Suécia de Bergman – Representações visuais de um mundo imaginado

July 5, 2017 | Autor: A. Falqueto Lemos | Categoria: Cultural Studies, Mental Representation, Ingmar Bergman Films, Movies, Suecia, Filme, Sweeden, Filme, Sweeden
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SUÉCIA DE BERGMAN – REPRESENTAÇÕES VISUAIS DE UM MUNDO IMAGINADO BERGMAN’S SWEDEN - VISUAL REPRESENTATIONS OF AN IMAGINED WORLD Adriana Falqueto Lemos1 RESUMO: Examina-se como o diretor Ingmar Bergman (1918-2007) construiu representações da Suécia em seus filmes a partir das teorias dos estudos de conceitos da História Cultural pensados pelo historiador Roger Chartier. A Suécia, é cristalizada no imaginário do expectador como uma memória de um lugar familiar e amplia o sentido da expressão de senso comum que diz que “quem lê, viaja”; ao passo que as visões transmitidas pelas películas transportam a plateia para lugares distantes mais vividamente. PALAVRAS-CHAVE: Bergman; Cultura; Filme; Representação. ABSTRACT: This work examines how the director Ingmar Bergman (1918-2007) constructed representations of Sweden in his films. The theoretical background is based on the study of the historian Roger Chartier regarding cultural history. Sweden, recurring scenario in Bergman’s films, is crystallized in the imagination of the viewer as a memory of a familiar place, and expands the meaning of the famous Brazilian commonsense saying that states that “whoever reads, travels”; therefore, the visions conveyed by films are more vivid. KEYWORDS: Bergman; Culture; Film; Representation.

Não é Mnemôsine, deusa da memória, quem guia os estudos do passado. Segundo a historiadora Sandra Jatahy Pesavento, em História & História Cultural (2004), é a musa Clio, inspiradora da criatividade, quem é associada com os estudos dos fatos antigos, graças à sua característica de dar dimensão histórica ao que ficou escrito. Essa noção de um estudo mais ligado à criatividade do que à memória se relaciona positivamente com a ideia do trabalho do historiador, que mudou, aproximadamente no século XX, com a queda de antigas meta-narrativas (crise dos paradigmas). Essa crise se dá num processo que questiona explicações históricas já estabelecidas, como o Marxismo e Annales, e com a busca de novas respostas que, até ali, estariam pré-respondidas pelas convenções vigentes. [...] foram deixadas pra trás concepções que opunham a cultura edurita à cultura popular, estas ingenuamente concebidas como reduto do autêntico. Longe vão também as assertivas herdeiras de uma concepção da belle époque, que entendia a literatura – e, por extensão, a cultura – como o sorriso da sociedade, como produção para o deleite e pura fruição do espírito (PESAVENTO, 2004, p. 1415).

Pesavento fala sobre o percurso dos estudos científicos, explicando que mesmo aqueles da área de humanas eram pautados na busca de uma racionalidade no intuito de explicar fatos além de oferecer certezas sobre os fenômenos do mundo, o que contrastava com uma visão de mundo que fosse proveniente da sensibilidade. História é feita de cultura e a cultura é feita de representações sociais produzidas pelo povo e pelo modo de produção. Doutoranda em Letras pela UFES. Professora da Secretaria de Estado da Educação (ES) e Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (ES). Integrante do Núcleo de Estudos Literários e Musicológicos da UFES.. E-mail: [email protected] 1

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A história cultural clássica teve sua primeira fase entre 1800 e 1950. Segundo Peter Burke (2006), pesquisadores como Huizinga e Burchardt iniciaram as mudanças nos paradigmas do estudo sobre fatos passados, afinal, eles tinham interesse em correlacionar as formas culturais entre si. Através disso, ampliaram a noção de hermenêutica e do que acabaram chamando de história cultural. Posteriormente, Michel de Certeau e, a partir dele, Roger Chartier, quem se dedicou aos estudos sobre como os atos e fazeres e o aprendizado desses imbricavam cultura – é o conceito de práticas e representações e da construção do cotidiano; a construção de classe e gênero, construção das tradições, de países, da monarquia e construção de identidades individuais para posterior desconstrução. Pesavento inicia o terceiro capítulo de seu livro falando de representações e de como a sociedade é construída e constituída através e dentro das práticas sociais. É no movimento de ir e vir que a sociedade se constrói historicamente, embasada em representações de mundo já existentes e que fazem parte do seu cotidiano, do seu passado e delineiam sua identidade e como veem o que seja real: “indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade” (PESAVENTO, 2004, p. 39). É através do signo da apropriação e da representação de mundo que se constrói a pesquisa e a compreensão do que seja a História Cultural. Segundo Roger Chartier, em A História Cultural entre práticas e representações, “a historia cultural, tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social e construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 2002, p. 17). A questão que se agencia neste artigo persegue o que Chartier explicita ao esmiuçar o tema das apropriações e representações de mundo e em como esse processo, que gira em torno de si mesmo quase que num jogo, cria e presentifica a realidade, contrastando a noção de objetividade da história e do mundo versus a subjetividade das representações de mundo. Uma tarefa deste tipo supõe vários caminhos. O primeiro diz respeito às classificações, divisões e delimitações que organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção e de apreciação do real. Variáveis consoante as classes sociais ou os meios intelectuais, são produzidas pelas disposições estáveis e partilhadas, próprias do grupo. São estes esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado. As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação. As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio. Ocuparse dos conflitos de classificações ou de delimitações não é, portanto, afastar-se do social — como julgou durante muito tempo uma história de vistas demasiado curtas —, muito pelo contrário, consiste em localizar os pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos imediatamente materiais (CHARTIER, 2002, p. 17).

Compreende-se que assistir a um filme implica a apreensão de uma representação, uma reorganização de um mundo – reorganização que é produzida tendo como ponto de 59

partida as percepções e apreciações do real próprias do responsável do filme. Essas percepções subjacentes à produção cinematográfica constituem representações que advém dos interesses dos que a produzem. A problemática do ‘mundo como representação’, moldado através das séries de discursos que o apreendem e o estruturam, conduz obrigatoriamente a uma reflexão sobre o modo como uma figuração desse tipo pode ser apropriada pelos leitores dos textos (ou das imagens) que dão a ver e a pensar o real. (CHARTIER, 2002, p. 23-24).

Os significados, neste caso, são produzidos socialmente e historicamente, e nossa realidade é marcada pela maneira como ela se dá a pensar. A figuração do mundo, assim como ela é vista em filmes, por exemplo, advém de uma apropriação da realidade (feita pelo(s) diretor/produtor/agentes culturais envolvidos na produção do filme) e o conteúdo fílmico se constitui como representação subjetiva de mundo. Quando um expectador/leitor assiste ao filme, ele apreciará representações do real e posteriormente se apropriará disso. O contato que se tem com outras visões de mundo leva o leitor/expectador a reorganizar seu próprio mundo. No ponto de articulação entre o mundo do texto e o mundo do sujeito coloca-se necessariamente uma teoria da leitura capaz de compreender a apropriação dos discursos, isto é, a maneira como estes afectam o leitor e o conduzem a uma nova norma de compreensão de si próprio e do mundo (CHARTIER, 2002, p. 24).

Um dos estudiosos preocupados em fortalecer a noção do diretor de cinema em como o principal protagonista no processo de criação foi François Truffaut – e seu empenho não é injustificado, visto que a própria mídia cinematográfica tem seu valor posto em voga quando se trata de autoria, afinal, como falar de visão de mundo de um objeto cultural que não tem um único compositor? Além de Truffaut, outro cineasta articulista desenvolveu textos teorizando as técnicas de montagem de diretores de cinema. Em A forma do filme (2002), Sergei Eisenstein declarou que é na montagem da película que se encontra a arte autoral do diretor: A arte da cinematografia não está na seleção de um enquadramento extravagante ou em captar algo por um surpreendente ângulo de câmera. A arte está no fato de cada fragmento de um filme ser uma parte orgânica de um conjunto organicamente concebido (EISENSTEIN, 2002, p. 95).

Mais do que um trabalho de equipe, o filme seria a expressão da subjetividade de um autor. Um filme vale o que vale quem o faz (...). Um filme identifica-se com seu autor, e compreende-se que o sucesso não é a soma de elementos diversos – boas estrelas, bons temas, bom tempo –, mas liga-se exclusivamente à personalidade do autor (TRUFFAUT, 2000, p. 17).

É na fala de Truffaut que o diretor se faz perceber enquanto este artesão que implica no seu fazer sua própria visão de mundo. Para ele, “um filme é uma etapa na vida do diretor e como o reflexo de suas preocupações no momento” (TRUFFAUT, 2000, p. 20). Ele, enquanto diretor, revela-se como autor do filme, já que “[...] a tela não se constitui uma janela para o mundo, mas um esconderijo, nosso universo fica mais restrito, nos sentimos mais à vontade para resumir esse mundo dentro dessa tela” (ibid, p. 21). Ingmar Bergman foi bastante autobiográfico em seu cinema; uma prova viva da perspectiva de Truffaut e da suposta possibilidade de se refugiar na tela do cinema e de 60

reproduzir nela sua própria visão de mundo é a repetição de temas e de personagens. Por exemplo, Bergman foi filho de um padre, um personagem que aparece nos filmes Fanny & Alexander (1982), Gritos e Sussurros (1972) e Luz de Inverno (1963), sempre de maneira controversa. O tema da crise de fé, por exemplo, está em De två saliga (1986), Fanny & Alexander (1982), Luz de Inverno (1963), Djävulens öga (1960), A Fonte da Donzela (1960) e O Sétimo Selo (1957). É tentador que se pense em debulhar esses filmes em questão, por exemplo, principalmente por que rendem discussões intensas em campos de saberes como o filosófico, o social e o político, mas é necessário – no que tange aos limites do artigo – que se prive do todo para que seja possível ater-se ao ponto de maior interesse em questão: a forma como a paisagem Sueca é dada a ver por Bergman diante de seu expectador. Bergman nasceu em Uppsala, cidade situada ao norte de Estocolmo e quarta maior cidade da Suécia. Lá está a sede da arquidiocese da Igreja da Suécia. O primeiro filme de Bergman, Crisis (1946), foi filmado em Hedemora, cidade praticamente vizinha de Uppsala. Logo no início, Bergman filma a cidade, na época, um vilarejo, onde a praça fervilhava quando o ônibus chegava:

Imagem 1: Rua em Hedemora em Crisis, de Ingmar Bergman, 1946*.

Imagem 2: Praça de Hedemora em Crisis, de Ingmar Bergman, 1946.

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As paisagens bucólicas e aconchegantes da cidade pequena do interior são substituídas por ambientes mais arrojados logo no começo, quando a mocinha vai para o centro para viver com a mãe – percebemos como a fotografia das cenas colaborou para que Hedemora parecesse pacata e pequena. Os filmes subsequentes Chove Sobre Nosso Amor (1946), Skepp till India land (1947) e Música na Noite (1948), são rodados na cidade de Estocolmo. Em Chove Sobre Nosso Amor, há um jovem casal em busca de uma vida renovada e cheia de esperança depois que encontram uma casa para ocupar; essa casa fica em uma horta urbana. As primeiras hortas urbanas da Suécia foram feitas entre 1895 e 1904 – com a construção da horta de Estocolmo. Desde 1921, existe uma associação que protege as hortas urbanas, e hoje elas são cultivadas por mais de 250 associações em toda a Suécia. Nestas imagens é possível perceber como a o centro da Estocolmo de 1946 se compara com a da horta urbana, que fica na capital.

Imagem 3: Ruas da cidade de Estocolmo em Chove Sobre Nosso Amor, de Ingmar Bergman, 1946.

Imagem 4: Hortas urbanas em Estocolmo em Chove Sobre Nosso Amor, de Ingmar Bergman, 1946. Música na Noite (1948) foi rodado, quase que em sua totalidade, dentro de estúdios e as poucas cenas externas mostram uma Suécia diferente da que foi vista nos filmes 62

anteriores, mais fria: a luz imprime tonalidades diferentes ao preto-e-branco e a vegetação é menos exuberante.

Imagem 5: Ingrid e Bengt caminham ao ar livre em Música na Noite, de Ingmar Bergman, 1948. O cenário do longa-metragem Porto (1948) é Gotemburgo, segunda maior cidade da Suécia. Não há muitas cenas externas – a maioria da história se passa dentro de fábricas, depósitos e casas, mas quando a cidade surge, ela aparece na forma do grande porto de Gotemburgo, o maior de todos os Países Nórdicos. Ele é o palco para o início e desfecho da trama. É lá que a mocinha Berit tenta suicídio.

Imagem 6: Berit à ponto de pular do cais do porto de Gotemburgo em Porto, de Ingmar Bergman, 1948. Filmado em 1949, Prisão pode ser considerado um primeiro ensaio para muitos filmes que Bergman posteriormente faria sob o tema da autoria, do teatro e da ficção. Foi rodado em Estocolmo e em Gamla stan, uma das maiores e mais preservadas cidades medievais de toda a europa. O longa-metragem foi filmado durante o inverno e, novamente, pode-se perceber a mudança na iluminação natural e nas roupas dos personagens.

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Imagem 7: Visão de Gamla stan em Prisão, de Ingmar Bergman, 1949. Se os filmes anteriores são quase que inteiramente filmados em estúdios, Rumo à Alegria (1950) tem como locações duas cidades diferentes: Helsingborg e Arild, geograficamente próximas uma da outra. No mesmo ano, Bergman filmou também Isto Não Aconteceria Aqui (1950), no ancoradouro do porto de Estocolmo. Juventude (1951) foi filmado em Dalarö, uma cidade portuária pequena e narra a história da bailarina Marie, em flashbacks. Bergman contrasta imagens de estações diferentes e, graças a isso, ressalta a passagem do tempo. É possível ver mudanças na natureza: as árvores minguam e os contrastes entre escuro e claro da fotografia preto-e-branco ficam menos aparentes por causa da mudança na iluminação.

Imagem 8: Visão da praia de Dalarö ao entardecer em Juventude, de Ingmar Bergman, 1951.

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Imagem 9: Embarcações na pequena cidade de Dalarö em Juventude, de Ingmar Bergman, 1951.

Imagem 10: Inverno em Dalarö em Juventude, de Ingmar Bergman, 1951. Em comparação com as outras filmagens vistas até agora, Mônica e o Desejo (1953) é muito ilustrativo quando se trata de mostrar a Suécia: narra a história de um jovem casal que decide simplesmente fugir por um tempo, num barco, ao longo da costa da Suécia, passando por Ornö, Riddarfjärden e Sandelöga – depois de ter partido de Estocolmo. O verão do casal é delicioso e os lugares por onde eles passam só fazem aumentar a impressão, no expectador, de que o verão na Suécia é encantador. Depois de sair da escura e turbulenta Estocolmo, onde os jovens são oprimidos no trabalho, a costa sueca parece o paraíso – até, é claro, que eles retornem à realidade.

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Imagem 11: Bonde noturno na cidade de Estocolmo em Mônica e o Desejo, de Ingmar Bergman, 1953.

Imagem 12: Visão do canal da cidade de Estocolmo em Mônica e o Desejo, de Ingmar Bergman, 1953.

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Imagem 13: Orla da Suécia, regiões inabitadas em Mônica e o Desejo, , de Ingmar Bergman, 1953. O belo e divertido Sorrisos de Uma Noite de Amor (1955) foi filmado em vários lugares do condado de Escânia, nas comunas de Ystad e Trelleborg – onde há o castelo de Jordberga, construído nos anos de 1300. O Sétimo Selo (1957), uma das mais famosas produções de Bergman – e quase que inteiramente filmado em externas –, tem locações em ilhas como Värmdö, a vila de Skytteholm, no município de Solna; Hovs Hallar, uma reserva natural na península Bjäre, no município de Escânia; Viby, uma vila do município de Sigtuna e Östanå, no município de Österåker. As paisagens desses lugares ficaram famosas através do filme; a bela praia de Hovs Hallar ficou eternizada na cena inicial, que retrata a morte a jogar xadrez com Antonius Block. Abaixo, a sequência inicial de cenas na praia de Hovs Hallar, quando Antonius acorda e acaba por encontrar a morte, a quem convida para jogar xadrez de forma a adiar a morte.

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Imagem 14: Praia de Hovs Hallar em O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, 1957.

Imagem 15: Praia de Hovs Hallar em O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, 1957.

Imagem 16: Praia de Hovs Hallar em O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, 1957. As filmagens de outro sucesso cinematográfico, Morangos Silvestres (1957), foram feitas no lago de Vättern; em Dalarö, onde Juventude também havia sido filmado; no condado de Gotlands, uma ilha; em Ängö, no condado de Södermanlands e em Lund, Escânia – destino dos personagens Isak Borg e Marianne. No filme, os personagens fazem uma viagem de carro que anteriormente havia sido planejada para ser feita de avião e, por isso, eles acabam parando em pontos diferentes do trajeto e aproveitando a paisagem e os lugares. Eles param na antiga casa onde o Dr. Borg passava as férias de infância, dão carona a estranhos e almoçam com eles. 68

A Fonte da Donzela (1960) foi filmado no condado de Dalarna, dentro das municipalidades de Orsa, em Skattungbyn e Styggeforsen. No começo do filme, a donzela Karin se prepara para seguir um ritual da vila e da família, na Suécia do século XIV. Ela precisa estar bem vestida e prepara arranjos de flores. Na cena, ela se prepara, enquanto pode-se ver o vigor da primavera de Dalarö.

Imagem 17: Campo de Dalarö em A Fonte da Donzela, de Ingmar Bergman, 1960. A pequena ilha de Fårö, ao norte da grande ilha de Gotland, foi onde Bergman viveu, morreu e foi enterrado. Na ilha, ele filmou Através de um Espelho (1961), Quando Duas Mulheres Pecam (1966), A Hora do Lobo (1968), Vergonha (1968), A Paixão de Ana (1969) e Cenas de um Casamento (1972). Todos os anos, em junho, a ilha sedia a The Bergman Week, sete dias de tributo ao diretor. Foi na península de Langhammar que Bergman filmou Através de um Espelho e se pode observar como a paisagem, ampla e que se perde de vista, só faz aumentar a sensação de isolamento e solidão implicados no filme.

Imagem 18: Praia de Langhammar em Através de um Espelho, de Ingmar Bergman, 1961. 69

Imagem 19: Ancoradouro na praia de Langhammar em Através de um Espelho, , de Ingmar Bergman, 1961. As praias e cenários de Fårö são parte importante no desenvolvimento das tramas filmadas lá, por que tornam físicas as sensações que os personagens enfrentam, assim como o desejo que eles têm por isolamento, autoconhecimento, iluminação e amadurecimento. Ao mesmo tempo, os cenários são atraentes, por que exalam liberdade – graças à bela fotografia, que expande os espaços, gerando a dimensão de que o horizonte, nesses lugares, é infinito. Em Quando Duas Mulheres Pecam (1966), a atriz Elisabet Vogler faz repouso em uma casa de praia na ilha de Fårö, acompanhada da enfermeira Alma. Elisabet faz caminhadas na praia acompanhada da enfermeira como forma de terapia para seu problema emocional.

Imagem 20: Praia de Fårö em Quando Duas Mulheres Pecam, de Ingmar Bergman, 1966. Quando as duas brigam, Elisabet também vai caminhar na praia e a briga se estende enquanto a câmera vai seguindo-as em travelling. Pode-se observar como a praia é mantida em seu aspecto mais natural, sem qualquer interferência humana. As rochas estão por toda a parte, a praia é cheia delas. Há árvores frondosas e a luz é clara em pleno verão. 70

Imagem 21: Praia de Fårö em Quando Duas Mulheres Pecam, de Ingmar Bergman, 1966. Em 1976, Bergman se envolveu em problemas com pagamentos de impostos ao governo da Suécia, depois de ser mal aconselhado por pessoas em quem confiou. Ele teve que deixar o país e, por isso, só voltou a fazer filmes na lá em 1982, quando pôde retornar. Filmado depois desse retorno, Fanny & Alexander (1982) mostra a cidade de Uppsala, onde Bergman nasceu. Em 2006, a Bergman Week atraiu mais de 2 mil pessoas para seminários, mostra de filmes e exposições no cinema de Sudersand, além de possibilitar visitas às locações onde os filmes foram feitos. A praia de Sudersand, ao norte da ilha, tem chalés para turistas. Em artigo para o New York Times, Danielle Pergament (2007) descreve a ilha de Faro para os leitores norte-americanos, como um lugar remoto – é necessário que se tome avião, um trem ou um carro e mais duas balsas para chegar até lá. A população, naquele ano, era de 571 pessoas. Na época não havia bancos, caixas eletrônicos, ambulâncias, médicos ou postos policiais. Havia apenas uma escola e o número reduzido de alunos indicava que ela haveria de fechar. Com a agricultura em declínio, era o turismo que continuava impulsionando a economia da cidade. Ao tecer as considerações sobre o recorte escolhido para esta análise e as imagens selecionadas, evoca-se a contribuição dos estudos da História Cultural abordada logo no início do texto. O que é produzido como objeto cultural imbrica uma visão de mundo, uma reprodução de uma apropriação que se faz do mundo – inventa-se o mundo. Quando Bergman faz o que Truffaut entende por fazer um filme – dirigi-lo, ele não simplesmente “fotografa” o mundo como é, ele apresenta a sua própria versão dele, cristalizando o seu próprio mundo, o seu próprio refúgio, e se revela através dele. Quando se assiste aos filmes de Ingmar Bergman, se está assistindo a própria Suécia através do olhar do diretor, sagaz ao recortar seu país da maneira mais singela, selvagem e natural que pôde. O país se revela em magnitude e força industrial e urbana em películas que privilegiam o espaço metropolitano; ao mesmo tempo, o campo e a orla são atrativos, cheios de riqueza, que se projetam diante dos olhos do expectador como musas inspiradoras. A poesia de Bergman perpassa o próprio espaço capturado por ele e que serve de palco para seus dramas de familiares e de fé. Na medida em que assiste aos filmes do diretor, a audiência recebe ferramentas para que possa tecer, em seu próprio imaginário, visões da Suécia inventadas por Bergman. Através dos longas-metragens, a Suécia se revela de forma instigante e mágica, repleta de espaços que, aos olhos de Bergman, são inevitavelmente especiais. Ao se olhar para o mapa do país após se ter visto os filmes e saber onde eles foram filmados, é impossível não se ter 71

vontade de ir até lá. Ao mesmo tempo, percebe-se a importância da valorização do espaço na produção cinematográfica, já que se tangencia a valorização nacional.

Referências BURKE, Peter. ¿Que és la historia cultural?. Trad. Pablo Hermida Lazcano. Barcelona: Paidós Ibérica, 2006. CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Tradução Maria Manoela Galhardo. 2. ed. Portugal: Difel, 2002. EISENSTEIN, Sergei. A Forma do filme. Tradução: Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. PERGAMENT, Danielle. The Enchanted Island That Bergman Called Home. In: The New York Times, October 7, 2007. Disponível em: < http://www.nytimes.com/2007/10/07/travel/07cultured.html?pagewanted=all&_r=0> Acesso em: 07 de novembro de 2014. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. TRUFFAUT, François. O Prazer dos Olhos: escritos sobre cinema. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

Filmes: ATRAVÉS DE UM ESPELHO. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1961. 1 DVD (89 min). A FONTE DA DONZELA. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1960. 1 DVD (89 min). A HORA DO LOBO. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1968. 1 DVD (99 min). A PAIXÃO DE ANA. Direção: Ingmar Bergman. Cinematograph AB, Svensk Filmindustri (SF), 1969. 1 DVD (101 min). CENAS DE UM CASAMENTO. Direção: Ingmar Bergman. Cinematograph AB, 1972. 4 DVDs (283 min). CHOVE SOBRE NOSSO AMOR. Direção: Ingmar Bergman. Sveriges Folkbiografer, 1946. 1 DVD (95 min). CRISIS. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1946. 1 DVD (93 min). 72

DE TVÅ SALIGA. Direção: Ingmar Bergman. Sveriges Television, 1986. 1 DVD (81 min). DJÄVULENS ÖGA. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1960. 1 DVD (87 min). FANNY & ALEXANDER. Direção: Ingmar Bergman. Cinematograph AB, Svenska Filminstitutet (SFI), 1982. 2 DVDs (188 min). ISTO NÃO ACONTECERIA AQUI. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1950. 1 DVD (84 min). JUVENTUDE. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1951. 1 DVD (96 min). LUZ DE INVERNO. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1963. 1 DVD (81 min). MORANGOS SILVESTRES. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1957. 1 DVD (91 min). MÔNICA E O DESEJO. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1953. 1 DVD (96 min). MÚSICA NA NOITE. Direção: Ingmar Bergman. Terrafilm, 1948. 1 DVD (87 min). O SÉTIMO SELO. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1957. 1 DVD (96 min). PRISÃO. Direção: Ingmar Bergman. Terrafilm, 1949. 1 DVD (79 min). PORTO. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1948. 1 DVD (100 min). QUANDO DUAS MULHERES PECAM. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1966. 1 DVD (85 min). RUMO À ALEGRIA. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1950. 1 DVD (98 min). SKEPP TILL INDIA LAND. Direção: Ingmar Bergman. Sveriges Folkbiografer, 1947. 1 DVD (98 min). SORRISOS DE UMA NOITE DE AMOR. Direção: Ingmar Bergman. Svensk Filmindustri (SF), 1955. 1 DVD (108 min). VERGONHA. Direção: Ingmar Bergman. Cinematograph AB, Svensk Filmindustri (SF), 1968. 1 DVD (103 min).

* As imagens que compõem este texto foram extraídas dos filmes de Bergman através de captura de tela dos filmes referidos na bibliografia. 73

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