Subsídios para uma abordagem histórico-sociológica da atuação profissional do performer

June 1, 2017 | Autor: Luiz de Godoy | Categoria: Performance, Sociology of Music, Sociologia Da Música, Music and Performing Arts
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INSTITUTO POLITÉCNICO DE CASTELO BRANCO ESCOLA SUPERIOR DE ARTES APLICADAS

Subsídios para uma abordagem histórico-sociológica da atuação profissional do performer Luiz Guilherme de Godoy

Trabalho apresentado como parte dos requisitos de avaliação na disciplina "Investigação em História da Performance" - Mestrado em Música São Paulo, março de 2012

Introdução "A história é teoria, e a teoria é ideologia, e a ideologia é pura e simplesmente interesse material." Keith Jenkins1

Propondo-nos a uma investigação em história da performance musical, com o intuito de recolher e organizar informações acerca da atuação do performer no contexto profissional da música e, a partir delas, oferecer subsídios para uma análise histórico-comparativa desta atividade, deparamo-nos com a escassez de estudos e fontes específicas para nossa referência. Tal carência reflete uma lacuna na pesquisa musicológica que se pode verificar, em maior ou menor profundidade, nos mais diversos ambientes acadêmicos, mas que tem sido paulatinamente suprida, dado o crescente interesse nas questões abrangidas pelos domínios da sociologia. Ainda que a sociologia da música venha se desenvolvendo há quase um século, trata-se de período demasiadamente curto para que se verifiquem reflexos substanciais na modificação do ponto de vista do musicólogo ou do pesquisador que se lança aos trabalhos investigativos em música. Mesmo na Academia, o pilar maior da produção sistemática de conhecimento, muito se replica do conteúdo tradicional da História, o que por vezes conduz o pesquisador a se valer apenas dos caminhos já experimentados, para assim obter resultados parecidos com aqueles previamente conhecidos e aceitos, estabelecendo-se dessa forma um vício facilmente incorporável por uma área do conhecimento em que a tradição desempenha papel tão amplo: a música. Dessa forma, a aplicação dos métodos e conceitos da sociologia ao estudo da música justificam-se porquanto oferecem novas possibilidades instrumentais para o entendimento da complexa relação entre música e sociedade, contribuindo para "diagnosticar e curar os modernos sintomas patológicos da música" (SILBERMANN, 1962: 15).

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JENKINS, Keit. A História repensada. Trad. Mario Vilela. São Paulo: Contexto, 2001. p.43.

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Assim, por encontrarmos na sociologia os mecanismos ideais para o entendimento histórico da atuação do profissional da música, e os subsídios concretos para a reflexão objetiva acerca de seu status2 nas sociedades atuais, ofereceremos inicialmente algumas informações fundamentais para a compreensão da abrangência e das aplicações da própria sociologia da música, criando condições para as posteriores considerações sobre música e profissão. Nossa investigação restringir-se-á às práticas das sociedades ocidentais, e às realizações vinculadas à música de concerto.

I - A sociologia da música "A história é a ciência do indivíduo; a sociologia, a ciência do coletivo". Roger Mehl3 1. A gênese de uma "ciência socio-musica-lógica"4:

Quase uma década antes de sua morte, Max Weber engendrava dedicar-se ao estudo da sociologia da arte. Seu único texto sobre o assunto, porém, permaneceu inédito até o ano seguinte à morte do autor, sendo publicado em 1921. Die rationallen und soziologischen Grundlagen der Musik5 recebeu, provavelmente de seu editor, o 2

Utilizamos a definição mais atualizada do conceito de "status", referindo-nos portanto à "posição" ocupada por um indivíduo numa estrutura social, definida através de seus direitos e deveres para com o coletivo, e não ao posicionamento hierárquico, que implica no estabelecimento de um ranking (CARLTON, 2006: 4). Status como terminologia sociológica difere de "prestígio", posto que a relação entre o prestígio que se obtém através do papel desempenhado numa estrutura social (direito) não é definido apenas pela atuação mesma do indivíduo (dever), mas por mecanismos de ordem muito mais complexa, como iremos observar. 3 "La historia es la ciencia de lo individual; la sociologia, la de lo colectivo". MEHL, Apud: SILBERMANN, 1962: 53. 4 O termo "sociologia da música" é uma tradução direta do alemão "Musiksoziologie", e é o mais frequentemente utilizado em língua portuguesa para designar a ciência que estuda os aspectos sociais da atividade musical. Reconhecemos nesta tradução uma incompletude de significado, visto que por vezes estabelece-se uma condição de subordinação através da tácita hierarquia entre os substantivos, promovida pelo uso da preposição "da". As flutuações na nomenclatura relativa a tal ciência mereceu a consideração dos principais teóricos da área. Concordamos com Silbermann, e apesar de utilizarmos neste texto a expressão "sociologia da música" por questões de ordem prática, preferimos a abrangente descrição de FISCHER (Apud: SILBERMANN, 1962: 76), que converte "sociologia da arte" em "sociologia das esferas de ação cultural", empregando tal precisão terminológica para "(...) aqueles que, como nós, querem ver na sociologia da música algo a mais do que a simples prática da uma história social da música." (op. cit.: 77). 5 (trad.) Os fundamentos racionais e sociológicos da música.

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subtítulo Soziologie der Musik, e está entre os primeiros estudos musicais a aplicar diretamente os conceitos comuns à sociologia tradicional (SILBERMANN, 1961: 85). Dada sua brevidade, o texto foi inserido durante anos como apêndice em Wirtschaft und Gesellschaft6, e careceria de uma revisão do autor, posto que, ainda que se trate de um detalhado estudo sobre a música a partir de sua racionalização e da defesa de uma lógica teórica interna ao desenvolvimento da música, este permanece apenas como fragmento do que seria o projeto que Weber intentava empreender, sendo o único texto do autor dedicado à sociologia da arte (WAIZBORT, 1995: 21)7. A brevidade característica desta obra é também observada nos muitos estudos sociológicos em música que a seguiram. Apesar disto, estes formam um importante conjunto de textos que contribuíram sobremaneira ao estabelecimento de uma ciência sociológico-musical, posto que exploram as mais diversas perspectivas atribuíveis a tal ciência por sociólogos, musicólogos e estetas. Deve-se notar também que, ainda que o epicentro da formulação de uma sociologia musical fosse inicialmente o universo germânico, a relação música-sociedade vinha sendo investigada simultaneamente em outras regiões. Um direcionamento especialmente sociológico era notado entre os musicólogos/historiadores soviéticos (LING, 1984: 4); na década de 1930 observou-se a intensa atuação da escola de sociologia da música de Praga (ETZKORN, 1973: 11)8. Entre

os mais

importantes

teóricos

a figurar

nos acontecimentos

introdutórios da sociologia musical ao lado de Max Weber estão Georg Simmel9, Arnold Schering10, Theodor Adorno11, Walter Serauky12, Pitirim Sorokin13, Ernst H.

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(trad.) Economia e sociedade. Cf. WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft: Grundriss der verstehende Soziologie. Org. J. Winckelmann, vol. 2, 4. ed. Tübingen: J.C.B. Mohr, 1956. 7 WAIZBORT, Leopoldo. Nota. In: WEBER, Max. Os fundamentos racionais e sociológicos da música. Trad. e intr. Leopoldo Waizbort. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995. 8 ETZKORN, Peter K. Introduction. In: HONIGSHEIM, Paul & ETZKORN, K. Peter. Music and Society: the later writings of Paul Honigsheim. Ed. e intr. Peter Etzkorn. New York: John Wiley & Sons, 1973. 9 Cf. (1882) SIMMEL, Georg. Psychologische und ethnologische Studien über Musik. Zeitschrift für Völkerpsychologie und Sprachwissenschaft. Org. Prof. Dr. M. Lazarus e Prof. Dr. H Steinthal, vol. 13. Berlin: Ferd. Dümmlers Verlagscuchhandlung, pp. 261-305. 10 Cf. (1931) SCHERING, Arnold. Musik. In: VIERKANDT, Alfred (ed.). Handwörterbuch der Soziologie. Stuttgart: Enke. 11 Cf. (1932) ADORNO, Theodor W. Zur Gesellschaftlichen Lage der Musik. Zeitschrift für Sozialforschung. Org. M. Horkheimer, vol. 1. Frankfurt am Main: Istitut für Sozialforschung. pp. 103-124, 356-378. 12 Cf. (1934) SERAUKY, Walter. Wesen und Aufgabe der Musiksoziologie. In: KNEIF, Tibor. Texte zur Musiksoziologie. Köln: Arno Volk-Verlag, 1975. pp. 37-51.

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Meyer14, Alphons Silbermann15, e Kurt Blaukopf, possivelmente o primeiro autor a dedicar um livro inteiro ao assunto, ao publicar Musiksoziologie16, em 1950 (op. cit.: 16)17.

2. Pluralismo ideológico - propostas, métodos e limites:

Na introdução ao seu "Guia para a sociologia da música"18, Ivo Supicic sumariza de maneira bastante satisfatória do que se trata e quais tem sido as consequências e as prospecções de resolução para o dilema ao qual a sociologia da música está atrelada, brilhantemente enunciado por Dahlhaus no prefácio aos Texte zur Musiksoziologie editados por Tibor Kneif.19

"A sociologia da música está apenas começando a estabelecer-se como uma disciplina acadêmica especializada. Ela ainda não está totalmente delimitada e definida, e a literatura existente, embora relativamente abundante, é inconclusiva e fragmentária. A contar pela falta de pesquisa básica, uma definição mais ou menos completa de seu objeto [de estudo] e métodos provavelmente não se dará em breve. De fato, é praticamente impossível criar uma nova disciplina pela determinação exaustiva de seu objeto, métodos, estrutura e perspectivas. Somente no curso de sua aplicação uma ciência pode ser gradualmente definida, sua estrutura aperfeiçoada, e suas perspectivas desenvolvidas e alargadas."i (SUPICIC, 1987: xii). Obviamente, tendo passado um quarto de século desde a afirmação de Supicic, o panorama atual não é exatamente o mesmo, e tem-se alterado, sobretudo, devido ao crescente interesse global em questões sociais e à democratização do saber,

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Cf. (1937) SOROKIN, Pitirim A. Social and Cultural Dynamics, vol. 1. New York: American Book Co. Cf. (1952) MEYER, Ernst H. Musik im Zeitgeschehen. Berlin: Henschel. 15 Cf. (1955) SILBERMANN, Alphons. Introduction à une Sociologie de al Musique. Paris: Presses Universitaires. 16 BLAUKOPF, Kurt. Musiksoziologie: Eine Einführung in die Grundbegriffe mit besonderer Berück-sichtigung der Soziologie der Tonsysteme. St. Gallen: Zollikopfer, 1950. 17 Devemos salientar que muitos outros autores poderiam constar nesta listagem, mas a limitação do presente estudo não nos permitiria citá-los, ainda que desejássemos fazê-lo. Para uma bibliografia completa das obras de referência durante as primeiras décadas de desenvolvimento dos estudos sociológicos em música, cf. HONIGSHEIM, 1962. 18 SUPICIC, Ivo. Music in Society: A Guide to the Sociology of Music. Sociology of Music n. 4. New York: Pendragon Press, 1987. 19 Cf. DAHLHAUS, Carl. Vorwort. In: KNEIF, Tibor. Texte zur Musiksoziologie. Köln: Arno Volk-Verlag, 1975. pp. 15. 14

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o que permite que um maior número de pessoas decidam os rumos da produção de conhecimento, ampliando as perspectivas sob as quais serão aplicadas as ferramentas de entendimento dos aspectos formadores da sociedade. Ainda assim, o quadro descrito em 1987 aproxima-se bastante – guardadas as proporções – da situação vivida hoje pela ciência social da música, sobretudo nos países cuja tradição em musicologia é mais recente. Naquele mesmo ano, o compositor e ensaísta espanhol Ramón Barce publicara em Lisboa suas Doce advertencias para una sociología de la música20. Nelas, Barce aponta três obstáculos ao crescimento desta disciplina: o apreciador musical (público) e o próprio músico, por sua "suspeita hostil (...) frente às reflexões que considera alheias ao fazer musical"; os sociólogos empíricos, "que acreditam fazer realmente sociologia acumulando cifras, escalas, porcentagens (...) à maneira dos economistas que fazem prospecções de mercados ou estudos empresariais sem perguntar-se jamais qual a profunda razão desses movimentos econômicos"; e os historiadores "que supõem, também com surpreendente ingenuidade intelectual, que se acrescentarem ao processo histórico (ou biográfico) alguns dados sobre o entorno cultural, completa-se o quadro das relações arte-sociedade." (BARCE, 1987: 1). Abordaremos a seguir estes três obstáculos, que a nós nos parecem resumir uma percepção generalizada entre os teóricos de cujas obras nos servimos. Pode-se observar no indivíduo diretamente empregado na prática musical um resquício do ideal "romântico" de música, que busca atribuir a esta um valor intrínseco e imutável, pelo que se teme como resultado dos estudos sociológicos a vinculação (e subordinação) do produto musical a agentes externos ao universo da música que se deseja manter hermético, ferindo com isso o ideal de autonomia almejado pelo artista, e reduzindo a produção musical a um fenômeno puramente social (SUPICIC, 1987). A partir do século XIX e sua característica valorização do individualismo e do anseio por emancipação (BARZUN, Apud: CARLTON, 2006: 5-6)21, a busca pela autonomia conceitual/ideológica da música (e objetiva/prática do músico!) gerou o 20

BARCE, Ramón. Doce advertencias para uma sociología de la musica. Colóquio Artes, n. 72. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987. 21 BARZUN, Jacques. From Dawn to Decadence. New York: Harper Collins, 2000.

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pressuposto de que sua vinculação a demais áreas do conhecimento traria resultados indesejados, contribuindo para a depreciação da música em sua especificidade e valor intrínseco. Por isso, tanto no âmbito prático (social), como no teórico (acadêmico), tal comportamento gerou "(...) uma prematura especialização e fomentou uma espécie de isolamento bastante comum em campos altamente especializados"22, o que caracterizou um estreitamento do ponto de vista e desestimulou a interdisciplinaridade característica às ciências humanas (DUCKLES, Apud: SUPICIC, 1987: 12). Partindo da problemática da especialização e da busca pela autonomia, entendem-se facilmente os dois outros obstáculos ao desenvolvimento da sociologia da música, apontados por Barce. Salientamos que o compositor espanhol acertadamente identifica como obstrutores desta ciência – além do agente musical (músico e público) – os sociólogos e os historiadores, mas não a sociologia empírica e nem o "historicismo". O problema do estabelecimento da nova disciplina reside, portanto, na ideologia sob a qual as ferramentas que a história e a sociologia nos oferecem são aplicadas, e não nas ferramentas em si. Ocorre que, para que se dê a legitimação da sociologia da música enquanto objeto de estudo e estrutura ferramental autônoma de análise da música, faz-se necessária a diferenciação desta disciplina das demais áreas do conhecimento que a ela se relacionam. O paradoxo se estabelece na constatação – que esteve sempre presente, mas contemporaneamente é praticamente unânime – de que a sociologia aplicada à música, mas isolada da história, da estética e da filosofia, pouco acrescenta ao estudo, quer da música, quer da sociedade. Isto se dá porque tanto o empirismo objetivo inerente à sociologia tradicional23 quanto o historicismo subjetivo (e por vezes elitista) do musicólogo não 22

DUCKLES, Vincent. Patterns in the Historiography of 19th-Century Music. Acta musicologica, XLII/1-2. s.l.: 1970, p. 82. 23 Exemplo de que a sociologia tradicional defende o emprego dos métodos empíricos aplicados à ciência musical nos é oferecido por Max Weber, que ao definir seu conceito de "progresso" enquanto desenvolvimento dos meios técnicos empregados a um propósito artístico, e não como "valoração estética das obras", afirma que apenas o progresso técnico "(...) e sua influência sobre o querer artístico contém aquilo que é empiricamente observável - isto é, sem valorização estética - no decurso do desenvolvimento da arte." E prossegue: "Na medida em que a consideração da história e da sociologia da arte indica as condições objetivas, técnicas, sociais e psicológicas do novo estilo, ela esgota sua tarefa puramente empírica." (WEBER, Apud: WAIZBORT, 1995: 49-50).

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resultam quando aplicados isoladamente na solução das questões levantadas pela sociologia da música. O historiador ou musicólogo sente-se inseguro para tratar com profundidade de questões não abrangidas pelos domínios factuais, biográficos e estéticos, e a falta de instrumental para lidar com questões latentes do seu próprio tempo o conduz a uma visão individualista (ou mesmo classista), enquanto que o sociólogo dispõe do ferramental científico, mas lhe falta conhecimento específico em música e na história desta, resultando em generalizações superficiais (SERRA, 1951: 23; SILBERMANN, 1962: 53). Assim, pode soar ambíguo – mas apenas num primeiro momento – o posicionamento de muitos teóricos que, apesar de valorizarem a colaboração entre história e sociologia, defendem veementemente a diferenciação entre história social da música e sociologia da música (SERRA, 1951; SILBERMANN, 1962; SUPICIC, 1987). Silbermann aponta:

"(...) [muitos teóricos] se denominam sociólogos da música, sendo na realidade sociólogos da história, que querem penetrar historicamente no caráter social da história da música, na parte social do passado, e na maioria das vezes apenas histórica e de maneira alguma sociologicamente. (...) aos historiadores sociais da música, se é que podemos expressar-nos assim, deve-se [o fato de] haverem aprofundado a confusão dos conceitos 'social e sociológico' (...)"24 (SILBERMANN, 1962: 77). Tendo já analisado a conflituosa relação entre sociologia e história, cabe-nos apresentar uma última questão inevitavelmente presente nos estudos sobre a sociologia da música, para a qual nunca se atingiu consenso, e que remete ao relacionamento desta com a estética. A "possibilidade de reconhecer o valor estético e funcional de muitos tipos de música"25 (LING, 1984: 5) é admitida e almejada por uns e insistentemente evitada 24

"Lo hacemos porque muchos, que tratan de forma sobresaliente este terreno, se denominan sociólogos de la música siendo em realidade sociólogos de la historia de la música, em la parte social de ló pasado, y la mayoroa de lãs veces sólo histórica y em modo alguno sociológicamente. (...) a los historiadores sociales de la música, si es que podemos expresarnos así, se lês debe el haber profundizado em la confusión de conceptos 'social y sociológico' (...)". 25 "(...) possibility of acknowledging the aesthetic and functional value of many kinds of music".

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por outros, que vem neste procedimento a possível aplicação da sociologia da música como legitimadora de formas musicais pertencentes à chamada "anti-cultura". Jan Ling polariza as duas posturas nas perspectivas de Adorno e Honigsheim. O primeiro, apoiado numa "(...) sofisticada teoria da filosofia musical que nos dá uma categorização básica de valores"26, dispensa o conceito de "neutralidade de valores" e "(...) alerta contra o uso de conceitos sociológicos que não sejam baseados no material musical e vê um perigo em, dessa maneira, sancionar intervenções sociais em música."27 (LING, 1984: 6); o segundo, tem sua ideologia aproximada por Ling à de Goran Nylof, que afirma:

"Nós não vamos, porém, fornecer nenhuma definição fixa do fenômeno da música, mas antes indicar que o sociólogo da música deve estar preparado para aceitar quaisquer fenômenos que qualquer grupo ou minoria social deseja classificar sob o título 'música' como um interessante ponto de partida para estudos em sociologia da música." (NYLOF, Apud: LING, 1984: 6)28. Ivo Supicic apresenta uma visão bastante atualizada e lúcida acerca desta questão. Para ele, tanto a atitude "associológica" (asociological) quanto a "sociologista" (sociologistic) consistem em erros a serem evitados por toda a musicologia (SUPICIC, 1987: 29-30). Valeremo-nos de sua explicação destes conceitos:

"De fato, estes dois conceitos da arte são ao mesmo tempo conceitos do conhecimento da arte. Eles são também mutuamente excludentes, porque o conceito associológico repudia o conhecimento sociológico da arte como parte essencial e integral de tal conhecimento, capaz de revelar sua natureza e clarificar sua história; e o conceito sociologista repudia o valor autônomo de um conhecimento especificamente estético e filosófico da arte, e [que] poderia ser considerado como uma concepção 'imperialista' do entendimento do universo artístico. O sociologismo invade domínios que não são autenticamente sociológicos, e apropria-se de áreas de jurisdição que não pertencem a uma autêntica sociologia da arte. Conceitos associológicos, porém, são às vezes desenvolvidos no 26

"(...) sophisticated theory of music philosophy which gives us a basic categorization of values". "(...) warns against the use of sociological concepts that are not based on musical material and he sees a danger in thus sanctioning social interventions in music." 28 "We will not, however, provide any fixed definition of the phenomenon of music, but rather indicate that the music sociologist must be prepared to accept any phenomenon which any group or minority in society cares to classify under the heading of 'music' as an interesting point of departure for studies in music sociology." 27

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sentido contrário, e por vezes vão até o ponto de propor que não exista ciência verdadeira ou, ao menos, sociologia da arte. O resultado é esteticismo, relativismo individualista, e às vezes subjetivismo inadequado para com a obra de arte. Neste sentido, esteticismo e sociologismo representam um uso indevido, respectivamente, da estética e da sociologia."29ii (SUPICIC, 1987: 33-34). Como pudemos observar até agora, a pluralidade conceitual, terminológica e ideológica permeou toda a produção crítica em sociologia musical até a atualidade. Entendemos que, na medida em que a sociologia da música busca definir-se, delimitar-se e firmar-se dentro da musicologia, tal pluralismo constitui elemento dificultador para essa tarefa. Todavia, esta mesma multiplicidade reflete a diversidade de questões e "(...) problemas todos que não podem ser levantados a partir da Estética nem apenas da História, senão precisamente de uma perspectiva sociológica."30 (SERRA, 1987: 2). "Tais questões existem; a sociologia da música é requisitada para respondê-las."31 (SUPICIC, 1987: 20). Para ilustrar nosso ponto de vista em relação à questão em discussão, apoiaremo-nos no filósofo e esteta francês Etienne Souriau, cuja concepção de história social da arte – dada sua amplitude e abrangência – confunde-se com o nosso próprio entendimento de sociologia da arte, exemplificando a dificuldade (e talvez a pouca utilidade) da demarcação de territórios estritamente históricos, filosóficos, estéticos ou sociológicos:

"Uma história da imaginação humana em cooperação com a inteligência, sensibilidade [e] ou atividade; uma vasta pesquisa das aspirações, desejos e invenções que criam e modificam, de uma era para a próxima, a realidade vivida por todos; em resumo, a história descrevendo não somente a vida da arte em relação ao homem mas também a vida do homem em relação à arte; e... a ação da arte sobre o homem. Ciência, costumes, filosofia, guerra, revoluções, condições econômicas, indústria, e arte devem ser estudados em seus inter-

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Tradução da edição estadunidense. Texto em inglês disponível como nota de fim. "(...) problemas todos que no pueden ser planteados desde la Estética ni desde la mera Historia, sino precisamente desde uma perspectiva sociológica." 31 "These questions exist; the sociology of music is required to answer them." 30

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relacionamentos dinâmicos – modificadores, perpétuos e mútuos." (SOURIAU, Apud: ibid.)32iii.

3. O que pretendem os musico-sociólogos?:

Resta-nos ainda apresentar quais seriam as questões objetivas das quais a ciência sociológico-musical se ocupa. O leitor obviamente já presume que a delimitação destas questões faz-se impossível, de maneira que não pretendemos realizá-la. Antes, ofereceremos um apanhado de problemas e questões referidos na literatura sobre sociologia da música (e não da sociologia da música) como sendo objeto de interesse desta. Otto Meyer SERRA (1951) aponta que a influência do ambiente social sobre o compositor é domínio biográfico e não sociológico, e volta seu interesse para a influência da função social do músico e da música nas diferentes épocas; Ramón BARCE (1987) indica o problema da relação entre público e novidade artística, da arte de vanguarda e experimental, e as relações de dependência entre música e política e entre música e conteúdo extramusical; Ivo SUPICIC (1987) lista diversos pontos de interesse abrangidos pela sociologia da música, tais como o papel social e o status do músico, o profissionalismo e o amadorismo, a demanda social de consumo de arte (esteticamente ou monetariamente definida), a transposição de ansiedades e agitações sociais para a música (a música subversiva), as variações da função da música entre diferentes sociedades, a difusão musical, e finalmente os problemas da tradição, invenção e originalidade, bem como da substituição, evolução e progresso. Jan Ling afirma que "poucas áreas na musicologia estimularam tanta discussão (...)33" e aponta as razões pelas quais a "(...) sociologia da música tem sido invulgarmente efetiva no aumento do nível de adrenalina dos musicólogos: ela fez o indivíduo dar espaço ao coletivo, o grupo, a classe como um objeto de estudo. A obra isolada teve que renunciar em favor do gênero. O sociólogo da música tem tentado quebrar a tradição da história da música que coloca o compositor individual, a obra 32

Tradução da citação em inglês. Texto disponível como nota de fim. SORIAU, Etienne. Autorité humaine de la musique. Polyphonie. VII-VIII. s.l.: 1951, 24. 33 "Few fields in musicology have stimulated so much discussion (...)".

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individual enquanto centrais."34 Para Ling, "a sociologia da música tem sido geralmente central para os debates em cultura contemporânea, é às vezes a base para decisões políticas, e seus representantes costumam ser acadêmicos com uma intenção mais ou menos explícita de modificar o futuro da música com sua pesquisa." 35 (LING, 1984: 4).

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"(...) music sociology has been unusually effective in raising the adrenaline level of musicologists: it has made the individual give way to the collective, the group, the class, as an object for study. The isolated work has had to step down in favor of the genre. The sociology of music has attempted to break with the tradition in music history that has asserted the individual composer, the individual work, to be central." 35 "music sociology has generally been central to debates on contemporary culture, has sometimes been the basis of political decisions, and its representatives have often been scholar with more or less explicit intentions of changing the future of music with their research."

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II - A profissão do músico "Mas é inevitável ver o total, e quem quiser vê-lo, tem que começar por analisá-lo também, tem que ser capaz de tocar partes sãs e partes enfermas." Alphons Silbermann36 1. Considerações iniciais sobre a atuação do músico:

Que o homem tenha-se ocupado de música desde os primórdios da evolução da espécie, quaisquer que fossem os níveis de comprometimento em tais ocupações e sua funcionalidade, é consenso entre todos os historiadores. A onipresença da música, porém, suscita uma constante tensão advinda de uma sensação de trivialidade tal que, nos mais diversos complexos sociais, busca ser explicada, estimulada ou reprimida, dadas as inúmeras utilidades conferidas à música, de maneira que a definição objetiva ou subjetiva de finalidades específicas para a música é elemento de grande interesse para o entendimento dos elementos delineadores da relação da sociedade para com o fazer musical. Interessa-nos, portanto, averiguar a diferenciação do status do músico, da qual daremos alguns poucos exemplos bastante úteis à rememoração do papel atribuído à música e ao músico ao longo do que a história moderna pode alcançar: – em comunidades primitivas o músico não se distinguia do público, dado que os compositores eram anônimos e a interpretação era parte de uma atividade coletiva onde não se definia um público passivo, de modo que não se estabelece uma diferenciação entre uma classe musical e a totalidade da sociedade (SUPICIC, 1987:90); – nos tempos homéricos, à música são atribuídos poderes mágicos ou místico-religiosos, e o emprego da música é aceito também "(...) unicamente para

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"Pero es inevitable ver el total, y quien quiera verlo, tiene que empezar por analizarlo también, tiene que ser capaz de tocar partes sanas y partes enfermas (...)". SILBERMANN, Alphons. Estructura Social de la Musica.Trad. María Del Carmen Otonel. Madrid: Taurus Ediciones, 1962. p. 155

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deleite de quem a escuta, sem nenhum outro fim.", de modo que se pode aferir um caráter profissionalizante da ocupação musical (FUBINI, 1997: 33); – durante a era clássica grega, Aristóteles repudia a utilidade profissional da música, afirmando que esta se deva aplicar apenas nas horas de lazer: "É por isso que nossos pais fizeram com que a música entrasse na educação. Não que ela seja necessária: ela não o é. Não que ela tenha tanta importância quanto à escrita (...), a pintura (...), ou quanto à ginástica. Mas ela serve pelo menos para passar agradavelmente o lazer."37. Mais ainda, o filósofo grego afirma: "Alcançar-se-á a medida exacta [do aprendizado] se os estudantes de música se abstiverem das artes que são praticadas nos concursos para profissionais e não procurarem dominar esses fantásticos prodígios de execução que estão agora em voga em tais concursos (...)" (ARISTÓTELES, Apud: GROUT & PALISCA, 2007: 18)38. Segundo Fubini, para Aristóteles "executar música é somente um primeiro momento preparatório para uma atividade mais elevada: a de saber julga-la."39 (FUBINI, 1977: 69); – na era cristã, com o intuito de desviar os recém-convertidos "(...) de tudo o que os ligava ao seu passado pagão.", a igreja rejeita "(...) a ideia de cultivar a música apenas pelo prazer que tal arte proporciona." (GROUT & PALISCA, 2007: 34-35), e tem início já nos primeiros séculos da igreja cristã um conflito interno sempre latente, entre a fruição estética da arte em sua independência e sua submissão completa ao culto e à liturgia. A partir do advento do cristianismo, os relatos que nos chegam da atuação do músico dão conta de que estes estiveram, por um grande período, atrelados única ou primordialmente à igreja. Apenas com a redescoberta da cultura greco-latina antiga durante a era renascentista e a ascensão dos princípios do humanismo deu-se uma "(...) nova atenção consagrada aos valores humanos, por oposição aos valores espirituais. A realização pessoal em vida (...) tão desejável como a salvação após a morte." (GROUT & PALISCA, 2007: 183-188). A partir deste momento, então, começam a estabelecer-se com mais clareza os diferentes posicionamentos perante a

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ARISTÓTELES. Política. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2001. pp. 57-58. ARISTÓTELES. Política. 8.6.1341a. 39 "(...) ejecutar música es solamente un primer momento preparatorio para una actividad más elevada: la de saber juzgar la música misma." 38

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música e o músico, sempre relacionados de alguma maneira com as experiências anteriores que ilustramos em poucos exemplos, cujos traços podemos rastrear e vincular de forma bastante interessante com a realidade contemporânea.

2. O músico enquanto profissional - a busca pela autonomia:

O caminho daqueles que tem na música sua ocupação principal vem sendo trilhado no sentido de conferir à música o status de profissão, do que se acredita ser possível obter, entre os resultados primeiros, a autonomia da música e do músico profissional. Apesar de parecer ingênua ou mesmo ultrapassada a afirmação inicial, fato é que a interação social como hoje a vivenciamos baseia-se profundamente na "(...) dependência recíproca de grupos profissionais altamente especializados e diferentes." (CAPLOW, Apud: SILBERMANN, 1962: 220)40. Assim, dado que o status conferido à música esteve no centro de discussões nas esferas filosófica, religiosa e política ao longo de toda a história geral, esta questão não se faz menos importante na contemporaneidade, e adquire no mundo pós-moderno uma abordagem intensamente centrada na questão da música enquanto produto. Peter Etzkorn aponta como foco central na obra de Adorno sobre música, sua "(...) preocupação com a mudança do papel da música (artística) na sociedade de massa contemporânea (...)" (ETZKORN, 1973: 19)41. Segundo Adorno, a música no século XX "(...) não serve mais a necessidades imediatas, mas obedece, em companhia de todos os outros produtos, às leis de mercado que operam sobre bens abstratos. A música subordina seu valor de uso, qualquer que tenha sobrado, à compulsão da troca"42 (ADORNO, Apud: ibidem.). Assim, "(...) exceto quando rendesse às demandas

40

CAPLOW, Theodore. The Sociology of Work. Minneapolis: University of Minessota Press, 1954. p.4. "Adorno´s concern with the changing role of (art) music in contemporary mass society, as compared with the past, is the central focus in all his work on music." ETZKORN, Peter K. Introduction. In: HONIGSHEIM, Paul & ETZKORN, K. Peter. Music and Society: the later writings of Paul Honigsheim. Ed. e intr. Peter Etzkorn. New York: John Wiley & Sons, 1973. 42 "It [music] no longer serves the immediate needs, but obeys in company with all other products the laws of the marketplace operating on abstract goods." 41

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de produção do mercado, a música estaria privada de seu amparo social, alienada e esvaziada de conteúdo na sociedade capitalista."43 (ETZKORN, 1973: ibidem). Da fala adorniana subtrai-se sua preocupação quanto à subserviência da música que, apesar de não mais servir unicamente às necessidades extramusicais (do culto, por exemplo), continua, todavia, a negar o valor contido em si mesma ao subordinar-se às regras de mercado capitalistas. Jürgen Habermas, em sua análise da teoria weberiana da racionalização cultural, entende que as expressões artísticas, primeiramente inseridas no contexto religioso, adquirem autonomia "(...) com as condições da produção artística inicialmente cortesã-mecenática, mais tarde capitalista-burguesa". E acrescenta: "Autonomia significa, de início, que a arte pode se desdobrar de acordo com suas leis próprias."44 (HABERMAS, Apud: WAIZBORT, 1995: 35) 45. Deste modo, entendemos que a busca pela autonomia do músico e da música na história recente relaciona-se, sobretudo, com os aspectos basilares do conceito moderno de profissão, e partimos desta premissa para aprofundarmo-nos na questão da atuação profissional do músico. A sociologia tradicional define um conjunto de características que conferem a uma ocupação o status de profissão. Jon Frederickson e James Rooney enumeram algumas delas:

43

"(...) unless it yielded to the demands of production for a market, music would be deprived of its social support, alienated and emptied of its contents under capitalist society." 44 O aumento da autonomia do artista vinculado ao desenvolvimento de sociedades mais amplamente mercenárias é apontado por diversos autores. Arnold Hauser indica a importância central do fato de a produção primária deixar de ser a ocupação principal, já no final do neolítico. O acúmulo livre de riquezas e suprimentos alimentares "(...) em um número de mãos comparativamente reduzido (...)" gera uma nova divisão do trabalho. "O criador de imagens de espíritos, de deuses e de homens, de utensílios decorativos e de jóias, emerge do meio fechado do lar e torna-se um especialista que faz dessa profissão seu modo de subsistência." Referindo-se ainda ao mesmo período, Hauser faz interessante observação que se aplica a quaisquer eras da história da arte, com a qual muito nos identificamos, e entendemos resumir nosso ponto de vista a respeito da autonomia da arte/artista: "Muitas das mais extraordinárias obras de arte tiveram origem (...) sob a mais sombria pressão imaginável - o que prova que não existe relação direta entre a liberdade pessoal do artista e a qualidade estética de suas obras. (...) toda obra de arte é resultado da tensão entre uma série de objetivos e uma série de resistências à sua realização. (...) Até na mais liberal das democracias o artista não se move com perfeita liberdade e desenvoltura; mesmo aí vê-se restringido por inúmeras considerações estranhas à sua arte." HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2003. pp 25-28. 45 HABERMAS, Jürgen. Theorie des kommunikativen Handelns. Vol. I, 2. ed. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1982. pp. 228-30. Apud: WAIZBORT, Leopoldo. Nota. In: WEBER, Max. Os fundamentos racionais e sociológicos da música. Trad. e intr. Leopoldo Waizbort. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

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"1. Posse de um conjunto de conhecimentos e técnicas especializados. 2. Estabelecimento de um curso padronizado de treinamento para transmitir o conhecimento especializado. 3. Teste do conhecimento e competência dos candidatos após a conclusão do treinamento, seguido da concessão de licenças para a prática [da profissão]. 4. Profissionais licenciados, portanto, possuem um status ocupacional legal que garante a eles o monopólio sobre seu setor do mercado. 5. Autonomia para com a supervisão direta e substituição do controle hierárquico pelo colaborativo [collegial control]." (FREDERICKSON & ROONEY, 1990: 190)iv. Entendemos que as características reunidas acima representam uma visão bastante estreita do conceito de profissão, mas justamente por isso, elas nos dão oportunidade de confrontarmo-nos com a realidade de que a carreira em música, ainda nos dias atuais, carece de muitas reorganizações em diversos âmbitos da sociedade, para que seja considerada não apenas viável, mas minimamente segura. Observam-se entre as profissões ditas tradicionais – aquelas que são consideradas como tal desde a ascensão da classe-média a partir do final do século XVIII – as profissões que eram compatíveis enquanto "(...) carreiras de gentlemen: elas não envolviam trabalho manual, eram baseadas numa educação liberal (clássica), e eram protegidas pela igreja, estado e universidade de competições indevidas."46, estabelecendo-se assim, portanto, o monopólio (ROHR, 2001:19). Estes elementos definidores das profissões tradicionais aos olhos do homem do século XVIII a princípio nos parecem guardar pouca relação com a realidade contemporânea. Porém, a abordagem sociológica da ocupação do músico faz chegarem até nós interessantes exemplos do não enquadramento da ocupação musical nessas definições, e, a partir deles, podemos refletir sobre a consequente percepção da sociedade para com o músico, que se estende ao longo das décadas, e que muito se apoia numa herança direta de uma sociedade monárquica e semifeudal. Enquanto que as profissões tidas como tradicionais no século XVIII baseavam-se numa educação liberal – tida como garantia de que o indivíduo a ela exposto estaria apto a aprender por si mesmo quaisquer tarefas que lhe fossem 46

"The traditional professions were characterized primarily by their suitability as careers for gentlemen: they involved no manual labor, were based on a liberal (classical) education, and were protected by church, state, and university from undue competition."

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designadas – os músicos atuantes naquele contexto, advindos em geral dos estratos mais baixos da sociedade, não dispunham desta mesma educação elementar, e sua vocação musical chegava a ser considerada, por vezes, como empecilho ao seu desenvolvimento intelectual (ROHR, 2001: 27). Em 1762 o compositor inglês John Potter aborda a profissão musical, explicando que:

"O desprezo lançado à música surge de duas acusações: uma representando-a como não sendo geralmente tão rentável e respeitável como tantas outras profissões, tendo como seus objetivos nada melhor do que o prazer e o entretenimento. A outra é que [a música] não somente requisita uma genialidade particular para que [o indivíduo] se sobressaia nela, mas também [exige] uma enorme quantidade de tempo para que se faça qualquer progresso, e por isso, dificulta e desqualifica o sujeito para qualquer outra coisa."v (POTTER, Apud: ibidem)47 Deste modo o músico profissional, por sua ocupação, estaria eternamente impedido de alcançar a educação necessária à ascensão social e à dignificação de seu trabalho. Honigsheim considera que "o status [prestígio] dado aos músicos frequentemente

reflete

outras

razões

que

não

sua

habilidade

musical

[musicianship]."48 (HONIGSHEIM, 1973: 105). O autor acrescenta que o nível de intimidade na relação pessoal do músico com membros da nobreza pôde favorecer seu reposicionamento social, como nos casos de Liszt e Wagner. Porém, tratando-se do intérprete anônimo, o sociólogo alemão considera:

"Seria um engano acreditar que o músico desfrutou de grande estima entre as classes dominantes, mesmo no ocidente moderno. A nobreza, as forças armadas e a classe industrial, que dominam muitos países, consideram os músicos, ainda mais que os intelectuais, como 'bonspara-nada' [good-for-nothings]" (op. cit.: 106) Tal desapreço soma-se à incapacidade da classe musical em estabelecer um monopólio sobre a atuação profissional e à dificultosa diferenciação entre intérprete e audiência, favorecendo o caráter irregular e amadorístico da ocupação musical. Não

47 48

POTTER, John. Observations on the Present State of Music and Musicians. London: 1762. p. 61. "The status given to musicians frequently reflects reasons other than their musicianship."

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por acaso, em 1753 o teórico William Hayes adverte: "(...) embora qualquer Fidler49 possa ter a Vaidade de considerar-se a si mesmo como um Músico, não devemos, contudo, considerar todo Músico somente como um Fidler."50 (HAYES, Apud: ROHR, 2001: 27)51. O estabelecimento de um monopólio, necessário à classificação de uma ocupação enquanto profissão, dá-se unicamente através da formalização e padronização do treino dos profissionais, e da certificação e licenciamento destes através de avaliações de aprendizado, aptidão e mérito (FREDERICKSON & ROONEY, 1990: passim). Neste sentido, na natureza intrínseca à atividade artística residem as dificuldades quanto à padronização e ao reconhecimento consensual de métodos, tanto pedagógicos como avaliativos, o que, por si só, segundo Frederickson e Rooney, relegaria a música à condição de semi-profissão. Somada à questão do monopólio, a diferenciação explícita e invulnerável entre profissional e amador ganha importância central quando do estabelecimento de uma audiência. Era necessário que o público consumidor de música desejasse obter do performer profissional aquilo que ele mesmo não pudesse fazer. Ocorre que, quase que à maneira do homem primitivo que descrevemos anteriormente, uma vez que a música deixa de ter sua utilidade vinculada unicamente ao serviço religioso, o homem comum apropria-se desta como pode, e a sensação de trivialidade que já apontamos volta a vigorar porquanto que se praticam, somadas à música da igreja, a Hausmusik, por exemplo, na qual todos podem tomar parte, e mesmo nos eventos palacianos os nobres tomam liberdades tais que chegam a sentar-se no palco durante a apresentação de uma ópera, e não raras vezes juntam-se até mesmo à performance de música de câmara ou ballet (op. cit.: 192). Por isso, a maneira ideal de modificar a influência do músico amador para com um cenário musical seria o estabelecimento de um produto diferenciado.

49

O termo "fidler" provém do inglês medieval e refere-se, além do instrumentista que toca o "Fiddle", à pessoa que perde tempo, sem objetivos. 50 "(...) although every Fidler may have the Vanity to look upon himself as a Musician, yet we ought not to regard every Musician, only as a Fidler." 51 HAYES, William. Remarks on Mr. Avison´s Essay on Musical Expression. In a Letter from a Gentleman in London to his Friend in the Country. London: 1753. p. 92.

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Até o século XVIII a música resignava-se a descrever, imitar, sugerir, adornar, servir a fins bastante específicos e momentâneos. Era necessária uma resignificação da música. E tal revolução encontrou o ambiente ideal para se desenvolver dentro de uma sociedade que se encontrava envolta em profundas modificações filosóficas e políticas. Intensas revoluções sociais estavam em curso, baseadas na emancipação e na autonomia do homem, na queda das monarquias e do poder da igreja. O final do século deu lugar à Revolução Francesa e à Independência dos Estados Unidos. Diante deste quadro, o desejo de ascensão social e o aumento do poder da classe média foram o combustível para o estabelecimento de uma nova ordem social em que o prestígio e a posição do indivíduo no estrato social estão vinculados diretamente ao seu status profissional. Com o desejo da classe média de cultivar seu próprio gosto e suas próprias maneiras (inicialmente, reproduzindo os costumes da corte), o mercado da música apresenta seu novo produto: a música emancipada de suas significações e utilidades extramusicais, o "(...) ultrapassamento do emprego meramente prático-finalista(...)" para o "(...) despertar das necessidades puramente estéticas (...)" (WEBER, 1995: 86). Mas então se faz necessária, não só na música, uma grande adaptação "(...) para que uma sociedade aberta e urbanizada substituísse o isolamento de uma sociedade tradicional, não-crítica, iletrada, baseada na realeza e numa economia de status ao invés de realizações."52 (CARLTON, 2006: 5). É neste contexto que resiste ainda a figura do Kappelmeister (por exemplo, Haydn), e solidifica-se a do empreendedor individual, o virtuosi itinerante (por exemplo, Mozart). E nesta sociedade, códigos de conduta, valores estéticos e posicionamentos políticos precisaram ser profundamente modificados.

3. Do patronato à autonomia:

52

"(...) so that an urbanized, open society replaces the isolation of an uncritical, illiterate, traditional society based on kingship and an economy of status rather than achievement."

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O reposicionamento do músico na sociedade iluminista reflete tanto o desejo comum de se alcançar um status reconhecido e digno através da ocupação profissional, quanto o desenvolvimento natural desta arte em direção à quebra da prática subserviente e imediatista do compositor, que aos poucos modifica seu próprio ideal criativo, fundido com os novos ideais libertários e progressistas praticados por toda a sociedade. Infelizmente, "a ironia [do emprego] de músicos de classes mais baixas sustentando o status [das classes] em ascensão aparece ao longo de séculos que se sucedem até o presente."53 (FREDERICKSON & ROONEY, 1990: 194). Não foi diferente no período transitório entre os séculos XVIII e XIX. O músico, necessitando fomentar a construção de um mercado independente para garantir sua autonomia e seu prestígio, não encontra imediatamente no público desse mercado a contrapartida esperada. O cidadão de classe-média ainda valoriza e cultiva as práticas e costumes da nobreza, e num primeiro momento, a mesma burguesia que se lança contra os monarcas regozija-se com a democratização do padrão de vida da nobreza, antes de reconsiderá-lo e talvez negá-lo. Neste cenário, os músicos também recuaram inicialmente, e "(...) embora a música e as artes devessem ser subversivas da ordem social, sua fidelidade a ideais pré-industriais

reforçou

as

tradições

de

estruturas

sociais

anteriores."54

(FREDERICKSON & ROONEY, 1990: 202). Dessa maneira, confundem-se dois universos simbólicos antagônicos. A nobreza, anteriormente privada de identidade cultural própria e passiva diante do gosto e das vontades do rei, adquiri autonomia. Mas, não sendo autossuficiente, funde-se à classe-média em ascensão que se vê disposta a financiar uma vida cultural independente. Assim, os princípios e códigos de conduta aprováveis no trato social permanecem os mesmos, mudando apenas a quantidade e a origem das mãos que garantem, ao artista, o palco.

53

"(...) The irony of lower class musicians buttressing the status of the upwardly mobile appears throughout the successive centuries up to the present." 54 "Ironically, although music and the arts were supposed to be subversive of the social order, their reliance on pre-industrial ideals reinforced the traditions of former social structures."

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Envoltos num ambiente de tamanha instabilidade, era natural que os músicos – oriundos de posições sociais geralmente desfavoráveis – não pudessem romper imediatamente com o status quo, sob risco de comprometerem sua própria subsistência. Muito se têm observado os compositores que, ao longo da história, inovaram radicalmente causando grandes impactos nas convenções estéticas e ampliando os horizontes da criação musical. Pouco se investiga porém, para além dos intérpretes-compositores, a contribuição do músico comum ao desenvolvimento da prática musical. A combinação de ideais característicos da sociedade baseada na aristocracia monárquica com aqueles do espírito revolucionariamente igualitário e individualista tem no performer sua representação mais concisa, posto que suas atuações geralmente encerravam "(...) tanto condições sociais e econômicas relativamente baixas quanto o relacionamento direto com mecenas ricos."55 (ROHR, 2001: 21). Tal condição se exprime, por exemplo, no caráter da Royal Society of Musicians de Londres, fundada em 1738, cujas atribuições não incluíam – como nas demais sociedades reais da época – a proteção do profissional da música através da regulação desta atividade. No caso da sociedade real de músicos, sua principal função era prestar assistência beneficente a seus integrantes (ROHR, 2001: ibidem). Desapegando-nos do ponto de vista da atividade do compositor (um vício da historiografia musical), percebemos o quanto a atuação do intérprete é fundamental para o direcionamento da história da música. Neste sentido, ilustraremos a tensão resultante da alteração do status do músico, através de alguns episódios protagonizados por intérpretes.

4. Três sketches. O intérprete-protagonista:

Para prepararmo-nos às esquetes que compartilharemos a seguir, faz-se necessário relembrar que o direito ao pagamento pelo trabalho do músico nem

55

"(...) musicians, whose careers often combined both relatively low social and economic conditions with direct dealings with wealthy patrons (…)"

21

sempre foi considerado, e que quando o era, poder-se-ia realizar de diversas maneiras, para que se evitasse a transação financeira.

"Deve-se relembrar que em tempos pré-capitalistas a renda daqueles que não se empenhavam no trabalho físico derivava em grande parte do arrendamento de terras. (...) Como os ministros, professores e outros intelectuais, músicos performáticos eram pagos em quantias fixas de vinho, cerveja, pão, carne fresca ou linguiça. Outra prática era a de conceder-lhes refeições grátis nas casas dos nobres ou burgueses. Em certas comunidades luteranas, músicos, particularmente os organistas de igreja, praticavam um rodízio diário de casa a casa a fim de se alimentarem nas mesas dos membros da classe média de sua congregação."vi (HONIGSHEIM, 1973: 146). Um exemplo que nos revela bastante é o de J. S. Bach, que, empregado em Arnstadt em 1707, recebia um salário em dinheiro e uma bonificação em produtos. Seu salário era duas vezes menor do que o valor de sua bonificação, composta de cereais, peixe e lenha. (RAYNOR, 1981: 250). Com o declínio do feudalismo e da monarquia, o patronato estabelece uma nova maneira de evitar débitos financeiros. À bajulação cortesã confere-se um caráter honroso, e a honra substitui o pagamento. (FREDERICKSON & ROONEY, 1990: 194). Partamos para os tragicômicos exemplos desta postura. 1) "Fischer, um célebre oboísta do final do século XVIII, foi abordado por um nobre lorde que '... fez-lhe um convite premente para cear com ele na noite seguinte, acrescentando, Você trará seu oboé consigo! Fishcer, que se havia irritado com convite desta sorte, rapidamente respondeu, Meu Senhor, meu oboé nunca ceia!"56 (CROWEST, Apud: op. cit.: 195) 2) "Em 1823, a Philharmonic Society [de Londres] ofereceu 10 guineas a Moscheles, mas advertiu que 'nenhum outro pianista jamais recebeu qualquer remuneração por sua performance' (EHRLICH, Apud: op.cit.: 196). Moshceles

56

"Fischer, a celebrated oboe player in the late eighteenth century, was approached by a noble lord who '... gave him a pressing invitation to sup with him the following evening, adding, You´ll bring your oboe with you! Fischer, who was nettled by that sort of invitation, hastily replied, My lord, my oboe never sups!'" CROWEST, F.Musician´s Wit, Humor and Anecdotes. London: Walter Scott Publishing Co. Ltd., 1902. p. 333.

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replicou: 'Eu não posso reconhecer o clamor deles por um serviço desnecessário' (MOSCHELES, Apud: ibidem)."57 3) "Pode-se lembrar a história do grande pianista Alfred Cortot, que foi '... certa vez convidado a tocar num elegante sarau [soriée]. Sua anfitriã... ofereceu a ele um pagamento bastante substancial, observando ao mesmo tempo: Mas devo avisá-lo, eu preferiria que você não se misturasse com meus convidados. Ah, nesse caso, Madame, respondeu Cortot, [o cachê] será cem francos a menos.'"58 (CHAILLEY, Apud: ibidem).

57

"1823 Moscheles was offered 10 guineas by the Philharmonic Society, but was reminded that ´no other pianist had received any remuneration for his performance´. Moscheles rejoined: 'I cannot recognize their claims to my gratuitous services'". EHRLICH, C. The Music Profession in Britain Since the Eighteenth Centurty. Oxford: Oxford University Press, 1985. p. 46. MOSCHELES, C. Recent Music and Musicians as Described in the Diaries and Correspondence of Ignatz Moscheles. Adaptado do alemão por A. Coleridge. New York: Da Capo Press, 1970. p. 52 58 "One is reminded of the story of the great pianist Alfred Cortot who was '...once invited to play at a fashionable soirée. His hostess... offered him a fairly substantial fee, remarking at the same time: But I must warn you, I would rather you did not mix with my guests. Oh, in that case, Madame, replied Cortot, it will be a hundred francs less'". CHAILLEY, J. 40,000 Years of Music: Man in Search of Music. Trad. R. Myers. New York: Farrar, Straus and Giroux, 1964. p.67.

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Conclusão:

"Se a ideia for revolucionária, então a realidade não resistirá." Hans-Peter Reinecke59 Constatamos que no estudo do curso da evolução da música, parte de absoluta relevância tem sido deixada fora do escopo teórico-analítico, de modo que a percepção social do status do músico e da música e as alterações que ela provoca no desenvolvimento da própria prática musical merecem estudos sistemáticos e metodologias adequadas, com o intuito de compreendermos com maior clareza os motivos pelos quais, ainda hoje, a carreira musical não se impõe de maneira absoluta enquanto profissão, e o músico ainda é privado de administrar sua atuação de forma realmente autônoma. Na análise dos casos específicos de Haydn e Mozart proposta por Richard Carlton, o autor oferece uma série de questionamentos úteis à comparação destas duas realidades, e que por se tratarem de questões extremamente atuais, reproduzimos abaixo:

"Qual é a totalidade de deveres e a autoridade correspondente a eles relacionada ao músico [musik-maker]? Quem determina que música deve ser composta ou tocada? Que indivíduos ou grupos monitoram a performance, premiando ou punindo o músico? O que controla a remuneração e a segurança [estabilidade] de trabalho? Qual é a sequência de posições que se espera (isto é, carreira) ao longo de uma vida de trabalho?"vii (CARLTON, 2006: 7) Questões como essas habitam o universo de todo aquele que tem a música como ocupação principal, e acreditamos que as respostas a elas nos ofereceriam interessante e eficaz material para que se promovesse a melhoria da percepção social

59

"Ist die Vorstellung erst revolutioniert, dann hält die Realität nicht mehr stand." REINECKE, Hans-Peter. In: LING, 1984: 16.

24

para com a música. Estas questões, incompletamente abordadas pela história e pela estética, adéquam-se perfeitamente aos domínios da sociologia. Demonstramos como as diferentes significações da música dentro da sociedade foram sempre motivo central das alterações no desenvolvimento desta arte, mesmo que não tenham ainda sido estudadas de maneira consistente. Em 1806, o Zeitung für die elegante Welt60 publica: "Pode-se com razão questionar por que o teatro não é cedido aos nossos grandes mestres, como Beethoven, Eberl, etc., ...? Por que é que o destino de tantos artistas excelentes em muitas áreas deve ser tão dependente do humor de uma só pessoa?"61 (Apud: KOMLÓS: 2008, 41). A atualidade de tal citação nos assusta, e nos impulsiona ao incentivo dos estudos sociológicos da música. Vimos quão relevante foi a caracterização da ocupação musical enquanto profissão a partir da Revolução Francesa, e agora temos lidado constantemente com as consequências desta adequação – que ainda não ocorreu integralmente –, de modo que sugerimos como questão basilar da discussão do uso pós-moderno da música, a aceitação em "(...) empregar a medida dos bens de consumo para julgar que direito à existência tem a arte, como se aquela fosse a medida crítica da verdade social em geral." (ADORNO, 2004: 29). Entendemos, portanto, a urgência da ampliação e difusão das pesquisas em sociologia da música, posto que a multiplicidade e a diversidade de pontos de vista, ideologias, mecanismos e ferramentas conferem às ciências sociais aplicadas à música um caráter polivalente e versátil, descortinando perspectivas para renovações tanto no ambiente interno à prática musical, quanto na sociedade que esta integra, enriquecendo assim sobremaneira a análise histórica e estética da música, e os estudos relacionados à sua função no complexo social.

60

(trad.) Jornal para o mundo elegante. "One might reasonably ask why the theater is not lent to our greatest masters, e.g. Beethoven, Eberl, etc., … ? Why should the fate of so many excellent artists in many fields be dependent on the moods of a single person? Zeitung für die elegante Welt, 3 de maio de 1806. 61

25

NOTAS i

"The sociology of music is only now beginning to establish itself as a specialized scholarly discipline. It is not yet entirely delimited and defined, and the existing literature, though relatively abundant, is inconclusive and fragmentary. In view of the lack of basic research, a more or less complete definition of its subject and methods probably will not be forthcoming for some time. To be sure, it is virtually impossible to create a new discipline through an exhaustive determination of its subject, methods, structure and perspectives. Only in the course of its application can a science be gradually defined, its structure perfected, and its perspectives developed and enlarged." ii

"In fact, these two concepts of art are at the same time concepts of the knowledge of art. They are also mutually exclusive, because the asociological concept repudiates sociological knowledge of art as an essential and integral part of that knowledge, capable of revealing its nature and clarifying its history; and the sociologistic concept repudiates the autonomous value of a specifically aesthetic and philosophical knowledge of art, and could be considered an 'imperialist' conception of the understanding of the artistic universe. Sociologism encroaches on domains that are not authentically sociological, and it appropriates to itself areas of jurisdiction that do not pertain to an authentic sociology of art. Asociological concepts, however, are sometimes developed in an inverse sense, and at times go so far as to propose that there is no true science or, at least, sociology of art. The result is aestheticism, individualistic relativism, and sometimes inadequate subjectivism toward the work of art. In this sense, aestheticism and sociologism represent a misuse, respectively, of aesthetics and sociology." iii

"A history of the human imagination in cooperation with intelligence, sensibility or activiy; na extensive research into the aspirations, desires, and inventions that create and modify, from one era to the next, the reality experienced by all; in short, a history describing not only the life of art in relation to man but also the life of man in relation to art; and… the action of art upon man. Science, customs, philosophy, war, revolutions, economic conditions, industry, and art must be studied in their living inter-relationships - changing, perpetual and mutual." iv

"1. Possession of a specialized body of knowledge and techniques. 2. Establishment of a standardized course of training for imparting the specialized knowledge. 3. Testing applicants for knowledge and competence upon completion of training, followed by the granting of licenses to practice. 4. Licensed practitioners therefore hold a legal occupational status which guarantees them a monopoly over their sector of the market. 5. Autonomy from direct supervision and the substitution of collegial control in place of hierarchical control. (LARSON 1977: 50-51; ETZIONI 1969: v; LORTIE 1969: 23, STARR 1982: 22)." v

"The contempt thrown on music arises from two objections: The one, representing it as not being in general so profitable and reputable as many other professions, as having for its object nothing better than pleasure and entertainment. The other, that it not only requires a particular genius to excel in it, but also a great deal of time to make any progress, and by this means hinders and disqualifies a person for anything else." vi

"It must be remembered that in precapitalistic times the income of those who did not engage in physical labor was largely derived from land rent. (…) Like ministers, teachers, and other intellectuals, performing musicians were paid in fixed amounts of wine, beer, bread, fresh meat, or sausage. Another practice was to give them free meals in the houses of noblemen or burghers. In certain Lutheran communities, musicians, particularly church organists, would go in daily rotation from one house to another to be fed at the tables of the middle-class members of their congregations." vii

"What are the totality of duties and the corresponding authority attached to the music-maker? Who determines what music shall be composed or performed? What individuals or groups monitor role-performance, and reward or punish the musician? What controls remuneration and job-security? What is the expected sequence of positions (i.e. career) over a life´s work?"

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BIBLIOGRAFIA: A fim de facilitar o acesso às obras utilizadas para a composição do presente artigo que se encontram à disposição em meios virtuais, dividimos esta bibliografia entre os principais locais originais das fontes. Fontes físicas ADORNO, Theodor W. Filosofia da nova música. Trad. Magda França. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. BARCE, Ramón. Doce advertencias para uma sociología de la musica. Colóquio Artes, n. 72. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987. FUBINI, Enrico. La estética musical desde la Antigüedad hasta el siglo XX. Madrid: Alianza Editorial, 1997. GROUT, Donald J. & PALISCA, Claude V. História da Música Ocidental. Trad. Ana Luísa Faria. 5. ed. Lisboa: Gradiva, 2007. (título original: A History of Western Music) HAUSER, Arnold. História social da arte e da literature. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (título original: Sozialgeschichte der Kunst und Literatur) HONIGSHEIM, Paul & ETZKORN, K. Peter. Music and Society: the later writings of Paul Honigsheim. Ed. e intr. Peter Etzkorn. New York: John Wiley & Sons, 1973. JENKINS, Keit. A História repensada. Trad. Mario Vilela. São Paulo: Contexto, 2001. KNEIF, Tibor. Texte zur Musiksoziologie. Köln: Arno Volk-Verlag, 1975. pp. 37-51. RAYNOR, Henry. História social da música: da idade média a Beethoven. Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. (título original: A social history of music) SILBERMANN, Alphons. Estructura Social de la Musica.Trad. María Del Carmen Otonel. Madrid: Taurus Ediciones, 1962. (título original: Wovon lebt die Musik) WEBER, Max. Os fundamentos racionais e sociológicos da música. Trad. e intr. Leopoldo Waizbort. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995. Fontes virtuais Disponíveis em www.jstor.org: ANDERSON, W. R. What Is a Professional Musician?. The Musical Times. vol. 70, n. 1042. s.l.: Musical Times Publications Ltd, 1929. pp. 1114-1115. CARLTON, Richard A. Changes in Status and Role-Play: The Musician at the End of the Eighteenth Century. International Review of the Aesthetics and Sociology of Music, vol. 37, n. 1. Zagreb: Croatian Musicological Society, 2006. pp. 3-16. FREDERICKSON, Jon & ROONEY, James F. How the Music Occupation Failed to Become a Profession. International Review of the Aesthetics and Sociology of Music, vol. 21, n. 2. Zagreb: Croatian Musicological Society, 1990. pp. 189-206.

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