PESQUISA E EXPERIÊNCIAS DE OBRAS DE ARTE SONORA COM AMPLIFICADORES E DISPOSITIVOS MÓVEIS

September 2, 2017 | Autor: Jazzy Grilowsky | Categoria: Performance, Sound Design, Artes Sonoras, Intervenção urbana
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AESO – BARROS MELO

Gustavo de Melo Mendonça

PESQUISA E EXPERIÊNCIAS DE OBRAS DE ARTE SONORA COM AMPLIFICADORES E DISPOSITIVOS MÓVEIS

Olinda 2014

Gustavo de Melo Mendonça

PESQUISA E EXPERIÊNCIAS DE OBRAS DE ARTE SONORA COM AMPLIFICADORES E DISPOSITIVOS MÓVEIS

Artigo apresentado como requisito para obtenção do título de Pós-Graduação em Técnicas de Áudio e Produção Musical promovido pela AESO – Barros Melo

Olinda 2014

RESUMO

Este artigo discute a elaboração processual e a execução de obras de arte sonora que dentro de sua proposta estética utilizam-se de amplificadores e dispositivos móveis para reproduzir som. As relações de território, poder e política inerentes a estas ações serão levantadas com finalidade de propor novas possibilidades para a realização de um sistema de desenho sonoro em que os amplificadores movimentem-se pelo espaço. Tendo como marco e referência a obra Rádio Frei Damião – projeto no qual fui um dos criadores - analisaremos performances e obras de Arte Sonora que em sua concepção de desenho sonoro tenham como suporte amplificadores móveis. Para isso, serão abordadas experiências significativas que se expressem por meio do recurso da mobilidade espacial dos amplificadores e dispositivos, além de apontar novos projetos idealizados por mim que estão em andamento.

Palavras-chave: Arte sonora, desenho sonoro, amplificadores móveis, intervenção urbana, performance.

1 INTRODUÇÃO Diariamente, os centros urbanos são bombardeadas por interferências sonoras musicais de seus habitantes. Com as facilidades de aquisição de celulares e outros equipamentos baratos de amplificação, como os rádios de fabricação chinesa com entrada USB, a população urbana tem a oportunidade de tornar-se ao mesmo tempo coadjuvante e protagonista na construção desta paisagem sonora caótica. Na Região Metropolitana do Recife (RMR) percebemos esta interferência pelas músicas populares massivas (funk-brega, sertanejo universitário, gospel, pagode, etc) tocadas em alto volume nos espaços públicos da cidade – gerando som e sentido na vida urbana. São celulares tocando música em ônibus e calçadas, carrocinhas de CDs piratas na rua, frequências graves explodindo em potentes amplificadores nos carros. Esta ação protagonista revela-nos uma autoafirmação da identidade no espaço social pela imposição do volume excessivo de massa sonora, por vezes extrapolando o limite estipulado pelos órgãos reguladores oficiais numa clara ação de desobediência civil. Ações como essas geram controvérsias já que instaura-se uma relação de poder e narcisismo embalado pela visibilidade obtida pelo indivíduo ou grupo chamando a atenção dos outros transeuntes para si, ao ter a sua música predileta sendo ouvida por um maior número de pessoas, independente se estas pessoas gostam da música ou se sentem incomodadas. Por outro lado, existem indivíduos que optam pelo caminho de isolamento utilizando headphones acoplados aos seus aparelhos numa aparente tentativa de distanciar-se da paisagem sonora ouvindo suas músicas preferidas em arquivos MP3. Esta atitude muitas vezes interpretada como uma fuga, também pode ser interpretada como o simples desejo do indivíduo em distrair-se ouvindo música para passar o tempo ou fugir do barulho externo que pode lhe ser desagradável, criando um novo espaço territorial particular. Ambas as ações, dos protagonistas e dos isolados, são permeadas por um forte conteúdo político a ser explorado. Mesmo reconhecendo as possibilidades dos headphones na criação de obras sonoras significantes, o foco do artigo será os amplificadores portáteis e os dispositivos

móveis que gerem som em alto volume de modo que interfiram na paisagem sonora em espaços abertos de centros urbanos. Neste artigo, teremos como marco a intervenção urbana com bicicletas sonoras da Rádio Frei Damião – realizada pelo autor do artigo e por outros artistas –, que é o ponto de partida para as pesquisas empíricas. Para complementar o referencial prático da análise, serão também abordadas algumas obras que utilizam-se de dispositivos móveis. Por fim, estaremos propondo possibilidades de execução da técnica surround1 para criar composições e coreografias sonoras a serem realizadas com a movimentação dos amplificadores. Utilizo aqui o termo coreografia numa clara alusão à dança, em que o movimento ordenado vai dar sentido ao roteiro do espetáculo. Assim sendo, os amplificadores móveis vão efetuar o desenho sonoro que antes só seria possível se executado por um sistema 5.1 surround.

1

Desenho sonoro em 3 dimensões para reproduzir áudio vindo de direções diferentes, criando efeitos de deslocamento e movimento do som no espaço. O surround é bastante explorado pelo cinema contemporâneo para reforçar a sonoplastia realística do filme. O termo será por nós entendido como a atmosfera psicoacústica gerada pela emissão simultânea de sons vindo de diferentes amplificadores.

2 ARTE SONORA A polêmica quanto às definições do que é Arte Sonora ainda é enorme. Não está em questão no artigo proposto a discordância e a consonância das elucubrações de artistas e teóricos sobre os conceitos de Arte Sonora a partir dos anos 1970 na cultura europeia e norte-americana. Mas algumas definições e contradições podem nos ajudar a compreender os caminhos traçados pela pesquisa para analisar a mobilidade sônica entre territórios. O conceito de Arte já tem um grau de indefinição elevada e possibilidades complexas de representação e reinterpretação de códigos e signos. Independente destas (in)definições, podemos aqui trazer a relação das artes com os espaços institucionalizados da Arte. Boa parte de pesquisadores e até leigos enxergam os museus como local primordial e ideal de exposição de obras distintas e de valor agregado aos curadores e às instituições envolvidas. Annea Lockwood traz fortemente em seu discurso esta legitimação cultural na Arte Sonora: Eu o aplico às peças que faço usando recursos eletroacústicos e que sejam apresentadas em galerias, museus, outros lugares em que o som é, cada vez mais, concebido como um meio em si (como vídeo), mas não como uma performance. Eu acho que o que é chamado “arte sonora” não tem intenção de se conectar com a linguagem musical [...] talvez o termo tenha sido pragmaticamente cunhado por curadores de museus para dar conta da componente sonora dentro de seu mundo. (LOCKWOOD, 2007)

Para reafirmar esta condição de desconexão da Arte Sonora com a linguagem musical a que Lockwood refere-se e com a qual concordamos, Campesato aponta distinções entre as expressões sonoras a partir de seus conceitos: Enquanto na música instrumental e eletroacústica a composição permaneceu conectada a uma aspiração abstrata, a arte sonora, acompanhando uma tendência que pode ser percebida nas artes visuais buscou se apropriar do som justamente pelo seu poder de referenciar qualquer tipo de objeto ou coisa, seja ela mais ou menos efêmera […] Na Arte Sonora, uma concepção concreta do som, aliada a uma abordagem fragmentada do tempo e uso do espaço esteticamente ativo, corroboram uma sintaxe na qual estruturas abstratas musicais estão longe de aparecer. (CAMPESATO, 2007. p.106)

Outras características intrínsecas da Arte Sonora é sua natureza híbrida de ruídos, sons ambientes, exploração do corpo humano e de diálogo com outras artes contemporâneas. Além desta ligação com novas formas de produzir e a conexão com outras expressões artísticas, a Arte Sonora foi criando significado com a exploração de novos territórios para além das galerias e museus quando começa a ocupar espaços públicos abertos como praças, jardins e ruas. Intervenções urbanas que dialogam com a paisagem sonora foram tomando espaço interferindo nas interpretações sonoras cotidianas, criando territórios de deleite e conflito e, ampliando a atuação política do seu discurso sônico nas ruas. Dentro desta perspectiva, como marco para o artigo temos a intervenção urbana Radio Frei Damião concebida pelo autor, por explorar de forma inusitada a estrutura do surround em área urbana tendo como suporte as bicicletas sonoras que fazem parte do cotidiano da Região Metropolitana do Recife.

3 RÁDIO FREI DAMIÃO E OS AMPLIFICADORES MÓVEIS O interesse pela pesquisa deste artigo deu-se a partir da idealização da intervenção urbana Rádio Frei Damião no dia 11 de setembro de 2003, realizada por mim e por Ernesto Teodósio, integrante do coletivo de arte Telephone Colorido2. Na manhã deste dia, seis bicicletas sonoras saíram em fileira pelo Bairro do Recife contendo em seus dispositivos fitas K7 com músicas de vanguarda, experimentalismos noise, gravações de rádios estrangeiras e músicas étnicas, material agrupado pelos realizadores e por Thelmo Cristovam3. A performance que saiu das proximidades da Rua da Moeda e circulando aleatoriamente pelo bairro do Recife, causou o esperado estranhamento nos ciclistas contratados, no público que assistia ao apocalíptico cenário sonoro e na Polícia Militar de Pernambuco que tentou impedir a continuidade da obra. O ápice deu-se quando todas as bicicletas pararam durante 20 minutos no Marco Zero da cidade, atraindo a curiosidade de vários turistas estrangeiros que ali estavam. O local escolhido para esta intervenção foi o Marco Zero da cidade do Recife porque é situado na área portuária e histórica da cidade.

Figura 1 - Vista aérea do Marco Zero – Recife Fonte: http://www.recife.pe.gov.br/ESIG/

2 3

Coletivo de artes visuais que iniciou as atividades em 1996 em Recife que produziu obras de cinema documentário, de ficção e pelas artes plásticas em geral. Músico dedicado à pesquisa em psicoacústica, música, fonografia, paisagens sonoras, eletroacústica, música do computador e livre improvisação.

O espaço que antes abrigava uma praça repleta de árvores bastante sombreada e ao mesmo tempo degradada pela falta de cuidado dos órgãos responsáveis, terminou sendo destruído para dar lugar a um projeto paisagista de Cícero Dias4 no final da década de 1990. A experiência foi repetida em 2006 na Rua da Imperatriz, no bairro de Santo Antônio, área comercial do centro do Recife, a convite dos cineastas Sérgio Oliveira e Jura Capela que estavam filmando o documentário Schenberguianas, sobre o físico e filósofo pernambucano Mario Schenberg. Mais uma vez, o centro da cidade foi tomado pelo caótico som da performance onde as bicicletas novamente criaram estéticas sonoras com diálogos, depoimentos e a trilha sonora do filme.

Figura 2 - Radio Frei Damião na Rua Imperatriz – Centro do Recife - 2006 Fonte: Autoria Própria

A problemática da espacialização sonora iniciada com a Rádio Frei Damião e sua intervenção diante de uma audiência desprevenida em meio a um centro urbano traz importantes questionamentos quanto às relações de poder e território que nos remete às criações de Zonas Autônomas Temporárias, ou seja, “no sentido que imagina uma intensificação da vida cotidiana” (BEY, 2011, p.14) em forma de arte, numa 4

Pintor modernista pernambucano (1907 - 2003)

aglomeração voluntária onde pode-se expressar a liberdade sem controle de hierarquias opressivas. A delimitação do território já é uma produção, carregada de códigos que operam num jogo de territorialização e desterritorialização, algo parecido com a função das artes, que, de alguma forma, também criam territórios. Na urgência de criar um território, a arte se faz sem ter que esperar o homem para começar. O artista se arrisca numa aventura perigosa diante do caos, podendo ser todo descodificado, ao mesmo tempo em que descodifica (OBICI, 2008, p.74)

A ocupação sonora destes territórios se deu principalmente pela possibilidade de mobilidade dos recursos de amplificação sônica por artistas performáticos que desenvolvem ações de intervenções criativas e quase sempre barulhentas. Este território tomado de assalto pela intervenção, sem aviso prévio acaba sendo recriado e reinterpretado pelo público, pois chama para si a atenção dos transeuntes e das pessoas que frequentam cotidianamente este espaço de ação. Aproveitando de características do próprio espaço urbano, há também possibilidades desses trabalhos estarem disponíveis a um número maior de pessoas, que não buscam necessariamente fruição artística, por não estarem em locais destinados à instalação e sim no local de passagem de seu cotidiano. Dentro desse aspecto, as intervenções urbanas não estão restritas ao espaço fechado da instalação, oferecendo um novo modo de sensibilização do espaço urbano e de seu valor agregado: no nosso caso, o som. (ROÇA, 2011, p.1)

São espaços compartilhados por um grande número de pessoas em circulação, lugares de consumo, de significados históricos e políticos que já naturalizaram-se como espaços de convivência onde qualquer interferência é logo percebida como um caos no território. Georg Klein refere-se às intervenções acústicas no espaço urbano como extremamente dependentes da percepção do espaço, pois a arte sonora geralmente vem acompanhada de elementos visuais e que "a confusão é o elemento mais importante para interromper a rotina diária por um momento, fazer as pessoas

assumirem uma atitude de percepção diferencial é a base de toda interferência acústica" (KLEIN, 2009).

Figura 3 - Mary Fê em ação com "Meu pequeno terrorismo de bolso"

Neste sentido performático e baseando-se nas possibilidades visuais da performance, um exemplo prático significativo para a análise foi executado pela artista Mary Fê5. Ela armou-se de um set básico de Nintendo DS, mini guitarra, mini amplificadores, microfone, lanternas, GPS para realizar sua performance Meu pequeno terrorismo de bolso (2009-2011). A facilidade de locomoção da artista com seu equipamento portátil permite que a performance seja realizada na rua, em lojas de departamento, lanchonetes e metrôs. Trilhando o mesmo caminho, porém com mais músicos envolvidos, temos também a intervenção Tilted Axes6, em que o idealizador Patrick Grant convidou 17 guitarristas e três percussionistas para um percurso sonoro pelo centro de Düsseldorf, na Alemanha. Como orientador da intervenção, Grant viaja para outros países onde entra em contato com músicos locais para realizar o projeto executando composições de sua autoria e eventuais improvisos.

5 http://cargocollective.com/maryfe/1744948/My-own-little-pocket-terrorism-Meu-pequeno-terrorismo-de-bolso 6 http://tinyurl.com/kf9bkjs

Figura 4 - Tilted Axes em Düsseldorf- Alemanha

Apesar da criatividade, ousadia e de ter no discurso problematizações políticas quanto à contestação de propriedade, direito à cidade, posse, domínio e identidade, nestes trabalhos de Mary Fê e de Peter Grant reconhecemos esteticamente uma forte ligação com a estrutura da música pop, já que as peças que apresentam são músicas estruturadas, cantadas com refrão, o que nos faz concluir que estes trabalhos não se incluiriam totalmente no conceito de Arte Sonora adotado neste artigo. A citação destas obras e o que nelas nos interessa é a possibilidade de novas intervenções sonoras simulando um sistema surround com o deslocamento das caixas de som pelo espaço terrestre e aéreo.

4 CRIANDO COREOGRAFIAS SONORAS AÉREAS Percebemos que vem crescendo no mundo a problematização política em obras de Arte Sonora na tentativa de criar expressões estéticas próprias e contestadoras a partir do desenvolvimento tecnológico e reflexivo bastante particular, dessa maneira, ampliando o conceito de que “a arte sonora é acompanhada por elementos visuais, objetos sonoros visíveis, luz ou vídeo7” (KLEIN, 2009. p.5). Geralmente sendo reproduzida em conjunto com instalações ou servindo de “trilha sonora” para videoarte ou vídeos experimentais, a Arte Sonora começa a ganhar espaço quando ela passa a ser o principal componente da obra, tendo como suporte esculturas ou apenas altofalantes., ou seja, o som é a própria obra. Pesquisas da linguagem sonora em andamento na Europa e Estados Unidos apontam uma congruência com as propostas e os desafios desta tese. Como podemos perceber em trabalhos relevantes na área, por exemplo o Projeto Dialtones (A Telesymphony8)

que

utiliza

um

software

que

pode

acionar

60

celulares

simultaneamente. Antes do concerto, o público participante registra o número de seu celular num provedor de rede que automaticamente transmite para os celulares, novos ringtones que são acionados durante a execução criando uma orquestra com dispositivos móveis dentro de teatro. Mais próxima da proposta do artigo, temos a obra “Helikopter Streichquartett”9 de Karlheinz Stockhausen que foi a grande precursora do espaçamento sonoro em grande escala. Realizada em 1995, a obra tem como proposta que a partitura seja executada por um quarteto de cordas onde cada instrumentista estaria dentro de um helicóptero, todos com headphones de retorno dos outros executantes – esta obra serviu de inspiração para a execução da Rádio Frei Damião e de tantas outras pelo mundo. Tentativas de reproduzi-la foram realizadas pelo Digital Music Ensemble10 usando aeromodelos de helicópteros para recriar a obra de Stockhausen num palco de teatro. 7 “sound art is generally accompanied by visual elements, be it visible sound objects, light or video” 8 www.flong.com/projects/telesymphony/ 9 www.youtube.com/watch?v=7ykQFrL0X74 10 www.youtube.com/watch?v=QStZrZ4rMuM

Quatro aeromodelos de helicópteros estão dispostos no palco, cada qual numa extremidade formado um quadrado. A medida em que alçam voo, o som dos helicópteros é captado por meio de um microfone boom. O grupo fez uma releitura livre da partitura original de Stockhausen que propõe a execução por um quarteto de cordas. Nesta performance, quatro guitarristas interpretam a peça, que também conta com suporte de projeção visual. Recentemente, as experiências em andamento do projeto Music For Drones, de Christian Ryan e Robin James. Na prática, um microfone é colocado num tripé num grande jardim e o drone11 o sobrevoa. Para obter diferenciações de intensidade e timbre durante a gravação, a dupla se utiliza das variações de distância do microfone, ora

aproximando, ora afastando o drone do

microfone como também se valendo da intensidade de força do motor. Essas nuances são captadas, editadas em loops que serão a base para a composição de uma música pop.

4.1 Drones Desenvolvidos na indústria bélica com inspiração em aeromodelos, os drones foram projetados para reduzir o número de baixas humanas em ações de espionagem e ataque em campo inimigo, utilizando câmeras de observação e armas de fogo ativadas por controles remoto. Foi um considerável avanço tecnológico para uso militar, de segurança urbana, das guardas costeira e de fronteira além de atividades de busca e salvamento fez com que os drones tivessem sua utilidade ampliada através de estudos cartográficos e geológicos, possibilitando registros fotográficos e fílmicos de paisagens desconhecidas e lugares inexplorados. Todas estas possibilidades de ação dos drones teve reflexo na mídia e gerou reflexões no mundo da arte contemporânea, principalmente nas artes visuais. Largamente utilizados também em publicidades e propagandas institucionais, tais imagens geradas pelos VANTS tendem à banalização pelo uso recorrente e deliberado. Mas é na arte que os questionamentos ganham força e transmutam de sentido. 11 Termo utilizado atualmente para designar os Veículos Aéreos Não Tripulados (Vants)

Questões como mobilidade, invasão de privacidade, ética e contestações quanto ao uso em operações militares foram expressas por artistas de todo o mundo. Repensando o drone como instrumento tecnológico na criação das artes, Katsu – artista plástico e grafiteiro americano – criou o Drone Paintings, em que drones equipados com latas de spray desenham sobre uma tela branca12. O grupo austríaco Ars Electronica Futurelab elaborou o projeto Klangwolke onde 49 quadricópteros luminosos criou uma coreografia imagética sob o Rio Danúbio13. Visualizando as possibilidades de manipulação sincrônica dos drones e atento às novas tecnologias, o Cirque de Soleil utilizou esses Veículos Aéreos Não Tripulados revestidos com pano e em formato de abajur pra criar a lúdica coreografia aérea Sparked14.

Figura 5: Making of do video "Sparked" do Cirque de Soleil Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=6C8OJsHfmpI#t=42

Estes trabalhos são interessantes em seus contextos pictóricos e lúdicos, mas o que

aconteceria

se

colocássemos

amplificadores

móveis

nestes

drones

e

conseguíssemos um planejamento de desenho sonoro que pudesse recriar a espacialidade de um sistema surround?

12 www.youtube.com/watch?v=7vZzqjKIBNc 13 http://www.youtube.com/watch?v=ShGl5rQK3ew#t=213 14 http://www.youtube.com/watch?v=6C8OJsHfmpI#t=42

5 PROJETOS E EXPERIÊNCIA COM AMPLIFICADORES E DISPOSITIVOS MÓVEIS Com base na experiência realizada com a Rádio Frei Damião, alguns desdobramentos de obras de Arte Sonora já estão sendo planejados dentro da viabilidade econômica dos mesmos. As experiências estão sendo realizadas dentro das possibilidades técnicas disponíveis, tentando explorar a psicoacústica do sistema surround em diversos espaços, fechados e abertos, ocupando o espaço terrestre e aéreo. Tendo em vista o grau de dificuldade de cada uma das propostas, iniciaremos a explanação da obra mais simples, que explicará basicamente o funcionamento e conceito psicoacústico da mais complexa.

5.1 Utilizando celulares em sala de luz baixa

Na execução de uma oficina de Desenho Sonoro na Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia – Recife15 em que fui o orientador e facilitador da atividade, fizemos um processo de simulação do sistema surround a partir de sons gerados pelos celulares da turma, composta por jovens entre 18 e 26 anos de idade. Como metodologia, pedi para que cada jovem gravasse 3 minutos de sons concretos. Neste processo, foram gravados sons de água que caia de uma bica, barulhos de cadeados em armários, tonel sendo arrastado pelo chão, sons guturais, etc. Depois de gravados os áudios, fomos para uma grande sala onde havia uma cadeira giratória no centro. As luzes foram baixadas por um potenciômetro de modo que a sala escurecesse, mas ainda pudéssemos ter o registro visual da experiência. Em sistema de rodízio, cada participante ficaria de olhos fechados na cadeira ouvindo o desenho sonoro que os outros participantes fariam com o celular, circulando pela sala, se aproximando e se afastando do ouvinte e interagindo com as outras fontes sonoras.

15 Programa social e educacional do Oi Futuro para jovens de comunidades populares urbanas, estudantes ou egressos da rede pública que oferece formação em cursos de design gráfico, computação gráfica, vídeo, fotografia e web design.

Figura 6: Atividade de Surround com celulares em oficina de Desenho Sonoro Fonte: Hugo de Lima

Desta experiência pudemos extrair conceitos práticos e possibilidades do surround, psicoacústica, acusmática e desenho sonoro. A facilidade de recriação e reprodução da experiência como obra de Arte Sonora, o alto grau de interatividade com o público e variedade dos áudios que seriam gravados viabiliza a execução da experiência em outros espaços e com pessoas das mais variadas faixas etárias.

5.2 Sistema de amplificadores com conexão USB em varais Idealizada tanto para espaços abertos como para espaços fechados, esta obra ainda está em andamento. Para execução será montado um sistema de cinco varais que se cruzariam em alturas distintas de modo que os amplificadores não se choquem durante a execução da obra, porém com altura mínima de dois metros. Em cada varal haverá uma caixa amplificada com entrada USB, onde um pendrive será acoplado gerando um som pré-gravado. As caixas estariam penduradas nos varais por alças, o que permitiria o seu deslocamento horizontal pelo publico visitante, como se fossem um pequeno teleférico. Cordas estariam amarradas nas caixas de modo que o público possa movimentá-las alterando a espacialidade do som emitido pelas caixas,

explorando as mudanças no ponto de audição e emissão sonora, criando uma obra interativa e mais próxima do espaço aéreo.

5.3 Amplificadores com conexão USB em helicópteros aeromodelos

Como proposta culminante das pesquisas e ocupando o espaço aéreo, esta etapa se baseará na obra coreografia aérea Sparked do Cirque de Soleil. Originalmente concebida para ser realizada com a utilização de drones, o projeto seria modificado tendo em vista o alto custo de se realizar as intervenções com drones dentro de nossa realidade financeira. Propomos aqui a substituição por helicópteros aeromodelos que portariam caixas de som amplificadas com conexão USB. Baseada na obra de “Helikopter Streichquartett” de Karlheinz Stockhausen, quatro aeromodelos de helicópteros pilotados via controle remoto sobrevoariam o espaço do Marco Zero do Recife numa recriação aérea da intervenção da Rádio Frei Damião, fechando assim o ciclo de pesquisa proposta pelo artigo.

CONCLUSÃO Vimos durante o artigo o grande espaço que ainda existe para novas pesquisas de Arte Sonora, expressão artística ainda em via de definição quanto aos conceitos múltiplos e à viabilidade de ações radicais como a utilização de amplificadores e dispositivos móveis – uma proposta estética a ser explorada! Embora apresentada até então com conteúdos não sincronizados, é possível apontar a Rádio Frei Damião como uma possibilidade de criar um sistema surround em espaços abertos. Esta proposição sonora-espacial em que os amplificadores móveis estão a causar fenômenos psicoacústicos nos transeuntes é algo com poucos precedentes na Arte Sonora, mas em via de desenvolvimento em algumas pesquisas contemporâneas fazendo releituras da composição de Stockhausen para helicópteros como fonte inspiradora e viável a partir do uso dos drones que seriam coreografados e manipulados por computador ou aeromodelos de menor custo para criar o surround aéreo. Faz-se necessário a concretização das ações propostas em espaço aéreo com a intenção de constatar a eficiência técnica das ideias e a elaboração de novos discursos e problematizações acerca dos conteúdos políticos intrínsecos às obras sonoras. Com a perspectiva de ir adiante para criar e buscar condições favoráveis à continuidade da pesquisa, este artigo pode contribuir para fomentar o interesse em investimentos público e privado no desenvolvimento de novas expressões sonoras que vão além do contexto meramente musical, ou seja, repleto de inovação e descobertas a serem realizadas junto com as novas tecnologias.

REFERÊNCIAS BEY, H. Zona autônoma temporária. SP: Conrad, 2011. 88p. Disponível em: Acesso em: 22 jun. 2014 BULL, M. Sound Moves: iPod culture and urban experience. New York: Routledge, 2007. 180p. CAMPESATO, L. Arte Sonora: uma metamorfose das musas. 2007. 173f. Monografia (Bacharelado em Música) - USP, São Paulo, 2007. Disponível em: Acesso em: 12 out. 2014 BAALMAN, M. Spatial Composition Techniques and Sound Spatialisation Technologie. Organised Sound, UK, v.15, n.3, p.209 218 , 2010. Disponível em: Acesso em: 4 ago. 2014 OBICI, G. L. Condição da escuta: mídias e territórios sonoros. RJ: 7Letras, 2008. 186p. ROÇA, L. Fazendo surgir o invisível: janelas sonoras em espaços urbanos. V!RUS, São Carlos, n.7, p.1, 2011. Disponível em: Acesso em: 27 out. 2014 Arte Sonora. Disponível em: http://sonoro.marginalialab.com/files/2012/09/arte-sonoraalan-licht.pdf; Acesso em: 11 ago. 2014 Site Sounds: on strategies of sound art in public space.. autor: Gerog Klein Disponível em: Acesso em: 14 jul. 2014 Som, espaço e tempo na arte sonora. Autores: Campesato e Iazzetta Disponível em: http://www2.eca.usp.br/prof/iazzetta/papers/anppom_2006.pdf. Acesso em: 13 ago. 2014

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