Prefácio. PLAGIÁRIO, À MANEIRA DE TODOS OS HISTORIADORES, de Bruno Franco.

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PLAGIÁRIO, À MANEIRA DE TODOS OS HISTORIADORES

Bruno Franco Medeiros

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M467 Medeiros, Bruno Franco Plagiário, à maneira de todos os historiadores/Bruno Franco Medeiros. Jundiaí, Paco Editorial: 2012. 192 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8148-128-9 1.Plágio 2. Alphonse de Beauchamp 3. História 4. França. I. Medeiros, Bruno Franco CDD: 901

Índices para catálogo sistemático: História História da França

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SUmÁrio Apresentação........................................................................................................................9 Prefácio...............................................................................................................................11 Introdução..........................................................................................................................15 PARTE 1 L’EUROPE FINIT, L’AMÉRIQUE COMMENCE HISTÓRIA, COLÔNIAS, IMPÉRIOS........................................................................23 CAPÍTULO 1 1. O desafio de escrever história contemporânea..........................................................25 1.1 Das possibilidades da escrita da história contemporânea................................25 1.2 Tirania, vícios e veto à história contemporânea................................................43 CAPÍTULO 2 1. Leituras do passado colonial americano na crise dos impérios ibéricos: do Império Português ao Império do Brasil..................................................................53 1.1 Da história contemporânea para a história do Brasil...................................53 1.2 Basta ser lida como história de Portugal...........................................................60 1.3 L’injustice à la fin produit l’independence .................................................................70 CAPÍTULO 3 1. Que história escrever para o Império do Brasil: polêmicas e disputas por uma história verdadeira.........................................................91 1.1 A crônica precedeu a história............................................................................91 1.2 Seguir o uso de todos os historiadores modernos..........................................96 1.3 Podemos em qualquer momento ser vítimas: em busca de um passado nacional brasileiro........................................................102 PARTE 2 O DESAFIO DA PROVA: PLÁGIO E ESCRITA DA HISTÓRIA....................111 Capítulo 1 1. Discussões sobre o plágio na França no início do século XIX............................113 1.1 Piratear do lado de lá da linha...........................................................................113 1.2 República das Letras como tribunal: o passado pertence a todos...............118 1.3 Por que tais livros têm notas de rodapé?.........................................................123

Capítulo 2 1. Alphonse de Beauchamp e sua apologia da história..............................................129 1.1 A história antiga muito me agradaria...............................................................132 1.2 É necessário que o historiador deixe seu gabinete e seus livros..................138 Capítulo 3 1. História, falsidade, romance: a verdade em primeiro lugar, o estilo depois.......147 1.1 A história não admite a mais ligeira mentira...................................................150 1.2 O luxo da literatura: abundância excessiva de ornamentos..........................154 Conclusão................................................................................................................161 FONTES..........................................................................................................................169 PERIÓDICOS................................................................................................................176 OBRAS DE REFERÊNCIA........................................................................................177 REFERÊNCIAS.............................................................................................................180

PREFÁCIO História da historiografia como provocação ao pensamento O primeiro livro de Bruno Medeiros traduz com precisão o momento importante que atravessa a história da historiografia no Brasil. Partindo de uma afirmação consagrada e não questionada desde o século XIX – Beauchamp, um plagiário –, o estudo de Medeiros reconstrói um complexo universo de problemas historiográficos, políticos e culturais que a hegemonização deste juízo escondia. Seu livro mostra bem as vantagens de se escrever história não perdendo de vista as múltiplas conexões entre os eventos. Isso só pode ser feito a partir de uma compreensão densa de modelos explicativos, teoricamente orientados, dessas conexões. Assim, o empírico não corre o risco de aparecer com uma espécie de brilho que, no lugar de nos abrir para realidade, apenas ofusca e cega. Mesmo usando uma vasta e diversificada palheta documental, o estudo de Bruno Medeiros não se deixou seduzir pelo mero arrolamento, ou pela facilidade da releitura de textos canônicos, produzindo uma conversação complexa entre suas perguntas e as fontes. O livro representa o amadurecimento de uma agenda de investigação da história da historiografia a partir de um repertório próprio de perguntas, o aprofundamento de um programa que inicialmente definia-se mais pelos temas (nação, civilização, estado) do que por objetos de investigação propriamente historiográficos (narrativas, conceitos, regimes de autonomia e escrita, linguagens e tradições). Aqui a escrita da história não será estudada como uma representação de ideologias, emancipando o campo de um projeto antimitológico que escondia em seu fundo a busca de uma representação mais perfeita da realidade nacional, quase sempre pensada na oposição interno (nação, sociedade local, “nós mesmos”) versus externo (Europa, civilização, “os outros”). No contexto brasileiro dos anos 80 do século XX, a redemocratização e o retorno a um projeto nacional foi um dos motores de toda uma geração que procurou revelar os usos falsificados e ideológicos da história. Nossas elites do passado oitocentista seriam então “desnudadas” em sua constante importação ideológica, de formas de vida e pensamento. Em nome de uma crítica à história nacional, era ainda a nação que se buscava. Momento imensamente rico, que soube explorar o valor cognitivo de um presente em que se colocavam os problemas da inclusão e da dependência e, a partir dele, passava a limpo a história da formação nacional. Contra a nação, ainda se fazia uma história nacional, mas como não fazê-lo? Ao denunciar a exclusão da maioria da população do projeto de civilização, essa historiografia, por vezes, naturalizou os “projetos de inclusão”, criticando o passado com base nessa ideia normativa, um suspiro tardio das teorias da modernização. Acusar simplesmente a elite oitocentista de excludente sugere um horizonte prévio 11

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no qual esses “corpos”, “pessoas”, “sujeitos” existissem originalmente incluídos e fossem excluídos pelo projeto civilizatório. Hoje, a historiografia política e social matiza esse discurso, mostrando também o caráter inclusivo dessas elites e projetos, e talvez estivesse aí o seu maior perigo – um modelo que tendia à universalização, transformando todos em “sujeitos” modernos, em “brasileiros”, mesmo que protegidos pela bandeira de uma suposta diversidade. O mesmo acontecia com a noção de civilização ocidental, tida como algo existindo na Europa, talvez também nos Estados Unidos, com a qual só poderíamos ter uma relação de exterioridade. Não por acaso, o momento colonial acaba sendo hipertrofiado como a fonte de certa originalidade. No fundo é ainda o projeto da emancipação, sempre adiada, que estava em jogo. Uma vez naturalizada a civilização como algo enraizado e nascido na Europa, nossa única saída seria pensar uma civilização “brasileira”. Mas no final da década de 1980 tudo isso parece existir como paródia, alimentada pela sensação de um recomeço que a redemocratização favorecia. A experiência do uso e cooptação ideológica de parte de intelectuais que atualizam uma versão estatal e oficial da história, durante nossa última experiência autoritária, agudizou – talvez em excesso – a percepção dessa geração para o caráter supostamente oficial da historiografia produzida ao longo do século XIX. Havia, então, o interesse programático em desvelar as origens da conjunção entre historiografia, historiadores e Estado – era natural que ela fosse encontrada no IHGB, objeto quase exclusivo de nossa história da historiografia brasileira oitocentista durante muito tempo. Hoje, as condições da escrita dessa história são outras. Depois de tantas crises, tantas disputas, a conjunção estado-nação permanece de pé, embora esvaziada de seus conteúdos utópicos e normativos. Mais do que uma simples invenção (palavra força dessa historiografia dos anos 80/90), o estado-nação recoloca-se como o grande evento de nossa história moderna, um evento cujos efeitos ainda nos condicionam. Menos então do que denunciar sua invenção, trata-se agora de aprofundar a compreensão de suas formas de produção histórica e historiográficas. No lugar da crítica das ideologias e mitos, a descrição dos fenômenos e objetos que produziram e produzem essa história, sem a esperança de podermos tão facilmente traçar a linha que separa o passado do presente. Não mais o lamento ou a denúncia de uma modernidade própria inacabada – mas estruturalmente avaliada em comparações com as histórias “realmente” modernas dos países centrais –, mas a identificação de que a modernidade que se realiza hoje no Brasil, e que já se realizava no século XIX, não reintegrou nossos desejos, não efetivou sua imagem sonhada – em nenhum dos lados do Ocidente. A história europeia aparece menos, então, como o nosso alter definidor, uma espécie de origem da qual tentávamos nos emancipar, sempre correndo o risco, revelado ou oculto, dessa emancipação ser apenas a realização de uma origem ideal, 12

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afirmada ou negada. Não veremos neste livro acusações de falta de originalidade ou nacionalidade, de exterioridade das ideias, de importações. Não veremos uma Europa ideal (positiva ou negativa) confrontada às elites nacionais imitativas em uma retórica de um atraso nunca preenchido. Esses polos nacionais estão aqui mais entrelaçados, como parecem ter sido sempre essas histórias que nos viciamos a ler como mônadas nacionais. Embora o título fale em uma “escrita da história na França”, esse lugar é muito estreito para compreender os fenômenos que atravessam a escrita da história de Beauchamp, como bem nos revela o livro de Bruno Medeiros. O leitor não será perturbado pelo eco politicamente correto, “meio intelectual, meio de esquerda”, a ajuizar cada frase do passado a partir da certeza de um presente que oculta de si mesmo suas origens em nome de uma boa consciência. Brasil, Portugal e Europa confundem-se e surgem como espaços de legibilidade das histórias escritas por Beauchamp. Medeiros nos mostra que não se pode ler historiograficamente a “história do Brasil” desse autor francês sem compreender as histórias da França, da Revolução e de Portugal. Que todas essas histórias só podem fazer sentido se lidas a partir da reconstrução de sua teia relacional. Da mesma forma, o contexto temporal imediato não pode ser isolado e confundido com a cronologia. O livro contribui para uma história da historiografia moderna, mas que precisa mostrar como a história antiga, certa história antiga, continuou a ser um contexto fundamental dessa historiografia. É uma história da historiografia, mas que se constrói em sua singularidade não pela recusa infantil da história político-social-estrutural, que com ela dialoga a partir de seu próprio questionário e objetivos. O livro nos mostra que para estudar a emergência do conceito de plágio, que foi naturalizado no juízo da obra de Beauchamp, é preciso compreender não apenas a história conceitual, política e intelectual, mas também situar os eventos na história da formação do direito autoral, do comércio do livro e das instituições acadêmicas. É compreensível então que algumas dessas conexões tenham sido apenas apontadas, mas, ao fim, é para uma história da historiografia dos tempos modernos que o livro contribui de forma decisiva. História antiga versus moderna/contemporânea versus não contemporânea/ concisão versus erudição/plágio versus pesquisa original/política das letras versus ciência “autônoma” são algumas das ambiguidades e tensões que caracterizaram a escrita e recepção da obra de Beauchamp. Medeiros as organiza em torno da emergência de um novo regime de historicidade, utilizando-se da categoria de François Hartog. O mesmo fenômeno poderia ser caracterizado como passagem entre o cronotopo clássico e o historicista (Gumbrecht), de modernização conceitual (Koselleck) ou mesmo de uma descontinuidade epistêmica (Foucault). São construções distintas, com diferentes ambições teóricas e densidade analítica, mas que endereçam um mesmo conjunto de fenômenos, com periodizações equivalentes. A imagem que o 13

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texto nos deixa é de uma tradição antiga que agonizava sobre o peso da hegemonização do modelo moderno, mas que ainda tinha um grande auditório, inúmeras funções e que também seria, por fim, incorporada e adaptada à forma moderna, senão da disciplina histórica, ao menos da cultura histórica moderna. Como qualquer escrita da história, a da história da historiografia não deve estar a serviço de uma erudição domesticadora, mas do pensamento vivo. Por isso, em sua conclusão, Medeiros nos convida a pensar as últimas décadas do século XX a partir do que aprendemos sobre o longo século XIX. De Flaubert e Coulanges a Walter Benjamin, o autor nos mostra como a hegemonização da historiografia moderna, ao domesticar e distanciar o passado tornando-o simples objeto de invenção/construção, produziu sempre uma grande tristeza. A falsa ideia de que o passado está morto, que o único tempo vivo é um presente alargado, mas raso, que se relaciona com o que passou como um erudito/colecionador. A imagem do erudito, que fascina muitos de nossos jovens historiadores, é a rotinização tardia dessa tristeza moderna, enfrentada então como uma ciência que nada mais pode ser do que um mero passatempo à beira do abismo. Certamente que outras histórias são possíveis, para isso deve servir uma melhor compreensão de como viemos a acreditar tão profundamente na imagem rasa da história que nos foi transmitida pela historiografia moderna. E dizer isso não é ajuizar sobre o seu valor enquanto ciência. Prof. Dr. Valdei Lopes de Araujo Departamento de História Universidade Federal de Ouro Preto

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