batalhões Policiais; ainda, os Regimentos de Cavalaria passaram a ser denominados de Regimentos de Polícia Montada (RPMont)”.89 Ainda em relação à reorganização dos serviços de policiamento, ocorrido em 1961, Mariante ressalta que “Suas atribuições foram racionalizadas, cabendo-lhes novo zoneamento de ação e tiveram denominações consentâneas com suas características”.90 Apesar de toda a reformulação feita na organização e na estrutura operacional da Brigada Militar, a instituição, no ano de 1961, é acionada para uma missão nitidamente militar. Falamos aqui da participação da BM nos conflitos da Legalidade, movimento liderado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola. O movimento tinha por objetivo criar um ponto de resistência a políticos e militares que buscavam depor, através de um golpe, o então vice-presidente João Goulart, também conhecido como Jango, que, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, teria que assumir a presidência da República. O governador Brizola conseguiu, na campanha da Legalidade, mobilizar um expressivo número de civis e militares. Entre essas várias 88

MARIANTE, Op. Cit., p. 231. MEZZOMO, Op. Cit., p. 40. 90 MARIANTE, Op. Cit., p. 241. 89

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forças, estava presente a BM, que, entre os grupos militares, foi a primeira a ceder seu apoio ao então Governador. Sobre o apoio da Brigada Militar, é importante ressaltar:

Brizola reuniu-se com oficiais dirigentes da Brigada Militar, expôs a preocupação e sua determinação em resistir. Em assembléia, os oficiais realizaram e decidiram apoiar a decisão do governador e participar da resistência.Em meio a tantos acontecimentos grandiosos e espetaculares que marcaram a rebelião da Legalidade, é sempre difícil indicar os mais importantes ou os mais significativos. Mas, sem dúvida, a adesão da Brigada indicou tal confiança que, ali, se pode dizer, o movimento foi possível.91

Alguns fatos ajudam a compreender essa mobilização da Brigada Militar, como, por exemplo, o grande deslocamento de tropas e a assistência dada ao governo estadual para conter o golpe que se construía. Sobre esses movimentos, vale lembrar:

Intensa foi a movimentação na Brigada Militar. O 1° BG foi colocado à disposição da 6ª DI e recebeu desta a missão de deslocar-se para o litoral nordeste do Estado, região de Torres, com a finalidade de barrar qualquer penetração do norte para o sul, bem como para guarnecer e vigiar toda a região, o que executou. Uma Cia. do 4º BP, hoje 5º BPM, deslocou-se de Montenegro para Tramandaí.92

A Brigada Militar também passa por momentos importantes e decisivos a partir do ano de 1963, ano em que o Comando Geral da BM fica sob a direção do Coronel Otávio Frota (1963-1967), que logo ao assumir, no dia 21 de janeiro de 1963, assina um Decreto que “desvincula a Brigada Militar da Secretária de Segurança Pública, ficando diretamente subordinada ao chefe do poder executivo”,93 medida que foi, segundo Mariante, “de grande relevância, facilitou sobremaneira a execução das missões policiais” .94 Essa situação também pode ser compreendida como uma manobra política do próprio governador do Rio Grande do Sul na época Ildo Meneghetti (1963-1966), pois assim teria um maior conhecimento sobre as ações da força policial.

91

BARBOSA, Vivaldo. A rebelião da legalidade. Rio de Janeiro. Editora: FGV, 2002, p.47. MARIANTE, Op. Cit., p. 242. 93 MARIANTE, Op. Cit., p. 245. 94 MARIANTE, Op. Cit., p. 245. 92

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Antes mesmo de 1964, ano de realização do Golpe Militar no Brasil,95 podemos perceber o reaparelhamento da Brigada Militar, uma modernização em relação aos equipamentos usados pela instituição. Como ressalta Mariante:

Foram adquiridos 108 viaturas diversas, 2.000 revólveres, 99 metralhadoras de mão ponto 45 “INA”, 1.000 cassetetes de borracha, 300 de madeira e grande quantidade de outros equipamentos burocráticos, de saúde, bombeiros e outros. Todos os departamentos da Força foram beneficiados, modernizando-se.96

Os momentos de crise política que vão ser gerados pelo Golpe Militar de 1964 conduzem o comando da Brigada Militar a um estado de grande apreensão, pois teriam que se posicionar para orientar suas tropas. O Comando Geral da Brigada Militar opta pela manutenção da ordem no Estado, apesar da grande instabilidade política. Sobre a relação da decisão tomada pelo Comandante Geral, Coronel Frota, nos lembra Mariante: “Apremiado a colocar a Brigada Militar à disposição do 3° Exército, não obedeceu à requisição, aguardando ordens do governo do Estado. Este, por sua vez, também se negou a tal, preferindo aguardar a evolução dos acontecimentos”.97 O autor também nos relata que esses instantes “foram de apreensão em virtude da atuação de alguns dos seus integrantes”,98 o que demonstra que alguns dos policiais militares não aceitaram as ordens do Comando Geral da Brigada. Sobre esse grupo de policiais que não aceitaram as ordens o governo, é importante ressaltar que:

Vários integrantes da BM foram punidos por sua atuação nos acontecimentos. Alguns foram excluídos e outros transferidos para a reserva. Pormenores deste episódio encontram-se no Boletim editado pela BM, informando das realizações do Comando Geral em 1964. O 95

Em 1964, já claramente hegemônicas, as burguesias industrial e financeira brasileiras romperam com o projeto econômico de industrialização por substituição de exportação, em aliança com as classes trabalhadoras urbanas subordinadas, impondo com o regime militar nova forma de acumulação de capitais, por meio de integração mais íntima com o capital mundial, da superexploração dos trabalhadores, de reorientação da produção para os segmentos nacionais ricos e, sobretudo, para o mercado mundial. Para impor o novo padrão, era imprescindível a destruição do projeto nacional desenvolvimentista. O golpe iniciou-se em Minas Gerais, pela sublevação do general Olímpio Mourão Filho (1900-1972), ex-militante integralista, seguido pela imensa maioria dos oficiais das três Forças Armadas e pelos governadores conservadores. SODRÉ. Op.Cit; p.465-486. 96 MARIANTE, Op. Cit., p. 246. 97 MARIANTE, Op. Cit., p. 247. 98 MARIANTE, Op. Cit., p. 247.

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Gen. Alves Bastos (1965, p. 385), refere que: “Ao clarear do dia, requisitava (o comando do 3º EX.), a BM, ao que o Governador Meneghetti, com firmeza respondia pela negativa. Face à solicitação análoga, que lhe chega diretamente, o digno comandante daquela destemerosa milícia não hesita em responder que só atenderia ordens que lhe chegassem pelo Governo do Estado. De momento a momento agrava-se a situação na área dos quartéis generais do Exército e da Brigada, situados no final da rua dos Andradas. Parecia iminente uma explosão de ânimos que tomaria a forma de conflito gigantesco, entre oficiais e sargentos. No conjunto da guarnição o predomínio momentâneo caberia aos subversivos.99

Nesse mesmo ano de 1964, com a consolidação do golpe civil-militar, temos a transferência do governo estadual para Passo Fundo, onde, por três dias, o 2 ° Batalhão Policial acolheu o governador do estado e sua casa civil e casa militar. Como lembra Mariante:

Durante os dias 2, 3, 4 de abril o quartel do 2° BP, hospedou o Governador do Estado, seu secretariado, casas civil e militar, convivendo com os oficiais e praças daquela unidade, onde entre outros assuntos, assinou os seguintes decretos: I-convocação de voluntários em todo o território do Estado. II – Requisição, pelas secretarias de Estado, de viaturas e combustíveis.-III- Convocação de oficiais de reserva da Força. IV- Promoção ao posto de ten.cel do major Vitor Hugo Martins, Cmt. Int° do 2°BP.100

Ainda em 1964 são criados os Batalhões Volantes, que tinham o objetivo de seguir para o interior do Estado para fazer esclarecimentos aos populares sobre o que havia ocorrido no cenário político nacional. De certa forma, essa atitude da Brigada Militar pode ser compreendida como um fator para manter o controle sobre as populações do interior, tentando impedir outras formas de expressão contrárias ao que vinha se estabelecendo pós-Golpe Militar. Com a consolidação do Golpe Militar de 1964, temos a instauração do Ato Institucional número um (AI-I), o qual interferiu nas ações legais das Polícias Militares, pois estabeleceu as bases para a formação dos Inquéritos Policial-Militares (IPMs) de crimes contra o Estado, à ordem política e social, ou por atos revolucionários. Isso legaliza muitas perseguições que passaram a ocorrer a pessoas e instituições como 99

CONSUL. Op.Cit;p 106 MARIANTE, Op. Cit., p. 248

100

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organizações estudantis, ligas camponesas, juízes, Forças Armadas e Polícias Militares, fato este que ganha aprofundado estudo no capítulo terceiro desta dissertação. Com a legislação de 1967, a Brigada Militar passa por novas alterações. Dentre o que foi aprovado para as polícias militares, temos um tratamento semelhante às Constituições de 1934 e 1937, e o texto se manteve igual ao de 1946. Também tem-se o Decreto-lei n°317, que regulamentou a ação das polícias militares como órgãos de manutenção da ordem e da segurança interna. Um ano após a aprovação do Decreto-lei n° 317, vemos o governo do estado novamente alterando a organização básica da Brigada Militar, mas agora para fazer com que esta estivesse de acordo com a regulamentação federal vigente. Essa nova ordem acaba por se consolidar somente no ano de 1974, com o Decreto n° 23.245/74, que serviu para organizar as polícias militares no Brasil. Dessa forma, essa nova estrutura fez com que a Brigada Militar tivesse o papel exclusivo de polícia ostensiva do Estado. Em linhas gerais, analisando a história da Brigada Militar, vemos que esta teve um papel ativo na busca da manutenção da ordem e na defesa dos poderes constituídos. Por isso, podemos perceber que não é só do nome militar a influência do Exército sobre essa instituição, pois as questões de hierarquia e disciplina mantiveram-se com o passar do tempo, mesmo que através de sua formação ela tenha sido conduzida a exercer o papel de policiamento ostensivo, não mais sendo um exército estadual. Nos mais variados conflitos regionais e nacionais e com todas as mudanças organizacionais e estruturais que a BM passou durante seu período de formação, consolidação e expansão, vale ressaltar que oficialmente a instituição permaneceu como o apoio oficial ao governo do estado, seguindo seu caráter legalista, mesmo que internamente seus oficiais e praças não mantivessem uma opinião uniforme sobre as ações tomadas pela instituição. Por isso, torna-se importante, antes de analisar casos de divisão política interna da instituição, compreender como se dá a relação da polícia e da política e suas relações com os governos, bem como é relevante compreender a organização da Justiça Militar que exerce um papel importante nessa relação.

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CAPÍTULO II – PODER E PUNIÇÃO: AS RELAÇÕES DAS POLÍCIAS MILITARES COM O PODER POLÍTICO E ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA MILITAR

Após analisar o processo de formação histórica das polícias no Brasil e no Rio Grande do Sul, buscamos, neste segundo capítulo, desenvolver um debate sobre as polícias militares e sobre o que legitima suas ações policiais, ou seja, dedicamo-nos a esclarecer as relações existentes entre a polícia militar e os governos. Também nos detemos na relação entre poder interno das PMs, visando compreender a história e as formas de ação do Superior Tribunal Militar (STM) no Brasil. Para isso, dividimos este capítulo em três partes. Na primeira, procuramos esclarecer a relação política de Estado com a polícia. Na segunda, a análise visa à compreensão do conceito de poder de polícia. Por último, busca-se construir um pequeno histórico da Justiça Militar (JM) no Brasil e sua atuação nos primeiros anos do golpe civil militar de 1964.

2.1 O poder político e as Polícias Militares Neste primeiro subitem, objetiva-se analisar as relações existentes entre as forças policiais, a política e os governos, procurando compreender a forma como cada um se relaciona, ou seja, entender em que momento a política influencia nas ações policiais e como as polícias se relacionam com o seu órgão superior – os governos estatais. Nesse sentido, iniciamos apontando alguns conceitos norteadores, e com uma discussão acerca da política. O conceito de política tem uma longa trajetória histórica, sendo que, para nossa pesquisa, em específico, interessa a sua observação mais detida a partir do período moderno. Segundo Bobbio:

Na época moderna, o termo perdeu seu significado original, substituído pouco a pouco por outras expressões como “ciências do Estado”, “doutrina do Estado, “ciência política, “filosofia política”, etc., passando a ser comumente usada para indicar a atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a polis, ou seja, o Estado.101

101

BOBBIO, Norberto. In. BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 12ª Ed Vol II. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p 954.

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Esse conjunto de atividades ajuda a compor um conceito de política que pode ser entendido como:

Atos como o ordenar ou proibir alguma coisa com efeitos vinculadores para todos os membros de um determinado grupo social, o exercício de um domínio exclusivo sobre um determinado território, o legislar através de normas válidas erga ommes, o tirar e transferir recursos de um setor da sociedade para outros, etc.; outras vezes ela é objeto, quando são referidas à esfera da Política ações como a conquista, a manutenção, a defesa, a ampliação, o robustecimento, a derrubada, a destruição do poder estatal. 102

Nesse sentido, também se faz necessário entender as relações de poder que estão intrinsecamente articuladas à concepção de política:

o poder é definido por vezes como uma relação entre dois sujeitos, dos quais um impõe ao outro a própria vontade e lhe determina, malgrado seu, o comportamento. Mas como o domínio sobre os homens não é geralmente fim em si mesmo, mas um meio para obter “qualquer vantagem” ou, mais exatamente “os efeitos desejados”, como acontece com o domínio da natureza, a definição do poder como tipo de relação entre sujeitos tem de ser completada com a definição do poder como posse dos meios ( entre os quais se contam como principais o domínio sobre a natureza) que permitem alcançar justamente uma “vantagem qualquer” ou os “efeitos desejados.103

O poder político pode ser definido como uma categoria de poder de um homem sobre o outro homem, de um cargo/posição/status sobre os indivíduos, de alguma entidade/instituição sobre a população subordinada às suas diretrizes, situação esta que pode ser representada de várias formas: “relação entre governantes e governados, entre soberanos e súditos, entre Estado e cidadãos, entre autoridade e obediências, etc..”.104 Sendo assim, é necessário também contextualizar a relação direta da polícia com a política, buscando entender como a força policial, com o passar dos anos, legitima-se como uma força de sustentação dos regimes políticos. Dito de outro modo, almejamos, com esta breve contextualização, compreender como que se dá a organização dessas polícias. 102

BOBBIO, Op cit; p. 954. BOBBIO, Op cit; p 954. 104 BOBBIO, Op cit; p. 955. 103

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A polícia e política estão mais ligadas do que muitas vezes se imagina. Se analisarmos a etimologia das palavras política e polícia, observaremos que ambas têm raízes próximas. Segundo Legarre, polícia e política provêm, no latim, da palavra politia, que descende da palavra grega politeia e, em última estância, de polis. A palavra politia significa administração civil ou governo. Para os romanos, a palavra está ligada à condição de estado, ou seja, à relação de governo. No grego, temos uma derivação de politia que contribui para ganhar o significado de polícia.105 A polícia, tal como conhecemos, tem sua origem assentada no Estado moderno. Nas palavras de Spode, a polícia “tem como lastro a constituição do Estado-Nação, em fim do século XVII, marcando a inserção deste no exercício da governabilidade política”.106 Desde sua origem, essa polícia tem funções bem específicas dentro da constituição dos governos. Percebemos que dentro de sua formação histórica a polícia vai mudando sua relação com as políticas de governos, demonstrando claramente que a mudança de governança interfere diretamente na lógica de ação e composição da polícia. Por isso, é importante, nesse momento, analisar algumas das funções que são normalmente colocadas como o papel da polícia em relação ao governo o qual ela representa. A função de polícia pode ser definida seguindo as seguintes orientações: a de contribuição e sustentação da governabilidade e proteção da população, e atividades que ligam essas polícias diretamente à União e aos grupos que mantêm o controle do poder. Também podemos pensar a partir das considerações de Sergio Bova, que defende que a função de polícia é vista como: “uma função do Estado que se concretiza numa instituição de administração positiva e visa pôr em ação as limitações que a lei impõe à liberdade dos indivíduos e dos grupos para salvaguarda e manutenção da ordem pública em suas várias manifestações”.107 A polícia também tem a função “de manter o controle social na sociedade (policiamento)”.108 Sobre o policiamento, vale ressaltar que ele pode 105

LEGARRE, Santiago. Polícia, Poder de Polícia y Reparto de Competencias en los Estados Unidos. cuaderno electrónico n 3. 2007. p.81. disponível em: http:// www.portalfio.org/inicio/repositorio//CUADERNOS/CUADERNO-3/Policia_Poder_de_Policia.pdf. Acesso em: 24 fev. 2013. 106 SPODE, Charlotte Beatriz. Ofício de oficial: Trabalho, subjetividade e saúde mental na polícia militar. Dissertação do mestrado em psicologia social e institucional. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em psicologia social e institucional. Maio de 2004. Porto Alegre, p.21. 107 BOVA, Sergio. Polícia. In. BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 12ª Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 944. 108 BOTTOMORE, Tom. OUTHWAITE, William. Polícia. Dicionário do pensamento social do século XX. Editora: Jorge Zahar. Rio de Janeiro. 1996. p. 582.

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ser formal ou informal, público ou privado, aberto ou secreto, pacífico ou violento, mas tradicionalmente esse policiamento ocorre no controle da criminalidade ou na busca de prender o transgressor da lei. Nessas considerações referentes às polícias militares, é importante ressaltar a influência de alguns modelos no desenvolvimento dessa força. Temos como exemplo de polícia moderna pelo menos duas propostas: a francesa e a inglesa – ambas com uma contribuição na formação/organização das polícias brasileiras e de muitos países pelo mundo. O modelo francês se constitui no século XVI com o objetivo primeiro de proteger as cidades de crimes e epidemias, ou seja, cuidar do cotidiano da cidade. Após um tempo e com a modernização do Estado francês, há uma divisão dessa polícia em dois grupos, conhecidos como polícia administrativa e polícia judiciária. A primeira tem como função prevenir crimes e a segunda tem o objetivo de investigá-los. Esse modelo de polícia se torna muito popular, sendo percebida forte influência deste sobre as polícias do Brasil republicano, que teve como um de seus marcos as relações das Forças Públicas de São Paulo com a contratação de uma missão francesa no ano de 1906.109 Na formatação do denominado modelo inglês, percebemos algumas diferenças, sobretudo pela perspectiva de redução do uso da força física e consequente cooperação voluntária da população, e, assim, a diminuição da desordem social. Tais elementos são agregados às características do modelo francês, conforme o processo de modernização das polícias, que vai se dando com maior vigor a partir do século XVI e que foi sendo adotado paulatinamente, como destaca Rosemberg:

[...] o novo sistema londrino-parisiense de policiamento urbano, talvez impulsionado pela prevalência cultural francesa sobre a porção do planeta que se pretendia civilizada, passaram a causar furor entre os departamentos de polícia de vários países. Nos Archives de la Préfecture de Police de Paris descansa toda uma série de correspondências trocadas entre as autoridades parisienses e as de países como Áustria, Turquia, Japão, Inglaterra, Rússia, Alemanha, Estados Unidos, Bélgica, Dinamarca, Grécia, Portugal. Por evidente, não poderiam faltar ofícios permutados pelas polícias da Argentina, do Uruguai e do Brasil. Todas elas solicitavam informações sobre a

109

Sobre essa relação da missão francesa com a força pública de São Paulo, ver: FERNANDES, Heloisa Rodrigues. A força Pública de São Paulo. p 248-249.

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organização, regulamentos, normas, além de dados estatísticos sobre o 110 policiamento parisiense.

Assim, podemos afirmar que as influências dos modelos europeus na formação e na organização das polícias no Brasil estiveram muito presentes no final do século XIX e começo do século XX, período em que a troca de informação entre o governo brasileiro e governo francês sobre a organização das forças era constante. Nesse sentido, afirma Rosemberg:

[...] as forças de policiamento urbano no Brasil, criadas a partir da segunda metade do século XIX, foram tributarias das congêneres européias. A criação da Guarda Urbana no Rio de Janeiro, em 1866, no bojo do conflito no Paraguai foi diretamente inspirada na polícia londrina, conforme justificava o ministro da Justiça para quem a nova força era “uma imitação da polícia da cidade de Londres, também adotada em Paris[...]”. A Companhia de Urbanos de São Paulo, por sua vez, surgida em 1875, [...], nasceu com o propósito de ser uma força polida e elitizada.111

Conscientes de que a polícia é quem detém o direito sobre o uso da força física para a coerção, muitas vezes essa força é usada para manter o sistema vigente. Cabe entender um pouco como funciona essa relação da política e dos governos com a polícia, após termos contextualizado e mostrados alguns conceitos formativos das polícias. Fazendo uma análise do Brasil no final da década de 1950 e no início de 1960, percebemos que é um período de crise política. Nessa perspectiva, objetivamos focar nossa atenção, neste momento, para os períodos históricos que têm por consequência ressaltar o envolvimento político das polícias com as ações do governo a qual ele representa. No período em que o Brasil passa principalmente pelas grandes crises políticas do retorno de João Goulart ao poder, seguido da consolidação do Golpe Militar, percebe-se uma intensa atuação das policias militares, que deixavam claras suas motivações político-ideológicas dessas forças policias. A própria mobilização da 110

ROSEMBERG, André. De chumbo e Festim: Uma História da Polícia Paulista no Final do Império. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010, p 43. 111 ROSEMBERG, Op cit; p. 44.

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Brigada Militar no estado do Rio Grande do Sul na campanha da Legalidade (1961) mostra todo o cunho ideológico e político em suas ações, não perdendo de vista o fato de que esta polícia estava a serviço da manutenção da ordem do governo do Rio Grande do Sul. A BM, nesse momento, mantém seu perfil legalista, ou seja, de estar a serviço da ordem legal do governo o qual ela representa. Nesse sentido, não podemos deixar de citar Huggins, que ressalta que se “pressupõe que toda ação policial é política”,112 mesmo que por muitas vezes essa relação não seja tão aparente. Segundo a autora, “variando em um continuum desde a polícia visivelmente a serviço do poder organizado... até a dissimulação de seu relacionamento com o poder por ideologias de democracia e controle social”.113 Importante analisar sobre essa relação polícia e política algumas informações apresentadas no importante trabalho de Thaís Battibugli, sobre as relações da polícia com a política, do qual se pode inferir que a polícia é “uma instituição especializada no controle social interno para, se preciso, dentro dos limites legais, utilizar-se de violência ao visar à preservação emergencial da ordem. Sua função é resolver, de modo rápido, situações desagradáveis e, muitas vezes, inesperadas”.114 Essas condições tornam a polícia parte importante da estrutura burocrática estatal e que principalmente em condições de intensa crise política, como golpes de estado, tende a exercer um importante papel, o de garantir muitas vezes a contenção de massas contrárias ao que se estabelece. Podemos, assim, perceber que, apesar de ser praticamente uma unanimidade que as ações policiais são movidas por atos políticos, a própria força policial faz uso de instrumentos para desviar esse conceito, muitas vezes tentando ressaltar certa neutralidade perante as políticas da União e dos governos estaduais a que esta força representa, “que afirmam transformar a polícia em mera extensão de um Estado neutro quanto a classes, e „do povo‟”

115

. Apesar da tentativa de afirmação da neutralidade

policial, esse conceito pouco se afirma, pois é impossível desvincular a polícia das políticas de estado ou até mesmo das participações partidárias de seus membros. Sobre

112

HUGGINS, Martha. K. Polícia e Política: relações Estado Unidos/ América Latina. São Paulo: Cortez, 1998, p. 10. 113 HUGGINS, Op cit; p. 10. 114 BATTIBUGLI, Thais. Democracia e segurança pública em São Paulo. Tese de doutorado Ciência Política. Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. 2006, São Paulo, p.7. 115 HUGGINS, Op. Cit., p 10.

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a neutralidade, ressalta Roberte Reiner que “O que os chefes de polícia estão mais preocupados em alegar é que a polícia não está envolvida com a política partidária, mas que aplica a lei de forma imparcial. Esta alegação mais restrita somente se sustenta com um sentido limitado, se é que se sustenta”.116 Podemos dizer que todas as forças de policiamento acabam sendo motivadas ou movidas pela política, mas é em momentos de crise e conflitos, quando as discussões e conturbações sociais são mais intensas, que tais relações acabam aparecendo mais. Não se pode negar o envolvimento político nas ações das policias militares pelo fato de que esses órgãos são instrumentos de legitimação dos governos, sejam estaduais ou federais, e também por que são mantidos pelo Estado. Segundo Huggins, “policiamento é político, uma vez que implica a existência de um órgão oficial sustentando pelo poder do Estado, que utiliza a força, ou a ameaça de força, para controlar os indivíduos, grupos e classes considerados hostis à ordem social, econômica e política do Estado”. Se retornarmos ao exemplo da campanha pela Legalidade promovida pelo governador Leonel Brizola, em que a atuação da Brigada Militar é intensa, podemos perceber que essa instituição atua segundo as diretrizes e ordenamentos do governador do Rio Grande do Sul, em uma ordem política, para dar a sustentação aos que queriam João Goulart (1961-1964) no poder. Em um contexto um pouco diferente, mas que também demonstra a atuação policial vinculada a ações políticas, temos as polícias militares no Brasil como órgãos de sustentação ao golpe civil-militar de 1964, dando o apoio às tropas de militares que organizaram a derrubada do então presidente. Nesse sentido, temos dois momentos políticos diferentes que nos demonstram a intensa participação das polícias militares, mesmo que o objetivo final dos movimentos fossem diferentes. Dessa forma, podemos afirmar que as ações da polícia são movidas por política, vale dizer que “a política, no sentido mais exato, tem feito parte da polícia, como a polícia tem feito parte da política”117. Buscando a compreensão da ação policial, podemos fazer uso de um conceito que a autora Martha Huggins apresenta, o da “bipolarização”, que ajuda a entender a ligação das polícias com a política, dividida em dois polos de ação: o primeiro composto pelas “formas de ação policial mais visivelmente políticas como „alto‟ policiamento, onde a polícia é empregada explicitamente para controlar qualquer 116 117

REINER, Robert. A política da polícia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004, p. 29. HUGGINS, Op cit; p.10.

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oposição ao governo”118. No segundo polo, o “baixo”, “a posição da polícia moderna no interior de uma burocracia aparentemente legal-racional contribui para gerar a impressão geral de existência de um „poder de ninguém‟”119. Esse conceito de poder de ninguém leva a polícia a impor seu direito de manutenção da ordem, levando a compreender que a ação policial simplesmente “faz cumprir as regras impessoais da sociedade organizada”120. Nessa relação política-polícia, é valido compreender algumas questões relacionadas à governabilidade, quer dizer, o que constitui um governo, instituição em que as polícias, por muitas vezes, são responsáveis por parte de sua sustentação. Segundo Tavares, a governabilidade é “uma série de tecnologias de poder que determinam a conduta dos indivíduos, ou de um conjunto de indivíduos... ou seja, a combinação das „técnicas‟ de dominação exercidas sobre os outros e as técnicas de si”.121 É com esse conceito que surge o papel da polícia como elemento de sustentação da governabilidade, isto é, a polícia se torna uma das tecnologias de manutenção da ordem e do poder dos governos. Podemos entender que a governabilidade é o resultado de uma articulação entre a razão de Estado e a Polícia.122 Entende-se essa razão como a existência plena do mesmo, ou seja, a estruturação da União, a definição de métodos e princípios do governo, contribuindo na formação dos Estados modernos, onde a articulação entre essa razão de Estado e a atuação da polícia se tornam relevantes para a organização da sociedade, tecnologias que vêm a contribuir para a constituição da governabilidade, unindo elementos antes desconectados. Sobre essas relações, Tavares leciona que “o Estado constituiu-se pelo realizar pleno de um processo de concentração de uma série de diferentes tipos de capitais, até então dispersos pelo espaço social: o capital da força física ou dos instrumentos de coerção (o exército e a polícia); o capital econômico; o capital cultural; e o capital simbólico”.123

118

HUGGINS, Op cit; p. 12. HUGGINS, Op cit; p. 12. 120 HUGGINS, Op cit; p. 12. 121 TAVARES-DOS-SANTOS, José-Vicente. A arma e a flor: formação da organização policial, consenso e violência. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, v. 9, n. 1. São Paulo, 1997, p. 156. 122 Referente a essa articulação entre a razão do Estado e a Polícia, para compreender algumas questões de governabilidade, ver texto de José Vicente dos Santos Tavares, A Arma e a Flor: a formação da organização policial, consenso e violência, 1997, p.156-157. 123 TAVARES, Op cit; p. 157. 119

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Ao conceber o poder do Estado, surge a polícia como um órgão para dar a sustentação à ordem local, seja nos governos estaduais ou federais, fazer aplicar regras do estado, interferindo assim na vida do cidadão. Como nos ressalta Tavares, “a polícia tem sua positividade no favorecer tanto o vigor do Estado, quanto a vida dos cidadãos”.124 Assim, podemos afirmar que a polícia surge como um elemento legitimador dos governos a qual ela representa, mostrando a ligação política das polícias desde seu surgimento. Os exemplos vão além dos que ocorrem tanto em 1961, com a campanha pela Legalidade, como no golpe civil-militar de 1964, aparecem por quase toda a história brasileira, onde todas as polícias, principalmente a partir do período imperial, tiveram uma relação política com o governo, servindo a este como instrumento de sustentação. Com isso, pode-se dizer que a polícia engloba tanto uma prática de saber, como uma prática de poder, exercendo seu papel de controle e manutenção da ordem, dando a sustentação necessária para a expansão do Estado e seu modelo político. A análise sobre essa relação polícia-política e a própria inserção da instituição na governabilidade atinge ainda outro tipo de interpretação, pela qual se pode destacar que ao entender a polícia como um agente do Estado, como certa limitação, de suas ações e diretrizes, tem certa autonomia no seu trabalho de policiamento, e que, segundo Battibugli, “A polícia é, portanto, uma instituição chave para se avaliar a efetividade dos valores democráticos de um país, de seu governo e sociedade”.125 Como decorrência do Golpe Militar de 1964, percebemos que este marca uma nova etapa nas ações policiais. Nesse período e no governo ditatorial instaurado após a consolidação do golpe, vemos o início da instauração de um Estado de segurança nacional, em que até mesmo a forma de relação polícia-Estado muda, ou seja, a própria polícia torna-se mais agressiva e voltada a um maior uso da força física para a legitimação do regime político. Nesse período, os policiais militares eram quase como “guardas do regime”, pois tinham uma grande ligação com o poder estabelecido pós1964. Como lembra Spode, “tal tarefa (fiscalização, prisões, policiamento) foi realizada em grande medida pelos policiais, dentre eles, os militares, uma vez que é também nesse período que a polícia militar passa a estar subordinada hierarquicamente e operacionalmente ao Exército”.126 Sendo assim, vê-se claramente o papel de polícia política, exercido pelas polícias militares nesse período de décadas de regime de 124

TAVARES, Op cit; p. 158 BATTIBUGLI, Op cit; p.10 126 SPODE, Op cit; p.. 24 125

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exceção. Sobre essa função, Spode lembra que “atuavam como polícia política, muitas vezes cometendo crimes em nome da manutenção da ordem, dentro da perspectiva disciplinar vinculada ao governo autoritário”.127 Um exemplo disso se evidencia logo após o Golpe Militar de 1964, quando a polícia é um elemento importante da legitimação dos projetos do governo militar, com a sua atuação na “operação limpeza”, movimento que demonstra mais uma vez a intensa atuação da polícia nas questões políticas. Essa política de limpeza busca eliminar os subversivos, ou seja, qualquer pessoa que fosse tida como uma ameaça ao regime que estava sendo implantado seria sumariamente coagida. Segundo Huggins, “A operação limpeza, como uma torrente irresistível, varria todo o Brasil: quase dez mil funcionários públicos foram demitidos de seus cargos, 122 oficiais das Forças Armadas foram obrigados a reformar-se, e 378 líderes políticos e intelectuais foram despojados de seus direitos civis”.128 A operação é um dos casos de ações que a polícia desenvolve juntamente com as Forças Armadas para consolidar e legitimar o regime que ali estava mostrando mais uma vez a vinculação das ações policiais com o regime político do Estado. Em síntese, a polícia tem que ser entendida como uma instituição política e que serve às necessidades políticas de um determinado grupo que se encontra no poder. Não podemos compreender as ações polícias sem entendê-las como ações políticas – não essencialmente partidárias –, apesar de que esta instituição tenta informar para a comunidade que representa um “espírito de neutralidade” e o profissionalismo, que ajudam a ofuscar suas ações essencialmente politizadas.

2.2 A profissionalização e a burocratização dos Corpos Policiais

Sabendo da vinculação existente nas ações das polícias com a política, cabe aqui analisar como essas polícias encontram meios de se mostrar neutras perante as ações políticas do Estado. As polícias de modo geral procuram encontrar a neutralidade de suas ações em atitudes como uma maior profissionalização de suas ações, com a criação de novas tecnologias e com o discurso da lealdade e de hierarquia. Segundo Huggins, a profissionalização “implica o desenvolvimento e aplicação de um Corpo especializado 127 128

SPODE, Op. Cit. p. 24 HUGGINS. Op cit; p. 141

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de conhecimento e treinamento, um padrão de operação e organização funcional auto impostos, e regras impessoais e universais para a nomeação, promoção, demissão e remuneração de policiais”.129 No começo da consolidação das forças de polícia, ainda no período colonial, podemos perceber que estas estavam a serviço de interesses pessoais, como no caso da formação de Milícias e Ordenanças, situação análoga à formação da própria Brigada Militar no Rio Grande do Sul, que tem origem de várias forças particulares que se formam para manter a segurança nas fronteiras do Estado. Mas, para mudar essa lógica personalista que existia nessas forças, percebe-se a profissionalização para tentar consolidar um sentido ou aparência neutra, apesar do envolvimento dessa força com o Estado. No primeiro capítulo desta dissertação, fizemos referência à formação das polícias no Brasil e no estado do Rio Grande do Sul. É visto que nesse processo de consolidação das policias no Brasil há um momento em que as elites nacionais, que então patrocinavam forças para fazer sua defesa, optam por passar essa função para o Estado. É nesse contexto que se percebe o começo da profissionalização das forças policiais, e o início efetivo de ações ligadas a políticas de sustentação do regime do Estado. Assim, podemos afirmar que o período correspondente à Primeira República dá início à busca de uma maior excelência operativa das polícias no Brasil. Na Primeira República, como anteriormente citado, as polícias estão muito mais voltadas a legitimar o poder dos Estados federados à União. No Estado Novo de Vargas, estes passam por uma modernização e uma mudança, passando a ser um instrumento de legitimação das políticas varguistas, mas mesmo assim não abandonam o discurso da profissionalização, ou seja, o que estava sendo feito era o cumprimento do papel da polícia perante a União. Não diferente vai ser o papel das forças polícias nas crises políticas da década de 1960. A polícia, principalmente após o Golpe Militar de 1964, torna-se um importante elemento da sustentação do aparelho ideológico, agindo a partir daquele momento como uma polícia política, que se mostrava à sociedade como um instrumento que cumpria a sua função e seu papel policial, maquiando, assim, sua extrema vinculação política.

129

HUGGINS, Op cit; p. 13

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Com a consolidação do Golpe Militar de 1964, pondera-se, por que, com a chegada dos militares ao poder, é mantida a estrutura de policiamento as polícias militares dos estados? Por que esse governo não optou em usar as Forças Armadas para essa função? Segundo Huggins, “muitas vezes oficiais militares reconheceram que a utilização de suas tropas para manter a segurança interna poderia destruir a crença do público nas Forças Armadas como símbolo nacionalista patriótico”.130 Assim, se dá preferência a fortalecer as polícias, para que elas exerçam esse papel repressivo. Levando em consideração a opção de não usar as Forças Armadas como um instrumento de repressão política do Estado, percebemos que os líderes políticos, em geral, reconhecem que as forças policiais serviriam mais aos seus interesses. Mas a confiabilidade dos líderes do Estado perante as forças policiais nos encaminha a outro debate: a questão da lealdade das polícias com os governos que representam. Huggins oferece dados de outras pesquisas referentes a polícias que nos mostram que a lealdade dos escalões inferiores da polícia ao poder do Estado não teria sido automática como muitas lideranças esperavam.131 A autora ainda apresenta resultados referentes a pesquisas feitas sobre polícias na Europa e nos Estado Unidos, mas, se direcionarmos o olhar para essa análise de insubordinação para o caso do Brasil, vamos perceber que em alguns períodos da história do país as forças policiais também demonstraram certa insubordinação perante o Estado. Os casos de insubordinação, como os que ocorrem durante o Golpe Militar em 1964, por parte das polícias militares, fazem com que a busca pela profissionalização se torne cada vez mais intensa, agora além de objetivar a busca da neutralidade, também se busca dar aos Corpos Policias melhores condições de trabalho e criar um distanciamento das classes mais subalternas das polícias das classes a qual elas deveriam combater. Sobre isso, ressalta Huggins, “Passo importante nesse processo foi transformar a atividade policial em uma ocupação em tempo integral do serviço público, e seus quadros em funcionários públicos remunerados”.132 Nesse contexto, podemos perceber que essa profissionalização vai a fundo buscando, também, uma reestruturação da burocracia das polícias, reorganizando as hierarquias, buscando novos meios para consolidar promoções e méritos aos policiais, ou seja, com a burocratização das polícias, muda-se um pouco a lógica de suas relações, 130

HUGGINS, Op cit; p. 14. HUGGINS, Op cit; p. 15. 132 HUGGINS, Op cit; p. 15. 131

67

institucionalizando-as, tornando-as mais públicas e menos privadas. Conforme Huggins, “Essa burocratização profissionalizada em âmbito nacional deu aos oficiais dos escalões superiores ligados ao Estado um controle maior sobre a polícia, fazendo com que esta passasse a responder mais por seus atos frente aos oficiais que controlavam a hierarquia”.133 Faz-se

importante

demonstrar

outro

viés

de

interpretação

sobre

a

profissionalização das polícias. Segundo Battibugli, “A polícia não faz como outros grupos profissionais que estimulam a supervisão pelos pares, a troca de informações e sugestões para corrigir treinamentos e melhorar procedimentos de ação, já que prefere apenas punir os poucos desvios que consegue ou que quer investigar”.134 Nesse sentido, a profissionalização pode trazer uma maior organização às polícias, mas o que não significa diretamente uma melhoria em seus serviços a população. Toda a profissionalização da polícia traz consequências para a sociedade em que está inserida. Dentre elas, podemos apontar a criação de um “império da lei”. Sobre ese argumento, aponta Huggins que:

[...] moldar as organizações policiais como uma instituição burocrática “legal-racional” complexa contribuiu, como já mencionamos, para criar em toda a sociedade uma impressão geral do “império da lei” – com seu corolário do “poder de ninguém”- no qual os que realmente exercem o poder na sociedade passam a ser escudados por um instituição policial que parece não promover nem proteger explicitamente seus interesses.135

Nesse primeiro argumento, percebemos que esse clima de “poder de ninguém” aliado às questões da excelência das polícias contribuiu para demonstrar e criar a imagem de uma instituição neutra perante as ações do Estado, isto é, facilitando o reconhecimento da neutralidade pela sociedade. Outro ponto que pode ser lembrado é que a burocratização e a profissionalização dessas polícias tendem, aparentemente, a torná-la mais “justa e menos inclinada à violência”.136 Aqui se cria o conceito de que a partir dessa profissionalização da ação 133

HUGGINS, Op. Cit. p;16. BATTIBUGLI, Op.Cit; p 12. 135 HUGGINS, Op.cit; p.16. 136 HUGGINS, Op. Cit; p.16. 134

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policial e da burocratização dos seus serviços, teríamos uma diminuição do uso da força e da violência. Além dos dois pontos ressaltados, podemos lembrar que a profissionalização cria uma dependência do cidadão em relação à polícia, pois a profissionalização e a especialização de seus trabalhos tornam a polícia o órgão detentor do conhecimento e habilidade para combater o crime, o que “estimula a dependência dos cidadãos “clientes” em relação ao profissional do combate ao crime”137. Isso muitas vezes faz com que alguns grupos compreendam as ações de repressão e até mesmo ações de extrema violência como um dever da polícia, para manter a ordem estabelecida. Referimos anteriormente que a profissionalização torna a polícia menos violenta e mais próxima à justiça. Alguns dados diferem dessa afirmação, pois a polícia moderna brasileira, mesmo com toda a busca de profissionalização e burocratização, está ligada ao uso da violência. Como é citado por Battibugli, “No Brasil, a instituição policial foi, em muitos momentos, reflexo das limitações democráticas e instrumento da violência ilegítima do Estado contra a população, o qual abusos de seus agentes contra os não privilegiados, os suspeitos em potencial – negros, jovens, pobres, militantes políticos”.138 Isso acaba por gerar a cultura da violência nas polícias brasileiras, que a simples profissionalização e burocratização não se tornam suficientes para finalizar. A burocratização aparece como outro importante elemento na formação das polícias e, ao mesmo tempo em que pode conduzir a uma maior organização da instituição, também é pautada por problemas políticos, devido, muitas vezes, à autonomia das ações dos corpos policias. Portanto, segundo Battibugli, “a relação entre polícia e legalidade democrática é sempre pautada por dissensões e conflitos, seja pelas suas peculiaridades institucionais, seja pelas particularidades da sociedade na qual está inserida.”139 Esses conflitos estão principalmente ligados às relações políticas dos policiais, que, como todo o ser inserido em uma sociedade, têm sua posição ideológica, que, por muitas vezes, pode não ser a mesma defendida pela ordem estabelecida pela instituição. As polícias, por mais que tenham uma vinculação direta com a política, procuram encontrar meios de se mostrar neutras para os cidadãos. Mas, questões como a

137

HUGGINS, Op cit; p. 16 BATTIBUGLI, Op cit; p. 14 139 BATTIBUGLI, Op Cit; p. 13 138

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especialização dos seus trabalhos e a sua profissionalização no decorrer de sua formação, principalmente a partir da constituição da República, podem tanto demonstrar a neutralidade de suas ações como também podem distanciar as polícias da população. Segundo Huggins, “Essa especialização contribuirá para tornar cada vez mais opaco o fato de que a política exerce uma função delegada dos cidadãos, que renunciam à violência para que sejam protegidos pelos operadores do Estado, os corpos profissionais da polícia”.140 Fazendo referência ao período de consolidação do Golpe Militar de 1964, que levou os militares ao poder, percebe-se que ditaduras sempre mostram as relações da polícia com a política de forma mais clara: “Essa distância será agravada ainda mais quando os próprios governos, tornados ditaduras militares, sem nenhum vínculo com a expressão da vontade dos cidadãos, no âmbito da doutrina de segurança nacional, reduzirão as polícias à sua função repressiva enfraquecendo ainda mais suas funções ligadas a polis”.141 Nesse momento, as polícias passam a servir diretamente aos interesses do governo, exercendo em determinados momentos o papel de uma políciapolítica. Todos os elementos aqui apresentados contribuem também para o poder de polícia, que se mostra com três objetivos: o de assegurar a tranquilidade, a segurança e a salubridade pública, o que faz entender a polícia como o elemento que impõe o dever de limitar o cidadão no sentido da lei, para que esses objetivos possam ser assegurados. É importante, nesse sentido, compreender um pouco do surgimento da ideia de poder de polícia e como isso se aplica no Estado. A expressão poder de polícia tem sua origem no período correspondente à primeira metade do século XIX. Mas a relação de poder sempre existiu, mesmo não sendo versada nos textos de direito. Segundo Cretella:

[...] o poder de polícia, em geral, sempre existiu no Estado, qualquer que tenha sido a sua natureza e função, no que diz respeito aos fins da sociedade e ele referida, quer tenha um caráter amplo de política interna (concepção originária da polícia como governo), quer tenha sido concebido como instituição essencialmente administrativa, ou como administração jurídica, ou administração social do Estado.142 140

HUGGINS, Op. cit., p. XI. HUGGINS, Op. cit., p.XI. 142 CRETELLA. Júnior José. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 537. 141

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Compreender o papel do poder de polícia é uma função árdua, ainda mais se levarmos em consideração a existência da dualidade de concepções que existem sobre o tema. Podemos definir dois modelos que versam sobre o tema: a concepção europeia continental e a concepção norte-americana. No modelo europeu continental, predomina a ideia “de proteção imediata da ordem pública, resolvendo-se, pois, a ação policial numa atividade administrativa assecuratória daquela ordem”.143 Nesse modelo, percebemos que a aplicação do poder de polícia é mais focada na segurança pessoal do indivíduo, e é justamente isso que vai se diferenciar do modelo norte-americano. Na concepção norte-americana, “o poder de polícia tem considerável extensão, não se limitando à segurança pessoal contra as vias de direito, bem como à salubridade e moralidade públicas, mas compreendendo também os meios protetores da, condição econômica e social dos indivíduos no fomento do bem-estar da comunidade e na regulamentação da vida econômica”.144 Sendo assim, o entendimento do poder policial, na concepção norte-americana, acaba tornando-se mais amplo do que o modelo europeu, isto é, ampliando sua área de ação em relação à aplicação do poder cedido pelo Estado à polícia. Com base no exposto, podemos afirmar que, com a consolidação dos Estados Modernos, a questão da função do poder de polícia foi se afirmando em relação à sustentação dos Estados, bem como com a função de gerar as condições para a promoção do bem-estar coletivo. Considerando que a polícia é constituída por um conjunto de regras impostas pelas autoridades aos cidadãos, podemos inferir que o papel do poder de polícia seria impor essas medidas na comunidade onde está inserida. Referente ao modo como se entende o poder de polícia no Brasil, teoricamente, percebemos que esta é a faculdade de que se serve a administração para limitar coercitivamente o exercício da atividade individual em prol do benefício coletivo, ou seja, o poder conferido às polícias visa elevar o bem coletivo acima das individualidades, onde a polícia serve para dar sustentação ao querer de uma maioria, presente no poder. Mas essa sustentação do direito coletivo não é repressora de todas as individualidades, o poder de polícia serve também a alguns interesses individuais, com vistas ao bem-estar coletivo, “poder de polícia é a faculdade de manter os interesses

143 144

CRETELLA. Op cit; p 539 CRETELLA. Op cit; p 539

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coletivos, de assegurar os direitos individuais”145. Podemos compreender de tal forma o poder de polícia: tem o dever da proteção dos bens, dos direitos da liberdade individual, da saúde e do bem-estar econômico, que, por muitas vezes, cria uma limitação à liberdade individual, mas que ao mesmo tempo tem de assegurar os direitos essenciais dos homens. Desse modo, podemos afirmar que este poder pode ser entendido como “o conjunto de atribuições concedidas à administração para disciplinar e restringir, em favor de interesse público adequado, direitos e liberdades individuais”.146 O exercício desse poder de polícia vem de uma autorização legal de determinado órgão ou administração. Com isso no Estado moderno todos acabam se submetendo com maior ou menor intensidade a esse poder. O poder de polícia tem contornos indeterminados, pois, partindo do princípio da sustentação do bem-estar, pode-se concluir que quando e onde o bem-estar estiver em ameaça, o poder de polícia pode ser aplicado. Segundo Marco Antônio Azkoul, o poder policial é “a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado” .147 Nesse sentido, é possível entender que este poder deve satisfazer alguns objetivos, como assegurar a tranquilidade, a segurança e a salubridade pública, impondo medidas necessárias para a sustentação desses objetivos, isto é, mantendo dentro dos limites impostos pela lei o bem-estar e interesse coletivo. Muitas vezes, essa manutenção acaba fazendo uso de um sistema repressivo através da violência, buscando em seu policiamento exercer o uso de técnicas repressivas ou até mesmo de fiscalização de pessoas que sejam consideradas ameaças a essa ordem estabelecida. Com funções bem específicas e a serviço do governo, as polícias vão se consolidando no cenário político dos Estados modernos, se inserindo assim na governabilidade desses, criando uma necessidade de sua presença para a sustentação do regime e procurando estabelecer um equilíbrio na existência dos homens na sociedade. Sobre o poder de polícia, nos lembra Ribeiro que “em sentido amplo, é exercido pelo

145

CERTELLA. Op cit; p 541 CERTELLA. Op cit; p 541 147 ANTONIO, Marco Azkoul. A polícia e sua função constitucional. São Paulo. Editora: Oliveira Mendes. 1998. p.32 146

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Estado para atender ao interesse público”.148 Nesse sentido, podemos aprofundar esse debate, pois nem sempre o poder da polícia é usado para atender simplesmente o interesse público, sendo muitas vezes esse poder relacionado à manutenção de um sistema ou de grupos políticos, estando, assim, diretamente ligado às relações políticas do estado a que ele representa. Destaca Sergio Bova:

Outro elemento que caracteriza a atividade dos corpos de Polícia está no seu grau de descentralização com relação à administração estatal. A direta dependência dos corpos de Polícia dos prefeitos e, por consequência, do Governo nacional, permite que eles sejam utilizados na instauração do estado de ordem que o executivo exige para o desenvolvimento da sua própria função.149

Com isso, podemos afirmar que a presença das polícias como elemento de atuação política nos governos é presente, mesmo que por vários momentos tente se mostrar neutra através de sua burocratização e profissionalização, bem como pelas suas limitações jurídicas impostas ao seu poder. O que se percebe é que a polícia vai estar ligada, de uma forma ou outra, aos sistemas políticos vigentes e encontrar meios legais para justificar ações de sustentação desses regimes. Um dos meios legitimadores da polícia é o meio jurídico, por isso buscaremos também a compreensão da história e do funcionamento da Justiça Militar, pois como o foco de análise desta dissertação é o grupo que se formula como oposição ao que se consolidava no país em abril de 1964, é de suma importância entender os dispositivos que viriam a julgar esse movimento e como o mesmo funcionava na data de atuação do chamado Grupo dos Onze da Brigada Militar, tema do último capítulo deste trabalho.

2.3 A organização da Justiça Militar no Brasil Tem-se por objetivo compreender a constituição da Justiça Militar brasileira que respaldou as ações contra os considerados, Grupo dos Onze da Brigada Militar, objeto do terceiro capítulo desta dissertação. Para tanto, apresentaremos um histórico da

148

RIBEIRO, Op cit; p.39 BOVA, Sergio. Dicionário de Política. In. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. 12. Ed. vol. 2. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 947. 149

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instituição para entender seu funcionamento a partir de 1964, quando os inquéritos contra os brigadianos foram instaurados. O direito no Brasil deriva do direito lusitano, logo, o direito brasileiro filia-se, em sua formação, ao grupo continental europeu.150 O direito brasileiro sofre assim uma forte influência do direito ibérico, conforme evidencia Alexandre Seixas, quando afirma que “A importância do antigo direito ibérico para o direito brasileiro e sua história pode ser avaliada pela permanência das Ordenações Filipinas”, de 1603151. O que está previsto nessas ordenações permaneceu influenciando o direito brasileiro por vários anos após a sua criação. Segundo o autor:

Essa ordem jurídica não foi abalada pela independência política, em 1822, nem pela queda da monarquia, em 1889. Em matéria penal, no entanto, o livro quinto das Ordenações foi revogado pelo código criminal de 1830. Logo depois, o processo penal passou a regular-se pelo código de processo criminal de 1832.152

A história da Justiça Militar no Brasil inicia com a chegada da Família Real Portuguesa, período em que o Brasil passa por uma série de transformações culturais, estruturais e jurídicas, com a alteração de status de uma colônia para sede do Império, com o título de Vice-Reino. Podemos identificar como marco de fundação da Justiça Militar no Brasil a criação do Conselho Supremo Militar e de Justiça, que se oficializa a partir do Decreto de 1° de abril de 1808. A jurisprudência do Conselho se dava sobre todo o território e tinha duas funções principais: uma mais administrativa (promoções e transferências) e outra judicial (condenação de infrações e crimes militares – julgava os casos em última instância). Segundo Seixas, “O Conselho Supremo Militar era composto de quinze

150

Distinguem-se no direito ocidental um direito continental europeu, ou do grupo francês, e um direito do grupo anglo-americano. No âmbito do primeiro, situam-se os ordenamentos jurídicos derivados do direito romano: inclui, na Europa, todos os estados com exceção do Reino Unido e dos que integravam o bloco soviético até 1991, a América Latina e, de certo modo, a África do Sul e o Japão. Sua característica fundamental é a absoluta preeminência do direito escrito e, secundariamente, a tendência à codificação. O próprio raciocínio jurídico se constrói sobre o pressuposto de que a solução de qualquer controvérsia encontra-se numa norma geral criada pelo legislador. A lei é a fonte do direito por excelência e o ideal jurídico se expressa na identidade plena entre o direito e a norma jurídica. SEIXAS, Alexandre Magalhães. A Justiça Militar no Brasil. Estrutura e Funções. Dissertação de mestrado do programa de pós-graduação em Ciências Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. 2002, p.35. 151 SEIXAS. Op. Cit., p. 35. 152 SEIXAS. Op. Cit., p 35.

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membros, sendo doze Conselheiros de Guerra e do Almirantado e Vogais, mais um Ministro Relator e dois Ministros Adjuntos, todos civis, funcionando como Conselho Supremo de Justiça. Essa foi a instalação Oficial do escabinato 153 na Justiça Militar no Brasil”154. Importante ressaltar que a presidência da Justiça Militar era do Imperador e que também não fazia parte do Poder Judiciário.155 Em relação à Justiça Militar no Brasil no período Imperial, podemos afirmar que estava diretamente ligada ao Regulamento do Conde Lippe.156 Os artigos de guerra produzidos por Lippe para reformular o Exército Português acabam sendo trazidos para o Brasil, onde são adotados como legislação pelos chefes militares que aqui estavam, já que nenhuma lei específica havia sido formulada, em relação à Justiça Militar, para o Império. Esse Regulamento foi o que vigorou no Império e foi usado para manter a ordem e a disciplina nas lutas internas e externas brasileiras. Apesar de todas as criticas feitas a ele, o Regulamento criado pelo conde Lippe vai vigorar no Brasil até 1908. Em seus artigos, era comum encontrar referências ao uso da tortura como meio de obtenção de provas penais. Quem inicia as reformas em 1908 é o Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, então Ministro da Guerra da Primeira República, e, assim, se dá início a uma reforma na força militar terrestre. A proclamação da República se torna o ponto divisor dessa estrutura, pois os “juristas e os governantes pátrios puderam dedicar-se com mais empenho na elaboração de uma legislação genuinamente brasileira”.157 O clima criado pela formação da República forçava os juristas e governantes a essa criação. No campo militar, essa mudança ocorre de forma mais lenta. No Império, o Código de Direito Penal sofreu algumas influências estrangeiras na sua formulação. Umas das influências foram os princípios liberais do iluminismo, outras duas referências do Código foram: o Código Francês, de 1810, e o Código 153

Escabinato é um órgão judiciário integrado por magistrados de carreira (concursados) e juízes leigos. SEIXAS. Op. Cit., p. 36. 155 D´ARAUJO, Maria Celina Maria. Justiça Militar, segurança nacional e tribunais de exceção. Trabalho apresentado no Encontro Anual da ANPOCS. GT08 - Forças Armadas, Estado e sociedade. Outubro 2006, p.3. 156 Conde Lippe, oficial alemão que foi convidado pelo rei D. José I, de Portugal, para realizar a reestruturação do exército daquele país, no século XVIII. Apesar de alemão, alistou-se na Marinha inglesa onde se destacou em diversas batalhas, como as de Minden e Cassel. Fonte: SEIXAS, Alexandre Magalhães. A Justiça Militar no Brasil. Estrutura e Funções. Dissertação de mestrado do programa de pós-graduação em Ciências Políticas do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. 2002. 157 SEIXAS. Op. cit., p 38. 154

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Napolitano, de 1819. O Código Criminal do Império de 1830 não deixava específica a forma de julgamento especial para crimes militares, fazendo com que estes fossem julgados conforme a lei respectiva que vigorava na época. Somente em 1832, com promulgação do Código de Processo Criminal do Império, foram especificados os crimes puramente militares. Ainda no Império, foram criadas algumas leis que ajudariam a direcionar o julgamento militar, como a lei de 26 de maio de 1835, que versava sobre o crime de deserção de praças, e também a Lei 201, de 1841, que tratava da entrada de militares em rebeliões ou sedições, e que este seria julgado pelo Tribunal Militar. Outra importante lei é a 562, de 1850, que tratava do julgamento dos Conselhos de Guerra.158 Durante o período imperial, a estrutura de fiscalização dos militares ficava organizada pelos seguintes órgãos: o Conselho de Disciplina, que era responsável por verificar as deserções dos praças, e os Conselhos de Investigação, que tinham como função estudar os atos criminosos em geral e a deserção de oficiais de patente. Havia também os Conselhos de Guerra, que tinham a responsabilidade de julgar os crimes militares em primeira instância. Em segunda instância, o julgamento ficava sob a responsabilidade do Conselho Superior de Guerra. Além desses, ainda existiam a Justiça Militar e os Conselhos para Faltas Disciplinares. O Código Penal da Armada resultou de uma designação do Ministro da Guerra, para criar uma comissão para o desenvolvimento do código que inicia seus trabalhos em 18 de dezembro de 1865, sendo substituída em 14 de janeiro de 1840, quando se consolida. O código é estendido, em 20 de janeiro de 1941, para o Exército e as Forças Aéreas, e também contribui para dar origem ao Código Penal Militar posteriormente.159 Se analisarmos a Justiça Militar pelas constituições nacionais, desde 1824 até a de 1946, vamos perceber importantes alterações que levaram ao fortalecimento dessa instituição entre as forças militares e que também se estendiam às forças policiais. Na Constituição de 1824, não há termos claros referente à função e às definições específicas do papel da Justiça Militar, o que não quer dizer que suas primeiras atribuições não possam ter aparecido nesse momento. Pode-se afirmar que as referências existentes na Constituição de 1824 têm uma ligação direta com o direito militar português, e que muito do que foi instituído em 1808, com a chegada da Família 158 159

SEIXAS. Op cit; p 39. SEIXAS. Op cit. p 39.

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Real Portuguesa, estava presente nesse texto constitucional, isto é, “precedendo a Constituição de 1824, estava implantada e organizada a Justiça Militar desde 1808. Aqui se estruturou, à semelhança de além-mar, as forças de terra e mar, inclusive policiais”160. No período que representa a transição do Império para a República, tivemos importantes mudanças políticas no país. No que diz respeito às questões da Justiça Militar, podemos apontar algumas relevantes transformações. Isso fica claro na análise de alguns artigos dessa Carta Magna, que fazem referência à importância que seria dada à instituição militar na República – situação verificada em seu artigo 15 (são órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário) e no seu artigo 55 (o Poder Judiciário da União terá por órgãos um Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República). Nesses textos da Constituição, não percebemos referências à Justiça Militar como órgão integrante do Poder Judiciário, mas, no artigo 77, está disposta a extinção do Conselho Supremo Militar e de Justiça e a criação do Supremo Tribunal Militar (STM). Com a Primeira República, importantes transformações contribuem para a consolidação organizacional da Justiça Militar no Brasil. O primeiro passo dado quanto a essa relação é a mudança de nome do Conselho Supremo Militar e de Justiça para Supremo Tribunal Militar, dada pelo Decreto Legislativo n° 149, de julho de 1893. No ano de 1920, é criado o Código de Organização Judiciário e Processo Militar, através do Decreto n° 14.450, sendo o Processo Militar novamente alterado em 1938, pelo Decreto n° 925, de 09 de dezembro. A Constituição de 1934 torna a Justiça Militar um órgão do Poder Judiciário. Seus artigos garantem algumas vantagens antes não previstas aos militares, como, por exemplo, no conteúdo do artigo 84, que garantia “foro especial aos militares e assemelhados, nos delitos militares, atingindo civis, em crimes que atentassem contra a segurança nacional ou instituições militares”.161 As definições desse Supremo Tribunal Militar estavam previstas no Decreto Legislativo n° 149, de 18 de julho de 1893, e previa uma organização com 15 Ministros, sendo 12 militares e três civis. Ainda era previsto que os militares de terra e mar teriam foro especial em delitos militares. Aos magistrados era garantida a vitaliciedade e irredutibilidade de seus vencimentos. É importante esclarecer que mesmo com toda a 160 161

SEIXAS. Op. cit., p 40. SEIXAS. Op. cit., p 40.

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evolução na organização da Justiça Militar, somente na Constituição de 1934 foram estabelecidas diretrizes mais claras quanto às questões de Justiça Militar. A Justiça Militar nesse período também passa a se envolver mais diretamente com as questões referentes à segurança nacional, na busca de conter o inimigo contra a República. Para isso, é editado, em 23 de dezembro de 1889, o decreto número 85, que, segundo D‟ Araujo, instituía “a censura à imprensa criava a Comissão Mista Militar de Sindicâncias e Julgamentos cujos integrantes seriam indicados pelo ministro da Guerra. A Comissão tinha por função julgar civis e militares envolvidos em atos considerados comprometedores para a nova ordem política”.162 Com a revolução de 1930 e a chegada de Vargas ao poder, ocorrem algumas mudanças constitucionais, como a promulgação da Constituição de 1934, que basicamente manteve a organização judiciária prevista na Constituição de 1891. As mudanças mais relevantes foram: a instituição da Justiça Eleitoral, em 20 de maio de 1932 é criado o Tribunal Superior Eleitoral. Também são criados os Tribunais Eleitorais Regionais, que tinham como principal objetivo aumentar a fiscalização no processo eleitoral, para tornar as eleições mais transparentes. A criação da Justiça do Trabalho ocorre a partir de 1934. Referente à Justiça Militar, é na Constituição de 1934 que esta passa a integrar o Poder Judiciário, como ficava previsto no artigo 63: “São órgãos do Poder Judiciário: a) a Corte Suprema; b) os Juízes e Tribunais Federais; c) os Juízes e Tribunais Militares; d) os Juízes e Tribunais Eleitorais”163. O artigo 84 da mesma Carta Constitucional previa que “os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas terão foro especial nos delitos militares”.164 A Constituição de 1937 apresenta características diferenciadas, pois era uma Constituição que prezava pela centralização administrativa e pelas atribuições conferidas ao Poder Executivo, valorizando a figura do presidente. Referente à Justiça Militar, tem-se a criação do Tribunal de Segurança Nacional em setembro de 1936. Criado para atuar em tempos de guerra, o que na realidade não se efetiva, pois continua a atuar durante os tempos de paz, gerando até mesmo conflitos de atuação com a própria Justiça Militar. Esse problema de conflitos por má definição de funções é resolvido 162

D´ARAUJO. Op. cit., p 3. SEIXAS. Op. cit., p 44. 164 D´ARAUJO. Op. cit., p 4. 163

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somente em 1942, quando o presidente faz a adequação do artigo 173 da Constituição para que neste fosse aceita a existência dos dois órgãos: a Justiça Militar e o Tribunal de Segurança Nacional (TSN), que fica assim redigido: “Art.173. O estado de guerra motivado por conflito em país estrangeiro se declarará no decreto de mobilização. Na sua vigência, o Presidente da República tem o poder do artigo 166 e a lei determinará os casos em que os crimes cometidos contra a estrutura das instituições, a segurança do Estado e dos cidadãos serão julgados pela Justiça Militar ou pelo Tribunal de Segurança Nacional”.165 Essa alteração dá o direito ao Tribunal de Segurança de estar em funcionamento mesmo em tempos de paz. Com o final do Estado Novo, segue a elaboração de uma nova Constituição, aprovada em 1946, que manteve a Justiça Militar como foro especial, “compete processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são, assemelhadas. Esse foro especial poderá estender-se ao civis, no caso, expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança nacional externa do país ou as instituições militares”166. Outra importante alteração em relação à Justiça Militar se dá com sua nomenclatura, passando, a partir de 1946, a ser chamada de Superior Tribunal Militar e não mais Supremo Tribunal Militar. Ainda foram feitas alterações quanto ao julgamento de civis; onde se proibiu o julgamento desse em foro militar. A partir de 1º de abril de 1964, muitas alterações, no que toca à Justiça Militar, ocorrem. Podemos citar, principalmente, o número de Ministros, que aumentam de 11 para 15. Além disso, são transferidos para a Justiça Militar os casos relativos à Segurança Nacional, o que representa um aumento nas ações da Justiça Militar. Segundo D‟Araujo, “Era o começo de um aumento do raio de ação da Justiça Militar que só fará crescer com as constantes modificações nas leis de segurança nacional e nas constituições editadas nos anos de 1967 a 1969”.167 Com isso, podemos perceber que a Justiça Militar no Brasil, desde o período imperial, passou por várias alterações, que foram ocorrendo conforme a mudança dos governos. Sendo assim, fizemos referência à Justiça Militar e seu processo de evolução histórica no Brasil, a partir daqui faremos um pequeno levantamento dessa instituição no Rio Grande do Sul. A primeira referência à Justiça Militar no estado encontra-se na Lei n° 148 de 24 de julho de 1848, onde o presidente província deduziria da parte penal 165

Apud SEIXAS, p. 47. SEIXAS, Op. cit., p 48. 167 D´ARAUJO. Op. cit., p 13-14. 166

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do Exército os princípios para manter a disciplina e a subordinação, prevendo uma punição a praças que desertassem. Segundo Mariante, “é preciso esclarecer, aqui, que os Conselhos de Disciplina apreciavam, não somente a conduta disciplinar dos praças, na forma do artigo 4°, mas ainda os crimes e delitos”.168

2.4 A Justiça Militar no Rio Grande do Sul, organização e formação

Em 23 de dezembro de 1857, se estabelece um Regulamento que era mais específico em relação às questões judiciais. Nos artigo 4° e 5°, temos a informação da criação de uma Seção de Disciplina, que tinha como função punir os crimes militares cometidos pelos membros do Corpo Policial: “A passagem de praças para a Seção de Disciplina constituía castigo e podia durar de um mês a um ano e durante este tempo ficavam inteiramente sujeitos às leis e regulamentos do Exército”.169 Nesse regulamento, em seu artigo 68, previam-se os tipos de crime ou delitos que seriam julgados. Eram listados mais de 23 tipos de crimes, entre eles deserção, revoltas, violência contra superior, apropriação de objetos públicos, excesso de autoridade, suborno, falsidade, entre várias outras ações. O artigo 69 categorizava a deserção e a insubordinação como crimes que deveriam ser julgados conforme as leis militares do Império. Tal regramento legal, criado em 1857, dava muitos poderes ao Presidente provincial, pois era este quem nomeava os membros do Conselho de Disciplina e da Junta Superior, da qual ele também era o presidente. Em 19 de janeiro de 1859, um novo regulamento é regulamentado para o Corpo Policial, que alterava algumas seções previstas no antigo Regulamento, dentre as quais vale ressaltar a mudança em relação aos poderes do Presidente provincial, que perde o controle sobre a Junta Superior, pois agora quem passava a coordenar esses órgãos eram os oficiais superiores de primeira linha do Corpo Policial ou da Guarda Nacional. O sistema de Junta Superior existiu até o ano de 1876. Após sua extinção, a função de julgamento passa exclusivamente ao Conselho de Disciplina e era feita unicamente pelo Presidente da província.

168 169

MARIANTE, Op cit; p 373 MARIANTE, Op cit; p 372

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Novas alterações vão se consolidar no período republicano, uma das primeiras atitudes é reestruturar a Guarda Cívica, integrando essa força ao Corpo Policial. Essa medida foi vista como uma tentativa de centralizar o poder da polícia e também como uma forma de poder manter as questões disciplinares. Isso ocorre em 28 de março de 1892. No artigo 9° desse Regulamento, tem-se a distinção de quem seria o papel de exercer a função de justiça a partir da formação da República. Segundo Mariante, o artigo:

[...] estabelecia que os crimes cometidos por oficiais ou praças do Corpo seriam julgados por uma comissão Disciplinar, nomeada pelo governador do Estado, para os oficiais, e pelo comandante do corpo para as praças de pré, devendo ser aplicadas as penas estabelecidas nos regulamentos do Exército, enquanto não fosse expedido regulamento para a corporação.170

Essas disposições logo foram alteradas, em 26 de abril de 1892, pois o ato de n°168 previa modificações quanto às questões judiciais, que antes estavam em caráter provisório. A principal mudança foi a retirada de parte do texto, que previa que a punição dos crimes seria feita de acordo com as leis do Exército, ficando o texto assim redigido:

A vista das provas de culpa, a Comissão emitirá parecer, indicando, enquanto não for expedido regulamento para o Corpo, as penas estabelecidas nos regulamentos militares e que julgar aplicáveis, tendo em atenção todas as circunstâncias, quer agravantes, que atenuantes, em relação ao delito cometido. Emitido o parecer será o processo submetido por intermédio do comandante do Corpo e com informação deste ao governador do Estado, que resolverá definitivamente sobre a pena que deve ser cumprida pelo acusado. 171

Esse artigo, que faz a referência às competências e às leis para julgar os crimes cometidos pelos militares, recebe várias alterações durante o período republicano. Ainda no ano de 1892, é revisto no que diz respeito às afirmativas sobre os oficiais do Corpo Policial, e seu novo texto estabelece que agora passariam a ser

julgados por um

Conselho Disciplinar, composto por um auditor nomeado pelo governador do Estado. 170 171

Apud MARIANTE, p. 377. Apud MARIANTE, p. 378.

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Com a criação da Brigada Militar e a extinção da Guarda Cívica, o governo do Estado estabelece um Regulamento Disciplinar e Processual, que serviu de base para orientar as questões judiciais da BM nos seus primeiros anos. Segundo Mariante, esse Regulamento não passava de uma condensação das ordens disciplinares da antiga Guarda Cívica e do Corpo Policial. Mas, conforme lembra o autor, “o Conselho julgador aplicava a pena, de acordo com o estabelecido no mesmo Regulamento, cabendo decisão de última instância ao governador”.172 A Constituição de 1891 pouco se referiu ao funcionamento das polícias militares estaduais, fazendo com que as bancadas parlamentares de cada Estado procurassem regulamentar as ações das mesmas. Em fins de 1916 e começo de 1917, políticos do Rio Grande do Sul apresentaram um projeto que contribuiu para um melhor entendimento das polícias militares nos Estados: “a bancada gaúcha, na Câmara Federal, apresentou um projeto, dando competência aos conselhos de guerra, constituídos nas forças estaduais, para julgarem os oficiais e praças das mesmas corporações „nos crimes propriamente militares‟”.173 Esse projeto vai contribuir para a formulação do Decreto nº 2347 A, de 28 de maio de 1918, que dava uma nova organização para a Justiça Militar Estadual (JME), definindo quais seriam as composições dos conselhos militares que eram responsáveis pelos julgamentos, tendo os conselhos formatos diferenciados, ou seja, era composto de determinada forma quando se julgavam os praças e de uma outra maneira quando se julgavam os oficiais:

PARA JULGAR OFICIAL – um oficial superior, como presidente, o auditor, relator com voto, e três oficiais, com patente superior ou, pelo menos, igual a do acusado. PARA JULGAR PRAÇA DE PRÉ – um oficial superior, como presidente, um capitão, como interrogante, o auditor e dois oficiais subalternos.174

No ano de 1922, teremos mais uma alteração referente ao julgamento de oficiais e praças. A lei federal nº 4527, de 26 de janeiro, dispunha que oficiais e praças das polícias militares que praticassem qualquer crime dos previstos no Código Penal Militar

172

MARIANTE, Op. Cit., p. 379. MARIANTE, Op. Cit., p. 379. 174 MARIANTE. Op. Cit., p. 380. 173

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teriam foro especial e seriam punidos com as leis estabelecidas no Código Militar. O governo do Estado, no mesmo ano, lança o Decreto nº 2949, que fazia referência à manutenção e à competência do Conselho Militar em fazer os processos e os julgamentos dos oficiais e praças da BM. Nesse período, é afirmada a importância desse Conselho para os julgamentos. O Conselho Militar, criado em 1918, permaneceu como órgão responsável pelos julgamentos na BM, até o ano de 1940. Nesse ano, é criado o Decreto-lei nº 47, que passou a vigorar somente em 1941. Essa série de decretos, que foram sendo formulados a partir de 1918, contribuíu para o crescimento da autonomia da Justiça Militar do Estado, sendo que, a partir do decreto de lei criado em 1940, podemos perceber que a Justiça Militar dá um importante passo para se libertar da tutela judiciária do Presidente, pois prevaleciam as decisões dos Conselhos Militares. Nesse breve histórico, podemos perceber as relações judiciárias e da Justiça Militar. Dessa forma, é importante compreender como, depois desse processo de amadurecimento, a Justiça Militar se comportou nos primeiros anos da Ditadura Militar, pois nesse período de intensas conturbações políticas é importante ver o papel e a relevância da justiça. Na ditadura militar instaurada em 1964, ocorreu uma grande perseguição por parte dos militares a militantes de correntes políticas contrárias ao governo militar. Um fator que chama atenção é que apesar de toda a estrutura montada para a manutenção do regime militar, os militares ainda respeitavam, em partes, os preceitos judiciais impostos, isso ocorria em um sentido de legitimar o governo que se formava. Esse fator era presente tanto no STF quanto no STM. Muitas vezes, o papel de julgar os crimes se confundia entre os dois tribunais. Na busca de entender a ação e a importância do STM nos primeiros anos da Ditadura Militar, tomamos como ponto de partida o entendimento de que o sistema judiciário foi mantido no início da ditadura e ainda mantendo, ao menos legalmente, algumas composições da Constituição de 1946. A ditadura instituída no Brasil a partir de 1º de abril de 1964 destaca-se pela importância que deu à esfera jurídica. Muitas vezes, buscando justificar as suas ações contra grupos contrários ao sistema pelas vias da justiça, dando a impressão de que suas ações eram legais. Havia, assim, a necessidade de manter e criar regras para o governo

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que se estabelecia no país, mas, segundo Lemos, “Havia regras, mas a interpretação de como aplicá-las podia mudar a qualquer momento”.175 Nesse sentido, relevante ponderar: por que a ditadura no Brasil buscava essa aliança com a justiça? Sobre isso, comenta Sader que “a ditadura foi a mais „dissimulada‟, pois no Brasil se buscou passar uma ligação democrática, mantendo algumas instituições como a justiça”.176 Essa busca por uma transparência democrática e a tentativa de manter essa aparência pode ser explicada pela necessidade que estava ligada a preservar os envolvidos no processo de construção e consolidação do Golpe Militar, para o olhar do exterior. A manutenção das instituições democráticas, como a justiça, também se justifica pelo fato de passar um sentido democrático às elites e à classe média, que havia contribuído no processo de construção da ditadura daquele governo. Havia entre os militares uma forte preocupação com a formalidade jurídica, por exemplo, a citação do Ministro da Guerra Arthur da Costa e Silva, que, diante da demora em se definir o Ato Institucional número I (AI-I),177 pedia “que lhe desse algum documento „qualquer coisa‟, dizia, que lhe permitisse iniciar as punições”.178 Com essas ações, podemos concluir que, assim como em outras instituições, no Judiciário é mantida a fachada democrática. Como lembra Sader, “Foi mais fácil para a ditadura, após depurar o Legislativo e o Judiciário, conviver com eles, sem necessidade de fechá-los, como aconteceu nos outros países do Cone Sul”.179 Portanto, podemos compreender que os generais que passam a governar o país, optaram em não destruir as instituições, mas sim reconfigurá-las, para melhor servir ao novo regime. No início da ditadura, é possível perceber que este teve uma natureza ditatorial, mas apoiada na classe dominante e algumas instituições, entre elas o Poder Judiciário. Em razão dessa associação, podemos afirmar que o Brasil passa, nessa época, por um hibridismo político, sendo uma ditadura que se relacionava com os traços políticos democráticos. Segundo Lemos, “Tratando-se de um regime que tentaria adequar uma sociedade portadora de razoável grau de complexidade econômica e social às 175

LEMOS, Renato.Poder judiciário e poder militar (1964-1969). In: Nova História Militar brasileira. Org: Celso Castro, Vitor Izecksohn, Hendrik Kraay. Rio de Janeiro: Editora: FGV, 2004. p 410 176 Apud. Lemos p 412 177 Modifica a Constituição do Brasil de 1946 quanto à eleição, ao mandato e aos poderes do Presidente da República; confere aos Comandantes-em-chefe das Forças Armadas o poder de suspender direitos políticos e cassar mandatos legislativos, excluída a apreciação judicial desses atos; e dá outras providências. 178 Apud. LEMOS, p. 414. 179 Apud. LEMOS, p. 417.

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conveniências dos capitais monopolistas internacionais, nem a democracia nem a ditadura podiam ser como antes do golpe”.180 Em relação ao Poder Judiciário, pode-se afirmar que este exerceu um papel ativo no sistema político e interagiu com outras instituições, seja para manter as que já haviam sido criadas ou para dar sustentação para as que viriam a ser formadas pelo sistema ditatorial. Nesse período, o Judiciário acaba sintetizando algumas contradições, limita as práticas reprodutoras da desigualdade, mas legitima a ideia de legalidade do novo regime político. Sobre o STM, Lemos afirma que este, muitas vezes, acaba sendo esquecido nos estudos referentes ao papel do Judiciário no governo militar. Vale ressaltar que, ao contrário das afirmações de falta de importância, cumpriu um importante papel de participar de negociações do Executivo, contribuindo para consolidação do regime militar. A Justiça Militar passa a determinar algumas de suas ações também pelo ajuste de contas contra o regime deposto e contribuindo para a instalação dos pilares da nova ordem que se estabelecia pós-golpe civil militar de 1964. O STM passa a se inserir de duas formas: como órgão do aparato de coerção judiciário, onde seu papel era de aplicar a legislação repressiva, período em que o julgamento de crimes políticos passa para o STM e não mais para o STF; como uma força auxiliar de legitimação do regime (julgar com a legislação derivada da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), baseados em processos construídos através de práticas violentas como: prisões arbitrárias, confissões obtidas com torturas). No STM, havia disputas internas, conflitos entre correntes de pensamento. Essas disputas se baseavam, principalmente, na contradição entre a luta de juízes e os membros que elaboravam os processos em primeira instância, que geralmente eram simpáticos à chamada “linha dura”. Sobre essas contradições, ressalta Lemos: “Mesmo os ministros mais conservadores faziam restrições ao trabalho das auditorias militares e das comissões de inquérito espalhadas pelo país para apurar supostos crimes de subversão e corrupção”.181

180 181

LEMOS, Op. Cit., p. 418. LEMOS, Op. Cit., p. 425.

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O STM se torna mais ativo a partir do Ato Institucional número II (AI-II),182 a partir de 27 de outubro de 1965. Nesse período, as deliberações do órgão tornam-se mais complexas e acabam entrando, mais ativamente, no cenário das disputas políticas do Brasil. Com isso, podemos afirmar que, da consolidação do Golpe Militar em 1º de abril de 1964 até a instauração do AI-II, as questões referentes aos julgamentos, apesar de todo o esforço de legitimar suas ações, ficam confusas entre função do STF e STM. Mesmo assim, é possível afirmar que a atuação do STM foi de suma importância para o projeto político do governo militar. No capítulo a seguir, respaldados na documentação dos tribunais militares, buscamos apresentar e analisar processos movidos contra polícias militares do Rio Grande do Sul nos primeiros anos da ditadura militar, em especial, estudamos as denúncias aos brigadianos que compuseram o denominado “Grupo dos Onze da Brigada Militar”.

182

Modifica a Constituição do Brasil de 1946 quanto ao processo legislativo, às eleições, aos poderes do Presidente da República, à organização dos três Poderes; suspende garantias de vitaliciedade, inamovibilidade, estabilidade e a de exercício em funções por tempo certo; exclui da apreciação judicial atos praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares decorrentes; e dá outras providências.

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CAPÍTULO III – OS CONFLITOS POLÍTICOS NA BRIGADA MILITAR: FORMAÇÃO, INFLUÊNCIA E AÇÕES DOS ONZE DA BRIGADA Neste capítulo, desenvolvemos uma análise sobre o intitulado Grupo dos Onze da Brigada, que teve sua atuação nos conflitos políticos ocorridos na consolidação do Golpe Civil-Militar de 1964. Para a construção deste capítulo, partimos da ideia de que, em momento de crise política e de grandes disputas pelo poder entre diferentes grupos políticos, as polícias militares tendem a demonstrar uma divisão política, por muitas vezes maquiada através de uma aparente neutralidade. No intuito de melhor esclarecer as ações do movimento no período dessa pesquisa, este capítulo está dividido em três subitens. No primeiro subitem, tem-se por objetivo apresentar a origem dos Onze da Brigada, ou seja, informar os elementos que levaram esse grupo a se mobilizar no ano de 1964, demonstrando a ligação destes com a campanha da Legalidade de 1961 e também com o espírito legalista da BM, que, por muitas vezes, é apontado como principal motivo para justificar as articulações da instituição. No segundo subitem, partindo do princípio de que as polícias militares sofrem influências políticas, buscaremos compreender quais as ligações políticas dos Onze da Brigada, que se dão principalmente com relação ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), no Rio Grande do Sul. No terceiro subitem, o objetivo é demonstrar as ações desse grupo e o resultado delas. São, além disso, expostas razões pelas quais a articulação dos Onze não obteve sucesso, e apresentados os resultados dos julgamentos para os principais envolvidos, fazendo-se uma análise dos inquéritos polícias militares movidos contra os Onze da Brigada. Procura-se, nesse contexto, demonstrar a visão dos que julgam, através dos relatos do IPM e dos que foram julgados, analisando principalmente as entrevistas e questionamentos feitos ao logo do processo aos envolvidos. 3.1 A influência da Legalidade na formação dos “Onze da Brigada” e o dualismo legalista de 1964 Nos capítulos anteriores, desenvolvemos uma análise sobre o histórico da formação das PMs no Brasil e no Rio Grande do Sul e buscamos compreender como se dá a relação dessa instituição com os governos por ela representados. Feita essa análise, voltamos, agora, especial olhar à compreensão da origem de um importante movimento

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da Brigada Militar, que teve suas ações nos dias que antecederam o golpe civil-militar de 1964. O grupo a que nos referimos é chamado de os “Onze da Brigada”, nome registrado no IPM movido contra os policiais militares participantes do movimento.183 Os Onze da Brigada, por muitas vezes, não são lembrados em publicações referentes à atuação da Brigada Militar antes e durante o Golpe Militar, o que ressalta o ineditismo desta dissertação, pois aqui falamos de um grupo que, seja por falta de pesquisa ou de fontes capazes de demonstrar a sua existência e ações, é deixado de lado nas análises de outros trabalhos, sejam acadêmicos ou institucionais. No desenvolvimento deste trabalho, faz-se necessário identificar o que seria os Onze da Brigada, ou seja, como foram formados e como surgiu sua ideia. Para isso, pertinente fazer uma pequena contextualização sobre o movimento no Rio Grande do Sul. A formação dos Onze da Brigada tem sua origem em 1963, partindo das ações de Leonel de Moura Brizola e partidários do PTB do Rio Grande do Sul, que ao perceberem que as atitudes tomadas pelo governo de João Goulart não estavam sendo muito bem recebidas, o que poderia consolidar um golpe dos grupos de oposição. Sendo assim, o grupo dos Onze, de forma geral, teria a função de pressionar politicamente o governo para que as reformas propostas por João Goulart fossem realizadas, consolidando a manutenção do governo. Segundo Baldissera, “Para Brizola, o Grupo dos Onze deveriam ser grupos de pressão sobre o presidente, sobre o congresso e sobre a sociedade em geral para a realização das Reformas de Base”.184 Sobre a organização do Grupo dos Oonze, Brizola e seus partidários formariam um grupo com cinco integrantes, mas, após alguns estudos, entendeu-se que para a melhor organização do grupo, seria mais relevante e eficaz manter o número de 11 integrantes. Segundo Baldissera, “a ideia de grupos de onze elementos partiu de um estudo encomendado por Brizola ao professor Coriolano Vieira, da Guanabara, sobre „motivação e mobilização popular‟ para campanha revolucionária que ele, Brizola, iria deflagar”.185

183

A expressão Onze da Brigada, nome do movimento estudado nesta dissertação, é encontrada na página 5 do IPM 38.521. Dessa forma, compreendendo que os envolvidos nesse movimento assim se autointitulavam, adotamos essa nomenclatura como meio de identificação. 184 BALDISSERA, Marli de Almeida. Onde estão os grupos de onze?: os comandos nacionalistas na região do Alto Uruguai – RS. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo, 2003. p. 58. 185 BALDISSERA. Op. Cit., p. 59.

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Ainda no ano de 1963, os partidários da ideia de formação do Grupo dos Onze passam a difundir a criação do grupo entre o povo brasileiro. A divulgação da ideia era feita por meio de alguns recursos, como o uso da cadeia de estações de rádio (liderada pela rádio Mayrwik Veiga) e, a partir de novembro de 1963, com a cartilha intitulada de “Organização dos Grupos de Onze Companheiros ou Comandos Nacionalistas”.186 Essa cartilha pode ser compreendida como um manual de instruções para a formação do Grupo dos Onze por todo o Brasil. O material está dividido em sete páginas, que versam principalmente sobre: a defesa das conquistas democráticas do povo brasileiro, reformas imediatas e libertação nacional. O documento descreve, em um pequeno histórico, a situação política e econômica do país e também passa a convocar a população para se mobilizar, a fim de que não deixe o governo ditatorial se estabelecer. A última parte do texto faz referência ao Grupo dos Onze, registrando que este seria o ponto de mobilização e organização do povo brasileiro contra um futuro governo ditatorial. Em anexo, na cartilha, estava presente uma ata que deveria ser preenchida em reunião e depois enviada para o diretório de Leonel Brizola para oficialização da criação do grupo. A decisão de estruturar grupos de 11 elementos deu-se a partir de estudos realizados à época e tal divisão tornou-se popular entre os partidários do PTB, tornandose um dos principais elementos de mobilização do partido no Brasil. O campo de influência do PTB e do ex-governador Brizola estendia-se até determinados oficiais e praças da BM, o que acaba levando a ideia para dentro das fileiras da instituição, que, a partir de 1963, busca organizar e mobilizar outros policiais militares para a formação dos grupos. Em geral, podemos compreender o Grupo dos Onze como um movimento que se forma em torno do apoio à figura do então presidente da república João Goulart, que sentia dificuldade de impor as chamadas reformas de base e passava a sofrer fortes pressões políticas, que poderiam levar ao fim de seu governo. Nesse contexto, o Grupo dos Onze passa a ser um grupo importante organizado pelo deputado Leonel Brizola, como uma célula política que lutava pela aprovação total e integral das reformas de base propostas pelo presidente. Nesse ideal, em pouco tempo, os grupos estavam organizados em todo o país. 186

Mais informações sobre a forma de divulgação do Grupo dos Onze podem ser encontradas em: BALDISSERA, Op. Cit.,p. 60.

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Antes de identificar a influência da Legalidade nos onze da BM, objetivo deste subitem, faremos aqui uma breve contextualização do que seria esse grupo. Segundo IPMs movidos contra brigadianos, logo ao início do Golpe Militar, o movimento dos Onze da Brigada seria um grupo de oficiais da BM que tinham uma vinculação política com o PTB e o então deputado estadual Leonel de Moura Brizola. Por causa dessa vinculação, foram acusados de estarem propagando ideias “subversivas” e estar envolvidos em divulgação de teses marxistas, tentando, também, tomar o controle do Comando Geral da Brigada Militar.187 Nesse contexto, faz-se importante contextualizar os principais acontecimentos da Campanha da Legalidade. Podemos entender que a campanha liderada pelo governador do estado do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, tinha como objetivo lutar para garantir que João Goulart assumisse o Governo Federal (1961-1964). João Goulart sofria forte oposição, principalmente dos grupos liderados pela União Democrática Nacional (UDN), que tinham por objetivo manter o então presidente da Câmara de Deputados Ranieri Mazzilli como presidente da República, em um sentido de evitar a chegada do PTB ao poder, na figura de João Goulart, o que por muitos poderia ser entendido como a chegada de ideias comunistas ou socialistas ao poder no Brasil. Um elemento simbólico, mas que não pode ser deixado de lado e se faz pertinente registrar, é o laço familiar existente entre João Goulart e Leonel Brizola, uma vez que ambos eram cunhados. Nesse período, levando em consideração o contexto de conturbações políticas, vários segmentos do estado se envolveram na luta, bem como as Forças Armadas representadas pelo III Exército e a Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Assim, além do apresentado até então nesta pesquisa, passa-se a elaborar um pequeno histórico do episódio da Legalidade, articulando-o com a própria participação da BM nos acontecimentos de 1961 e os antecedentes históricos que levaram a essa mobilização. Com isso, se buscará demonstrar que a atuação da BM na Legalidade foi importante para criar nos envolvidos um determinado espírito legalista que viria a ser retomado em 1964 nos episódios ocorridos durante o Golpe Militar. Há tempos o presidente Jânio Quadros vinha sofrendo pressão para renunciar ao cargo, isso é resultado da crise política e econômica que o país passava na década de 1960, e, de certa forma, pelas políticas adotadas por Quadros e de articulações de 187

Relatório de 4 de abril de 1964, p.4. In: Inquérito Policial Militar 38.521.

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oposição que vinham se consolidando entre os grupos militares e civis de oposição ao governo. O grupo de oposição ao presidente, aproveitando a viagem do vice João Goulart para a China comunista, aumenta a pressão sobre o presidente da República, para renunciar ao cargo. Sendo assim, em 25 de agosto de 1961, o grupo de oposição consegue chegar ao seu objetivo, levando o presidente à renúncia, que atribuiu sua saída do governo a forças ocultas, e talvez a uma estratégia política equivocada, onde submete seu pedido de renúncia ao Presidente da Câmara de Deputados, Ranieri Mazzilli, que assume, temporariamente, o cargo de presidente da República, dada a ausência do vice João Goulart. Sobre a precipitação estratégica de Quadros, leciona Thomas Skidmore que “É evidente que Quadros superestimava então sua popularidade como político e imaginava que o Congresso e os militares não teriam outra alternativa se não solicitar que continuasse como presidente, aceitando todo seu programa”.188. Alternativa que visivelmente não ocorreu, podendo destacar que Quadros confiava demais em suas bases de apoio político e popular, mas que, ao momento de sua renúncia, não se consolidaram. A partir da renúncia de Quadros, começa uma forte articulação para impedir o retorno de Goulart, conforme evidencia Jorge Ferreira: “Mazzilli enviou mensagem ao Congresso Nacional comunicando que os três ministros militares manifestaram-lhe a inconveniência do regresso de Goulart ao Brasil”.189 Sendo assim, o Brasil passa a se ver novamente inserido em um momento de grande crise política, no qual, de um lado, apresentam-se os apoiadores de Mazzilli, contrários ao retorno de Goulart e à ideia política do PTB e os grupos do PTB, apoiados na imagem do deputado Brizola, que apoiavam o retorno de Goulart ao Brasil e desejavam que este assumisse o governo. Nesse

momento, como nos lembra Flávio Tavares, “a renúncia deixava de ser

importante e o fundamental passava a ser a volta de Jango Goulart ao Brasil para assumir definitivamente a chefia do governo”.190 Contudo, por Mazzilli ser o presidente da Câmara dos deputados, parece, em um primeiro momento, que ele era um grande articulador das ações que ocorriam. Mas, importante lembrar, junto a ele havia importantes elementos do oficialato brasileiro, 188

SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. 7ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 250. 189 FERREIRA, Jorge, Crises da República: 1945, 1955 e 1961. In: O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Organização Jorge Ferreira e Lucilda de Almeida Neves Delegado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.327. 190 TAVARES, Flávio. 1961. O golpe derrotado. Luzes e sombras do movimento da legalidade. Porto Alegre: L&PM, 2011, p. 19.

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como os ministros militares Sílvio Heck, da Marinha, o Brigadeiro Grun Moss, da Aeronáutica, e o Marechal Odilio Denys.191 A atitude dos golpistas gerou uma grande revolta, principalmente em Leonel de Moura Brizola, parceiro político de João Goulart e que busca, a partir de então, articular o retorno do vice-presidente, garantindo a manutenção daquele no poder. Nessa busca pela ordem legal, Brizola procura entrar em contato com generais, mas não encontra muita receptividade. Por outro lado, no Rio de Janeiro, o general Lott, já reformado, distribuía manifestos favoráveis à posse de Goulart e à manutenção da ordem. Por essas atitudes, Lott é preso pelo novo Ministro da Guerra, Odílio Denys. Antes de sua prisão, Lott orientou Brizola “a procurar alguns militares no Rio Grande do Sul que seriam favoráveis à saída legal para a crise”.192 Essas informações estavam contidas no manifesto escrito por Lott e entregue a Brizola, documento que serviu de base para as movimentações do que seria a campanha da Legalidade. Leonel Brizola, que, na época, era governador do Rio Grande do Sul, passa a mobilizar os partidário do PTB e algumas forças estaduais, como a Brigada Militar, consolidando Porto Alegre como um foco da resistência aos atos golpistas promovidos contra a posse de Goulart. Agora era o momento de traçar a estratégia, para fazer com que a campanha da Legalidade fosse vitoriosa. Era visto que apesar de uma mobilização de parte da população, isso não seria o suficiente para conter o golpe, era necessário encontrar outros pontos de apoio. Para fazer a divulgação da campanha, no dia 27 de agosto, é enviado às dependências da rádio Guaíba um grupo de pessoas para invadir o local, onde colocam a rádio à disposição da Secretaria de Segurança do estado. A tática de invasão foi usada, pois as outras rádios já haviam sido fechadas, sendo essa a única maneira de se conseguir equipamentos para a divulgação do que ocorria em Porto Alegre. Os equipamentos da rádio são transferidos para “o palácio Piratini e seus transmissores, na ilha da Pintada, passaram a ser vigiados por 200 homens da Brigada Militar”.193 A partir dessa mobilização, Brizola consegue um importante instrumento para a campanha da Legalidade, fundando a cadeia radiofônica da Legalidade, que centralizou suas transmissões “em cerca de 150 outras rádios de estado, no resto do país e no

191

Mais informações ver: TAVARES, Op. Cit., p 18-20. Apud FERREIRA, p. 327. 193 FERREIRA, Op. Cit. p. 327. 192

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exterior, atuando por ondas curtas”.194 Apesar de toda a mobilização dos envolvidos na campanha da Legalidade, os golpistas também articulavam suas defesas contra os legalistas. Segundo Jorge Ferreira “As conversas, interceptadas por meios eletrônicos eram extremamente preocupantes. Da Guanabara, generais instruíam o comandante do III Exército, general José Machado Lopes. O bombardeio ao Palácio Piratini”.195 Após a interceptação da notícia, a mobilização pela defesa do Palácio deveria ser ocorrer com brevidade. A partir de então, observa-se a grande participação da Brigada Militar, que, no cumprimento de seu papel, ajudou a montar a segurança do Palácio, bem como a da Catedral Metropolitana, que fica ao lado da sede de governo. Além do forte envolvimento da Brigada Militar, temos a intensa participação dos populares, que chegavam ao Piratini para defender a causa da campanha da Legalidade. Ao falar sobre a importância da Brigada Militar, é relevante inserir nesse debate como os pesquisadores brigadianos trabalham com a participação da BM na Legalidade. No livro de Hélio Mouro Mariante, percebe-se que a campanha da Legalidade é colocada como crise de 1961 e é apresentada a importância da instituição no conflito, focando que a BM estava cumprindo o papel de manter a ordem em meio ao contexto instável que se estabelecia no Brasil e no Rio Grande do Sul. Segundo o autor, “As forças armadas, que têm a missão constitucional de garantir a ordem, como não poderia deixar de ser, viveram horas de apreensão”.196 Além disso, descreve as movimentações da instituição não somente em Porto Alegre, mas também no interior do estado.197 Interessante é a forma como o autor finaliza seu texto sobre o movimento: “Com as medidas tomadas pelo governo provisório, constituído pelos chefes das forças armadas na capital da república, a situação logo se normalizou, voltando à calma na nação”.198 Vale ressaltar que as ações da BM se justificam como a manutenção da ordem e por isso está sempre no discurso da instituição, fomentando a ideia de espírito legalista. No caso da campanha da Legalista de 1961, esse discurso foi usado para justificar as ações promovidas no governo de Leonel de Moura Brizola. 194

FERREIRA, Op. cit., p. 328. FERREIRA, Op. cit., p. 328. 196 MARIANTE, Op. cit., p. 242. 197 Intensa foi a movimentação na Brigada Militar. O 1 BG foi colocado à disposição da 6 DI e recebeu desta a missão de deslocar-se para o litoral nordeste do Estado, região de Torres com a finalidade de barrar qualquer penetração do norte para o sul, bem como para guarnecer e vigiar toda a região, o que executou. Uma Cia. do 4 BP, hoje 5 BPM, deslocou-se de Montenegro para Tramandaí. Concomitantemente, a guarnição da tropa estadual de Santa Maria passou a integrar a 3ª divisão de Infantaria. Mais informações sobre o tema, ver: MARIANTE, Op. cit., p 242. 198 MARIANTE, Op. cit., p. 242. 195

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O dia 28 de agosto foi de grande tensão, ainda mais após a interceptação de uma nova comunicação de rádio feita pelo Ministro da Guerra para o III Exército: “O serviço de rádio-escuta do governo estadual captou ordens do ministro da guerra para que a FAB e o III Exército bombardeassem o Piratini, além de enviar uma força tarefa da Marinha para o Rio Grande do Sul”.199 Felizmente, os acontecimentos acabam tomando outro rumo. Logo após a interceptação da conversa de rádio, chega ao Palácio Piratini um comunicado do general Machado Lopes, dizendo que o militar iria conversar com Brizola. Para Brizola e a cúpula da legalista, isso parecia ser “um ultimato para depô-lo. Algo que ele não aceitaria”.200 Nesse contexto, o governador Brizola vai à rádio e denuncia os planos do III Exército de bombardear o Palácio Piratini, e acaba anunciando para toda a população o que se passava nesse período no Rio Grande do Sul, principalmente na capital Porto Alegre. O então governador fala à população que teria uma reunião com o general Machado Lopes e, nesse comunicado, ressalta que não aceitaria ser deposto de seu cargo, o que poderia ser o estopim de um conflito armado no Brasil. A partir das denúncias de Brizola, as tensões aumentam, reforçadas pelos ataques que este fazia ao Ministro da Guerra Odílio Denys. Brizola coloca o futuro dos acontecimentos nas mãos do general Machado Lopes e também do que ele veio a chamar de “sargentada humilde”, dizendo que o posicionamento destes em relação à Legalidade levariam ou não o país a uma guerra. O governador estadual também apela para as forças populares, pedindo que apoiassem a campanha em frente ao Palácio Piratini. Ou seja, o Rio Grande do Sul passa por momentos de grande tensão e que poderiam ser decisivos para a resolução dessa crise política. Ainda, no dia 28 de agosto, as tensões políticas teriam seu auge, e poderiam ter como resultado a luta armada. Nesse dia, o general Machado Lopes vai ao Piratini e se reúne com Brizola. Ali, o general é recepcionado por uma massa de pessoas. O que se pensava entre os legalistas era que o general ali estava para cumprir as ordens dadas pelo Ministro da Guerra Odílio Denys, ou seja, comunicar que ia depor Brizola de seu cargo. Mas o que realmente ocorre é o anúncio de apoio do general à causa legalista, como ressalta Jorge Ferreira: “contrariando todas as expectativas, Machado Lopes

199 200

Apud FERREIRA, p. 328. FERREIRA, Op. cit., p. 328.

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rompeu com Denys e, entendendo-se com o governo gaúcho, concordou que a ordem legal deveria ser preservada, garantindo-se a posse de Goulart”.201 A adesão do III Exército à causa legalista agrega um importante ganho à campanha Legalista. A partir desse momento, é formado o comando unificado das Forças Armadas do Sul, que era composto pelo III Exército, pela V Zona Aérea, pela Brigada Militar e pelas forças populares. Isso representou o fortalecimento do elemento bélico. Segundo Jorge Ferreira, “Machado Lopes contava com um poder de resistência que não poderia ser subestimado pelos ministros militares”202. Skidmore ressalta a importância da adesão do III Exército à causa legalista e também para a consolidação da posse de Goulart:

Subitamente a dissensão veio a público. O general Machado Lopes, comandante do Terceiro Exército, no Estado Natal de Jango, o Rio Grande do Sul, declarou apoiá-lo totalmente. Uma declaração tão clara parecia uma ameaça de guerra civil. Sem essa deserção da parte de um comandante regional, a “frente legalista”, provavelmente, não teria tido chance de contrariar o veto dos ministros militares.203

Com as notícias de adesão do III Exército às causas legalistas, a campanha se difunde por todo o território do Rio Grande do Sul, envolvendo vários segmentos da sociedade na luta pela Legalidade, “lado a lado, populares e soldados da Brigada Militar colaboravam na defesa do Piratini”.204 No resto do país, a Legalidade também ganha adeptos, tendo casos onde militares embarcam para Porto Alegre para se apresentar ao general Machado Lopes. A guerra civil parecia cada vez mais próxima, sendo alimentada por um possível ataque ao Palácio Piratini, conduzido pelo então comandante da base aérea de Canoas, que ainda se mantinha aliada ao Ministro da Guerra. Mas o que iria impedir o ataque ordenado pelo Ministério era a insubordinação dos sargentos, que deram “as mãos em torno dos jatos, impedindo a entrada dos pilotos”

201

FERREIRA, Op. cit., p. 330. FERREIRA, Op. cit., p. 330. 203 SKIDMORE, Op. cit.,p. 257. 204 FERREIRA, Op. cit., p. 331. 205 FERREIRA, Op. cit.,p. 331. 202

205

e ainda “esvaziaram os pneus e

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desarmaram os aviões”.206 É importante ressaltar, sobre o posicionamento do III Exército, um fator não levado em consideração pelos ministros militares, “Haviam superestimado a lealdade de seus comandantes regionais, que se inclinavam agora a acompanhar a atitude do Terceiro Exército”. 207 No dia 31 de agosto, as lutas pela Legalidade vão chegando ao fim. João Goulart desembarca em Montevidéu para um encontro com Tancredo Neves, que tinha por objetivo apresentar a proposta parlamentarista. Goulart, mesmo sabendo que perderia poder, aceitou a proposta. A partir de então, a emenda parlamentarista é aprovada e assinada, fazendo com que Goulart retornasse ao Brasil, como presidente da República, mas com um governo parlamentar que limitava suas ações como governante. O governo de Goulart dividia opiniões entre os mais variados grupos políticos nacionais. Para a direita, era visto como um corrupto e influenciado por teorias comunistas. Já pela esquerda mais ortodoxa, era visto como um líder burguês ligado às massas e com forte tendência a trair os trabalhadores. Thomas Skidmore o define como “um populista de pouco talento”208. Sendo assim, nos deparamos com um episódio no qual as mais diversas correntes políticas, que bipolarizavam o cenário político nacional, atacam o novo presidente, o que é visto como um fator decisivo para a consolidação do Golpe Militar de 1964. Com essa contextualização, é possível perceber os elementos que levaram ao movimento da Legalidade e também de que forma, apesar de breve, a BM interviu nos conflitos que ocorreram. Toda a mobilização feita pela BM nesse momento ajudou a construir, em uma parcela dos oficiais e praças, uma ligação muito forte com movimentos políticos liderados por figuras como o governador Leonel Brizola e o próprio PTB. Por isso, podemos partir do entendimento de que a ação da Brigada Militar na Campanha da Legalidade foi um dos elementos formativos dos futuros Onze da Brigada Militar. Essa hipótese se afirma porque muitos dos policiais militares que formam os Onze em 1964 tiveram participação na Legalidade de 1961. Pode-se perceber essa vinculação na figura do Tenente Coronel Joãozinho, que teve ampla atuação na Legalidade em 1961 e, em 1964, tem seu nome arrolado pelo IPM movido contra os Onze da BM, que veio a se posicionar contra o Golpe Militar de 1964. Outro elemento que demonstra essa vinculação é o fato de que muitos dos envolvidos com o 206

FERREIRA, Op. cit., p.331. SKIDMORE, Op. cit., p. 258. 208 FERREIRA, Op. cit., p. 338. 207

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movimento dos onze da BM tiveram importantes funções dentro da Brigada Militar durante o período do governo de Leonel de Moura Brizola. Toda essa crise política que ocorre desde 1961 até 1964 com a consolidação do golpe nos conduz a um debate sobre os posicionamentos da Brigada Militar. Percebe-se claramente que a BM, nesses acontecimentos, mantém a mesma posição, pelo menos oficialmente, ou seja, mantém-se ao lado das ordens legais do governo estadual. Esse tipo de posicionamento é, muitas vezes, classificado por estudiosos da corporação como espírito legalista, que, como pudemos ver em outros capítulos, ao decorrer de sua história, os seus comandos sempre optaram em permanecer ao lado de uma ordem legalista. Importante, nesse momento, questionar essa posição, pois, se analisarmos o que ocorre em 1964, vemos presente a hipótese do dualismo legalista na BM. A hipótese da dualidade legalista apresenta-se no sentido de que, com as conturbações políticas que ocorriam durante a consolidação do Golpe Militar de 1964, vemos o discurso de defesa da Legalidade aparecendo nos dois grupos existentes na Brigada Militar, os que apoiavam o golpe que se formava e obedeciam às ordens dadas pelo governador Ildo Menegetti de permanecer no Quartel General, dando o apoio necessário ao que vinha se consolidando, e os que – segundo os IPM, os Onze da Brigada – articulavam-se para manter o governo de João Goulart e não deixar que o golpe se consolidasse, criando, assim, um ponto de resistência. Analisando o texto produzido pela historiografia oficial da BM, podemos perceber que as ações da instituição são sempre colocadas na ordem legal. Em nenhum momento é citado que poderia ter ocorrido grupos contrários às ordens enviadas pelo governo estadual. Nos textos de Mariante, os fatos ocorridos em 1964 são colocados como crise de 1964. Segundo o historiador, “Apremiado a colocar a Brigada Militar à disposição do III exército, não obedeceu à requisição, aguardando ordens do governo do Estado. Este, por sua vez, também se negou a tal, preferindo aguardar a evolução dos acontecimentos”.209 As ordens dadas por Coronel Frota, Comandante Geral da Brigada, eram para que se aguardasse o desenrolar dos acontecimentos, permanecendo até ordens do governo do Estado nos quarteis. Na revista de aniversário de 175 anos da Brigada Militar, em texto comemorativo produzido pelo Museu da Brigada Militar, nada diferente é citado sobre o posicionamento da instituição no processo de consolidação do Golpe Militar. O que se destaca mesmo é que o Comando Geral da Brigada Militar 209

MARIANTE, Op. cit., p 247.

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manteve a argumentação do discurso legalista, ao mesmo tempo em que o grupo julgado nos IPM também manteve o mesmo discurso. Sendo assim, apresentamos neste subitem o contexto histórico da campanha da Legalidade e a participação da BM, tendo a Legalidade como um fator para a formação, alguns anos após, em 1964, do Grupo dos Onze da Brigada Militar, grupo que se opunha aos que buscavam conter o governo de João Goulart. Sabe-se que a Legalidade não foi o único ponto de influência na formação dos onze da BM, partindo do entendimento de que outros elementos vieram a ajudar a consolidar o grupo. Pode-se citar como outro ponto de influência o papel do Partido Trabalhista Brasileiro. Dessa forma, torna-se necessário aprofundar o estudo das relações entre os Onze da BM e o PTB, o que será feito no decorrer do próximo subitem.

3.2 As influências políticas dos Onze da Brigada Militar e sua ligação com o PTB do Rio Grande do Sul No processo de formação da BM, percebe-se que, entre os oficiais e praças, ocorre em determinados momentos a influência de grupos políticos diferenciados, ou seja, conforme a alternância de poder ou modelo político, a instituição também se transforma e, juntamente com ela, transformam-se seus policiais. Exemplo desse processo está na BM, sobre a qual, entre os períodos de análise desta dissertação, percebe-se a influência do Partido Trabalhista Brasileiro, principalmente após o estabelecimento do governo de Leonel de Moura Brizola no estado do Rio Grande do Sul e a Campanha da Legalidade, que, como já citado, é compreendido como um importante elemento na formação do Grupo dos Onze da Brigada Militar em 1964. Tem-se por objetivo também compreender as diferenças no pensamento político do PTB no Rio Grande do Sul em relação ao partido em um contexto nacional. É importante diferenciar as ações do Partido Trabalhista Brasileiro em relação ao estado do Rio Grande do Sul e ao restante do Brasil entre as décadas de 1950 e 1960. Sobre o PTB nacional, é importante ressaltar que o partido é fundado em 1945, por intermédio da figura política de Getúlio Vargas. O partido tinha suas bases arregimentadas entre os trabalhadores e os sindicatos brasileiros e, por ter essas bases de apoio, compreendia-se que o PTB, muitas vezes, era a melhor opção política para o país, pois defendia os trabalhadores e as classes médias e, ao mesmo tempo, não era

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considerado fundamentado no radicalismo, como ocorria com siglas partidárias como a do Partido Comunista Brasileiro.210 O PTB é um partido criado por Getúlio Vargas, que também é responsável pela criação do Partido Social Democrático (PSD). Segundo Baldissera: “Diz-se que criou o PSD com a „mão direita‟ e o PTB com a „mão esquerda‟”.211. Nesse contexto de sua criação, pode-se compreender que o PTB seria uma representação das alas à esquerda dos grupos políticos no Brasil. Podemos definir que o objetivo do partido “era atrair camadas populares, principalmente nos grandes centros urbanos, mobilizadas pela obra social e trabalhista do Estado Novo, e também pela imagem pública de Vargas”212. Assim, buscava aglutinar as forças trabalhadoras e, ao mesmo tempo, afastar a pretensa influência comunista. Uma das bandeiras políticas do PTB a nível nacional era a defesa do desenvolvimento nacionalista. O partido tinha proximidade com os trabalhadores sindicalizados por causa do desenvolvimentismo e do trabalhismo. A partir de 14 de setembro de 1945, faz sua primeira convenção nacional, na qual define seu programa de ação. Os principais pontos do programa do PTB nacional são:

1) o reexame da Constituição sem que fossem reduzidos os direitos por ela assegurados aos trabalhadores; 2) o amparo da legislação aos trabalhadores rurais e também aos trabalhadores das autarquias e servidores públicos quando seus direitos fossem inferiores aos dos trabalhadores nas empresas privadas; 3) a criação de órgãos paritários da Justiça do Trabalho em todos os grandes centros trabalhistas do país, assegurando-se um rápido andamento nos processos; 4) a ampliação da representação das classes sem preponderância de qualquer delas, em todos os órgãos que interessassem ao capital e ao trabalho; 5) a planificação econômica atingindo todos os setores e visando, por meio da orientação, intervenção ou gestão do Estado, que a produção do país atendesse às necessidades internas; 6) a melhor distribuição de riqueza, reconhecido ao capital o direito a um lucro com limite razoável; 7) a extinção dos latifúndios improdutivos, assegurando-se possibilidade de posse da terra a todos os que quisessem trabalhá-la, e 8) o direito de greve pacífica e a distinção entre greve legal e ilegal.213

210

BALDISSERA, Op. cit., p.27. BALDISSERA, Op. cit., p. 28. 212 FERREIRA, Marieta de Morais. O Partido Trabalhista Brasileiro (1945-1965). Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx 213 Apud FERREIRA, Marieta de Morais. O Partido Trabalhista Brasileiro (1945-1965). Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro. Disponível http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx 211

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Todos os princípios desenvolvidos no PTB em contexto nacional também se faziam presentes no PTB do estado do Rio Grande do Sul, no entanto, é importante ressaltar que, desde a formação do partido no estado, este apresenta algumas características formativas diferenciadas do resto do Brasil. O PTB do Rio Grande do Sul era praticamente hegemônico nas relações políticas. Partidos como PSD e União Democrática Nacional (UDN) pouco conseguiam se articular com as forças políticas do estado. Muito dessa superioridade do PTB devia-se ao fato de Vargas ser originário do Rio Grande do Sul, o que, de certa forma, privilegiava a sigla no estado.214 Além disso, as políticas propostas pelo PTB agradavam as classes médias e os trabalhadores sindicalizados, o que acabava aumentando o campo de ação do política do partido. As diferenças entre o PTB nacional e sul rio-grandense iam muito além das relações de poder. No Rio Grande do Sul, busca atender as demandas do estado, devido às condições de produção e relações de trabalho desenvolvidas nesse período, ou seja, no sul, o chamado pacto populista, muito difundido no Brasil e que vinculava os trabalhadores sindicalizados ao PTB, formava-se com dificuldade devido à baixa industrialização e à oposição dos setores agrários. Mesmo com as dificuldades de estabelecer a ideia do pacto populista, o PTB afirma-se. Segundo Raul Pont:

O trabalhismo gaúcho forma-se absorvendo vertentes sindicalistas, o que lhe dava um sólido vínculo popular. Participava também, desde os primeiros momentos, um núcleo de socialistas-humanistas liderados por Alberto Pasqualini na União Social Brasileira, o que dá ao partido uma conotação programática e compromissos ideológicos que não alcançou em outros estados. 215

O PTB sul-rio-grandense vai desenvolver, nesse sentido, um compromisso ideológico entre seus filiados que se destaca entre as outras células do partido pelo Brasil, o que é um reflexo da influência de Getúlio Vargas e do trabalhismo, mas que, na estruturação do partido no sul, acaba compartilhando essa importância com outros elementos, como Alberto Pasqualini. Com essas características, o PTB sulino vai buscar

214 215

BALDISSERA. Op. cit., p. 29. Apud BALDISSERA, p. 29-30.

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o desenvolvimento da ideia de um nacionalismo reformista ligado a uma ideologia de compromisso com as questões sociais.216 A figura de Alberto Pasqualini é de suma importância para que fossem firmadas as bases do trabalhismo no Rio Grande do Sul, com uma vasta importante experiência política, oriunda de sua atuação como vereador da cidade de Porto Alegre, ainda pelo Partido Liberal (PL), e como secretário do Interior e da Justiça do Rio Grande do Sul, durante o período de intervenção do Major Ernesto Dornelles (1943-1945). Com o fim do Estado Novo, em 1945, Pasqualini cria a União Social Brasileira (USB), mas, não vendo muitas perspectivas políticas na união, filia-se ao PTB um ano após, em 1946. Já filiado ao PTB, leva consigo sua ideologia de trabalhismo e companheiros da USB. Uma das influências do pensamento de Pasqualini partia das doutrinas das encíclicas papais. Em sua concepção ideológica, condenava as ideias capitalistas, tidas como individualistas, e defendia a igualdade social, para o que usava como ponto de apoio as encíclicas papais de Leão XIII e Pio XI, citando que o trabalhismo estava ligado às doutrinas da Igreja e não ao comunismo,217 ao qual posicionava-se contrariamente, pois afirmava ser este um sistema onde o Estado se tornaria o todo poderoso e o operário apenas trocaria de patrão. Defendia a presença de um capitalismo mais justo. No ano de 1947, Pasqualini se candidata ao governo do estado do Rio Grande do Sul, disputando o pleito contra Válter Jobim, candidato do PSD e vencedor das eleições daquele ano. Um ano após a derrota para o governo do Estado, Pasqualini passa a redigir as diretrizes do trabalhismo no PTB. Segundo Renato Lemos, “Pasqualini escreveu Diretrizes fundamentais do trabalhismo brasileiro, expondo as ideias que nortearam toda a sua atividade política, bem como a de um grande grupo de parlamentares do PTB, adepto da chama „linha Pasqualini‟”.218 Dois anos depois, esse texto é editado pela comissão executiva do PTB do Rio Grande do Sul, com o fim de divulgar as ideias básicas do trabalhismo. O conteúdo das diretrizes de trabalhismo proposto por Pasqualini estava, como já citado, baseado nos ideais das doutrinas encíclicas papais e também no trabalhismo inglês. Os elementos principais das ideias de Pasqualini são:

216

BALDISSERTA, Op. Cit., p.30. Apud BALDISSERA, p. 29. 218 LEMOS, Renato. Alberto Pasqualini. In: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx 217

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a) o trabalho é a fonte principal e originária de todos os bens produzidos; b) a coletividade humana é um sistema de cooperação; c) a forma de cooperação é um intercâmbio de trabalho. Quem de útil nada produz, nada tem para permutar; d) o poder aquisitivo deve ser a contrapartida do trabalho socialmente útil; e) o objetivo fundamental do trabalhismo deve ser a diminuição crescente da usura social e alcançar uma tal organização da sociedade onde todos possam realizar um trabalho socialmente de acordo com as suas tendências e aptidões, devendo a remuneração graduar-se pelo valor social desse trabalho com a garantia de um número dentro dos padrões da nossa civilização para as formas de trabalho menos qualificadas.219

Baseado no ideal proposto por Pasqualini, o Partido passou a pregar a justiça social aliada ao socialismo democrático. Sendo assim, o PTB do Rio Grande do Sul passa a ter um posicionamento menos radical, mas muito ligado às ideias sociais. Essa posição vem a mudar a partir do momento que Leonel de Moura Brizola se torna um referencial de destaque nas bases do partido. O PTB sul-rio-grandense passa a intensificar as suas ideias a partir da chegada de Leonel de Moura Brizola às posições mais importantes do Partido. A visão posta por Pasqualini passa a ter pontos mais acentuados, como as questões referentes à reforma agrária e ataques mais claros ao chamado imperialismo, ou as intervenções estrangeiras. Outras questões que passam a ser difundidas pelo PTB são as referentes à democratização do ensino, usando alguns conceitos estabelecidos pelas diretrizes de Pasqualini e também alguns elementos das reformas de base que serão debatidos pelo governo de João Goulart alguns anos após o governo de Brizola no Rio Grande do Sul. O PTB é entendido aqui como importante elemento de influência sobre o Grupo dos Onze, que se forma na BM em 1964. Compreende-se, contudo, que esse partido não exercia uma hegemonia política no cenário político nacional, bem como no Rio Grande do Sul. Isso é visto dentro da própria BM, pois a instituição tinha uma pluralidade política, ou seja, com diversas correntes políticas atuando. O PTB não exercia uma hegemonia política, seus principais opositores estavam centrados na figura das siglas da UDN, clássico oposicionista, e do PSD, que cada vez estava mais distante,

219

Apud.LEMOS, Renato. Alberto Pasqualini. In: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx

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principalmente por causa do modelo reformista adotado pela sigla e o dialogo exercido com o próprio PCB.220 Sendo assim, podemos concluir que, apesar de não ser hegemônico, o PTB representa uma esfera importante da política no Rio Grande do Sul entre os anos de 1950 a 1960. Nesse sentido, percebemos também que as influências políticas do partido, principalmente após com o evento da Legalidade, deixam sementes na Brigada Militar, onde muitos oficiais e praças da instituição eram filiados ao Partido e muitos próximos da figura política do ex-governador Leonel Brizola. Percebe-se essa proximidade principalmente em algumas informações encontradas no Inquérito Policial Militar 38.521, em seu primeiro volume, onde se afirma que no dia 08 de julho de 1964, em Porto Alegre, foram confiscadas, no Diretório General Ernesto Dornelles (diretório do PTB em Porto Alegre), algumas documentações referentes à vinculação de polícias militares com o partido. Nesse material, foram encontrados panfletos referentes às eleições do Clube Militar, atas das reuniões feitas dentro do diretório, telegramas enviados para políticos, principalmente deputados, alguns boletins informativos, alguns textos como, a proclamação ao povo brasileiro, um artigo denominado Esquerda Positiva e Esquerda Negativa, carta aberta a Pasqualini e o oficio ao comandante de polícia do Piauí. Em muitos dos documentos acima citados, são encontrados os nomes de oficiais e praças da BM afirmando a proximidade política ao PTB, e que de certa forma exerciam essa influência dentro de sua corporação. Para esclarecer melhor essas relações, vale analisar mais a fundo algumas dessas documentações confiscadas na invasão do Diretório Ernesto Dorneles. Sobre alguns boletins informativos, pertinente assinalar a importância do Boletim número 2 de 1963, onde nele são debatidas questões de organização do Diretório Ernesto Dorneles, bem como a ideia de Reforma Agrária, num sentido informativo e de divulgação das ideias. Ao fim do texto, em uma caixa de destaque, aparece o chamativo: “Brigadiano, filie-se no seu órgão partidário. Diretório Gal.Ernesto Dorneles”.221 O Boletim Informativo número 4 de 1963, também traz algumas informações sobre a participação e a proximidade de alguns policiais militares, 220

Para maiores informações ver: LUCILIA, de Almeida Neves Delgado. PTB do getulismo ao reformismo 1945-1964. Editora Marco Zero. São Paulo. 1989 221 Boletim Informativo número 2 de 1963. p 167. In: Inquérito Policial Militar 38.521 vol I

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através do Diretório, nas políticas propostas pelo PTB. Em uma parte do Boletim intitulada de “Qual o objetivo do teu voto?” há uma série de argumentações sobre a importância do voto e de quem seriam os melhores representantes para os brigadianos, Segundo o Boletim número 4:

[...] todas as classes procuram guindar representantes para as casas legislativas. A Brigada Militar, além da defesa da sua sobrevivência, como classe, tem o dever histórico de participar do patriótico e humano esforço em prol da soberania e independência do Brasil, que está sendo desenvolvido pelas áreas populares politizadas. BRIGADIANOS: Sereno Chaise, Ajadial de Lemos e João Lucio Marques estão perfeitamente identificados com esses objetivos. Honra-os pois com o teu voto para Prefeito, Vice-Prefeito e Vereança de Porto Alegre. E lembre-te que o PTB, cada dia, torna-se mais identificado com os interesses nacionais e, regionalmente, com as aspirações de nossa Força.222

Analisando o contexto desse boletim, percebe-se uma nítida campanha para os então candidatos a prefeito e vice à prefeitura de Porto Alegre, na campanha de 1963. Nesse sentido, vemos que o diretório era uma ponte política entre os policiais militares e o PTB. Percebe-se que essa vinculação BM e PTB era importante para aumentar o poder político do Partido, como vincular seus candidatos como representantes dos brigadianos. Nos anexos, ainda aparecem ofícios trocados entre o Diretório e políticos do período. Importante destacar o ofício enviado em 5 de Outubro de 1963 ao Deputado Sereno Chaise, na época Deputado e candidato à prefeitura de Porto Alegre. Nesse documento, está presente a seguinte informação:

o Diretório Ernesto Dorneles tem a satisfação de comunicar-lhe que, por deliberação unânime em sessão de assembleia geral, foram indicados para atuar junto ao Comando Central da campanha os Cel. Militão da Silva Netto, Nelson Amoreli Viana e Ten Milton Quadros. Na certeza de que o dinamismo destes companheiros corresponderá plenamente ao apreço de V.Exa. e ao interesse de nosso Partido.223

222

Boletim Informativo número 4 de 1963. p 201. In: Inquérito Policial Militar 38.521 vol I Oficio do Diretório Ernesto Dornelles de 5 de outubro de 1963, p 170. In: Inquérito Policial Militar número 38.521. vol I 223

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Chama a atenção a informação referente às movimentações de três oficiais da BM para outras regiões do estado do Rio Grande do Sul, levantando a hipótese de que isso poderia ser importante para o ideal do partido. O ofício, também vale ressaltar, é assinado por um oficial da BM, mas que se coloca como Presidente do Diretório, o que demonstra, mais uma vez a ligação política de grupos da BM no PTB. Em outro ofício, dessa vez enviado para o Presidente João Goulart, o Diretório se põe em apoio ao presidente. Inicia seu texto informativo como a seguinte frase “Como célula gloriosa do partido de Getúlio Vargas, diretório Ernesto Dorneles, de Brigadianos trabalhistas”.224 Com isso, podemos concluir que entre alguns policiais militares no período que antecederam o Golpe Militar de 1964, havia um forte relacionamento político com o PTB. Essa relação que nos afirma a possibilidade de existência do chamado “onze da Brigada Militar”, pois muitos dos que estavam envolvidos com o Diretório Ernesto Dorneles, estavam citados entre o IPM movido contra o grupo. E muitas vezes também passam a se reconhecer como pertencentes a esse grupo. Sabendo que alguns grupos de brigadianos tinham essa vinculação com o PTB, podemos perceber e reafirmar algumas questões antes levantadas, ou seja, podemos compreender com maior clareza as relações entre as polícias e a política e ver como se dava essa relação antes da consolidação do golpe civil-militar. Importante se faz, a partir de agora, analisar como será a relação desse grupo após 1º de abril de 1964 com a chegada ao poder dos grupos de oposição ao governo de João Goulart e a política defendida pelo PTB.

3.3 As ações e as punições dos Onze da Brigada Militar No decorrer dessa dissertação, buscamos compreender alguns pontos como: a relação entre a polícia e a política e também a formação das polícias no Rio Grande do Sul e no Brasil. No caso da Brigada Militar, buscamos compreender como se deram suas relações políticas, desde sua formação até a consolidação do Golpe Militar de 1964. Nessa análise, encontrou-se a existência de oficiais ligados ao PTB e a formação do Grupo dos Onze, que demonstra a vontade de um grupo da BM em se posicionar contrariamente ao cenário golpista que se desenhava no Brasil entre os anos de 1963 e 1964. 224

Oficio do Diretório Ernesto Dornelles, p.182. In: Inquérito Policial Militar número 38.521. vol I.

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Nessas relações, percebemos que a partir do momento em que o Golpe Militar passa a se consolidar, o Grupo dos Onze da Brigada Militar busca se organizar e projetar suas ações, tentando, assim, criar um ponto de resistência ao que viria a se estabelecer em 1º de abril de 1964. Para poder identificar a existência desse grupo e algumas de suas ações, bem como a consequência delas para os principais envolvidos, buscou-se analisar o Inquérito Policial Militar de número 38.521, que está dividido em quatro volumes de documentações e relatos sobre as ações e a forma como foram julgados alguns dos envolvidos na organização do movimento do grupo que é intitulado nos inquéritos como “os Onze da Brigada”. Nessa documentação, encontramos pequenos relatórios feitos pelos militares responsáveis pelo IPM, mas em um sentido de reconstrução dos fatos ocorridos. Encontramos também documentos apreendidos no Diretório Ernesto Dornelles, do PTB de Porto Alegre, usados para provar a vinculação entre alguns policiais militares e o PTB. Na apresentação das ideias de defesa dos julgados, encontramos inquéritos feitos contra os acusados e algumas testemunhas. Esse IPM é promovido pelo Superior Tribunal Militar, mas tem como relator do IPM o Cel. Paulinho da Brigada Militar.225 O IPM contém informações importantes, que especificam ideias sobre a organização dos Onze da Brigada Militar, a quantidade de policiais militares envolvidos e se estes eram oficiais ou praças, bem como se pertenciam às forças da reserva da polícia. Consta também no IPM a relação de quais crimes estavam sendo julgados. Com essas informações, podemos compreender de forma mais clara quem eram os polícias militares envolvidos na composição do Grupo dos Onze dentro da BM e como a instituição os julgou. Podemos entender que esse movimento está diretamente ligado às políticas do PTB e ao mesmo tempo as ideias defendidas por Leonel Brizola. Internamente esse grupo buscar ressaltar a sua missão legalista, o que legitimaria as ações dos Onze da Brigada Militar em manter o governo de João Goulart. Ao mapear quais eram os envolvidos no movimento dos Onze e o perfil desses policiais, através dos relatos do IPM 38.521, constatou-se a presença de oficias da BM e também de oficiais da reserva ou reformados. De um total de 39 julgados, notamos que dez deles já estavam classificados como oficiais da reserva ou reformados, e o restante, todos ainda em atividade na instituição, era formado por dois coronéis, dois coronéis da 225

Relatório das ações dos indiciados. P.1. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I

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reserva, três capitães reformados, sete tenentes coronéis, sete primeiros tenentes, quatro majores, dois majores reformados e sete capitães. No IPM, não foram encontradas referências a praças sendo julgados pelos atos do movimento dos Onze da Brigada, não demonstrando a participação direta dos praças da BM.226 Entende-se que o Grupo dos Onze da BM era basicamente formado por oficiais no que diz respeito à sua formação e organização. Nesse sentido, se faz importante compreender ao que e pelo que estes estão sendo acusados. O IPM registra informações que possibilitam entender pelo que esses polícias militares foram julgados e como se deu o desenrolar do processo até sua finalização, entre o período de 1964 a 1972. Na análise desse processo, deve-se ressaltar que há alguns cuidados a serem tomados, pois estamos falando de documentações ligadas a um período de crise política e, além do mais, estamos analisando documentos produzidos por órgãos militares, ou seja, os Inquéritos Policial-Militares. Sobre o trabalho com documentos policiais, devemos lembrar que são registros da ação repressora do Estado e devemos nos alertar “para os riscos desse tipo de análise que, ao recuperar a „fala‟ desses testemunhos, não considera a intervenção do escrivão, as „fórmulas‟ do escrito, as possibilidades de coerção do depoente entre outros fatores”.227 Levando em consideração que o IPM analisado é produzido durante a consolidação do Golpe Militar no Brasil é sempre relevante ter o cuidado na análise dos documentos redigidos, pois, muitas vezes, estes podem ter por função acobertar aqueles que estão julgando. Buscando compreender as acusações impostas aos Onze da Brigada, é importante saber o contexto no qual eles estão envolvidos. Brevemente, temos que lembrar que o Grrupo dos Onze da Brigada é formado em um momento de tensões políticas no país, onde estava se consolidando um Golpe Militar contra o governo do presidente João Goulart, político ligado ao trabalhismo do PTB. Como apresentado durante o texto, alguns policiais se mostravam ligados ao partido e seus principais líderes e assim fazendo a divulgação de seus projetos políticos entre os companheiros de instituição. Em suas primeiras páginas, o IPM 38.521 expõe um relatório feito logo após 1º de abril de 1964, no qual é demonstrada a vinculação dos Polícias Militares ao PTB: 226

Relatório das ações dos indiciados, p.4-5. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I T. Tupy, Ismênia S. Silveira; Samara, Eni de Mesquita. História & Documento e metodologia. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p.111. 227

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Nos últimos meses que antecederam a recente crise político-militar que abalou o nosso país e, em particular, o nosso Estado, os oficiais, ora denunciados, em serviço ativo e da reserva, da Brigada Militar, filiados ao diretório político “Gen. Ernesto Dorneles”, do PTB, ao Clube Farrapos ou seguindo a liderança política do ex-deputado Leonel de Moura Brizola, vinham pregando abertamente a subversão da ordem política e social vigentes, proclamando a urgência das reformas de base, a mudança radical do regime, a necessidade da formação dos “grupo dos onze” e outra teses da doutrina marxista. 228

Segundo as informações do IPM, percebe-se que as primeiras acusações sobre os envolvidos nos Onze da Brigada Militar giram em torno de sua atuação política contrária ao regime que se estabelecia no pós-golpe. Relevante é afirmar que muitas das ações nas quais os brigadianos referenciados no trecho acima são citados iniciam-se antes mesmo da consolidação e dos primeiros conflitos do golpe, como por exemplo, a vinculação dos acusados a Brizola, o diretório do PTB e a divulgação das ideias das Reformas de Base. Mas, no contexto de 1964, estas representavam um perigo para a consolidação do Golpe Militar. Nesse mesmo processo, aparece a referência de que, entre os anos de 1961 a 1964 “Aos poucos, foram-se formando os „Grupos dos onze‟ na Brigada Militar e os líderes de grupos dentro das unidades visavam a organização de núcleos de resistência contra as ordens emandadas pelos comandantes”229. Aqui se apresenta uma informação, que os grupos que se formavam internamente na BM tinham o objetivo de se estabelecer como um contraponto à ordem que vinha a se estabelecendo, partindo da organização dos grupos brigadianos nos quarteis da BM. O IPM ainda apresenta de forma detalhada o que viria a ser um plano de ação dos grupos formados dentro da BM, onde é transcrito: “A ordem para a execução do plano subversivo dependia apenas de uma „notícia‟ em código a ser transmitida pelo rádio e pelos jornais. A esse sinal, elementos já instruídos reunir-se-iam em um local já determinado, onde dispunham de armas e estariam prontos para entrar em ação”230. Nessas afirmações, se tem de levar em consideração que, apesar de toda a grandeza organizacional apontada pelo IPM, outras fontes nos fazem referência de que esta 228

Relatório das ações dos indiciados, p. 5. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I Relatório das ações dos indiciados, p. 6. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 230 Relatório das ações dos indiciados, p. 6. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 229

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organização não chegava uma complexidade tão grande como a apresentada nos relato do IPM. Aqui vale ressaltar a entrevista de um importante elemento envolvido nesse movimento, o Cel. Joãozinho231, que havia sido designado por Brizola para consolidar a ideia do Grupo dos Onze no Rio Grande do Sul. Em sua entrevista, afirma que, pela complexidade, os movimentos de resistência ao golpe não teriam sido tão radicais, até por uma questão de tempo a qual as informações sobre o que ocorria no Brasil demoraria a chegar, o que dificultava a ação. Segundo a entrevista “desconheço qualquer assunto que verse sobre o Grupo dos Onze, guerrilheiros, assaltantes, atentados, tudo isso que começaram a querer dizer que existia. Para mim, o Grupo dos Onze, a missão que eu recebi, foi totalmente política. Dr. Brizola queria que não se desmanchasse aquele grande apoio popular ao movimento da Legalidade”.232. Segundo Baldissera, “No Rio Grande do Sul, não havia sequer começado qualquer tipo de organização. Cel. Joãozinho nos informa que foi chamado para assumir o comando estadual dos Grupos de Onze no dia 29 de março de 1964”233. Em termo de perguntas ao indiciado no IPM analisado, feita no dia 16 de abril de 1964, lê-se “Que não admite jamais o Coronel Pedrinho ou outro oficial da Brigada qualquer, fosse capaz de usar de força do Exército para atacar elementos da Brigada”.234 Sendo assim, temos apresentadas duas visões sobre a complexidade organizacional do grupo, que pode ser entendida se analisarmos o contexto de crise política de 1964, onde ambos os lados poderiam exagerar ou reduzir suas ações como uma formação de ataque ou defesa. Concluímos que inicialmente os oficiais eram acusados por uma tentativa de organização de um grupo que se mobilizaria e tinha uma complexidade organizacional, ligados à ideia da formação do Grupo dos Onze, por isso, intitulados de Onze da Brigada Militar no inquérito. Percebe-se que a formação desse grupo se dava muito mais em um sentido de atuação política do que de uma atuação militarizada. Nesse sentido, outras acusações são movidas ao grupo de oficiais. Além de questões de maior referência, como a atuação e mobilização dos onze da Brigada Militar, há também acusações mais simbólicas, onde alguns dos oficiais envolvidos são acusados de enviar

231

Usaremos pseudônimos em razão de um acordo assinado com o arquivo do STM de preservar os nomes dos Policiais Militares acusados no IPM 38.521. 232 Apud. BALDISSERA. p.68 233 BALDISSERA. Op.Cit; p.70 234 Termo de perguntas aos indiciados, p.74. In: Inquérito Policial Militar número 38.521. Vol I

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e assinarem mensagem de “Boas Festas ao deputado Leonel Brizola, na qual se intitularam „Os onze da Brigada Militar‟”.235 Outras acusações são relatadas no inquérito e fazem referência às relações entre os oficiais da BM e alguns elementos do III Exército. É citado no inquérito que ao iniciarem os conflitos políticos no Brasil, as relações entre brigadianos e militares do Exército teriam se estreitado a ponto de criarem um contraponto ao golpe que se formava e assim relembrar a Campanha da Legalidade de 1961. No IPM 38.521, é feita a seguinte referência “Oficiais acorreram ao QG do III exército, pondo-se à disposição de uma mobilização ilegal, solidarizando-se, dessa forma, com o movimento subversivo”.236 Em meio a todas essas acusações feitas aos oficias da Brigada Militar citados no IPM, uma questão chama a atenção: são as disputas pelo controle do Comando Geral da Brigada Militar. Para um melhor entendimento desse conflito, é chave compreender as acusações e contextualizar essa disputa. O ponto de conflito se inicia quando o III Exército requisita ao governo do Estado os serviços da Brigada Militar, para que a corporação ficasse sobre o seu comando. A contextualização do que ocorria apresentada no IPM demonstra que o governo estadual entendeu essa ação como um ato inconstitucional e nega a requisição feita pelo comandante do III Exército. Segundo o IPM:

Por entender ser inconstitucional tal requisição, o Cel. Otavio Frota deu conhecimento, naquele dia, aos seus comandados, de que havia negado a entrega da Brigada Militar ao comandante do III Exército. Ao mesmo tempo, determina o regime de rigorosa prontidão para toda a força. Os pré-citados denunciados, porém, desobedecendo instruções do Comando da Brigada Militar, que os convocará face a grave situação nacional do momento, não só desatenderam essa convocação, como se apresentaram ao QG do III Exército, com o proposito deliberado de ficarem subordinados a esse comando”.237

Após a solicitação feita pelo Exército, alguns oficias apresentaram-se e colocaram-se à disposição do III Exército, passam a desobedecer a uma ordem do 235

Relatório das ações dos indiciados. p.6. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I Relatório das ações dos indiciados. p.6. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 237 Relatório das ações dos indiciados. p.7. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 236

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Comando Central da BM, o que caracteriza, entre os militares, um crime por quebra de hierarquia. Em meio a todo esse conflito, os oficiais apresentaram-se ao III Exército, o que intensifica a crise que se estabelecia entre os grupos políticos da BM. Por ordem do III Exército, foi indicado como novo Comandante da Brigada Militar o Tenente Coronel Pedrinho. Segundo informações do IPM, essa atitude já havia sido definida em reunião feita entre alguns oficiais e sargentos da BM juntamente com o Exército, em meados do mês de março de 1964 no escritório do Tenente Coronel Washington do Exército.238 Com a indicação do Ten. Cel. Pedrinho para o Comando Geral da BM, a instituição passa a funcionar com dois comandos, um indicado pelo governo do estado e outro indicado pelo III Exército. Com isso e com a indicação do Exército, o Tenente Coronel Pedrinho inicia a busca por apoio, que, segundo o IPM, passou a “aliciar” colegas. Uma das ações descritas em um resumo dos fatos apresentado no IPM foi a de ter “designado uma comissão de oficiais da Brigada Militar, para parlamentar com o Cel. Carlos, comandante do Regimento Bento Gonçalves, a fim de que este oficial o reconhecesse como Comandante Geral da Brigada Militar”.239 A reação do Cel. Carlos foi de negar o apoio ao novo comandante, e não autorizar a instalação do Quartel General do novo comando em seu Regimento. A partir da reação negativa do comandante do Regimento Bento Gonçalves, o Ten. Cel. Pedrinho passou a usar novas alternativas para tornar aquele regimento sede do QG do novo comando. Segundo relatos contidos no IPM:

Este oficial ameaçou, pelo telefone, o referido Comandante, de fazer uma demonstração de forças, na zona das Bananeiras, para colher, por coação, o apoio das Unidades alí cedidas, forças essas do 6 BE (Batalhão do Exército), com seus carros de combate e um esquadrão do regimento mecanizado, postas a disposição pelo III Exército, para instalar o seu QG naquela unidade e posteriormente, marchar sobre o QG da Brigada Militar, compelir o Cel.Frota a entregar-lhe o Comando, pois que este declara ao General Ladário que não entregaria o Comando da Força.240

Para agravar a situação e a crise no Comando Geral da Brigada Militar, o exdeputado Leonel de Moura Brizola intervém no caso passa e a utilizar a cadeia da

238

Relatório das ações dos indiciados, p.7. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I Relatório das ações dos indiciados, p.7. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 240 Relatório das ações dos indiciados, p. 8. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 239

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Legalidade. Na tarde de 1º de abril, anuncia, segundo o IPM, “o Ten. Cel. Pedrinho, novo Comandante Geral da Brigada Militar, e convoca os elementos da reserva para uma reunião às 18 horas, nos fundos da Prefeitura Municipal, onde está instalado o „QG da Legalidade‟”.241 Essa declaração e intervenção de Brizola passam a conduzir as ações dos militares contrários ao golpe, centralizando as atitudes na ação de colocar o Ten.Cel. Pedrinho, no Comando Geral da BM. Podemos nos questionar porque o grupo da Brigada Militar ligada ao governo do estado não conteve com uso da força as ações dos Onze da Brigada Militar. A explicação presente no histórico apresentado no IPM, é que o Grupo dos Onze da BM e a rede da Legalidade estavam sobre “a proteção do General Ladário, não podia a Brigada Militar desautorizá-lo”242. Com a intenção de conter as ações do grupo de brigadianos contrários ao golpe e também de conter as ações do ex-deputado Leonel de Moura Brizola, o Comandante Geral da Brigada Militar Cel. Otavio Frota compareceu ao Gabinete do General Ladário Pereira Teles e apresentou sua contrariedade às ações de apoio que o III Exército havia fornecido aos grupos opositores da BM. O resultado final dessa visita foi que o “General Ladário declarou que também não concordava e imediatamente providenciaria contra tal irradiação, o que de fato o fez”.243 A partir da reunião, a atitude do General Ladário, que até então se apresentava como um dos apoiadores do movimento ou pelo menos compreendia como necessário apoiá-lo, passa a ser contrária ao Grupo dos Onze da BM. Percebe-se aqui uma importante ruptura para o enfraquecimento do grupo, fazendo com que o mesmo perdesse seu apoio externo, e com isso, afirmando a manutenção do Cel. Frota no Comando Geral da Brigada Militar. A manutenção do Cel. Frota no poder representou a desarticulação do movimento na Brigada, e como consequência, a afirmação daqueles que exerceram o processo de consolidação do Golpe Militar no Brasil e no estado do Rio Grande do Sul. Sendo assim, os principais agentes dos grupos contrários a esses movimentos passam a ser acusados, segundo termos do IPM, por atividades criminosas.

241

Relatório das ações dos indiciados, p.8. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I Relatório das ações dos indiciados, p.8. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 243 Relatório das ações dos indiciados, p.8. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 242

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Com o insucesso do movimento, é importante analisar o resultado após a consolidação do golpe, ou seja, por quais “atividades criminosas” os oficiais envolvidos no movimento intitulado como os onze da Brigada Militar foram acusados. Nesse sentido, o IPM apresenta um resumo com as principais acusações sobre estes oficiais, que procuraremos analisar para obter um maior conhecimento sobre os resultados posteriores à crise apresentada. Os oficiais envolvidos com a formação dos Onze da Brigada Militar foram julgados sobre as seguintes sanções do Código Penal Militar. Foram acusados no título II pelo Artigo130 do capítulo I e seus incisos I e II, que descreve sobre motim e revolta, e que deixa expresso que é considerado motim ou revolta quando reunirem-se militares ou assemelhados em número de quatro ou mais. Tendo como pena reclusão de cinco a oito anos, aumentada de um terço para os cabeças e em um paragrafo único apresenta uma punição para se estivessem armados, passando a pena a ser de dez a vinte anos, com aumento da terça parte para os cabeças. Ainda são julgados pelo artigo 132, que versa sobre concertarem-se militares ou assemelhados para a prática de crime previsto no artigo 130 e prevê reclusão de três anos a cinco. Em um paragrafo único prevê isenção de pena para o que denunciar. No capítulo VI. Sobre a usurpação, excesso ou abuso de autoridade, no artigo 145 os brigadianos foram julgados por assumir, sem ordem ou autorização, qualquer comando ou direção de estabelecimento militar com uma pena prevista de dois a quatro anos. Outro crime pelo qual foram julgados consta no artigo 171, que considera crime abandonar, sem ordem superior, o posto ou o lugar de serviço que lhe tenha sido designado, ou serviço que lhe cumpria, antes de terminalo, a pena é de detenção de seis meses a dois anos. Ainda nas acusações aos militares, no título II, sobre crimes contra a autoridade e a subordinação militar, e no capítulo II do Código Penal, que versa sobre a aliciação e incitamento, os policiais militares foram julgados pelos artigos 133, que previa que aliciar militar ou assemelhado para a prática de qualquer dos crimes previstos no capítulo anterior tem a pena prevista de reclusão de dois a quatro anos. No artigo 134, os policiais militares foram julgados pelo crime de incitar a desobediência, a indisciplina, ou a prática de crime militar, a pena prevista era de dois a quatro anos. O título VIII versa sobre os crimes contra a administração militar, no capítulo I que trata sobre o desacato e a desobediência os oficiais foram julgados pelo artigo 227

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que coloca como crime desobedecer ordem legal de autoridade militar, com pena de um a seis meses de detenção. Entre os Coronéis da reserva, Vinicius e Augusto, as principais acusações foram de que “pregaram a subversão da ordem constituída, incentivando a organização do „Grupo dos Onze‟ e apresentaram-se no QG do III Exército nos dias da revolução”.244 Um agravante é a intensidade da participação dos acusados nos fatos que ocorrem, o que deixa bem claro que mesmo na reserva houve sua participação.245 O coronel reformado Vandeir sofreu acusação por ter se apresentado no III Exército no dia 1º de abril de 1964 e, segundo o IPM, “Tentou induzir o Cel. Frota a passar o Comando da Brigada Militar ao Ten. Cel D.G.S.”.246 O Ten. Cel Joãozinho foi acusado de pregação subversiva e de usar elementos pagos pelo Serviço Nacional de Municípios (SENAM), para incentivar a criação dos Grupos do Onze. Em sua acusação, também é registrada a sua apresentação ao III Exército no dia 1º de abril de 1964, sendo ressaltada sua influência sobre os fatos ocorridos.247 O Ten. Cel. Pedrinho foi acusado de pregar a subversão dentro da Brigada Militar e de organizar e incentivar a formação do Grupo dos Onze. Segundo o IPM, as principais acusações sobre ele foram:

Aliciou cadetes e sargentos. Apresentou-se no QG do III Exército, onde foi designado Comandante Geral pelo General Ladário Telles, e apoiado nessa designação ameaçou o Chefe do EMG da Brigada Militar e o Comandante da Guarnição das Bananeiras, tentando coagí-los a aceitá-lo como Comandante Geral. Fez gestões no 6° BE para conseguir tropa armada para tentar usurpar o Comando da Brigada Militar.248

Os coronéis Márcio, da ativa, e Robson, da reserva, eram considerados membros importantes do Diretório Gen. Ernesto Dornelles e as acusações sobre eles foram de

244

Relatório das ações dos indiciados, p.9. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I Relatório das ações dos indiciados, p.9. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 246 Relatório das ações dos indiciados, p.9. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 247 Relatório das ações dos indiciados, p.9. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 248 Relatório das ações dos indiciados, p.7. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 245

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pregar a subversão da ordem constituída e de ter assessorado e se apresentado no III Exército com o objetivo de usurpar o poder do Comando da Brigada Militar.249 O coronel da reserva Almir, acusado por tentar influenciar o Comandante do Regimento Bento Gonçalves, para que este concordasse com as propostas feitas pelo Comandante indicado pelos contrários ao regime que se estabelecia em 1964.250 O Ten. Cel. Salomão, era presidente do Clube dos Farrapos e, segundo o inquérito, fazia reuniões do grupo no estabelecimento ainda no dia 2 de abril de 1964, já com Ranieri Mazzilli. Esse tenente foi acusado pela decisão de ter ordenado que em seu quartel só obedeceria ordens de João Goulart, caracterizando desobediência e indisciplina sua e de seus subordinados.251 O Major Juliano foi acusado de abandonar o serviço no QG da Brigada Militar para se apresentar no QG do III Exército e contribuir para o grupo queria tinha por objetivo tomar o Comando Geral da Brigada Militar. O Major Junior também foi acusado de afastar-se de suas funções para se juntar aos grupos de brigadianos presentes no III Exército. O Major reformado Orlando é indiciado pelo fato de prestar apoio ao Ten. Cel Pedrinho.252 O Capitão Paulo e o 1 Tenente Ricardo e o Capitão reformado Rômulo foram acusados basicamente de pregação de subversão e o último dos citados de prestar serviços da residência de Leonel de Moura Brizola.253 O Capitão Luís, que estava na região da fronteira, foi acusado por ameaçar sargentos que se colocassem contra suas ideias. O Capitão Marlon e o reformado Batista, membros do diretório do PTB, respondiam por usar a Guarda Municipal em favor do chamado “esquema subversivo”.254 O Major Abelardo e o 1° Tenente Rogério, também pertencentes ao Diretório do PTB, foram acusados pelo apoio dado ao movimento e o último também por ser indicado pelo Prefeito de Porto Alegre Sereno Chaise como seu assistente militar. O 1 Tenente Henrique foi acusado de estar “encarregado de abrir o portão lateral deste

249

Relatório das ações dos indiciados, p.10. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I Relatório das ações dos indiciados, p.10. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 251 Relatório das ações dos indiciados, p.10. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 252 Relatório das ações dos indiciados, p.10. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 253 Relatório das ações dos indiciados, p.10-11. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 254 Relatório das ações dos indiciados, p.11. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I 250

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quartel, na noite de 1º de abril para 2 de abril, para permitir a entrada no QG de um grupo armado de sargentos do Exército, da Brigada e de civis, o qual tomaria de assalto este quartel”.255 O 2° Tenente Lago, por sua vez, foi acusado por ter feito algumas conferencias no Diretório Gen. Ernesto Dornelles sobre marxismo e as necessidades de mudança radical do regime e das reformas de base. O 1 Tenente Fernando foi acusado de dominar uma emissora de rádio, na cidade de Taquara com o objetivo de integrar a mesma a Cadeia da Legalidade.256 Importante apresentar a visão posta pelos acusados, que, no IPM, se expressa através dos termos de perguntas aos indiciados. Por meio deles, podemos compreender a tentativa de defesa dos acusados. Essas perguntas aparecem em dois momentos do IPM, no primeiro e terceiro volumes. Esses termos se apresentam de certa forma incompletos, dificultando a sua análise. Sendo assim, priorizamos aqueles que se apresentavam de forma integral. No Volume I do IPM 38.521, encontramos uma série de perguntas aos indiciados, os quais são questionados sobre suas ações durante a consolidação dos Onze da Brigada Militar. Nesses inquéritos, foram feitos questionamentos aos oficiais no sentido de buscar esclarecer o porquê de seus atos. Claro que, ao analisar essa documentação, devemos tomar cuidado, pois se trata de registro oficial produzido pelos que acusavam. Mesmo assim, podemos perceber como os acusados usavam estratégias para sua defesa. Sobre o conteúdo exposto nessas entrevistas, podemos afirmar que são apresentadas descrições básicas dos atos dos oficiais. Todos durante sua participação no inquérito estavam presos. Os indiciados sempre se vinculam com o trabalhismo do PTB e se dizem estar sob o comando de Brizola. O principal argumento de defesa dos acusados era que só aderiram ao movimento porque entendiam que tinham o dever de manter a defesa dos direitos democráticos. No inquérito, o Cel. Márcio, quando questionado sobre as suas ações nos Onze da Brigada Militar afirma-se que “Que as ações praticadas decorreram pela razão de entender que o fazia em defesa dos direitos da Presidência da República, e não, 255 256

Relatório das ações dos indiciados. p.11. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I Relatório das ações dos indiciados. p.11. In: Inquérito Policial Militar 38.521. Vol I

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conscientemente, com o escopo de colaboração em qualquer movimento que correspondesse a „comunização‟ do país”.257 Importante analisar as perguntas feitas ao Ten.Cel. Pedrinho, pois foi o indicado pelo III Exército para assumir como Comandante Geral da Brigada Militar nos momentos de crise que antecederam o Golpe Militar no Rio Grande do Sul. O Ten. Cel. Pedrinho, ao ser questionado sobre os motivos de sua prisão, declara que “entende que sua prisão é ilegal, arbitrária e injusta. Atribui sua prisão à ilegalidade porque estamos atravessando e explica como ilegalidade o fato da deposição do Senhor Presidente da República e pela suspensão das garantias e direitos individuais”.258 Ainda nas análises do IPM, não podemos deixar de citas as perguntas feitas ao Cel da reserva Vinicius, que tinha participação ativa dentro do PTB, pois era o presidente do Diretório Ernesto Dornelles. As acusações sobre o Cel. Vinicius giravam em torno de suas ações políticas. Sobre essas acusações ele afirma: “Que participou ativamente na parte „povo‟ e não na militar, confirmando sua atuação política, que desenvolve desde que se integrou na vida partidária. Sua atuação „povo‟ consistia em contato com as lideranças políticas do Partido Trabalhista, no sentido de que fizessem o povo vir para a rua”. 259 Nos termos de perguntas feitos ao Ten. Cel. Emílio Joãozinho, outros fatores se destacam. O militar, ao ser questionado sobre o motivo de sua prisão, diz que “desconhece o motivo pelo qual está preso e supõe que sua prisão tinha relação com a sua função com o governo federal”.260 Sobre a sua atuação no Grupo dos Onze da Brigada Militar, relata: “Que no dia primeiro pela noite tomou conhecimento que a Brigada seria mobilizada e como a situação lhe pareceu grave e delicada procurou a fonte de tal informação e verificou que era o QG do III Exército. Que para lá se dirigiu em virtude de ser o centro de decisão de todos os acontecimentos. Que lá observou que era coisa líquida a mobilização da Brigada”.261 Questionado de porque procurar o QG do III Exército e não o da Brigada, o Ten. Cel. explicou “Que permaneceu no QG do Exército ao invés de se dirigir ao da Brigada, por achar que poderia prestar melhores serviços à Brigada, estando vigilante no centro dos acontecimentos e mesmo porque

257

Termo de perguntas aos indiciados. p. 52, In: Inquérito Policial Militar 38.521 vol I Termo de perguntas aos indiciados. p. 55, In: Inquérito Policial Militar 38.521 vol I 259 Termo de perguntas aos indiciados. p. 59, In: Inquérito Policial Militar 38.521 vol I 260 Termo de perguntas aos indiciados. p. 73, In: Inquérito Policial Militar 38.521 vol I 261 Termo de perguntas aos indiciados. p. 73, In: Inquérito Policial Militar 38.521 vol I 258

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queria estar a par dos acontecimentos, onde poderia conduzir as decisões”.262 Ainda em sua defesa, o Ten.Cel Joãozinho diz “Que não sabia que o Exército havia dado apoio em força para assegurar ascensão de Comando ao Coronel Pedrinho. Que pertence aos quadros do Partido Trabalhista Brasileiro e adota a orientação traçada pelo Deputado Leonel Brizola quando se refere ao trato de assuntos que sejam de interesse do bem do povo”.263 Os relatos demonstram que, por muitas vezes, os oficias indiciados procuravam a negação da existência de um grupo ou movimento organizado e tentam defender que o que fizeram foi em prol da manutenção do Governo Federal e pelo próprio bem da Brigada Militar. Outro ponto que se destaca é o fato de não negarem, pelo menos na documentação, a sua vinculação partidária com o PTB e com Leonel Brizola. Outros termos são encontrados nos IPM 38.521 em seu terceiro volume, porém, estes se apresentam muito mais simples e com perguntas e repostas diretas. Em linhas gerais, as respostas dos indiciados não variam muito, parecendo ser respostas padrões, onde em todos os casos os acusados se dizem inocentes e desconhecedores dos motivos de sua prisão, sendo diretos e sem dar muito detalhes sobre o que faziam durante a consolidação do Golpe Militar de 1964. Entre todos esses desdobramentos, destaca-se que a variação nas acusações feitas aos oficiais da BM não levam em consideração a posição dos brigadianos na instituição, nem mesmo o processo de julgamento coletivo, pois é somente um IPM movido para julgar 39 oficiais. Outro ponto importante a ser ressaltado é a posição defensiva dos acusados que de certa forma apresentando uma unidade de discurso, variado sua defesa em poucos momentos. Durante o IPM, os acusados são solicitados a responderem termos de perguntas em dois momentos distintos, um em 1964 e outro em 1966, destaca-se que em ambos os momentos os acusados se apresentam como inocentes e reforçam o discurso de que suas ações ocorreram como um ato de manutenção da democracia no país e também afirmam não saber o porquê de estarem sendo julgados e presos. O desdobramento de todos esses acontecimentos subsequentes às crises políticas e à consolidação do Golpe Militar de 1964 consolidou-se como muito penoso para os brigadianos envolvidos. Seus julgamentos se iniciam em 1964 e têm continuidade até 262 263

Termo de perguntas aos indiciados, p.74. In: Inquérito Policial Militar 38.521 Vol I Termo de perguntas aos indiciados, p.74. In: Inquérito Policial Militar 38.521 Vol I

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1972, ano onde o IPM 38.521 é extinto. Nesse período, os envolvidos passaram por momentos de liberdade e reclusão, além de perder os seus direitos militares. O IPM 38.251, no seu terceiro volume, é finalizado absolvendo os envolvidos, após muitas apelações

destes.

Segundo

as

informações

do

IPM,

“Nessas

condições,

preliminarmente, acordam os Srs. Ministro deste tribunal em, por unanimidade, receber estes autos e declarar extinta a punibilidade, pelos motivos já declarados, na conformidade do art.123, III, do CPM em vigor. Superior Tribunal Militar, 12 de janeiro de 1972”.264 Na década de 1970, alguns dos oficiais que ainda eram mantidos sobre investigação por causa de seu envolvimento nos conflitos foram absolvidos de suas penas. Um dos principais motivos para libertar os envolvidos é que nesse longo processo de julgamento, de 1964 a 1972, alguns haviam sido liberados e outros não e outra forte argumentação usada e aceita pelos ministros do STM foi a de que estes oficiais estavam cumprindo a sua função como elementos da força pública do estado. Segundo IPM, “os condenados recorreram, nos termos da lei, fundamentando-se na legalidade de suas tomadas de decisão”.265 Nesse sentido, com as informações apresentadas ao longo deste capítulo, podemos perceber que em momentos de significativa crise política, os elementos ideológicos e políticos existentes nas instituições que pertencem à composição do poder do estado tendem a se evidenciar, como o ocorrido no caso visto da Brigada Militar, no qual, nos conflitos ocorridos na consolidação do Golpe Militar de 1964, se percebeu haver forte influência nas relações políticas da polícia no

Rio Grande do Sul.

Evidencia-se, assim, que as polícias sofrem influência direta dos poderes políticos, seja pelos braços do estado, seja pelos partidos políticos, o que justifica que essa relação tende a aparecer em momentos de intensa crise política.

264 265

Apelação, p. 1085. In: Inquérito Policial Militar número 38.521. vol III Apelação, p. 1084. In: Policial Militar número 38.521. vol III

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os

questionamentos

que

conduziram

a

elaboração

desta

dissertação

direcionavam-se à compreensão da atuação política da Brigada Militar, entre os anos de 1961 e 1964, com o objetivo principal de entender as posições políticas da instituição e a forma como se deram as relações internas entre os grupos políticos que se apresentavam atuantes na BM. Podemos citar que se dividiam em dois grandes grupos, os próximos às políticas defendidas pelo PTB, e os contrários a essa ideia. Os conflitos gerados pelo Golpe Militar de 1964 atingiram o território nacional, dividindo o país entre grupos favoráveis e grupos contrários ao movimento, estes buscando criar pontos de resistência. No Rio Grande do Sul, não foi diferente, no estado, entre civis e militares, encontram-se grupos contrários ao novo regime, que viria a se consolidar no dia 1º de abril de 1964. Na polícia militar do Rio Grande do Sul, encontrou-se um grupo que tinha como objetivo conter os avanços dos golpistas que visavam à queda do governo de João Goulart. Apesar de, na maioria dos textos, tanto institucionais quanto acadêmicos, a Brigada Militar, quando tratado da consolidação do Golpe no Rio Grande do Sul, ser apresentada como um elemento de apoio e com reações tímidas ao golpe, com a análise feita, tivemos condições de perceber que, apesar de não obter o sucesso desejado em suas ações, os policiais militares, batizados de Grupo dos Onze da Brigada, demonstram, ao final, uma organização e mobilização intensa no dia 1º de abril de 1964. Essa reação da instituição torna-se mais clara quando analisamos o discurso defendido no decorrer deste estudo, onde se compreende a ação policial como uma ação política e não somente como resultado de atos profissionalizados, ou seja, mostrando as polícias como um membro atuante e participativo da política do país. A partir do entendimento de que a polícia militar no período de análise estava ligada aos conflitos políticos que estavam ocorrendo no Brasil, conseguiu-se compreender quais eram os grupos contrários ao Golpe Militar. Esses grupos estavam

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associados a siglas partidária, no caso da BM o PTB e também por figuras políticas como Leonel de Moura Brizola, ligação está alicerçada na Campanha da Legalidade em 1961 e que traz todo um imaginário e a formação de uma identidade legalista entre alguns oficiais da instituição. Esse imaginário sobre a Legalidade ajudou a manter a atuação dos grupos, construindo uma forte ligação dos oficiais da BM com o PTB e principalmente com Brizola. Sendo esses alguns fatores que contribuem para a formação do Grupo dos Onze na BM. A Brigada Militar em sua formação histórica se posicionou como uma instituição em defesa da ordem legal dos governos, se autointitulado muitas vezes como uma instituição legalista. Até o Golpe Militar de 1964 esse legalismo é muito presente e pela reconstrução histórica da instituição apresentou poucas divergências internas, diferente do que ocorre em 1 de abril de 1964, onde os movimentos da Brigada se colocam como defensores da ordem legal. Fator que contribui para que os grupos políticos entrem em disputas pelo poder e domínio do próprio Comando Geral da Brigada Militar. A conclusão desses fatos acabam gerando uma divisão interna da instituição durante a consolidação da Ditadura Militar, deixa visível as diferenças entre o Comando Geral da Brigada Militar, com alguns de seus oficiais, passando assim a construir propostas com apoios externos da força, como o III Exército, que no inicio das movimentações dos onze da Brigada Militar, deram apoio legitimando a atuação desse grupo. Podemos concluir que diferente de 1961 o III Exército não se mantem totalmente ao lado dos onze da Brigada Militar, ou seja, a retirada desse apoio pode ser entendida como um dos fatores de desarticulação dos Onze da Brigada Militar. As consequências a estes grupos de oficiais, que totalizavam trinta e nove polícias militares, são acusações de se impor contra a ordem legal, fazendo com que fossem julgados por crimes contra a própria corporação com os Inquéritos PolicialMilitares. Os polícias que fizeram parte do grupo do Onze da BM, nos primeiros meses após o golpe passam a ser julgados o que demonstra a vontade do governo de manter esses elementos, considerados subversivos, distantes das corporações que legitimavam o novo regime político estabelecido no Brasil. Isso também pode justificar a longa

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duração do IPM, que dura de 1964 até 1972, mantendo os polícias longe dos seus direitos de polícias e não pode agir na instituição. O grande resultado das ações dos envolvidos, foram os julgamentos feitos no IPM, que vão se estender por um longo período de tempo, onde nesses julgamentos que ocorreram entre 1964 a 1972, alguns são libertados de suas acusações, enquanto outros permanecem ainda sobre julgamento, variado de momentos de reclusão e momentos de liberdade vigiada e perda de seus diretos militares. Com o trabalho desenvolvido foi possível concluir que na BM durante os dias que antecederam o Golpe Militar de 1964 houve uma mobilização por parte de grupos de oficiais ligados ao PTB e que este movimento vem de uma herança legalista construída nos esforços da Brigada Militar na Campanha da Legalidade. Isso ajudou a mostrar que as relações políticas são mais presentes entre as instituições policias do que muitas vezes se imagina, ainda mais quando tratamos de um período de crise política como no golpe de 1 de abril de 1964. O estudo sobre as relações políticas das polícias militares no Brasil é um assunto que ainda precisa de muitas analises para comtemplar algumas lacunas existentes, principalmente quando falamos das ações dessas polícias entre os períodos que antecedem a ditadura militar e até mesmo durante sua vigência. Nessa dissertação buscamos responder alguns questionamentos sobre a polícia militar do Rio Grande do Sul, a qual carece de um olhar mais cuidadoso da historiografia, mas que com o passar dos anos vem sendo cada vez mais lembrada pelos estudiosos. Ao iniciar essa dissertação o grande questionamento era como uma instituição militar, que aparenta uma unidade de pensamento, pode mudar de atos em tão pouco tempo, ou seja, como apoia a Campanha da Legalidade em 1961 e logo em 1964 é um dos membros legitimadores do golpe. Com a série de estudos feitos no decorrer deste trabalho concluiu-se que as posições políticas da instituição se apresentam de forma variada e a unidade de pensamento que o grande publico imagina se ter acaba sendo em grande parte um discurso e assim passamos a entender que as instituições de polícia militar, passam a compor mais um dos elementos políticos e legitimadores dos poderes.

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http://www.al.rs.gov.br/Download/CCDH/RelAzul/RelatorioAzul_2006.pdf. último acesso 29/04/2013

data

do

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LOCAIS DE PESQUISA Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS Biblioteca Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo/RS Museu da Brigada Militar – Porto Alegre/RS Superior Tribunal Militar - Brasília/DF

128

ANEXO I TABELA DE LEIS, ATOS E DECRETOS DAS FORÇAS POLICIAIS RIO-GRANDENSES (1837-1974) Data

Lei / Decreto/Ato

Disposições

18 de novembro de 1837

Lei Provincial n° 07

Formação do corpo policial e suas designações

07 de janeiro de 1865

Decreto Imperial n° 3. 371

Ordenava que os integrantes do Corpo Policial devessem aderir às tropas de voluntários

26 de abril de 1873

Lei provincial n° 874

Ordenava a extinção do Corpo Policial e a criação da Força Policial

15 de outubro de 1892

Ato n° 357

Criou a Brigada Militar do Estado, extinguindo a Guarda Cívica

22 de outubro de 1892

Ato n° 371

Aprova o Regimento Interno da Brigada Militar

4 de Janeiro de 1909

Lei n° 1860

Ordenava o serviço militar obrigatório e colocava as forças estaduais como forças auxiliares da Guarda Nacional a disposição da União

3 de janeiro de 1917

Lei federal n° 3216

Abre um caminho para a vinculação das polícias militares ao Exército Brasileiro, o que consolida as polícias militares dos estados como “forças auxiliares do Exército brasileiro”

31 de maio de 1923

Lei n º 3161

Lei que autoriza o projeto de criação de uma escola de aviação

17 de Janeiro de 1936

Lei n °192

Lei Federal que passa a atribuir as Polícias Militares a garantia da ordem Pública e Segurança das instituições.

Fevereiro de 1952

Lei n° 1753

Lei que cria o primeiro Estatuto da Brigada Militar

21 de abril de 1961

Lei n° 12.280

Determinava “a extinção dos Batalhões de caçadores, que foram substituídos pelos Batalhões de Guardas e Batalhões policiais; ainda, os regimentos de Cavalaria passaram a ser denominados de Regimentos de Polícia Montada (RPMont).

1974

Lei n° 23.245/74

Afirmava o papel exclusivo de polícia ostensiva as Polícias Militares

Fonte: do autor, com base em: SODRÉ, Nelson Werneck. A História Militar do Brasil. 3º Ed.

Editora Civilização brasileira. Rio de Janeiro 1979/ MARIANTE, Hélio Mouro. Crônica da Brigada Militar Gaúcha. Porto Alegre. Ed. Imprensa Oficial, 1972.

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ANEXO II TABELA DE COM O EFETIVO DA BRIGADA MILITAR DE 1900 A 1979 Ano

População

Efetivo da BM

Habitantes por PM

1900

1.149.070

1.656

693,8

1910

1.594.439

1.910

1.358,3

1920

2.182.713

2.099

1.039,8

1930

2.948.130

3.967

743,1

1940

3.320.689

6.333

524,3

1950

4.164.821

6.581

632,8

1960

5.448.823

9.891

550,8

1970

6.670.382

16.161

412,7

Fonte: MARIANTE, Hélio Moro, Crônicas da Brigada Militar gaúcha.Porto Alegre. Editora Imprensa Oficial, 1972. P.283

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