SOBRE O PROPÓSITO DA MORTE DE CRISTO, COMO PROPOSTO PELA ESCRITURA1

May 29, 2017 | Autor: Tiago Cunha | Categoria: Biblical Theology, Translation, English Puritanism
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SOBRE O PROPÓSITO DA MORTE DE CRISTO, COMO PROPOSTO PELA ESCRITURA
John Owen

Pela [expressão] "propósito da morte de Cristo", queremos em geral dizer duas coisas: primeiro, aquilo que seu Pai e ele próprio pretendiam nela; segundo, aquilo que foi efetivamente cumprido e realizado por ela. Em relação a ambos podemos fazer uma breve análise das expressões utilizadas pelo Espírito Santo.
I. Quanto ao primeiro ponto: Você saberia o fim para o qual e a intenção pela qual Cristo veio ao mundo? Perguntemos a ele mesmo (que conhecia sua própria mente, bem como todos os segredos do coração do Pai) e nos dirá que "O Filho do Homem veio salvar o que estava perdido" (Mt 18.11). Veio recuperar e salvar pobres pecadores perdidos. Esse era seu intento e propósito, como novamente é afirmado em Lucas 19.10. Pergunte também a seus apóstolos, que conheciam sua mente, e lhe dirão o mesmo. É o caso de Paulo: "Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal" (1Tm 1.15).
Mas, se você perguntar quem são esses pecadores por quem teve esse intento e propósito graciosos, ele mesmo lhe dirá que veio para "dar a sua vida em resgate por muitos" (Mt 20.28). Em outros lugares chamou a nós, crentes, distinguindo-nos do mundo: "O qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai" (Gl 1.4). Essa foi a vontade e intenção de Deus, que desse a si mesmo por nós, para que fôssemos salvos, sendo separados do mundo. Estes são a sua igreja: "Como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito" (Ef 5.25-27).
Essas últimas palavras também expressam o exato propósito e fim da entrega voluntária de Cristo por alguns, isto é, para que fossem feitos aptos para Deus e aproximados dele. Semelhantemente ao que é afirmado em Tito: "o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras" (Tt 2.14).
Assim, é clara e evidente a intenção e o propósito de Cristo e seu Pai nessa grande obra, quanto ao que ela foi e em relação a quem – isto é, nos salvar, nos libertar do mundo mal, nos purificar e lavar, nos tornar santos, zelosos, frutíferos nas boas obras, nos fazer aceitáveis e nos trazer a Deus –, pois, por ele, "obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes" (Rm 5.2).
II. O efeito, também, e o real produto da obra em si, ou o que é realizado e cumprido pela morte, derramamento do sangue ou oblação de Jesus Cristo não é menos claramente manifesto, mas está mais plenamente e, com frequência, mais distintamente expresso, a saber:
Primeiro, a reconciliação com Deus, pela remoção e morte da inimizade que havia entre nós e Ele, pois "quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho" (Rm 5.10); "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões" (2Co 5.19).
Sim, ele "nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo" (2Co 5.18). E se você quiser saber como essa reconciliação foi efetuada, o apóstolo lhe dirá que ele "aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade" (Ef 2.15-16). De modo que "ele é a nossa paz" (Ef 2.14).
Segundo, a justificação, ao expiar a culpa dos pecados, obtendo a remissão e o perdão deles, redimindo-nos de seu poder e também da maldição e ira que nos eram devidas por sua causa. Pois "pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção" (Hb 9.12); "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar" (Gl 3.13); "carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados" (1Pe 2.24). Todos "pecaram, e carecem da glória de Deus", mas "sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos" (Rm 3.24-25). Pois "[em Cristo] temos a redenção, a remissão dos pecados" (Cl 1.14).
Terceiro, a santificação, pela purificação da impureza e poluição de nossos pecados, renovando-nos à imagem de Deus e nos suprindo com as graças do Espírito de santidade. Pois "muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!" (Hb 9.14). Sim, "o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado" (1Jo 1.7); "depois de ter feito a purificação dos pecados" (Hb 1.3). Para "santificar o povo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta" (Hb 13.12); "Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado" (Ef 5.25-26).
Peculiarmente, entre as graças do Espírito, "vos foi concedida," hypèr Christoû "a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele" (Fl 1.29). Deus "nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo" (Ef 1.3).
Quarto: a adoção, com aquela liberdade evangélica e todos aqueles privilégios gloriosos que pertencem aos filhos de Deus; pois "Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos" (Gl 4.4-5).
Quinto, os efeitos da morte de Cristo não subsistem apenas aqui; eles não nos deixam até que estejamos estabelecidos no céu, em glória e imortalidade para sempre. Nossa herança é um "resgate da sua propriedade" (Ef 1.14); "por isso mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados" (Hb 9.15).
A suma disso tudo é: A morte e o derramamento do sangue de Jesus Cristo realizou e de fato eficazmente obteve, a todos os que estão implicados nela, redenção eterna consistindo em graça aqui e glória no porvir.
III. Por conseguinte são claras, plenas e evidentes as expressões na Escritura relacionadas aos fins e efeitos da morte de Cristo, de modo que se espera que qualquer um possa acompanhá-las e lê-las.
Mas devemos frisar que, dentre todas as coisas na religião cristã, há raras mais questionadas do que essa, que parece ser um princípio dos mais fundamentais. Uma opinião que se espalha é que há um resgate geral que Cristo pagou por todos; que ele morreu para redimir a todos e a cada um – não apenas por muitos, pela sua igreja, os eleitos de Deus, mas também por todos [que pertencem] à posteridade de Adão.
Os mestres dessa opinião veem plena e facilmente que se o fim da morte de Cristo for esse que afirmamos a partir da Escritura; se esses anteriormente expostos forem os frutos e produtos imediatos dela, então uma das duas coisas seguintes necessariamente ocorrerá:
Primeiro, ou Deus e Cristo falharam no fim proposto e não realizaram o que pretendiam, e a morte de Cristo não foi um meio adequado para atingir esse fim (pois causa alguma de falha além dessa pode ser determinada). Afirmar isso, para nós, é injuriar com blasfêmia a sabedoria, o poder e a perfeição de Deus, bem como é denegrir a dignidade e o valor da morte de Cristo.
Ou então se segue que toda a posteridade de Adão deve ser salva, purificada, santificada e glorificada; o que certamente não sustentarão, uma vez que a Escritura e a dolorosa experiência de milhões não o permitem. Por esse motivo, para lançar um colorido tolerável sobre sua opinião, eles devem, e de fato o fazem, negar que Deus ou seu Filho tenham qualquer propósito absoluto ou fim na morte ou derramamento de sangue de Jesus Cristo, ou que alguma coisa tenha sido obtida e adquirida por ela, como anteriormente expomos. Mas [dizem] que Deus nada pretendia, nem coisa alguma foi efetuada por Cristo, que nenhum benefício daí surge a ninguém, de imediato, pela sua morte senão o que é comum a toda e cada alma (mesmo que seja a mais maldita das almas incrédulas aqui e das eternamente condenadas no porvir), até que um ato de alguns – não obtido em favor deles por Cristo (pois se o fosse, por que não o teriam todos [os demais] indistintamente?) –, a saber, a fé, de fato os distinga dos demais.
Agora, isso me parece enervar a virtude, o valor, os frutos e os efeitos da satisfação e morte de Cristo, servindo, além do mais, como base e fundamento para uma opinião perigosa, desconfortável e errônea. Demonstrarei, com a ajuda do Senhor, o que a Escritura afirma em relação a ambas as coisas, tanto aquelas afirmações que são apresentadas sem provas como a que é trazida como prova delas. Desejo que o Senhor, pelo seu Espírito, nos conduza a toda verdade, para nos dar entendimento em todas as coisas, e se alguém for de outra opinião que revele também isso a ele.

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Tradução do capítulo 1 do Livro 1 da obra de John Owen, A Morte da Morte na Morte de Cristo. Dados bibliográficos: OWEN, John. Death of Death in the Death of Christ. 2016. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2016.
ὑπὲρ Χριστοῦ

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