RESCISÃO DO CONTRATO DE EMPREGO PARA PROTEÇÃO DA FAMÍLIA

May 24, 2017 | Autor: Edilton Meireles | Categoria: Menores, Contrato de Trabalho, rescisão contratual
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RESCISÃO DO CONTRATO DE EMPREGO PARA PROTEÇÃO DA FAMÍLIA



EDILTON MEIRELES[1]





SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da rescisão contratual. 2.1. Rescisão do
contrato do menor a pedido do responsável. 2.2. Rescisão do contrato a
pedido do cônjuge ou companheiro. 3. Execução do contrato e alteração das
condições de trabalho. 4. Conclusão.





1. Introdução



Pouco tem sido o estudo sobre o reflexo do direito familiar no direito do
trabalho. E é certo que, por diversas razões e motivos, o direito de
família interfere na norma trabalhista.

Contudo, apesar de pouco desenvolvidos no Brasil os estudos pertinentes,
ganha campo, cada vez mais, na doutrina europeia o entendimento que os
interesses da família devem ser observados na aplicação da legislação
trabalhista. Em suma, deve haver a conciliação entre os interesses da
família e o trabalho, de modo que aquele não seja sacrificado
desmedidamente pelas exigências patronais ou mesmo em face dos atos
praticados pelos próprios trabalhadores.

Tal desiderato, por sua vez, deve ser alcançado, já que, conforme disposto
no art. 226 da CF, "a família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado".

Não fosse isso, prescreve o art. 227 da Carta Magna que "é dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão".

Ora, uma das formas de proteger a família é justamente se tentar conciliar
as obrigações dos seus membros em relação à própria entidade "base da
sociedade" com o eventual trabalho desenvolvido em favor de terceiros.

Já em relação aos menores de idade e, em geral aos incapazes, tal proteção
se torna mais imperativa, já que a própria Constituição estabelece que é
dever de todos (família, sociedade, inclusive empresas, e Estado), com
absoluta prioridade, assegurar à criança, ao adolescente e aos jovens "o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão" (art. 227).

E dentre todas essas garantias asseguradas à criança, adolescente e jovens,
cabe ressaltar a proteção à convivência familiar e comunitária, "além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão".

É assim que, com o presente trabalho esperamos contribuir para esse debate.
Trataremos, no entanto, apenas sobre um específico tema, qual seja, da
proteção dos valores familiares em face do labor desenvolvido em favor da
empresa. E mais, restringimos o estudo, procuraremos, aqui, abordar,
especificamente, o direito do cônjuge e dos pais interferir na execução e
rescisão do contrato de trabalho firmado pelo outro cônjuge ou pelos seus
filhos.



2. Da rescisão contratual

2.1. Rescisão do contrato do menor a pedido do responsável



O art. 408 da CLT dispõe expressamente que ao responsável legal do menor
(entenda-se: do incapaz) "é facultado pleitear a extinção do contrato de
trabalho, desde que o serviço possa acarretar para ele prejuízos de ordem
física ou moral".

O art. 405 da CLT, por sua vez, dispõe que não é permitido ao menor o
trabalho "nos locais e serviços perigosos ou insalubres" e "em locais ou
serviços prejudiciais à sua moralidade". Já o § 3º desse mesmo dispositivo
estabelece que se considera prejudicial à moralidade do menor o trabalho:
"a) prestado de qualquer modo em teatros de revista,
cinemas, boates, cassinos, cabarés, dancings e
estabelecimentos análogos;
b) em empresas circenses, em funções de acrobata,
saltimbanco, ginasta e outras semelhantes;
c) de produção, composição, entrega ou venda de escritos,
impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas,
emblemas, imagens e quaisquer outros objetos que possam, a
juízo da autoridade competente, prejudicar sua formação
moral;
d) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas".
É certo, porém, que, o Juiz "poderá autorizar ao menor o trabalho a que se
referem as letras a e b do § 3º. do Art. 405":
"I - desde que a representação tenha fim educativo ou a
peça de que participe, não possa ser prejudicial à sua
formação moral;
II - desde que se certifique ser a ocupação do menor
indispensável à própria subsistência ou à de seus pais,
avós ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação
moral".
A Lei n. 8.069/90 (ECA), por sua vez, veda, em relação ao menor, o trabalho

"I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um
dia e as cinco horas do dia seguinte;
II - perigoso, insalubre ou penoso;
III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao
seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;
IV - realizado em horários e locais que não permitam a
frequência à escola".
Antes dessa legislação, porém, cabe lembrar que a Constituição veda o
trabalho noturno, perigoso e insalubre ao menor de 18 anos (inciso XXXIII
do art. 7º).

O que nos interessa, no entanto, é destacar que, como não poderia deixar de
ser, ao responsável legal do incapaz "é facultado pleitear a extinção do
contrato de trabalho, desde que o serviço possa acarretar para ele
prejuízos de ordem física ou moral".

Tal regra, por sua vez, é nada mais, nada menos, do que norma que
regulamenta uma das facetas do poder familiar, pois aos pais compete criar
e educar seus filhos. E, por óbvio, não cumprirá bem esse direito-dever se
deixar seus filhos trabalharem em serviço que "possa acarretar para ele
prejuízos de ordem física ou moral".

É preciso, ainda, para bem compreender esse dispositivo da CLT, que o
incapaz, ao celebrar contrato de emprego, ou está representado por seus
representantes legais (no caso dos absolutamente incapazes), ou está
assistido por estes (no caso do menor púbere). E, em ambas situações, o
contrato somente tem validade quanto e enquanto o responsável concordar com
a sua manutenção.

Assim, sempre que diante dessa hipótese, verificando o responsável pelo
menor que este realiza serviço subordinado em prejuízo ao seu
desenvolvimento físico ou moral, ele poderá, no uso de seu poder familiar,
romper o contrato de emprego, manifestando sua vontade. Essa vontade do
responsável, por sua vez, irá prevalecer sobre ao do menor, já que este ou
não tem capacidade civil para prática dos atos da vida civil (absolutamente
incapaz) ou é relativamente incapaz (menor de 18 anos e maior de 16 anos),
sendo que nesta segunda hipótese a vontade do assistido deve ser suprida
pelo responsável (inciso V do art. 1.634 do CC).

O rompimento contratual, por sua vez, tanto pode se dar diretamente com a
comunicação da vontade do responsável ao empregador, como através de ação
judicial, na qual o responsável demanda contra a empresa, pedindo a
declaração da rescisão do contrato prejudicial ao menor.

É certo, ainda, que caso haja resistência do menor púbere pode surgir a
necessidade de o responsável também demandar contra o próprio assistido,
hipótese na qual ao juiz caberá nomear curador especial (parágrafo único do
art. 142 da Lei n. 8.069/90), ouvindo, ainda, o Ministério Público, em
qualquer hipótese.

Entendemos, ainda, que, neste caso, caso sacramentada a rescisão, ao menor
será devido todos os direitos rescisórias como se estivesse sido despedido.
Isso porque, em verdade, neste caso, restará configurado, por parte do
empregador, a violação da legislação protetiva do menor, em especial a que
veda o trabalho prejudicial à sua formação moral e física. Logo, estaremos
diante de uma hipótese motivadora da despedida indireta, dada o
descumprimento das suas obrigações por parte do empregador.



2.2. Rescisão do contrato a pedido do cônjuge ou companheiro



A CLT, originariamente, continha uma regra, no parágrafo único do art. 446,
que dispunha que "ao marido ou pai é facultado pleitear a rescisão do
contrato de trabalho, quando a sua continuação for suscetível de acarretar
ameaça aos vínculos da família, perigo manifesto às condições peculiares da
mulher ou prejuízo de ordem física ou moral para o menor".

Tal regra foi editada em época na qual a mulher, mesmo casada, era
considerada incapaz relativamente, ficando sujeita aos ditames do marido.
Essa norma, porém, acabou por ser revogada pela Lei n. 7.855/89, ao
pretexto de que ela feria o princípio da igualdade.

No que se refere ao menor, a revogação da norma em nada alterou o panorama
jurídico, já que ainda vigente o art. 408 da CLT. Já quanto à esposa, sim,
acabou por se retirar da legislação expressa possibilidade de rescisão do
contrato por vontade do cônjuge varão.

É certo, porém, que não nos parecia de todo inconstitucional essa regra,
pois bastava dar-lhe uma interpretação conforme a Constituição para se lhe
aproveitá-la. Bastava, assim, interpretar essa regra no sentido de permitir
"ao cônjuge ou companheiro pleitear a rescisão do contrato de trabalho
quando a sua continuação for suscetível de acarretar ameaça aos vínculos da
família".

Ora, sabemos que a família é a base da sociedade, cabendo ao Estado protegê-
la (art. 226 da CF). Daí se extrai a regra de que devemos procurar, ao
máximo possível, realizar esse mandamento constitucional de modo a sempre
tentar, em todas as situações, preservar o casamento (ou a união estável),
já que neste se formam os laços familiares.

Daí surge a pergunta: trabalhando o cônjuge em serviço "suscetível de
acarretar ameaça aos vínculos da família" é preferível deixar o casamento
se romper ou permitir que o cônjuge possa pleitear a rescisão do contrato
de emprego em prol dos vínculos de família?

É certo que, nos tempos modernos, parece surreal imaginar que um cônjuge[2]
vá à Justiça pleitear a rescisão do contrato firmado pelo seu consorte.
Tudo bem, compreendemos a indignação. Mas também não é surreal ir à Justiça
pleitear o desfazimento do casamento e se obter a reconciliação conjugal?
Lembre-se, inclusive, que é dever do juiz de família tentar a reconciliação
(§ 2º do art. 3º da Lei n. 6.515/77).

Ora, no mínimo, a demanda trabalhista para rompimento do contrato firmado
pelo cônjuge poderá servir para uma tentativa de conciliação dos interesses
conflitantes do casal, ainda que o magistrado apenas venha a agir como
verdadeiro juiz de paz. Mas tudo em nome da família.

Tal entendido, aliás, está coerente com o disposto no parágrafo único do
art. 1.567 do CC, que estabelece que, em havendo divergência na direção da
sociedade conjugal, "no interesse do casal e dos filhos" (caput do art.
1.567), "qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo
em consideração aqueles interesses". E me parece que trabalhar em serviço
que possa acarretar ameaça ao vínculo matrimonial é atentar contra a
própria sociedade conjugal, quanto mais em relação à sua direção.

Assim, concluímos que ao cônjuge ou companheiro cabe pleitear a rescisão do
contrato de trabalho firmado pelo consorte quando a sua continuação for
suscetível de acarretar ameaça aos vínculos da família ou perigo manifesto
às condições peculiares do outro cônjuge ou companheiro.

Nesta hipótese, no entanto, rompido o contrato no interesse da família, em
face do serviço prestado pelo cônjuge ou companheiro, há de se admitir que
estaremos de diante de uma hipótese de rompimento contratual por vontade do
empregado (por vontade da família, diria).

Única exceção que podemos admitir é aquela em que o trabalhador presta
serviço vedado em lei ou sob condições reprimidas pela lei. Neste caso,
ainda que rompido o contrato a pedido do cônjuge, como o labor exigido está
em desacordo com a legislação, estaremos também diante de uma hipótese de
despedida indireta. É a hipótese, por exemplo, do labor da mulher com
violação das medidas de proteção respectivas. Ou ainda, da exigência do
labor em condições insalubres sem o fornecimento dos equipamentos de
proteção (art. 166 da CLT).



3. Execução do contrato e alteração das condições de trabalho



Firmado o entendimento de que o responsável pelo menor e o cônjuge ou
companheiro pode pleitear a rescisão do contrato do filho, tutelado ou
curatelado ou do consorte ou companheiro, por muito mais razões se pode
admitir o direito daqueles interferir na execução dos serviços contratados.


Ora, se podem pedir a extinção do contrato, por certo eles podem requerer o
afastamento do menor das atividades que possam acarretar danos ao seu
desenvolvimento físico ou moral ou o do cônjuge dos serviços que possa
acarretar ameaça aos vínculos da família ou perigo manifesto às suas
condições peculiares.

No caso do menor, a empresa ficará obrigada a assim proceder, alterando as
condições do trabalho, caso configurado o labor prejudicial, sob pena de
incorrer em violação as leis protetivas do trabalho do incapaz.

Já quanto ao cônjuge ou companheiro, o afastamento ou mudança das
atividades poderá ser imposta nas hipóteses em que não é observada a
legislação protetiva pertinente. No mais, a questão familiar não interfere
no âmbito da empresa.



5. Conclusão



Assim, podemos concluir que, por razões de família, o responsável (pais ou
tutor) pelo menor (incapaz) pode pedir a rescisão do contrato firmado com
este (assistido ou representado por aquele) sempre que verificar que o
serviço prestado possa acarretar para ele prejuízos de ordem física ou
moral.

Da mesma forma, ainda que inexistente regra expressa, é admissível ao
cônjuge ou companheiro pedir a rescisão do contrato firmado pelo consorte
ou companheiro quando do serviço possa decorrer ameaça aos vínculos da
família.

Óbvio, ainda, que aos mesmos cabe reclamar as alterações das condições de
trabalho sempre que delas decorram prejuízos de ordem física ou moral ao
incapaz ou ameaça aos vínculos da família.

Por fim, é de se ressaltar que os interesses da família devem se conciliar
com as obrigações contratadas numa relação de emprego, até por ser dever de
todos zelar pela manutenção da entidade "base da sociedade" e proteger, com
absoluta prioridade, as crianças, adolescentes e jovens.





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[1] Pós-doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa. Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor na UFBA e UCSal.
Desembargador do Trabalho na Bahia (TRT 5ª Região).

[2] Compreenda-se que, sempre que me referir ao cônjuge ou consorte, marido
e esposa ou mulher, também estou tratando do(a) companheiro(a) na união
estável.
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