PASOLINI E AS CONSTRUÇÕES CIBORGUIANAS

May 29, 2017 | Autor: Natalia Chaves Bruno | Categoria: Technology, Pier Paolo Pasolini, Cyborgs
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    PASOLINI  E  AS  CONSTRUÇÕES  CIBORGUIANAS   Natalia  Chaves  Bruno      

Resumo: O presente artigo tem por objetivo aproximar a metáfora do ciborgue proposta por Donna Haraway com a constante preocupação de Pasolini em experienciar corporalmente a realidade. Apresenta-se

brevemente

o

contexto

atual,

marcado

pelo

desenvolvimento tecnológico, e a forma como somos atravessados pelas redes informacionais, pelos aparatos eletrônicos e o modo como nos constituem como seres ciborgues. Posicionamentos expostos por Pasolini, a partir da leitura comportamental de seu mundo, são apresentados juntamente com as considerações de Haraway a cerca das construções ciborguianas.

A tecnologia atualmente está inserida em nossas vidas nos mais diversos contextos e situações. Nossas ações estão cada vez mais sendo apoiadas e facilitadas por meio de aparatos tecnológicos que se fazem presentes das formas mais variadas. Celulares, cartões de crédito, passe eletrônico de ônibus, sensores de presença, luminosidade, GPS, estão espalhados ao nosso redor. Incorporados na trajetória dos indivíduos, essa malha de microeletrônicos atravessa a corporeidade e comportamento, modificando de forma substancial a nossa forma de ser e estar no mundo. A onipresença desses microeletrônicos já era prevista pelo cientista Mark Weiser em 1988 quando usou o termo ubiquidade computacional(2009). Weiser antevia que os computadores pessoais, tal como eram, iriam desaparecer se integrando em todos os objetos de maneira onipresente. Essa malha etérea que nos acompanha deixa clara a constante fusão atual entre homem e máquina. Vivemos em uma era onde presenciamos a

2 mecanização e eletrificação do humano, e a humanização e subjetivação da máquina (HARAWAY et al, 2009). As relações entre tecnologia, ciência e sociedade têm sido discutidas pela filósofa e feminista-socialista Donna Haraway na segunda metade do século XX. A autora apresenta a metáfora do ciborgue para esta discussão e defende que em um contexto altamente tecnológico o pensamento dualista e separacionista de mente/corpo, feminino/masculino, orgânico/mecânico caem por terra. Distanciando-se da concepção de polaridades e oposições, Haraway enxerga o mundo como um entrelaçado de redes híbridas. “Essas redes híbridas são os ciborgues e eles não se limitam a estar à nossa volta–eles nos incorporam.” (HARAWAY et. al, 2009, p.24). Na entrevista dada ao Furio Colombo, em 1975, Pasolini já observava ao seu redor o processo de mecanização do ser humano “a tragédia é que não existem mais seres humanos, e sim máquinas que se chocam uma contra a outra.” (PASOLINI, 1990,p.239). O contexto de crise que atravessava a Itália nos anos setenta deixava aparente a marca de um modelo desenvolvimentista que mecanizava o humano para a produção massificada. O ciborgue apresentado por Haraway não possui necessariamente relação com aquela imagem de membros do corpo metalizados, garras e olhos biônicos apresentados em filmes de ficção, mas para além disso, o ciborgue está associado à concepção do corpo como aparelho de excelência em seu desempenho. “A era do ciborgue é aqui e agora, onde quer que haja um carro, um telefone ou um gravador de vídeo. Ser um ciborgue não tem a ver com quantos bits de silício temos sob nossa pele ou com quantas próteses nosso corpo contém. Tem a ver com o fato de Donna Haraway ir à academia de ginástica, observar uma prateleira de alimentos energéticos para bodybuilding, olhar as máquinas para malhação e darse conta de que ela está em um lugar que não existiria sem a ideia do corpo como uma máquina de alta performance.”(HARAWAY et. al, 2009, p.23)

3 No mesmo ano que Pasolini fala sobre os humanos como “máquinas que se chocam uma contra a outra”, a história da computação passava por um marco significativo: o lançamento do primeiro computador pessoal a ser vendido em larga escala. A visão de Pasolini sobre a sua realidade também parecia falar sobre um movimento comportamental, que de forma embrionária, começava a surgir nos Estados Unidos. A entrada de um objeto dotado por um sistema computacional na casa das pessoas de alguma forma iria afetar a compreensão de mundo e comportamento das mesmas. Os objetos que nos cercam servem como intermediadores de relação, auxiliam e direcionam a nossa forma de enxergar e se portar no mundo. É compreensível que a partir da mudança de “natureza” do mundo material, a forma de nos significar e conduzir a nossa trajetória é também alterada. Na Linguagem Pedagógica das Coisas, Pasolini apresenta a importância da materialidade para a educação “A educação que um menino recebe dos objetos, das coisas, da realidade física – em outras palavras, dos fenômenos materiais da sua condição social –, torna-o corporalmente aquilo que é e será por toda a vida. O que é educada é a sua carne, como forma do seu espírito.” (PASOLINI, 1990,p.127). Essa relação essencial, participativa das coisas é também expressa por Haraway quando afirma que a “a tecnologia não é neutra. Estamos dentro daquilo que fazemos, e aquilo que fazemos está dentro de nós. Vivemos em um mundo de conexões– e é importante saber quem é feito e desfeito.” (HARAWAY et. al, 2009, p.32). Pasolini, ao ser questionado pela sua contraditória posição ao criticar o sistema que necessita para realizar o seu trabalho (consumidores para suas produções, conjunto de aparatos técnicos e industriais para suas filmagens), afirma necessitar somente de si mesmo, pois a ele basta estar vivo experimentando com seu próprio corpo a realidade. Embora o autor pareça dispensar a “situação” que critica, mas alimenta o seu trabalho, seu posicionamento deixa em evidência a sua constante busca em “sempre constituir uma experiência existencial, direta, concreta, dramática, corpórea dessa realidade em fundamento último da análise” (PASOLINI, 1990,p.11).

4 Haraway ao apresentar a metáfora do ciborgue constrói uma série de definições que falam sobre fluidez, fronteiras não delimitadas, características típicas de uma sociedade pós-moderna: “O ciborgue está determinadamente comprometido com a parcialidade, a ironia e a perversidade. Ele é oposicionista, utópico e nada inocente. Não mais estruturado pela polaridade do público e do privado, o ciborgue define uma pólis tecnológica baseada, em parte, numa revolução das relações sociais do oikos – a unidade doméstica”. (HARAWAY et. al, 2009, p.38). O tom quase provocativo da autora incita a reflexão e análise crítica, e o convite à experiência sobre as formas de construções ciborguianas, híbridas, as quais criamos e somos criados. A distância de uma década entre a última entrevista e morte de Pasolini, e a publicação do Manifesto Ciborgue de Haraway (1985), assim como seus contextos, deixa clara as diferenças entre os dois autores. O cineasta, poeta e escritor Italiano é marcado por um tom saudosista, e a filósofa estadunidense em seus estudos sobre evolução, assume uma postura visionária. No entanto, a paixão e intensidade da experiência corpórea da realidade exposta por Pasolini, é também vivenciada e explorada por Haraway. Assim como Pasolini enxerga na necessidade de dissertar com a propriedade de quem vivencia intensamente a realidade que o cerca, sendo um critico atuante de seu contexto político-social, HARAWAY ao nos enxergar ciborgues, reivindica uma postura politicamente responsável e consciente diante da apropriação da ciência e da tecnologia. A autora atribui à metáfora do ciborgue possiblidades de potentes fusões e de alternativas perigosas, no entanto, sugere que diante de uma sociedade tecnologicamente mediada, um olhar cuidadoso das construções ciborguianas pode contribuir para a busca de novos significados, formas de poder e prazer.

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REFERÊNCIAS

PASOLINI, P. P. Os jovens infelizes. Antologia dos ensaios corsários. São Paulo: Brasiliense, 1990.

HARAWAY D.,KUNZRU H., TADEU T. Antropologia do Ciborgue: as vertigens do pós-humano –2ed–Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009 WEISER,M., Father of Ubiquitous computing.UbiCom Series, 2009 disponível emhttp://www.tcgai.com/documents/MarkWeiser,FatherOfUbiquitousComputing .pdf acesso em 28 de novembro de 2014

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