REGISTRO DE PREÇOS E O PROCEDIMENTO DO \"CARONA\". BREVE ANÁLISE DE CONVENIÊNCIA E LEGALIDADE PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

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1 – INTRODUÇÃO.

Para poder contratar e dar continuidade as suas atividades, a Administração Pública precisa contratar terceiros que lhe forneçam produtos e serviços. Diferentemente do que ocorre no âmbito do Direito Privado (Civil), o Gestor, (neste caso Gestor Público) deve observar o que determina a Constituição Federal, bem como a Legislação Específica sobre o tema, a fim de que a Contratação Futura seja a mais benéfica/econômica para o Órgão Público. Tudo isso partindo do princípio de que vivemos em uma República, onde a "coisa pública" deve ser tratada com o maior zelo, transparência e eficiência possível, haja vista que os Recursos Públicos também precisam ser aplicados em outras áreas de interesse coletivo.
Buscando coibir a escolha impessoal e isônoma desses terceiros, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu art. 37, inciso XXI que "ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes".
Portanto cabe concluir que a licitação é um procedimento pré-contratual, no qual vários fornecedores oferecem suas propostas (ou lances) e a Administração escolhe aquela que for mais vantajosa para atingir o interesse público.
A Lei que regulamentou o procedimento das licitatório é a 8.666 de 21/06/1993 (Estatuto dos Contratos e Licitações), norma de caráter geral, editada com base na competência privativa da União para legislar, nos termos do art. 22, inciso XXVII da Constituição Federal de 1988.
Dentre essas medidas legais, a Lei Licitatória contemplou o Sistema de Registro de Preços, forma de contratação da Administração previsto no art. 15 do mencionado dispositivo, que foi posteriormente regulamentado por Decreto. Atualmente, vigora em nosso ordenamento o Decreto nº 7.892 de 23 de janeiro de 2013 que trata tal Sistema.
Muito se discutia na doutrina a possibilidade de um órgão que não participou efetivamente da licitação originária poder ou não pegar "carona" no ato burocrático já realizado por um outro órgão público, utilizando a ata de registro de preço já estabelecida e economizando, desta forma, tempo e custos administrativos para a obtenção do produto ou serviço almejado. Tudo isso partindo do pressuposto de que o procedimento anterior fora realizado de maneira legal. Contudo o tema ainda é bastante controvertido, muito embora o novo Decreto tenha dedicado um capítulo para o "carona", disciplinando o procedimento para a utilização da ata por outros entes não participantes, objeto de estudo no presente artigo.
2 – APONTAMENTOS SOBRE O SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS.

Dentre as muitas vantagens para a Administração Pública na utilização do sistema de registro de preços, podemos destacar: a redução dos gastos e simplificação administrativa, a rapidez na contratação e otimização dos gastos públicos, a redução de volume de estoques, a desnecessidade de dotação orçamentária, a possibilidade de fracionamento das aquisições, a padronização dos preços, dentre outras.
O clássico doutrinador pátrio, José dos Santos Carvalho Filho, assevera em sua obra que o registro de preços é "necessário para a obtenção de certa uniformidade e regularidade na aquisição dos bens. Por tal motivo, urge que haja atualização Periódica no sistema de registro de preços, pela qual se compromete a fornecer, em determinado prazo, não superior a um ano, o objeto licitado conforme as necessidades da Administração." (CARVALHO FILHO, 2012, p. 186).
Outra vantagem dentre as citadas que merece destaque é a desnecessidade de dotação orçamentária se mostra de extrema importância prática, visto que a Administração, com a adoção do sistema de registro de preços, pode selecionar a proposta mais econômica e esperar pela aprovação dos recursos orçamentários. Nessa esteira, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes alerta sobre tal vantagem quando diz: "Não há necessidade de que o órgão tenha prévia dotação orçamentária, porque o Sistema de Registro de Preços, ao contrário da licitação convencional, não obriga a Administração Pública, em face à expressa disposição legal nesse sentido (...)" (FERNANDES, 2006, p. 98).
Assim, temos que o Sistema de Registro de Preços trouxe para o cenário administrativo uma padronização de preços dos produtos similares, haja vista permitir o câmbio de informações entre os órgãos objetivando evitar diferenças entre os valores dos produtos adquiridos nas mesmas condições.
Contudo, alguns autores reconhecem algumas desvantagens na utilização do Sistema de Registro de Preços, como a complexidade da concorrência, o reduzido número de servidores para alimentarem as tabelas, tal qual a possibilidade de não prever todos os itens nesta, bem como, a provável formação de cartéis.
Porém, cabe trazer à baila novamente as palavras de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes quando, aborda as desvantagens do Sistema de Registro de Preços, desconstruindo assim a suposição da formação desses conglomerados:
Quanto à formação de cartel, mostra-se um argumento fantasioso. Primeiro, porque não há sistema no mundo capaz de evitar sua formação; depois, porque o Sistema de Registro de Preços é muito mais dinâmico do que uma licitação convencional; finalmente porque, honestamente, mesmo que se forme cartel, a Administração Pública tem previamente – na pesquisa de preços promovida – os preços razoáveis e os licitantes, cartelizados ou não, têm de se manter nos limites desse preço; não há lesão aos cofres públicos. (FERNANDES, 2006, p. 107).

3 – A CONVENIÊNCIA E LEGALIDADE DO "CARONA" DENTRO DO SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS.

Como visto, o sistema de registro de preços permite o órgão público contratar de forma mais célere e eficiente, evitando uma longa espera para a reposição do serviço ou produto que se pretende adquirir.
Consecutivamente o Decreto 3.931/2001 (em substituição ao nº 2743/98 que originalmente regulamentou o tema) tratou no seu art. 8º do instituto da adesão à ata de registro de preços, chamada popularmente de "carona", permitindo que órgãos e entidades da Administração que não participaram da licitação, após consultar o órgão gerenciador e o fornecedor registrado, demonstrando a vantagem da adesão, celebrar contratos valendo-se da ata de registro de preços do outro ente.
Entretanto a prática do "carona" está longe de ser assunto pacífico na Doutrina Administrativa. Neste cenário Marçal Justen Filho, renomado professor, combate veementemente a adesão à ata de registro de preços, alegando, sobretudo, afronta aos princípios da legalidade, isonomia e vinculação ao edital vejamos em sua obra já citada:

O Regulamento explicitamente admitiu a possibilidade de utilização do registro de preços por entidades não vinculadas originariamente à sua instituição (art. 8º). Posteriormente, foi introduzido inovação permitindo a superação dos quantitativos máximos previstos na licitação original, o que não apenas configura como ofensivo ao princípio da legalidade mas também infringe a essência da sistemática constitucional e legislativa sobre licitações e contratações administrativas.
(...)
A solução desbordou os limites da lei e produziu resultado teratológico, especialmente porque propicia contratações ilimitadas com base em uma mesma e única licitação. A figura do 'carona' é inquestionavelmente ilegal e eivada de uma série de vícios. (JUSTEN FILHO, 2010, p. 206 e 207).


Aliás o Decreto Federal nº 3931/01 fora duramente criticado em razão da ausência de limites quantitativos para as adesões, o que somente foi disciplinado a partir da alteração promovida pelo Decreto Federal n° 4.342/02, que incluiu o §3º no artigo 8º, estabelecendo que "as aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, pelo órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços".
Em que pese as divergências acima, é preciso destacar que a adesão à ata de registro de preços é prática amplamente utilizada no Brasil, encontrando atualmente resistência somente nos Estados de Santa Catarina e Paraná, até porque, o tema fora novamente regulamentado pelo Decreto nº 7.892/2013, que resolveu vários problemas anteriormente apontados pela Doutrina e Tribunais mais conservadores.
Diferentemente do decreto anterior que tratava o instituto do "carona" num único artigo (art. 8º) com três parágrafos, o Decreto 7.892/2013 dedicou o capítulo IX, com um artigo e nove parágrafos, para a "utilização da ata de registro de preços por órgão ou entidades não participantes", regulamentando alguns pontos que geravam discussão por conta da ausência de previsão normativa.
Outro tema bastante sensível diz respeito à limitação para adesão à ata. Se anteriormente os órgãos públicos podiam utilizar do "carona" de forma indiscriminada, hoje já não é mais assim, em razão do art. 22, § 4º, do Decreto mais recente, vejamos:

Dec. 7892/13 - Art. 22: Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador.

§ 4º O instrumento convocatório deverá prever que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem.

Desta forma, com a edição da nova medida legislativa limitando o procedimento, parece estar superada a questão das lacunas legais anteriormente suscitadas pela doutrina. Importante ressaltar ainda o parágrafo 8º do Decreto, que impossibilitou a adesão vertical "de cima para baixo", ou seja, a Administração Pública Federal não poderá aderir atas dos entes menores, o inverso, contudo, é permitido.
Sobre o assunto já se posicionou o TCE-RJ em recente voto no Processo nº 231334-1/2015 ao concluir:
"Todavia, como já mencionado, há crescente preocupação com a chamada adesão vertical, o que pode ser observado não somente da jurisprudência das Cortes de Contas, mas também da regulamentação do tema no plano federal. Nessa linha, o texto do Decreto Federal nº 7.892/2013 pacificou a questão relativa à adesão de órgão ou entidade federal a ata de registro de preços gerenciada por órgãos ou entidades de outro nível federativo como se vê do §8º do art. 22 do citado diploma, transcrito a seguir:
"§ 8º É vedada aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual. (TCE-RJ - Processo nº 231334-1/2015. Sessão em 04/08/2015. Relatora Marianna Montebello Willeman).

Por fim, mas não menos importante, é preciso salientar que a figura do "carona" antes de mais nada, deve ser tratada com bons olhos, desde que se demonstre a vantagem da adesão sobre o sistema licitatório habitual, respeitadas as peculiaridades de cada órgão público brasileiro. Traduzindo em miúdos a utilização do instituto do carona deve importar numa vantagem superior a um novo processo. Mais ainda, conforme o art. 22 do Decreto 7.892/2013, além de demonstrar a vantagem, faz-se necessário a anuência do órgão gerenciador:
Art. 22. Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador.

Desta forma, respeitados os novos limites impostos e mostrando-se conveniente, não há óbice à prática do "carona", mesmo porque caberá ao fornecedor beneficiário da ata de registro de preços, observadas as condições nela estabelecidas, optar pela aceitação ou não do fornecimento decorrente de adesão, desde que não prejudique as obrigações presentes e futuras decorrentes da ata, assumidas com o órgão gerenciador e órgãos participantes" (art. 22, §2º).


4 – CONCLUSÃO.

Em que pesem as críticas apontadas ao procedimento do "carona", é necessário frisar que a sua utilização de maneira correta nos limites do Decreto 7.892/2013 pode ser muito vantajosa e econômica para a Administração Pública, sem que haja agressão aos seus princípios basilares.
No mesmo sentido, não é possível afirmar que tal procedimento configura nova hipótese de dispensa de licitação, ao passo que pressupõe a sua realização em momento anterior, conferindo a Administração a conveniência de somente celebrar o contrato quando necessário, porém de uma forma pré-estabelecida e consequentemente mais célere.
Com a superação do problema da utilização indiscriminada do "carona" a partir do novo decreto regulamentador a partir da imposição do limite do quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços (art. 22, §4º), parece que caem por terra os principais questionamentos que obstava a sua utilização pela Administração Pública.
Assim é possível concluir que a utilização do Sistema de Registro de Preços contribui com inúmeras vantagens para a Administração Pública, frisando que a possibilidade do "carona" é, sem dúvidas, uma forma progressista e eficiente de lidar com as necessidades da Administração. Talvez a grande tendência seja amadurecer cada dia mais tal procedimento, desde que sua utilização pressuponha a obediência aos limites legais, morais e de razoabilidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 jun 1993. Disponível em . Acesso em: 14 de outubro de 2015.

______. Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001. Regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências. Disponível em . Acesso em: 14 de outubro de 2015.

______. Decreto nº 7.892, de 23 de janeiro de 2013. Regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 jan 2013. Disponível em . Acesso em: 14 de outubro de 2015.

______. Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Processo nº 2313341-1/2015, Voto GC-7 - 60.018/15. Rio de Janeiro-RJ, 20 de julho de 2015. Disponível em: http://www.tce.rj.gov.br/web/guest/consulta-a-processos/-/processo/231334-1/2015/visualizar?p_auth=4XyzZDC5 . Acesso em: 20 de outubro 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. 25. ed. rev, ampl. e atual. até a Lei nº 12.587, de 3-1-2012. – São Paulo: Atlas, 2012.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos / Marçal Justen Filho. – 14 ed. São Paulo: Dialética, 2010.







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