Tradução e Paratradução do Popol Wuj. Ana_Maria_B._C._Sackl_-_Tese.pdf

May 30, 2017 | Autor: A. Conrad | Categoria: Spanish, Literature, PARATRANSLATION, Translation, K'iche, Pre-hispanic myths
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Ana Maria Barrera Conrad Sackl

Tradução & Paratradução do Popol Wuj: Paratextos e Excertos do Gênesis Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução, da Universidade Federal de Santa Catarina, como pré-requisito para a obtenção do título de Doutor em Estudos da Tradução. Orientador: Prof.Dr. Ronaldo Lima (UFSC) Co-orientador: Prof. Dr. Carlos López (Marshall University, USA).

Florianópolis 2015

A Elsa Isabel Conrad

AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, ao meu orientador, Dr. Ronaldo Lima, pelo seu apoio sempre respeituoso com a liberdade de escolha e de expressão dos seus orientandos, que sinalizou-me os caminhos da Paratradução que o texto do Popol Wuj representa amplamente. A elaboração desta tese nasceu com o interesse que me despertou o Manuscrito Ayer 1515 (1700-1704), cuja digitalização encontrei na página Web da Universidade de Ohio. Naquele momento eu tinha uma curiosidade específica por manuscritos, inspirada nas inquietudes do professor Sergio Romanelli, a quem sou grata por ensinar-me a apreciar a centelha de vida implícita na caligrafia de um tradutor. O Professor Dr. Carlos López, da Marshall University, coorientador desta tese, autoridade em epistemologia maia, oportunizou-me a descoberta da sofisticada lógica dos K’iches’ através de explicações simples e claras. Todos os acadêmicos que contactei para inteirar-me sobre algum aspecto do Popol Wuj foram absolutamente receptivos e desinteressados: A Professora Michela Craveri, da Universidade de Milão; o Dr. Oswaldo Chinchilla Mazariegos, da Universidade Francisco Marroquin da Guatemala, atualmente docente na Universidade de Yale; o curador Adolfo Cantú, jornalista e crítico de arte no México; o Dr. Ricardo Falla, antropólogo e renomado teólogo da Guatemala, todos me encaminharam materiais valiosíssimos por e-mail e correios. Sou grata pelo privilégio de tê-los conhecido, mesmo que não tenha sido pessoalmente. Com o texto do Popol Wuj fui até a Universidade Artesis de Antwerpen, na Bélgica, onde existe a biblioteca mais completa da Europa em Estudos da Tradução. Lá, fui atendida pela professora Dra. Christiane Stallaert, que me abriu as portas da Instituição e para quem dedico meu mais sincero agradecimento. Agradeço aos meus amigos do doutorado: Rosane de Souza, Adriano Mafra e Esteban Campanela pelo companheirismo, pelas jornadas de trabalho acadêmico compartilhadas com alegria. Agradeço a Jorge Dyuri Gubitsch pelo seu apoio incondicional, carinho e paciência. Agradeço ao meu filho, Francisco Aléxis Sackl, por ter sido compreensivo e altruista nas minhas ausências por causa dos estudos. Finalmente sou grata aos maias K‘iches’, ao primeiro copista do códice no século XV, e aos tradutores através dos quais conheci esta cosmogonia.

O dia que nasce, a véspera que vai se fortificar e dominar parece mais o fim de alguma coisa, o entardecer do instável. Não é ainda certo que o dia vá continuar e afirmar-se sobre todas as coisas. Este sonho está ainda em equilíbrio reversível com o nada. (VALÉRY, 1916, tradução nossa1)

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Le jourqui se lève, laveillequivadurcir et dominersemblentplutôtlafin de quelquechose - lecouchant de l'instable. Il n'est pas encore tout à fait sur que ce jour va se continuer et s'affirmer sur toutes les choses.Ce rêve est encore en équilibre réversible avec le rien. (VALÉRY, 1916)

RESUMO Esta investigação tem por objetivo a análise e o estudo crítico de um corpus constituído por paratextos e excertos do gênesis de três traduções do Popol Wuj, cosmogonia mítica pré-hispânica da Mesoamérica (séculos II a VII d.C.). A primeira tradução, o Manuscrito de Chichicastenango, de Ximénez (1700-1704), autógrafo e bilíngue, contém a cópia da transliteração do k’iche’ fonetizado, representado com caracteres do alfabeto latino e a tradução para o espanhol do século XVI; a segunda tradução, de Don Adrián Inés Chávez (1979), revisa a língua k’iche’ e a traduz para o espanhol contemporâneo a partir de minucioso trabalho em quatro colunas; a última tradução, de Sam Colop (2011), redigida em espanhol, é apresentada em forma de poema. Como suporte às análises e estudo crítico, utiliza-se a noção de paratradução de Yuste Frías (2014), bases dos Estudos Descritivos da Tradução (EDT), os estudos antropológicos associados à tradução propostos por Stallaert (2006), os estudos decoloniais (MIGNOLO, 2001) e as análises epistemológicas de López (1999). A principal hipótese defendida busca investigar se os tradutores imprimem no texto o polissistema cultural e linguístico da língua-alvo e traços da época em que os textos foram traduzidos. Finalmente, destaca-se que o trabalho desenvolve-se sob “perspectiva paraliterária abrangente”, justamente por se tratar de um texto mítico. De fato, trata-se de uma relíquia linguística de valor antropológico que a noção da paratradução, aqui considerada, parece poder abarcar de modo satisfatório. Palavras-chave: tradução, paratradução, literatura, mitos pré-hispânicos, espanhol, k’iche.

ABSTRACT The goal of this research is the analysis and critical study of a corpus that contains the Paratexts and fragments of the genesis of three translations of the Popol Wuj, the book that describes the mythic Maya Pre-hispanic cosmogony that originated in Mesoamerica between the second and seventh century after Christ. The first one, called the “Manuscript of Chichicastenango”, was translated by Ximénez between 1700 and 1704, is bilingual (K’iche'-Spanish); the second one, made by Don Adrián Inés Chavez (1979) is a phonetic revision, creates new symbols and translates the text into Spanish in a meticulous way that he organized in four parts; the third translation, authored by Sam Colop (2011) is bilingual K’iche'Spanish and is written in a poetical way. The analysis and critical study is based on the theory of paratranslation of Yuste Frias (2014), the Descriptive Studies of Translation, Stallaert's researches (2006) that combine anthropology and translation, notions of the Studies of Colonialism (MIGNOLO, 2001) and the epistemological analysis of the Popol Wuj (LÓPEZ, 1999). The hypothesis here defended seeks to demonstrate if the translators imprint in the text the cultural and linguistic polysistem from the target language and the historical context of the times that the texts were translated. Finally, it is emphasized that this research is developed in a "comprehensive paraliterary perspective," because Popol Wuj is a mythical text. In fact, it is a linguistic relic of anthropological value that the notion of paratranslation considered here seems to be able to embrace satisfactorily Keywords: Translation, Paratranslation, Literature, Pre-hispanic myths, Spanish, K'iche'.2

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Tradução Jorge Gubitsch.

RESUMEN La siguiente investigación propone el estudio crítico de un corpus constituido por paratextos e párrafos de la génesis de tres traducciones del Popol Wuj, cosmogonía mítica prehispánica de la región de Mesoamérica (siglos II a VII d. C.). Las traducciones estudiadas son: el Manuscrito de Chichicastenango, de Francisco Ximénez (1700-1704), autógrafo e bilingüe que contiene la copia de la transliteración del k´iche’ fonetizado (S.XVI) y escrito en caracteres del alfabeto latino y la traducción para el español, la obra de Don Adrián Inés Chávez (1979), revisa la lengua k´iche’ y la traduce para el español contemporáneo a partir de un minucioso trabajo en cuatro columnas, la tercera traducción de Sam Colop (2011), redactada en español está presentada en forma de poema. Como fundamento de este análisis crítico, se utilizan los estudios sobre paratraducción de Yuste Frias (2011), algunas nociones de los Estudios Descriptivos de la Traducción (EDT), nociones sobre antropología asociadas a la traducción propuestos por Stallaert (2006), los estudios decoloniales (MINOLO, 2011) y los estudios sobre epistemología maya de López (1999). La principal hipótesis defendida busca investigar se los traductores imprimen en el texto el polisistema cultural y lingüístico de la lengua de llegada y de la época en que los textos fueron traducidos. Finalmente , destacamos que esta investigación se desenvuelve sobre una perspectiva paraliteraria muy amplia, por tratarse de un texto mítico. Un documento de grande valor antropológico para cuyo estudio la noción de paratraducción, aquí considerada, atiende de modo satisfactorio. Palabras-clave: traducción, prehispánicos, español, k’iche.

paratraducción,

literatura,

mitos

LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Murais de San Bartolo ................................................................ 34 Figura 2 - Aguaceiro torrencial ................................................................... 50 Figura 3 - Página 34b do Códice Tro-Cortesiano ........................................ 52 Figura 4 - Escriba maia ensinando.Vaso policromado. ............................... 53 Figura 5 - Colégio Imperial de Santa Cruz de Tlatelolco ............................ 57 Figura 6 - Queima de códices...................................................................... 58 Figura 7 - Le Livre Sacré ............................................................................ 66 Figura 8 - Primeira página do Ms Ayer 1515. ............................................. 77 Figura 9 - Prólogo ....................................................................................... 80 Figura 10 - Fragmento I, “Salutación” ........................................................ 83 Figura 11 - Fragmento II, “Outra Saluctación” ........................................... 84 Figura 12 - Fragmento III............................................................................ 84 Figura 13 - Cabeçalho do Posfácio ............................................................. 86 Figura 14 - Capa do Pop Wuj. ..................................................................... 96 Figura 15 - Contracapa do Pop Wuj ............................................................ 98 Figura 16 - Amostra de tradução ............................................................... 101 Figura 17 - Amostra de traduções em espanhol ........................................ 102 Figura 18 - Capado Popol Wuj.................................................................. 103 Figura 19 - Excerto Chavez I .................................................................... 110 Figura 20 - Excerto Chavez II ................................................................... 110 Figura 21 - El Maguey .............................................................................. 111 Figura 22 - Deusa da fertilidade ................................................................ 112 Figura 23 - Gravura em Madre Pérola ...................................................... 130 Figura 24 - K´inich Ajaw Deidade solar ................................................... 139 Figura 25 - Serpente emplumada .............................................................. 150 Figura 26 - Governante vestido com roupas de Jaguar ............................. 162 Figura 27 - Vaso: homem abraçando um veado. ....................................... 165 Figura 28 - Notário maia com cabeça de ave. ........................................... 167 Figura 29 - Especificações bibliográficas ................................................. 172 Figura 30 - Primeira imagem do livro ....................................................... 172 Figura 31 - A criação do Universo, Diego Rivera. .................................... 176 Figura 32 - Asombro recolectado .............................................................. 179 Figura 33 - Os Tecolotes mensageiros ...................................................... 180

LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Menção da Escritura de Tulán .................................................. 46 Quadro 2 - Traduções estudadas ................................................................. 73 Quadro 3 - Transcrição e tradução do Prólogo I ......................................... 80 Quadro 4 - Transcrição e tradução do Prólogo II ........................................ 81 Quadro 5 - Transcrição e tradução do Prólogo III ....................................... 82 Quadro 6 - Escólios. Prólogo ...................................................................... 87 Quadro 7 - Escólios. Prólogo. (Continuação) ............................................. 88 Quadro 8 - Escólios. Prólogo.(Continuação)............................................... 89 Quadro 9 - Escólios “Sobre el ser de Dios” ................................................ 93 Quadro 10 - Escólio sobre a gestação dos “Gêmeos Heróicos” .................. 94 Quadro 11 - Especificações da capa do Pop Wuj ........................................ 97 Quadro 12 - Popol cabuil .......................................................................... 108 Quadro 13 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 109 Quadro 14 - Terceira e quarta coluna do Pop Vuh .................................... 111 Quadro 15 - Terceira e quarta coluna do Pop Vuh (Continuação) ............ 113 Quadro 16 - Organização textual em Colop .............................................. 114 Quadro 17 - Escolhas tradutórias .............................................................. 115 Quadro 18 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 116 Quadro 19 - Difrasismo ............................................................................. 120 Quadro 20 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 121 Quadro 21 - Escólios. ................................................................................ 121 Quadro 22 - Metáforas orgânicas .............................................................. 122 Quadro 23 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 122 Quadro 24 - “Sobre o ser de Deus” ........................................................... 123 Quadro 25 - Anciãos ................................................................................. 126 Quadro 26 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 126 Quadro 27 - “Sobre o ser de Deus”(Continuação) .................................... 127 Quadro 28 - Nomeação ............................................................................. 129 Quadro 29 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 129 Quadro 30 - Sombra e luz ......................................................................... 131 Quadro 31 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 131 Quadro 32 - Sobre o Popol Wuj. ............................................................... 133 Quadro 33 - Os quatro rumos do universo ................................................ 137 Quadro 34 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 138

Quadro 35 - Difrasismo mãe e pai. ............................................................ 141 Quadro 36 -Tradução para o português do excerto anterior ...................... 141 Quadro 37 - O silêncio, o vazio e a quietude............................................. 143 Quadro 38 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 145 Quadro 39 - Enumeração dos deuses ......................................................... 148 Quadro 40 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 148 Quadro 41 - Atributos das divindades ....................................................... 151 Quadro 42 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 152 Quadro 43 - Criação da terra ..................................................................... 155 Quadro 44 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 157 Quadro 45 - Traduções do mito da criação dos animais ............................ 159 Quadro 46 - Tradução para o português do excerto anterior ..................... 160 Quadro 47 - A criação dos animais 2 ........................................................ 163 Quadro 48 - Tradução para o português do excerto anterior. .................... 163 Quadro 49 - A criação dos animais (Continuação) .................................... 164 Quadro 50 - Tradução para o português do excerto anterior. .................... 164 Quadro 51 - A criação dos animais (Continuação) .................................... 167 Quadro 52 - Tradução para o português do excerto anterior. .................... 169 Quadro 53 - Texto correspondente à Criação do Homem ......................... 176 Quadro 54 - A história de Ixquic com sua sogra ....................................... 177 Quadro 55 - Criação dos animais .............................................................. 180

SUMÁRIO INTRODUÇÃO...............................................................................................23 1

POPOL WUJ....................................................................................33

1.1

COMENTÁRIO SOBRE O ENREDO ..................................................... 33

1.2

CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DAS TRADUÇÕES. PARATRADUÇÃO ....... 36

1.3

PERSPECTIVA DA PARATRADUÇÃO ................................................. 42

2

ORIGENS DO TEXTO DO POPOL WUJ - OS CÓDICES.......................45

2.1

CONJUNTURA COLONIAL, IDEÁRIO DA CONQUISTA. ....................... 54

3

CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS TEXTOS ESTUDADOS..................59

3.1 3.1.1 3.1.2 3.1.3 3.1.4

DETALHES HISTÓRICOS DAS TRADUÇÕES ....................................... 59 Francisco Ximénez, Guatemala e o Popol Wuj ............................. 61 Destino dos manuscritos de Ximénez ........................................... 65 Don AdriánInés Chavez e sua época. ............................................ 69 Biografia de Sam Colop ............................................................... 71

4

PARATEXTOS DAS TRADUÇÕES......................................................73

4.1

ANÁLISE DOS PARATEXTOS E DO PRÓLOGO DO MANUSCRITO MS AYER 1515 (F. 2R) ......................................................................... 74 Características da grafia do manuscrito ........................................ 74 Características paratextuais do manuscrito ................................... 75 Prólogo .......................................................................................... 79 Posfácios, escólios do manuscrito Ms Ayer (1515) ...................... 84

4.1.1 4.1.2 4.1.4 4.1.5 4.2 4.2.1

POP WUJ, EL LIBRO DEL TIEMPO DE DON ADRIÁN I. CHAVEZ ........... 95 Peritexto editorial Pop Wuj de Don Adrián Inés Chávez capa, página de rosto e seus anexos. ............................................. 95

4.2.1.1 capa do pop wuj (chavez,2007) ............................................... 96 4.2.1.2 contracapa. ............................................................................... 98 4.2.2

Prefácio ......................................................................................... 99

4.3

PERITEXTO EDITORAL DO “POPOL WUJ, TRADUCCIÓN AL ESPAÑOL Y NOTAS DE SAM COLOP 2011”. ............................... 103 Capa ............................................................................................ 103

4.3.1

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ANÁLISE DAS TRADUÇÕES (FÓLIOS 1R,1V;2V; 2R,).....................106

5.1

A CRIAÇÃO DOS ANIMAIS ............................................................ 159

5.2

UM EXEMPLO DE EPITEXTO DO POPOL WUJ, ILUSTRAÇÕES DE DIEGO RIVERA .................................................. 171

6

CONSTATAÇÃO DOS OBJETIVOS E METODOLOGIA......................183

7

CONCLUSÃO.................................................................................187

REFERÊNCIAS............................................................................................195 ANEXO I: MAPA.........................................................................................209 ANEXO II: ILUSTRAÇÕES DE DIEGO RIVERA (1931-1937)...................213

INTRODUÇÃO O Popol Wuj é uma obra literária pré-hispânica. Uma cosmogonia da cultura Maia K'iche’3 que se desenvolveu na Mesoamérica entre os séculos III a VIII d.C (COE,1989, p. 104). A obra narra as aventuras mitológicas de dois jovens irmãos: Junajpú e Ixbalanqué, e relata o Gênesis inicial pelos atos prodigiosos da serpente emplumada e o furacão. Versa também sobre a genealogia dos povos ancestrais da Mesoamérica. Os gêmeos heróicos estão apresentados num contexto de significação cósmica, inseridos num tempo cíclico ligado à produtividade da terra, e cujas ações guardam um valor simbólico. “O Popol Wuj contém a mitologia e a história do povo k’iche até a chegada dos espanhóis no século XVI, quando se encontra a execução dos Senhores principais Oxib Kej e BelejebTz´i” (COLOP, 2011, p. XVII, tradução nossa5). O relato mitológico mostra o Gênesis do mundo, os homens, os animais e as plantas. Também encontramos relatadas a origem e história dos grupos sociais da região atual da Guatemala central, de Vera Paz e o rio Candelária, com a descrição de suas dinastias, migrações, guerras e conquistas. Os relatos encontram-se referenciados em representações logossilábicas e pictóricas em monumentos, cerâmicas e códices maias. Aproximadamente entre 1554 e 1557, um escriba K'iche’ realizou a transliteração dos textos, possivelmente pintados e logossilábicos, do Popol Wuj em língua k’iche para caracteres do alfabeto latino. Possivelmente a transcrição foi pouco fiel ao texto de base, sobretudo devido às limitações para as representações dos traços fonéticos, fonológicos e ortográficos, próprios do K’iche’, em outro sistema de escrita. Supõe-se que este manuscrito foi realizado em Santa Cruz del Quiché, que ficava próximo de Q´umarkaaj (Anexo 1), capital 3

De acordo com a grafia do Diccionario K’iche’-Castellano da Direção Geral de Educação Bilíngue Intercultural de Guatemala .(Richards& Richards, 1996).

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“Desses séculos, temos testemunhos nas representações e livros em vários monumentos, entre eles, o palácio conhecido como estrutura 9 N-82 de Copán” (COE, 1989, p. 10). “El Popol Wuj es el libro que contiene la mitología y la historia del pueblo k’iche, hasta la llegada de los españoles en el siglo XVI, cuando se encuentra la ejecución de los Señores principales Oxib Kej y BelejebTz´i´” (COLOP, 2011, p. XVII).

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do reino, que em 1524 foi tomada e destruída pelos espanhóis. Posteriormente, não se sabe como, o texto foi levado a Chichicastenango, onde o frade domínico Francisco Ximénez o encontrou e realizou a transcrição do K’iche’, seguida da tradução para o castelhano. O frade teria finalizado a tradução durante o período que residiu em Rabinal6 (entre 1700 e 1704). Francisco Ximénez realizou uma série de obras sobre a cultura maia, algumas descritivas, outras tradutológicas. O Manuscrito de Chichicastenango encontra-se hoje na Newberry Library, sob o código Ayer MS1515. O corpus de estudo da presente investigação está constituído pelos paratextos e excertos de três traduções do Popol Wuj, a saber: Ximénez (1700-1704) Ms Ayer 1515, Chávez (1979)7 e Sam Colop (2011)8. Faz-se essencial destacar que o manuscrito de Ximénez fundamentou todas as traduções realizadas a posteriori do Popol Wuj, pois se acredita existir unicidade, coerência e completude nos chamados Wujs9 (relatos míticos provenientes da tradição oral ancestral). Trata-se, com efeito, do único vestígio histórico da obra maia consultado por tradutores, arqueólogos e antropólogos que analisaram e compararam a tradução de Ximénez com relatos, crônicas e inscrições hieroglíficas em monumentos, templos e cerâmicas arqueológicas. O documento vem também contribuindo, ao longo dos anos, para o desenvolvimento de estudos sobre a língua K’iche’. As traduções de Chávez (1979) e de Sam Colop (2011), embora sejam muito diferentes entre si, pontuam

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Localizado a 180 km da cidade de Guatemala, no departamento de Baja Verapaz. Fundada em 1537 pelo Frei Bartolomé de las Casas. Rabinal é conhecido pelo Rabinal Achí, obra teatral dançada, de origem pré-hispânica, declarada obra mestra da tradição oral e intangível da humanidade, em 2005 pela UNESCO, inscrita em 2008 na lista representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Disponível em: http://mundochapin.com/2013/12/guia-turisticarabinal-baja-verapaz/21429/ Acesso em: 18 de janeiro de 2015. CHÁVEZ, A.I. POP WUJ. México: Ediciones de la Casa Chata, 1979.

COLOP, S. Popol Wuj (traducción al espanhol y notas). Guatemala: Biblioteca Guatemala, 2011. Cuando aborda el tema de la relación entre la escritura y la oralidad, bordea el asunto de la multiplicidad de documentos, al mencionar la existencia de muchos textos en la que existía una relación recíproca entre escritura y pinturas. (TEDLOCK apud LÓPEZ, 1999, p. 39).

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especificidades da língua K'iche’, descrevem traços de sua fonética e singularidades de sua semântica, sempre associados às tradições antigas, ligadas a fontes orais, muitas das quais permanecem, até os dias atuais, vivas na cultura do povo K'iche’. Estes tradutores realizam tarefa etnografica de grande porte, seguindo os rastros de tradições de registros ofuscados desde o início da invasão espanhola. Justifica-se a relevância desta tese na área dos Estudos da Tradução, sublinhando que o Popol Wuj - embora tenha sido pesquisado por disciplinas como História, Crítica Literária, Antropologia, Arqueologia, Religião, além de outras afins - tem sido pouco abordado até o presente em âmbito brasileiro, inclusive à luz dos Estudos da Tradução. Destacamos a importância da tradução ao português acompanhada de enriquecedoras notas realizada pelo professor da UFSC Sergio Medeiros, juntamente com Gordon Brotherston (2011), fonte de consulta desta tese. “Os tzijs (verdades, histórias, narrações, tradições)” (LÓPEZ, 2009, p. 127) contidos no Popol Wuj carregam informações de ordem mítica, ética, astronômica e agrícola. Em suma, trata-se de um verdadeiro caleidoscópio epistemológico que, ao ser traduzido, justifica, sobretudo, sua investigação sob o prisma dos estudos interculturais. A revisão da literatura evidencia que, de modo geral, o Popol Wuj continua sendo uma obra pouco investigada nos meios acadêmicos lusófonos, fato que reforça a importância desta pesquisa. A leitura do Popol Wuj oportuniza um olhar mais profundo sobre a visão de universo desenvolvida pelo povo K’iche’, fórum que envolve sistemas conceituais dinâmicos e simbióticos, implicando complexas redes entre diversidades, isto é, “relações binárias, antagonismos simétricos e reversíveis, postulados de multiplicidades e ciclos que subjazem em todos os episódios” (LÓPEZ, 2009, p. 111, tradução nossa10). A obra maia abre novas gamas de reflexões que remetem ao lúdico, ao mágico, ao metafórico, através de articulações discursivas apresentadas como dramas simbólico-cósmicos, com ênfase, sobretudo, nos binarismos como paradigma básico para o desenvolvimento do pensamento (LÓPEZ, 2009, p. 110). 8

“relaciones binarias, antagonismos simétricos y reversibles, postulados de multiplicidades y ciclos que subyacen en todos los episodios.” (LÓPEZ, 2009, p. 111).

26 ...entender o PW desde dentro,[...] desde seu momento, como se estivéssemos nascendo para esse mundo de crenças e símbolos e participássemos com as pessoas daquela época. Entender desde dentro significa aprender, ter humildade, e não vir com desejos de corrigir e de ensinar. Deixemos o lápis vermelho por um momento guardado na gaveta. [...] se há idéias novas do Popol Wuj que vêm à mente, não as recortemos para que possam entrar na nossa cabeça, vamos tentar adaptar as gavetas da nossa mente para que entrem tal e como são. É uma tarefa difícil, mas é a que nos fará crescer e tirar do PW, não somente um acúmulo de conhecimentos com os quais podemos nos envaidecer e palavras raras que podem se acumular, porém não mudam nossa perspectiva, [...] (necessitamos ter) ‘novos olhos’. Os olhos novos são os que nos farão crescer. (FALLA, 2013, p. 14, tradução nossa11).

Michela Craveri argumenta que na organização retórica do texto do Popol Wuj existiria uma espécie de “continuidade vital” (CRAVERI, 2012, p. 100) entre todas as manifestações naturais, comparável a um modelo cognitivo, passível de ser encontrado em textos orais produzidos por grupos sociais que privilegiam a voz humana em suas comunicações, em que não existem esferas cognitivas em relação hierárquica, mas sim conceitos que se relacionam biunivocamente. As sociedades escriturais articulariam a representação do mundo em conceitos autônomos, ordenados hierarquicamente. Nas comunicações de sociedades com amplo uso da oralidade, a mensagem tornar-se-ia contextualizada, 11

…entender el PW desde dentro, […] desde su momento, como si estuviéramos naciendo a ese mundo de creencias y símbolos y participáramos con las personas de entonces: Entender desde dentro significa aprender, tener humildad y no venir con deseos de corregir y enseñar. Dejemos el lápiz rojo por un momento guardado en la gaveta. […] Si hay ideas nuevas del PW que se vienen a la mente, no las recortemos para que puedan entrar en la cabeza, sino hagamos el intento de reajustar los casilleros de nuestra mente para que entren tal y como son. Es una tarea difícil, pero es la que nos va a hacer crecer para sacar del PW, no solo un montón de conocimientos con los que podemos presumir y palabras raras que se pueden amontonar pero no cambian nuestra perspectiva, sino ojos nuevos. Los ojos nuevos son los que nos harán crecer. (FALLA, 2013, p. 14).

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considerando-se seus vínculos com outras formas naturais como parte fundamental de sua significação. Sob esta ótica, no texto do Popol Wuj o mundo organiza-se em redes de conceitos que se erguem a partir de pares intimamente relacionados, chamados ‘opostos binários’, como, por exemplo, “cueva-barranco”; “venado-pájaro”; “árbol-bejuco”, onde cada termo provém de difrasismos12formados por dois elementos, um deles representa o contexto natural do outro, enfatizando seu significado de acordo com o aspecto vital que os une. Por este motivo, considera-se que os difrasismos e disfrasismos13 formam parte do repertório poético mesoamericano, cuja presença emerge nesta zona cultural e responde ao mesmo princípio de organização simbólica de realidade, de maneira que toda enunciação formalizada com funções poéticas e rituais será fortemente marcada por esta característica. O Manuscrito de Ximénez representa o pensamento colonial que abordaremos mais detalhadamente ao longo desta pesquisa. A obra de Chávez (1979), embora trate, na tradução, dos aspectos fonéticos associados ao significado do léxico, não utiliza os opostos binários, contradizendo um dos princípios fundamentais da epistemologia da mitologia K’iche’ em favor de uma linha de pensamento de cunho euro centrista. A terceira tradução contemporânea, de Sam Colop (2011) parece ser a que mais se aproxima dos conceitos tradicionais da cultura maia clássica em função da atenção concedida ao conteúdo e à forma (CRAVERI, 2012, p. 99). Este trabalho pode contribuir como fonte de pesquisa para professores de Espanhol Língua Estrangeira (ELE) e investigadores dos Estudos da Tradução interessados na cultura maia. Propomos uma reflexão sobre o potencial pedagógico do Popol Wuj em contextos educativos, uma vez que seu conteúdo de grande plasticidade pode ser associado a aulas de literatura, teatro, artes plásticas ou história da cultura americana, sendo, ainda, apropriado para alunos de diferentes níveis de aprendizado, desde o fundamental até o ensino superior. Em algumas faculdades do Brasil, por exemplo, em cursos de graduação com Espanhol como Língua Estrangeira, essa obra é considerada muito complexa e de 12 13

Frase que se rompe em dois elementos paralelos (CRAVERI, 2012, p. 78) Frase que se rompe em muitos elementos léxicos, até 10 ou mais palavras. (CRAVERI, 2012, p. 78)

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baixo aproveitamento didático, um de nossos objetivos é contribuir para uma maior compreensão acerca da riqueza da obra. Esta tese pode ser útil também para leitores que não tenham ainda incursionado na compreensão dos mitos mesoamericanos. Apresentaremos uma aproximação da sua narrativa como fundamental à identidade americana, através de uma abordagem que informa sobre alguns símbolos e imagens míticas préhispânicas. Dois eixos são úteis para cumprir esse objetivo, no ensino do espanhol e da cultura americana, sendo o primeiro fundamentado no próprio valor icônico da obra, e o segundo através da leitura realizada pelos tradutores e suas respectivas interpretações do relato. No campo dos Estudos da Tradução, esta investigação busca compreender a importância da transliteração em caracteres latinos do K’iche’ e a tradução para o espanhol do Popol Wuj, do Manuscrito de Chichicastenango de Francisco Ximénez (1700-1704), por ter permitido a sobrevivência de parte da memória da tradição K’iche’. Pretendemos também entender a conjuntura social e literária da cultura K’iche’ à adaptação da tradição oral e à escrita pictórica para a escrita alfabética latina. Valorizar a tradução como principal veículo, responsável pelo transporte de boa parte do texto de base até o presente, sempre dentro do objetivo de estudar excertos de três traduções: o Manuscrito colonial de Francisco Ximénez (1700-1704), a versão descolonialista de Chávez (1979), e a versão decolonial de Colop (2011), fundamentando teoricamente conceitos que emergem principalmente a partir da perspectiva da inflexão decolonial: ...um grupo de intelectuais nascidos em países da América do Sul e do Caribe, cujo trabalho realizase nesses países e em universidades dos Estados Unidos, tem formado uma coletividade de argumentação em torno de um conjunto de problematizações da modernidade e, particularmente, sobre o significado de tal experiência na perspectiva de quem a vive a partir de uma condição subalterna. (RESTREPO e ROJAS, 2010, p. 14, tradução nossa14)

14

“ ...un grupo de intelectuales nacidos en países de América del Sur y el Caribe, cuyo trabajo se realiza en dichos países y en universidades de los Estados Unidos, ha

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As hipóteses desta tese consistem prioritariamente de duas indagações sobre excertos do Popol Wuj. A primeira consiste em investigar se o texto do tradutor comporta traços do período em que foi realizada, registrando marcas antropológicas, sociológicas, culturais, políticas e, naturalmente, linguísticas. Inicialmente, trata-se de considerar (i) o inconsciente do texto, que alerta para o exame do papel que onunc e o hic - imbricados com traços culturais, exercem sobre as escolhas do tradutor. Parte-se da suposição de Willemart (2005, p. 4) de que “o autor não [é] uma mônada isolada que pode reivindicar o que ele produz como sendo algo exclusivamente seu; como qualquer homem, ele é a culminação de uma série de desejos de sucessivas gerações, o fruto de um momento cultural preciso”; (ii) o ‘inconsciente estético’, que diferenciaria os mitos fundadores de civilizações e os mitos individuais, que se evocam como forma de enfrentar situações impossíveis pela articulação sucessiva de formas de impossibilidade. Neste sentido, segundo Willemart (2002, p. 27), para que o banal revele seus segredos, lembra Lacan, primeiramente deverá ser mitificado, o que significaria incorporar numa história elementos que parecem contraditórios por pertencer a registros diferentes, como os do mundo da realidade e os do mundo da fantasia. Surge então uma pergunta que remete a nossas hipóteses acima oferecidas, a saber: até que ponto o mito K’iche’ foi mitologizado e alterado pelos próprios tradutores? Como observado acima, a presente investigação trata de uma cosmogonia mítica de valor simbólico para uma civilização. Os códices do texto fonte e a primeira transliteração, com efeito, nunca foram encontradas, restando tão somente como único vestígio de sua existência a cópia realizada pelo padre Ximénez (1700-1704). Problematizamos, através das hipóteses apresentadas, a compreensão de pontos da epistemologia maia-k’iche’ pelos tradutores, postulando que, com o advento das teorias sobre decolonialidade15 e dos estudos interculturais, ido conformando una colectividad de argumentación alrededor de un conjunto de problematizaciones de la modernidad y particularmente sobre el significado de dicha experiencia en la perspectiva de quienes la han vivido desde una condición subalterna.” (RESTREPO; ROJAS, 2010, p. 14). 15

“No se debe confundir descolonización y decolonialidad. Con descolonización se

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poderia ser possível ter acesso a informações mais objetivas a respeito das bases de constituição do documento maia-k’iche’: o Popol Wuj. A teoria da Inflexão Decolonial (RESTREPO; ROJAS, 2010) parece anunciar a valorização da “diferença epistêmica como projeto universal e não mais a busca dos universais abstratos” (MIGNOLO, 2001, p. 18, tradução nossa16). No campo da antropologia, abordaremos alguns conceitos de Stallaert (2006) como forma de ampliar o arcabouço ideológico que permeia o pensamento na Espanha da conquista, como o casticismo vigente após a diáspora de 1492, presente na catequese colonizadora das Américas e reminiscente até nossos dias. As traduções “Pop Wuj, libro del tiempo” (CHÁVEZ, 1979) e “Popol Wuj Traducción al Español de Sam Colop” (COLOP, 2011), são trabalhos de autores falantes nativos da língua K’iche’ que remetem ao processo de “descolonização”e o de “decolonização”, respectivamente, de acordo com a teoria de Walsh (2005) que “marca a chegada à concorrência internacional de protagonistas até então excluídos da própria idéia de literatura” (CASANOVA, 2002, p. 68). “Estamos perante o surgimento da consciência histórica, étnica e cultural dos povos nativos do continente. Este novo fenômeno coloca em evidência que textos como o Popol Wuj não são relíquias do passado, e sim integram o presente”. (LÓPEZ, 2009, p. 126, tradução nossa17) As considerações de Octavio Paz (2008) e Stallaert (2006) sobre a constituição da ideologia e cultura colonial espanhola permitem compreender alguns dos parâmetros da tradução de Ximénez (1701-

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indica un proceso de superación del colonialismo, generalmente asociado a las luchas anticoloniales en el marco de estados concretos. La descolonización se tiende a circunscribir a lo que se ha denominado independencias políticas de las colonias, [...] La decolonialidad, en cambio, refiere al proceso que busca trascender históricamente la colegialidad. Por esto la decolonialidad supone un proyecto con un calado más profundo y una labor urgente en nuestro presente; supone subvertir el patrón de poder colonial, aun luego de que el colonialismo ha sido quebrado.” (RESTREPO; ROJAS, 2010, p. 16). “Diferencia epistémica como projeto universal y no más la búsqueda de los universales abstractos.”(MIGNOLO, 2001, p. 18) “...estamos ante el resurgimiento de la conciencia histórica, étnica y cultural de los pueblos nativos del continente. Este nuevo fenómeno ha puesto en evidencia que textos como el Popol Wuj no son una reliquia del pasado, y en cambio sí son algo que pertenece al presente.” (LÓPEZ, 2009, p. 126).

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1704). Por fim, os estudos de López (2009) viabilizam incursões aproximativas à epistemologia K’iche’, evocadas principalmente nas traduções de Chávez (1979) e de Sam Colop (2011). Propomos, pois, “aproximações interdisciplinares e comparatistas [...], examinando os diálogos [que se estabelecem, sobretudo] entre literatura e antropologia e vinculando textualmente os dois pólos temporais18 de nosso fazer literário: o momento inicial e o atual” (LÓPEZ-BARALT, 2005, p. 19, tradução nossa19). De modo a expor algumas noções pertinentes para nossa investigação, parafraseamos Alfredo López Austin (2009), arqueólogo que cunhou um critério para fundamentar sua metodologia de pesquisa sob a perspectiva de uma matriz holística que chamou de “cosmo visão”, destinada a analisar expressões mesoamericanas, entre as quais o Popol Wuj, códices, pinturas murais, monumentos, cerâmicas pintadas, danças, relatos orais, etc. Tal matriz envolve mitos, ritos e ícones de toda a região da Mesoamérica e tenta dar conta destes objetos de estudo, evitando analisá-los como expressões isoladas, através do reconhecimento de que fazem parte de um sistema maior que os circunscreve. Na opinião de Chinchilla (2011), através dos séculos, os contatos entre as diversas regiões da Mesoamérica foram intensos e a investigação arqueológica tem revelado indicações de interação e influência inter-regionais envolvendo vários lugares e épocas relacionadas aos domínios mesoamericanos. A interação constante dos povos que habitavam e habitam estas regiões abre um leque para explicar crenças compartilhadas desde épocas muito remotas. A etnografia contemporânea revela numerosas narrações mitológicas, transmitidas até o presente em forma oral tanto na área maia quanto fora dela. As cerâmicas pintadas estão amplamente distribuídas nos sítios arqueológicos maias e, por tal razão, aproveitaremos algumas associações entre estas e o Popol Wuj. “Se temos em mente a origem comum de todos estes registros expressivos, poderemos avaliar o peso da traduzibilidade e como se complementam entre si. [...] Se apreciarão as técnicas destinadas a descobrir e avaliar as equivalências semióticas entre 18

Literatura americana pré-hispânica e hispânica.

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“Intenta un acercamiento interdisciplinario y comparatista a nuestras letras, examinando el diálogo entre literatura y antropología y vinculando textualmente los dos polos temporales de nuestro que hacer literario: el momento inicial y el actual.” (LÓPEZ-BARALT, 2005, p. 19).

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os distintos âmbitos” (LÓPEZ-AUSTIN, 1996, p. 10, tradução nossa20). O primeiro passo é compreender que as diversas formas de expressão devem sua afinidade semiótica a sua origem compartilhada e às suas interconexões. Por este motivo, a teoria de López-Austin (1996) mostrase pertinente para analisar as traduções do texto do Popol Wuj. Frequentemente, na narração mítica, por exemplo, é possível que não seja mencionada a vestimenta ou acessórios simbólicos dos personagens, todavia, nas lâminas de um códice, a observação da indumentária pode proporcionar informações valiosas. Ainda numa mesma via expressiva, a variação pode ser grande devido a particularidades das circunstâncias históricas da criação, como no caso das traduções estudadas nesta tese. “Um mito [...] nunca é contado duas vezes de igual forma. A pluralidade de versões faz de cada uma delas fontes de complementaridade no estudo comparativo” (LÓPEZ-AUSTIN, 1996, p. 14, tradução nossa21). Sendo assim: “Culturas diferentes implicam objetos simbólicos diferentes que possibilitam a (para) tradução [...] como as cores, as imagens e os símbolos em tradução, não são de modo algumas universais, também se traduzem e, sobretudo, se paratraduzem”. (YUSTE FRIAS, 2014, p.20). Concluindo, o objetivo principal proposto nesta investigação é analisar criticamente o corpus constituído pelos paratextos e exertos do Gêneses de três traduções do Popol Wuj e valorizar a tradução como principal veículo, responsável pelo transporte de boa parte do texto de base até o presente. Buscamos também, contribuir como fonte de pesquisa para professores de Espanhol Língua Estrangeira (ELE) por formar parte da identidade dos povos da América Latina e para investigadores dos Estudos da Tradução e dos Estudos Culturais. Compreender a importância da transliteração em caracteres latinos do K´iche´ respondendo a uma conjuntura social e literária nos tempos da colônia que levou aos escribas a realizar a adaptação da tradição oral e à escrita pictórica alfabética latina em língua K’iche’ fonetizada e sua posterior tradução para o espanhol. 20

“Si se si se tiene en mente el origen común de todas estas formas expresivas, se podrá evaluar el peso de su traducibilidad y su complementariedad. Se justipreciarán así las técnicas destinadas a descubrir y evaluar las equivalencias semióticas entre los distintos ámbitos.” (LÓPEZ-AUSTIN, 1996, p. 10).

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“Un mito – lo sabemos – nunca es contado dos veces de igual manera. La pluralidad de versiones hace de cada una de ellas una fuente de complementariedad en el estudio comparativo.” (LÓPEZ-AUSTIN, 1996, p. 14).

1 POPOL WUJ 1.1 COMENTÁRIO SOBRE O ENREDO Antes de comentarmos as teorias tradutológicas adotadas para a presente investigação, selecionadas em função de características específicas do Popol Wuj, que sobrevoa o mito e pousa na história como um ketzal22, apresentaremos alguns comentários sobre o contexto geral dos acontecimentos míticos relatados no Popol Wuj. Como já mencionado anteriormente, o Popol Wuj configura-se como um texto cosmogônico-histórico da cultura maia K’iche’. Em relação a sua origem, a obra é referenciada como sendo proveniente de Chichen Itza, onde teria sido entregue, em forma de códice ritual, para representantes do povo K’iche’ pela entidade chamada Nakxit, um deus associado à Quetzalcóalt23. Podemos dizer que o relato desse “livro antigo” (COLOP, 2011, p. XX) trata da criação do mundo a partir das águas. O ponto de partida do narrador surge do pensamento dialógico de seus deuses multifacetados, do desejo de que suas criaturas os invoquem. O relato inicia com a criação do mundo pelo ente difásico Formador-Construtor, que contém, segundo a tradução de Brotherston e Medeiros (2011), as seguintes identidades: Portador-Gerador, CaçadorGambá, Caçador-Coiote, Grande Porco, Tamanduá, Majestade, SerpenteQuetzal, Coração do Lago, Coração do Mar, Mulher com Netos, Homem com Netos, Amparador. O texto apresenta inicialmente ao leitor o desafio de penetrar em uma lógica cultural estrangeira, passível de gerar certa opacidade em razão da elasticidade semântica de seus conceitos. A vasta enumeração de substantivos e adjetivos forma um tecido quase ‘orgânico’, cujo significado pede uma observação microscópica, pelo fato de os significantes mostrarem-se em abundante desenvolvimento de sentidos. As primeiras criaturas da Terra teriam sido os animais que, por não saberem pronunciar o nome de seus criadores, foram condenados a converter-se em alimento para os outros seres. Depois, foi criado o homem de barro, que era inconsistente e desmoronava com a água. 22

Ave sagrada.

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Serpente emplumada.

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Posteriormente, foram criados homens de madeira, que conversavam e reproduziam-se, mas careciam de espírito e pensamento, eram maus com animais e brutos com suas coisas. Por tais razões, e também por não saberem louvar seus criadores, foram aniquilados por seus próprios mascotes e utensílios de cozinha. Nessa etapa mítica existiu um ser insólito chamado Wuqub Kak´ix, que tinha forma de ave e consideravase o sol e a lua dos homens de madeira, mas foi eliminado pelos gêmeos heróicos Junajpu y Xbalamkeque, personagens centrais da cosmogonia. A Figura 1 apresenta uma cena com Wuqub Kak´ix. Figura 1 - Murais de San Bartolo Guatemala, aprox.100 a.C. Pinturas Tracuilolli.24

Fonte: Clairin (2013)

De acordo com a descrição de Nowotny (1992), do lado esquerdo do fragmento é possível observar um Ahau-Baka, rei-guardião do céu, em frente à árvore de jícaras25. Acima, destaca-se a ave mitológica Vucub Kak´ix, que traz uma víbora em seu bico. À direita, identifica-se outra imagem de Vucub Kak´ix. Na sequência, um trio de aves, cuja continuidade sugere movimento: primeiro estão pousadas no solo, depois alçam vôo para a árvore de jícaras. 24

Fragmento de los Murales de San Bartolo Guatemala, pintados por el año 100 a. C por dos maestros y cuatro ayudantes quienes los impermeabilizaron con Holol, la resina de un árbol de la Selva Maya que sellaba cristalizando los frescos de tal suerte que se vitrificaron con los siglos. Los dignatarios mayas los gozaron durante 50 años y luego los sepultaron al agrandar un templo piramidal adyacente hasta que en marzo de 2001 fueron descubiertos por el arqueólogo William Saturno. Narran el Mito de la Creación.

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Crescentia alata.

35 O dançarino sob a ave em vôo a invoca, e emite um canto ou palavras sagradas com o fio negro que emerge de sua boca, acompanha-o um texto hieroglífico ainda não decifrado, e debaixo da cauda da ave que acreditava ser o sol, aparece o glifo "Ik" que se traduz como vento ou hálito sagrado. Justamente, a partir desse glifo e da dança do indivíduo com bico de pato (similar a imagens mexicanas - astecas - relacionadas com Quetzalcóatl), as aves cantam, como indica o fio negro que emerge de seus bicos, em imagens anteriores do mesmo mural, outras aves aparecem na composição e voam em silêncio, então a dança xamânica, a evocação e o glifo "Ik" deram início ao som. (NOWOTNY, 1992, p. 10, tradução nossa26)

Segundo Colop (2011), a partir desse episodio do Popol Wuj explica-se a procedência dos heróis míticos. O tempo narrativo retrocede, evocam-se os feitos que levaram à morte dos seus pais no inframundo maia, chamado Xibalba. Relata-se a fecundação de Ixkik, mãe dos gêmeos, a partir da saliva de uma cabeça que pendia da árvore de jícaras. Uma passagem chave é a protagonizada por Jun Bat´z e Jun Chowen27, irmãos maiores dos gêmeos heróis. Eles eram artesãos e tocavam instrumentos, mas eram muito brutos e egoístas com os dois garotos. Além de serem mesquinhos com os alimentos, abandonaram os gêmeos sobre um formigueiro quando ainda eram bebês, sob a alegação de que choravam muito. Devido a seus poderes sobrenaturais, os gêmeos heróis sobreviveram aos maus tratos e, uma vez crescidos, vingaram-se de seus irmãos, levando-os ao bosque com o pretexto de caçar pássaros, e os transformaram em macacos. Trata-se de uma cena de grande 26

“El danzante debajo del ave en vuelo la invoca, y emite un canto o palabras sagradas con el hilo negro que emerge de su boca, lo acompaña un texto jeroglífico aún no descifrado y debajo a la cola del Ave que se creía el Sol, aparece el glifo "Ik" que se traduce como viento o hálito sagrado. Justamente, a partir de ese glifo y la danza del individuo con pico de pato (similar a imágenes mexicah – aztecas relacionadas con Quetzalcóatl), las aves cantan como lo indica el hilo negro que emerge de sus picos, en anteriores imágenes del mismo mural, otras aves aparecen en la composición y vuelan en silencio, entonces la danza chamánica, la evocación y el glifo "Ik" dieron inicio al sonido” (NOWOTNY, 1992, p. 10).

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Dioses de las artes y de las palabras.

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plasticidade, com imagens cômicas e dramáticas ao mesmo tempo. Outro episódio crucial trata sobre a viagem dos heróis ao inframundo onde conseguem vencer os senhores de Xibalba, como compensação à morte de seus pais. Eis, abaixo, o excerto: ara tudo isso sua avó Ixcumane queima copal em frente ao milho que eles deixaram plantado e logo eles ascendem ao céu, onde um torna-se o Sol e o outro a Lua. Daí em diante inicia-se o que se conhece como parte ‘histórica’; mas novamente, há uma transição porque a parte mitológica continua e vai diluindo-se entre a criação humana e seus posteriores sucessos. Assim, quatro animais descobrem o milho que será a essência da humanidade, são quatro os primeiros homens criados cuja visão cobria a face da Terra e por isso tiveram que lhes encobrir a vista para que só vissem o que estava perto. Foram também quatro as mulheres criadas e delas se originaram povos e casas reais. (COLOP, 2011, p. XXI, tradução nossa28)

1.2 CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DAS TRADUÇÕES. PARATRADUÇÃO A complexidade simbólica da obra exige, para a análise das traduções, teorias que considerem o icônico, já que a cultura maia se fundamenta numa complexa epistemologia holística de caráter míticoritual. O estudo detalhado das entidades iconotextuais, a análise minuciosa das produções verbais, icônicas e verbo-icônicas que acompanham, cercam, envolvem, introduzem e apresentam o texto de um 28

“A todo esto su abuela Ixcumane quema copal frente a las plantas de maiz que ellos dejaron sembradas y luego ascienden al Cielo donde uno se vuelve Sol y el outro Luna. De ahí en adelante empieza lo que se conoce como parte “histórica”; pero de nuevo, hay una transición porque la parte mitológica continúa y se va diluyendo entre la creación humana y los sucesos posteriores. Así cuatro animales descubren el maíz que será esencia de la humanidad, son cuatro los primeros varones creados cuya visión cubría la faz de la Tierra y por eso se les tuvo que nublar la vista para que solo vieran lo que estaba cercano. Fueron también cuatro las mujeres creadas y de ellas se originaron pueblos y casas reales.” (COLOP, 2011, p. XXI).

37 trabalho de tradução impuseram a criação de uma nova noção nos Estudos da Tradução: a ‘paratradução’. Houve a necessidade de uma nova terminologia tradutológica para chamar a atenção sobre a tradução do que, até então, havia ficado em segundo plano na tradutologia: os paratextos. (YUSTE FRIAS, 2014, p. 25)

Berman (2007) considera que a tradutologia baseia-se na reflexão com fundamento ético, atividade em que o conhecimento do tradutor sobre o objeto traduzido é fundamental, pois deverá considerar a leitura das culturas da língua de partida e da língua de chegada, tentando respeitar as diferenças. A teoria de Berman (2007), com seu abrigar o longínquo, o distante, oferece-nos essa postura humanística, que transcende a dicotomia teoria-prática para trabalhar com experiência e reflexão. A experiência constitui-se dos conhecimentos que o tradutor possui para entender e interpretar o texto a ser traduzido, e a reflexão refletiria a busca da tradução, considerando as especificidades de construção daquilo que Berman (2007) denomina lettre na língua de chegada, ou seja, o respeito à forma e ao sentido que o autor imprimiu na língua de partida. Como conseqüência essa teoria aceita que o leitor sinta esse sabor do que é distante na lettre traduzida. Parafraseando os critérios de Berman (2007), todas as traduções respondem a um projeto que, de alguma forma, define a maneira como o tradutor cumprirá seu trabalho. A tarefa inventiva está implícita e a adoção de um método pode ser importante, mas deveria evitar condicioná-lo, uma vez que “traduzir não é um automatismo dependente de um método fixo, portanto, a noção de projeto não diz respeito a uma listagem de etapas a seguir” (PARET PASSOS, 2011, p. 18). O projeto de Ximénez está verbalizado nos prefácios, nos quais deixa claro que seu objetivo é conhecer a tradição maia para poder catequizar, ao mesmo tempo em que objetiva preservar o icônico do relato K’iche’, “...a principal função dos paratextos na tradução seria permitir a existência do texto traduzido ao qual acompanham , cercam, envolvem, introduzem e apresentam no mundo editorial.[...] não pode haver texto traduzido sem seus correspondentes paratextos paratraduzidos.” (YUSTE FRIAS, 2014, p. 25). De acordo com Rajagopalan (2000) a prática da tradução muitas vezes tem estado a serviço da manutenção do poder nos contextos colonizados, já que tanto a prática da tradução como a condição colonial

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se fundamentam nas relações assimétricas que o colonialismo opera. “O ideal da identidade nacional moderna abarca um grande período da história européia, cujos marcos mais identificados são as datas emblemáticas de 1492 e 1942. A primeira data vincula-se com o início da construção de uma nação homogênea na Espanha e a segunda marca o início do holocausto. ” (STALLAERT, 2006 p. 174, tradução nossa29). Ocupamo-nos, em primeira instância, do manuscrito de Francisco Ximénez (1701-1704). A igreja católica reunia, em seu âmago, investigadores, intelectuais, pessoas que se dedicavam integralmente aos estudos, e Francisco Ximénez foi um deles. Sua capacidade investigativa, aliada a uma sensibilidade apurada permitiram-lhe realizar uma tradução com certo rigor científico, protegendo-se dos parâmetros repressivos da inquisição, com as devidas especificações de seus objetivos catequizadores nos prefácios e explicações de corte castiço nos posfácios (escólios, analisados no item 4.1.5 desta tese). Por ser respeitado no ofício, sua tradução do Popol Wuj k'iche’espanhol constituiu-se, ao longo do tempo, como modelo para todas as traduções seguintes. Francisco Ximénez estudou as línguas nativas, tendo escrito as seguintes obras, todas no início do século XVIII: “Arte das tres lenguas cakchiquel, quiché y tzutuhi”, que contém, sobretudo, estudos gramaticais e de vocabulário; “Confessionário” (das mesmas línguas); “Catecismo para os índios”; “Tratado dos tijolos”; “Relação histórica de todos os sucessos no tempo que esteve em Guatemala o Visitador, Senhor Licenciado Francisco Gómez de la Madrid”; “Historia do Beatereo (Mosteiro) de Santa Rosa: Apologética em que se demonstra que os domínicos foram os primeiros religiosos de Guatemala”;“Historia Natural do Reino de Guatemala e Historia da Província de San Vicente de Chiapas y Guatemala” (1722), que contém a descrição, classificação e anotações sobre as propriedades medicinais de muitas espécies da flora da Guatemala. Consideraremos o alicerce ideológico que influenciou o ViceReinado chamado Nueva España, centro administrativo e religioso deste período, na região do atual México, e as terras altas da Guatemala, onde 29

“El ideal de la identidad nacional moderna abarca un gran período de la historia europea, cuyos marcos más identificados son las fechas emblemáticas de 1492 y 1942. La primera fecha se vincula con el inicio de la construcción de una nación homogénea en España y la segunda marca el inicio del holocausto” (STALLAERT, 2006, p. 174).

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o Popol Wuj foi descoberto por Ximénez. Octavio Paz comenta que “uma sociedade se define, não somente, pela sua atitude perante o futuro, mas (principalmente) perante o passado: suas lembranças não são menos reveladoras do que seus projetos” (PAZ, 2008 p. 23, tradução nossa30). Segundo o autor, entre o México pré-hispânico e o México moderno há uma continuidade e uma identidade. O Novo México configura-se tão somente como um parêntese no período de cativeiro que viveu a nação mexicana. As raízes do México atual remetem ao mundo pré-hispânico, os três séculos da Nova Espanha correspondem ao período de gestação, e a Independência à sua fase adulta. Mencionamos o México pelo simples motivo de se tratar de uma região na qual a cultura se desenvolveu concomitantemente, envolvendo a civilização dos K‘iches’ que se situavam no território da atual Guatemala, e para as quais a invasão representou uma cisão. A este respeito, o autor comenta: “O corte da conquista é tão profundo que quase todos sentimos a tentação de ver o mundo pré-colombiano como um todo compacto e sem fissuras, (mas) nesse mundo também existiram divisões e descontinuidades.” (PAZ, 2008 p. 24, tradução nossa31). Stallaert (2006) analisa o conceito e o significado do “casticismo” como alicerce da idiossincrasia espanhola que acompanhou a conquista de América, uma ideologia que considerava as famílias cristãs e patrícias da Espanha como “superiores” e foi aplicado no processo de eugenia que justificou a expulsão dos islâmicos e judeus da Espanha em 1492.Retomaremos este tema no capítulo 4, que trata dos paratextos do manuscrito de Francisco Ximénez (1701-1704). Incluímos uma reflexão de Rajagopalan (2000), que estuda o perfil da tradutologia colonizadora e a tradutologia pós-moderna. Para o referido autor, “[o]s colonizados, começam a existir discursivamente só a partir do instante que são traduzidos, ou devidamente ‘acionados’ pelos colonizadores, aqueles que retêm o controle exclusivo sobre a língua hegemônica imperial. A tradução é com freqüência o processo pelo qual se criam os originais” (RAJAGOPALAN, 2000, p. 23). Tal comentário, 30

“Una sociedad se define no sólo por su actitud ante el futuro sino frente al pasado: sus recuerdos no son menos reveladores que sus proyectos.” (PAZ, 2008, p. 23).

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“El tajo de la conquista es de tal modo neto y profundo que casi todos sentimos la tentación de ver el mundo pre-colombino como un todo compacto y sin fisuras., en ese mundo también hubo divisiones e discontinuidades.” (PAZ, 2008, p. 24)

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embora escrito no contexto das questões indianas, demonstra que o colonialismo exercido pelos europeus possui características universalizadas. A tradução de Ximénez (1701-1704), como a autora deduz, converteu-se de uma forma arbitrária no “original” para todos os tradutores posteriores. No escopo da presente investigação, escolheu-se empregar a expressão “texto fonte”, já que o termo original poderia prestar-se a interpretações ambíguas. A segunda obra de nosso corpus investigativo é o ‘Pop Wuj’, de Don Adrian Chávez (1979), que, além do mérito de ter feito uma tradução minuciosa em quatro colunas, com especificações e novos símbolos fonéticos, como veremos adiante (item 4.2), também tem representado, em sua tradução, uma intenção descolonial, fundamentada em sua origem K’iche’, no domínio do idioma, da fonética, das tradições maias, em oposição com as produções acadêmicas provenientes de traduções do francês. “O papel essencial desempenhado pelos elementos paratextuais na tradução, [...], [é a] participação, juntamente com o texto, na construção do sentido do texto finalmente editado e publicado” (YUSTE FRIAS, 2014, p. 25).Podemos constatar a importância do paratexto na seguinte citação do prefácio da obra de Chávez (2007). Com a aparição deste trabalho, marca-se o fim de uma era em que foram os estrangeiros quem falaram e escreveram pelos K’iches’. A partir de agora, o povo dos Magueyes, pela mão de um de seus filhos mais esclarecidos, retorna à pena que, lá pelo ano de 1550 foi deixada em repouso pelo autor anônimo do manuscrito original, antes de afundar, ele e sua obra, em uma grande penumbra de séculos. (BÖCKLER, prólogo CHAVEZ, 2007, p. 13, tradução nossa32)

Böckler (em CHAVEZ,2007, p. 24) refere-se a já mencionada transliteração feita por um copista escriba maia em 1550, que se perdeu, 32

“Con la aparición de este trabajo se marca el fin de una era en la que fueron los extranjeros quienes hablaron y escribieron por los k’iches. A partir de ahora, el pueblo de los Magueyes, por la mano de uno de sus hijos más esclarecidos, retoma la pluma que, allá por el año de 1550 dejara en reposo el anónimo autor del manuscrito original, antes de que se hundiera, él y su obra, en una larga penumbra de siglos.” (BÖCKLER, prólogo en Chavez 2007, p. 13).

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e da qual o padre Ximénez realizou sua cópia em K’iche’ fonetizado. Reconhecemos em Chávez (2007) a voz da resistência verbalizada no prólogo do ‘Pop Wuj’, em forma de reivindicação sua autoridade autóctone, fundamentada na sua descendência K‘iche’ e no domínio da língua e no conhecimento das tradições. O autor propôs colocar em cheque as representações feitas pelos tradutores que o precederam. Seguindo as ponderações de Rajagopalan (2000), é preciso lembrar que a atividade tradutória tem a característica de ser um gesto de re-escrever, de re-criar, de re-inventar o texto fonte. “Não é por serem ou por acharem ser herdeiros legítimos dos textos apropriados pelos colonizadores que os colonizados podem se contentar com a ilusão [...] de que as (suas) traduções serão mais fieis às originais. ” (RAJAGOPALAN, 2000, p. 3). O projeto de Chávez (1979), que incluía uma revisão minuciosa da obra de Ximénez focada na tradução do K‘iche’, criou símbolos fonéticos para substituir sons que considerou omitidos na tradução de Ximénez. “Aqui não há uma simples ruptura com o passado, mas uma re-escritura radical do mesmo” (RAJAGOPALAN, 2000). Embora na nota preliminar do Pop Vuh Adolfo Colombres faça menção do documento como “digna reescrita de um K’iche’ reconstituído em toda sua pureza“ (CHAVEZ, 1979, p. 13). A terceira tradução desta pesquisa é de Sam Colop (2011), resultado do trabalho de um investigador de origem K‘iche’ com um extenso curriculum acadêmico. Formado em Direito, Mestre em Linguística pela Universidade Iowa City, Doutor pela Universidade de Nova York em Búfalo, onde escreveu a dissertação Maya Poetics, recebeu bolsa do Instituto Interamericano de Direitos Humanos da Costa Rica, da Fundação Guggenheim de Nova York, da Plumsock Mesoamerican Foundation, e da American Philosophical Society de Filadélfia. Obteve duas vezes a beca Fulbright, e a Newberry Library de Chicago lhe concedeu uma bolsa para edição. O objetivo de sua obra aparece no prólogo, cujo primeiro passo é a transcrição do K’iche’ “para que os falantes tivessem à sua leitura nesse idioma. Daí derivou sua inquietação para traduzi-lo para o idioma espanhol [...] as traduções em geral têm ignorado a linguagem poética” (COLOP, 2011, p. XIII, tradução nossa33). No capítulo três, no qual trataremos os paratextos, 33

“...para que los hablantes tuvieran acceso a leerlo en ese idioma. De ahí derivó la

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retomaremos o projeto descrito pelo autor. Sua obra, fruto de uma pesquisa fundamentada na tradição oral K‘iche’ e em investigação cientifica, constitui-se a partir da pesquisa decolonialista, já que a cultura maia subsiste até os dias atuais. Os estudos elaborados pelo Grupo de Investigação de Tradução & Paratradução (T&P) da Universidade de Vigo resultam em um arcabouço teórico muito adequado para a análise do Popol Wuj, pois se trata de um texto construído sobre a transliteração dos paratextos pictóricos e logo silábicos maias e da tradição oral. A teoria (T&P), que segue e amplia a linha investigativa de Genette (2009), ultrapassa “o campo do estudo literário para analisar e estudar as implicações estéticas, políticas, ideológicas, culturais e sociais de qualquer tipo de paratexto de tradução. ” (YUSTE FRIAS, 2014). Nosso objeto de estudo são todas essas produções paratextuais que não são, a princípio, consideradas como objeto de estudo da tradução, tendo em vista que não são textos propriamente ditos, mas sim, paratextos. [...]. O estudo detalhado de entidades iconotextuais, a análise minuciosa das produções verbais, icônicas e verbo-icônico que acompanham, cercam, envolvem, introduzem e apresentam o texto de um trabalho de Tradução: a paratradução. (YUSTE FRIAS, 2014, p. 25).

Dedicamos especial atenção à paratradução que “nasceu com o propósito de abordar e analisar o impacto de manipulações de cunho estético, político, ideológico, cultural e social adotada em todas as produções paratextuais” (YUSTE FRIAS, 2014, p. 25). 1.3 PERSPECTIVA DA PARATRADUÇÃO Encontramos, na teoria da Paratradução, um suporte consistente para a análise crítica das traduções do Popol Wuj, cujo conteúdo se encontra enraizado numa ampla tradição religiosa e no modus vivendi de toda Mesoamérica desde tempos ancestrais. Em primeiro lugar, a inquietud de traducirloal idioma español [... las] traducciones en general han pasado por alto el lenguaje poético” (COLOP, 2011, p. XIII).

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Paratradução nos ajuda a entender a intencionalidade do primeiro copista desta obra, quais os aspectos que o influenciaram no século XVI, por qual motivo toma a decisão de escrever esta verdadeira tradução intersemiótica? Já que o autor escreve, em caracteres latinos, a fonética da língua K’iche’ que se encontrava registrada em pinturas e escrita logossilábica, mas também circulava na tradição oral, a intenção de preservar esta “antiga palavra” (Ximénez, 1700-1704, fólio 1r.) e a resistência ideológica e identitária em tempos da invasão espanhola, foi, ao nosso ver, quase um rito fundacional da memória afetiva. O paratexto deste primeiro documento, hoje perdido, foi a própria circunstância emergencial da necessidade de sobrevivência cultural, caracterizada pelo zelo com que foi escondido do invasor. “Quando os textos literários, [...] não são lidos pelas instâncias centrais a não ser traduzidos, ou seja, quando os próprios intermediários literários não conseguem apreciá-los em sua versão original, estamos então diante de uma verdadeira ‘língua’ (já sempre) traduzida.” (CASANOVA, 2002, p. 315). O padre Ximénez soube ganhar a confiança dos K’íches’ e teve acesso ao documento que copiou e traduziu para a língua espanhola entre 1700 e 1704. “Os habitantes da antiga Mesoamérica reconheciam uma diversidade de cultos particulares em cada região e inclusive em cada cidade, povoado e grupo social, mas as interpretavam como peculiaridades dentro da mesma ordem cósmica comum a todos eles” (CHINCHILLA, 2011, p. 18, tradução nossa34). A religião Mesoamericana era uma totalidade organizada e não um agregado de crenças de vários lugares que integram, segundo López-Austin (2009), uma mesma corrente histórica. Chinchilla (2011) comenta que, em comparação com outros textos indígenas do século XVI, os elementos que podem ter origem européia no Popol Wuj são escassos e duvidosos. No seu livro Imagens da Cultura Maia, compara fontes de diversos grupos étnicos contemporâneos e conclui que os mitos recopilados no Popol Wuj formavam parte da tradição religiosa mesoamericana desde tempos muito 34

Los habitantes de la antigua Mesoamérica reconocían la diversidad de cultos particulares de cada región e incluso de cada ciudad, pueblo y grupo social, pero las entendían como peculiaridades dentro del mismo orden cósmico común a todos ellos. (CHINCHILLA, 2011, p. 18)

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antigos e que a mitologia forma parte de um elenco de tradições, uma espécie de versão particular de crenças entre as narrações difundidas na região mencionada. O que justifica a explanação referente nesta tese sobre a religião, epistemologia, tradição oral, escrita e os vários aspectos culturais sobre os K‘iches’ é justamente a falta do texto e do paratexto fonte que nos especifique os objetivos da transliteração do século XVI. A investigação realizada neste sentido nos ajuda a construir a Paratradução do Popol Wuj.

2 ORIGENS DO TEXTO DO POPOL WUJ - OS CÓDICES Os habitantes da antiga Mesoamérica reconheciam a diversidade de cultos particulares de cada região e, inclusive, de cada cidade, vila e grupo social, “mas as entendiam como particularidades dentro da mesma ordem cósmica, comum a todos eles. A evangelização não significou o esquecimento das narrações mitológicas, que continuaram a ser transmitidas de forma oral.”(CHINCHILLA, 2011, p. 15, tradução nossa35). Para sermos coerentes com a característica de cosmogoniahistórica do Popol Wuj (CRAVERI, 2012, p. 17), torna-se necessário mencionar suas supostas origens. Tais origens, referenciadas na própria obra, pertenceriam a um tempo mítico no qual os ‘senhores’ haviam perdido sua grandeza e, por este motivo, teriam empreendido uma viagem em direção ao oriente em busca de um ente de linhagem divina chamado Nacxit Topiltzin Quetzalcoalt, com o qual todos os senhores queriam vincular-se para receber uma “investidura de poder”, chamado também de “Instrumento de claridade vindo da beira do mar” (SAM COLOP, 2011 p. XVII, tradução nossa36). O Popol Wuj teria sido trazido da Península do Iucatã em uma peregrinação feita a Chichen Itza, onde um grupo seleto de k’iches’ recebeu de Nakxit a ‘escritura de Tulán’ que, “seguramente não era o texto completo do Popol Wuj, porque a parte histórica ainda estava acontecendo” (SAM COLOP, 2011 p. XVII, tradução nossa37). Segundo Edmonson (1971, p. 218), “o Popol Vuh fala dessa ‘escritura de Tulán’”. Constatamos essa informação na tradução da obra de Brotherston e Medeiros (2011, p.288-289), demonstrada no Quadro 1 abaixo:

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“pero las entendían como particularidades dentro do mismo orden cósmico, común a todos ellos. La evangelización no significó el olvido de las narraciones mitológicas, que se siguieron transmitiendo en forma oral” (CHINCHILLA, 2011, p. 15).

36

“Instrumento de claridad venido de la orilla del mar.” (COLOP, 2011, p. XVII).

37

“seguramente no era el texto completo del Popol Wuj, porque la parte histórica todavía estaba ocurriendo” (COLOP, 2011, p. XVII).

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Quadro 1 - Menção da Escritura de Tulán E este é o nome da montanha Para onde eles foram Balam Kitze, Balam Aqab, Mahuqutah E iq Balam, Juntos com os Tamub E os Ilokab: Tula, Zuyua, Vuqub Peq (Sete Cavernas), VuqubZivan (Sete gargantas) era o nome da cidade, Então vieram Os portadores dos deuses. LI E todos chegaram a Tula. Milhares de pessoas chegaram, Pois muitas caminharam juntas, E a vinda de seus deuses aconteceu em ordem. Fonte: Brotherston e Medeiros(2011, p. 288-289)

Os escritos do Popol Wuj apresentam coerência e coesão, embora os vários textos possam ter sido escritos e transcritos em diversos momentos até formar o ‘compêndio’ que conhecemos. Por conter tradições dos ancestrais e ser um texto religioso, era aceito pela sociedade colonial sem críticas às possíveis lacunas (LÓPEZ, 1999, p. 41). Brotherston e Medeiros (2011), no prefácio e introdução da tradução para o português do Popol Vuh 38, fazem uma explanação sobre as pesquisas realizadas na vertente das traduções para a língua inglesa da qual provêm. A tradução de Edmonson, de 1971, do K’iche’, “leva em conta a estruturação em versos do original; e compara meticulosamente as soluções que tradutores anteriores deram a passagens opacas e difíceis.” (BROTHERSTON; MEDEIROS, 2011, p. 9). Estes pesquisadores polemizam a origem exclusivamente hieroglífica maia do Popol Wuj, incluindo uma conexão com o tlacuilolli ou “escrita icônica: termo de conveniência para o que é freqüentemente referido como Mixteco-Asteca ou sistema de escrita pictórica da Mesoamérica, 38

Ortografia adotada pelos autores.

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especialmente distinto da escrita hieroglífica maia” (BROTHERSTON; MEDEIROS, 2011, p. 14). Este idioma era compartilhado por várias culturas como a Tolteca, Mixteca e Asteca, e possui conceitos que correspondem à letra, à imagem e ao número. De acordo com Chinchilla (2011, p. 13) o Popol Wuj representa uma fonte primordial para entender a mitologia maia. Estes autores valorizam os testemunhos etnográficos contemporâneos de diversas regiões, considerando que: Os habitantes da antiga Mesoamérica reconheciam a diversidade de cultos particulares de cada região e inclusive de cada cidade, vila e grupo social, mas as entendiam como particularidades dentro da mesma ordem cósmica, comum a todos eles. (CHINCHILLA, 2011, p. 14, tradução nossa39)

Coe (1989, p. 159) comenta o momento histórico de florescimento cultural em que os personagens do Popol Wuj, os gêmeos heróicos, aparecem representados inicialmente na arte e na religião mesoamericana, “na fase inicial de Kaminaljuyú40, 400 a.C a 200 d.C, e de grandes cidades das terras baixas maias, como El Mirador, Tikal e Lamanai, com seus prodigiosos complexos arquitetônicos e prósperas populações.” (COE, 1989, p. 161, tradução nossa41). Segundo LeónPortilla (2012), no século XVI os cronistas espanhóis chamaram ‘livros de pinturas e caracteres’ aos manuscritos que hoje nomeamos códices. Os códices eram livros com um formato específico, suas folhas organizavamse em forma de acordeão. “Vários são os matérias sobre os quais estão pintados esses códices, muitos deles tem como suporte o papel feito da casca da árvore conhecida genericamente como amate (que designa as várias espécies de fícus)” (LEÓN-PORTILLA, 2012, p. 19). 39

“Los habitantes de la antigua Mesoamérica reconhecian a diversidad de cultos particulares de cada región e incluso de cada ciudad, pueblo y grupo social, pero las entendían como particularidades dentro do mismo orden cósmico, común a todos ellos.” (CHINCHILLA; COE, 2011, p. 14).

40

Kaminaljuyú atingiu o seu apogeu durante o pré-clássico (400 a.C. a 200 d.C).

41

“fase temprana de Kaminaljuyú y el de grandes ciudades de las tierras bajas mayas, como El Mirador, Tikal y Lamanai, con sus prodigiosos complejos arquitectónicos y prósperas poblaciones. Es en este contexto que el ciclo mítico de los Gemelos Heroicos del Popol Vuh aparece por primera vez en el arte y la religión de Mesoamérica.” (COE, 1989, p. 161).

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Os códices eram livros compostos por páginas cujas imagens tinham significados esclarecidos por textos logo silábicos, Os signos estão formados por imagens. Em alguns casos, são rostos humanos ou distintos traços somáticos de seres divinos, humanos ou animais, flores e múltiplos objetos estilizados. Em outros, há elementos geométricos de desenhos muito variados. Esses glíficos se estruturam e se agrupam de duas formas distintas. Uma apresenta seqüência de representações de realidades (rostos, flores etc.) estilizadas, que denotam uma palavra completa. Ditos glifos foram chamados de logografemas pelos modernos epigrafistas interessados na decifração desse sistema de escrita. [...] as imagens, por si mesmas, eram portadoras de uma gama de significantes que abarcavam uma linguagem iconográfica complexa, que incluía o simbolismo de suas cores. (LEÓN-PORTILLA, 2012, p. 26).

Hoje se conservam poucos códices no mundo, os mais famosos são: o Dresden - na cidade de Dresden, na Alemanha42, sendo que existe uma reprodução impressa alemã do século XIX, muito fiel à original na Biblioteca Nacional de Rio de Janeiro43, o Persianus (Paris) e o Trocortesianus (Madrid). O códice de Dresden encontra-se na Biblioteca Estatal dessa cidade, e, por volta de 1853, foi identificado como pertencente à cultura maia. Apresenta 39 folhas escritas em ambos os lados, tem 35 cm de comprimento e contém numerais, figuras míticas, calendários de rituais e adivinhações, cálculos das fases de Vênus, descrições de lugares sagrados, etc. Ernst Förstermann (1822-1906), bibliotecário real de Eleitorado da Saxônia, diretor da Biblioteca Estadual da Saxônia e da Universidade Técnica de Dresden, foi o principal pesquisador deste documento no século XIX.

42

“En Alemania poseemos el manuscrito maya más valioso (el Códice de Dresde) y nuestros estudiosos han jugado el papel más activo en su desciframiento” (MILLER, 1989, p. 128).

43

No catálogo da Biblioteca Nacional de Rio de Janeiro pode ser achado na seção de manuscritos com a referência I - 15,05,001 Dresden.

49

Segundo LEÓN-PORTILLA (2012, p. 241), o códice proporciona informações sobre astronomia, astrologia e religião. Incluímosparte da descrição do conteúdo da página 41, que anuncia uma grande inundação, pela leitura de Eric Thomson44 e Yuri Knorosov45 (Figura 2). Mencionamos aqui alguns glifos a modo de ilustração para entendermos a riqueza semântica que encerra esta página: o terceiro glifo da esquerda, por exemplo, significa céus chuvosos, o quarto, ek caanal ou negro nas alturas, o quinto é a deusa Ixchel, e o sexto é chibal, “a unidade central da vida política maia era o cah [...] terras comunitárias compartilhadas pelos habitantes. Os habitantes de um cah se consideravam emparentados e tinham ancestrais em comum numa região específica ou chibal. De acordo com ochibal ao que pertenciam era o reconhecimento do seu status social ou de nobreza.” (RESTALL, 1997, p. 115). Depreende-se que a idéia básica expressa nessa inscrição é que, anuncia um tempo em que o céu está carregado de água por obra de uma deusa Ixchel -, com o céu negro, cai a água na terra negra sobre os campos de milho. A cena desenvolve-se sobre um fundo de cor café escuro, achocolatado, que, segundo Thompson, poderia ser a evocação da ‘resina abundante que veio do céu’, mencionada no Popol Wuj ao falar da inundação que acabou com os seres humanos na terceira idade do mundo. (LEÓN-PORTILLA, 2012, p. 242)

Sobre este fundo aparece um monstro cujo corpo forma uma faixa celeste. Nessa faixa há quatro glifos que representam, da esquerda para direita, Venus, o Céu, o Sol e a Noite. “Tais glifos denotam que o

44

“O inglês J. Eric S. Thompson, falecido em 1975, [...] deixou uma marca profunda com seus trabalhos sobre epigrafia e códices, neste caso, do âmbito maia. [...] Além de suas atividades como arqueólogo, Thomson se interessou pela decifração da escrita maia.” (LEÓN-PORTILLA, 2012, p. 118).

45

“Yuri Valentinovich Knorosov, nascido na Ucrânia em 1922, estudou egiptologia na Universidade de Moscou, iniciou estudos da escrita maia em 1947, utilizou o “alfabeto maia” descrito por Diego de Landa em sua Relación de las cosas del Yucatán e descobriu os ‘logogramas’ por associação com a escrita egípcia.” (LEÓN-PORTILLA, 2012, p. 119).

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grande monstro, com faixas cinzas e azuis, tem o seu corpo no universo celeste” (LEÓN-PORTILLA, 2012, p. 242). Imediatamente embaixo, temos um eclipse do Sol e um da Lua. Da boca do monstro e dos eclipses saem grandes torrentes de água de cor azul que caem sobre a Terra, e entre as duas quedas de água está Xkitza, segundo Thompson (1988, p. 115), anciã ancestral do sol e da lua. Embaixo, tem uma deidade com o corpo pintado de preto que segura dois dardos e um bastão e sobre sua cabeça pousa uma ave. Thompson (1988) o identifica como o ‘deus L’, deus da escuridão e da noite associado às inundações. Figura 2 - Aguaceiro torrencial

Fonte: Códice de Dresde (p. 41)

O Códice de Madrid foi enviado para Carlos I de Espanha (15001558) por Hernan Cortés, junto ao ‘Quinto Real’46. Na primeira carta de 46

El 'quinto delrey',o ‘quinto real’era o tributo que se pagava ao rei da Espanha quando se capturava ou descobria um tesouro, era igual à quinta parte (20%) do

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relação, Cortés descreve “dois livros dos que por aqui possuem os índios”47. De acordo com Martinez (2010), López de Gómara declara nas suas crônicas ter visto muitos destes ‘livros’, descrevendo-os como escritos com figuras no lugar de letras, feitos de tecido ou folhas, e comenta que os espanhóis não os valorizavam por não entendê-los. De acordo com García Ruiz (2000), o Códice de Madrid está dividido em duas partes. Assim, temos o códice Troano, que pertenceu a Juan de Tro, que aparentemente o teria comprado dos descendentes de Hernán Cortés, e que passou em 1888 à propriedade do Museu Arqueológico de Madrid. O códice Cortesano pertenceu a Juan Palacios de Madrid e foi comprado pelo mesmo museu em 1872. Daí ser chamado códice Tro-cortesiano ou de Madrid. León de Rosny48 foi o primeiro pesquisador a perceber que formavam um só compêndio, em 1880. De acordo com Garcia Ruiz (2000, p. 11) o documento possui 56 folhas pintadas na frente e no verso, encadernadas em forma de leque ou zig-zag que, unidas, alcançam 6,82 m de longitude. Cada folha mede 22,6 cm de altura e 12,2 cm de largura, e constitui-se como o mais extenso códice maia conhecido. Possui ainda 25 calendários que seguem a medição temporal ritual de 260 dias associados a atividades seculares de subsistência e do cotidiano, como a tecelagem, a apicultura, a caça, a fabricação de cerâmica, etc., associadas a determinadas deidades e rituais. Os escribas dos códices maias utilizavam formas codificadas com determinados caracteres que permitiam identificar as deidades através de simbolismos nas vestimentas, fisionomia e gestos expressivos. A narração tradicional do Popol Wuj presta atenção, por exemplo, às variações anímicas: no códice de Madrid, página 34b, vemos o “Senhor da Morte” (na parte inferior da folha do Códice) (Figura 3), do lado esquerdo do leitor - segundo Brotherstone Medeiros (2011) ‘Um morte’, HumKame -, representado de perfil, segurando uma cabeça degolada com capturado ou descoberto. Faz referência a um imposto de 20% estabelecido em1504pela Corona de Castela sobre a extração de metais preciosos e outros artigos dentro dos territórios do que foi aAmérica espátula.”.

http://diccionario.babylon.com/quinto_del_rey_%28o_ quinto_ real%29/ Acesso em 05/02/2015. 47

“Dos libros de los que acátienenlosindios.” (MARTINEZ, 2010, p. 209)

47

Autor de ‘Les documents écrits de l'antiquité américaine” de 1882. Estudioso que analisou os documentos do Códice Peresianus.

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os dedos das mãos, “A cabeça de Hun Hun Ah Pu foi cortada. Só o seu corpo foi enterrado com seu irmão mais jovem.” (BROTHERSTON; MEDEIROS, 2011, p. 143). Figura 3 - Página 34b do Códice Tro-Cortesiano ou de Madrid (maia pré-hispânico)

Fonte: Museu de América de Madrid.

O Códice Peresianus encontra-se no Fonds Mexicain de la Bibliothèque Nationale de France, sem exibição ao público. Segundo Durand-Forest e Swantonlien (1998, p.20) o documento tem onze páginas, sendo que, destas, duas são ilegíveis e oito são legíveis na sua área central, mas apagados nas bordas. Contém rituais mitológicos, cerimônias, proféticos, calendários de cerimônias e um estudo astronômico dividido em 364 dias. Para realizar a leitura e interpretação, de acordo com León-Portilla (2012), o sábio ou ah miatz comentava e enriquecia o relato com o conhecimento das antigas tradições.

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O processo de leitura dos códices realizava-se de uma forma diferenciada, semelhante a que utilizamos para ler os livros infantis, “por um lado a criança escuta o texto e contempla a imagem e, por outro, o adulto que lê o texto em voz alta e o teatraliza” (YUSTE FRIAS, 2001 p. 267, tradução nossa49). Tal leitura consistia, para os aprendizes, na contemplação das imagens concomitante à escuta dos comentários realizados pelo sacerdote. “Não tinham que acudir a seu próprio repertório de idéias e imagens previamente adquiridas. A palavra de quem ensinava com os livros ampliava de muitas maneiras, com sua linguagem rica em metáforas, o que propunha transmitir.” (LEÓN-PORTILLA, 2012, p. 28). Na Figura 4, vê-se um vaso maia, de 9,5 cm, policromado, do período Clássico tardio, que se encontra no museu de arte da Universidade de Virgínia (EUA): um ah ts´ib, escriba maia, com um códice ensinando os seus discípulos[...] seis figuras humanas aparecem pintadas no vaso, todas sentadas. Duas delas são de um ancião, ainda que entre uma e outra aparecem pequenas variantes no toucado [...] Sobre esse ancião se pode acrescentar que ele é ‘um deus velho’. Por seus traços consta que é Itzamná a quem se atribui o fato de ter concedido a escrita aos homens (LEÓN-PORTILLA, 2012, p. 22-24).

Figura 4 - Escriba maia ensinando.Vaso policromado.

Fonte: León Portilla (2012, p. 23)

49

“por un lado el niño escucha el texto y contempla la imagen, y, por otro, el adulto que lee el texto en voz alta y lo teatraliza” (YUSTE FRIAS, 2001, p. 267).

54

Resumindo a descrição de LEÓN-PORTILLA (2012, p. 24), o ancião representa o pintor-escriba, e este atua como um professor que conversa com seus discípulos e ilustra com o códice. Em uma das representações, segura um pincel na mão e aponta para o códice no chão. Há também três conjuntos de glifos no vaso que simbolizam alimento, semeadura que está amadurecendo, jade e água que propicia a colheita e, em geral, a vida. Os numerais registrados são 8, 9 e 13. O sentido do expressado iconograficamente seria que, na primeira cena, o professor se dirige aos jovens fazendo-os refletir, utilizando-se a metáfora do alimento, do jade e da água. Na segunda, o ah ts´ib contempla e aponta o livro. Ele vai comentá-lo ou já o está fazendo. (LEÓNPORTILLA, 2012, p. 25)

A dupla cena ilustra o processo descrito por vários cronistas, entre eles frei Diego de Landa50, sobre o ensinar os filhos dos sacerdotes e os filhos dos senhores, se constatassem que tinham vocação para o ofício. As disciplinas que se ensinavam nestas escolas eram a conta dos anos, meses e dias, as festas e cerimônias, as maneiras de adivinhar, os remédios para males e a ler e escrever os caracteres. 2.1 CONJUNTURA COLONIAL, IDEÁRIO DA CONQUISTA. A cultura maia persiste nas tradições dos povos da Península de Yucatán e da Guatemala. Os avatares da história não conseguiram apagar os traços dessa cultura, que percorreu um caminho difícil desde os tempos pré-hispânicos até os nossos dias, passando pelo sistema vice-reinal. O casticismo espanhol foi uma ideologia impregnada pelo modus operandi inquisitorial, traços provenientes da eugenia medieval que, ao modo dos cavaleiros das cruzadas, vestia-se com uma ‘moral’ que aniquilava os infiéis, impondo a fé católica a qualquer preço. Essa empreitada envolveu trabalhos de ordem militar, administrativa e religiosa, realizados metodicamente e por muito tempo, até formar uma nova cultura. 50

Diego de Landa foi o primeiro bispo de Yucatan, México. Etnologista autodidata, também escreveu a história dos maias em 1556, intitulada “Relacion de las Cosas de Yucatán”.

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São válidas as considerações de Octavio Paz (2008, p. 27) sobre a concepção da histórica na mesoamérica, cujos antigos territórios formaram parte da “Nova Espanha”. O autor concebe o devir histórico dessa região como uma justaposição de sociedades distintas, três entidades históricas estreitamente vinculadas, cada uma separada da outra por uma negação e uma relação filial e polêmica. Primeiro o conjunto de nações, línguas, e culturas do mundo pré-hispânico foi negado pela Nova Espanha - mesmo sendo a Nova Espanha ininteligível sem a presença do índio -, por sua vez, a República do México nega a Nova Espanha e cada negação contém a sociedade negada de forma latente. Muitos elementos pré-hispânicos reaparecem no período colonial, e esses mesmos elementos são parte do México moderno. “Nova Espanha não se parece nem com o México pré-colombiano nem com o atual. Tampouco à Espanha, mesmo que tenha sido um território submetido à coroa espanhola.” (PAZ, 2008, p. 27, tradução nossa51). Paz (2008) faz reflexões muito úteis para este estudo. Considera, por exemplo, que a conquista foi realizada em primeira instância por conta e risco de colonizadores marinhos, ou seja, por uma empresa privada cujo capital era o conhecimento sobre navegação, a coragem e a própria vida, ao mesmo tempo em que a ação espanhola, pelo ponto de vista econômico, foi uma empreitada imperial, pois os reis católicos deram empréstimos que financiaram as viagens, “duas palavras definem a expansão hispânica: conquista e evangelização. São palavras imperiais e, da mesma forma, palavras medievais” (PAZ, 2008, p. 28, tradução nossa52). Falamos de uma conquista parecida com as cruzadas, “Nova Espanha” era outro dos reinos submetidos à coroa. Boff (1992, p. 17) nos diz que as conquistas foram sempre armadas, seguindo a ordem: espaços mulçumanos, costa Atlântica da África e Ilhas Canárias, Oceano. A ideologia de viés medieval carregava também o substrato ideológico da inquisição, com seus conceitos de limpeza étnica e uniformização religiosa, que abordaremos na análise dos paratextos do Manuscrito Ayer 1515. 51

”Nueva España no se parece ni al México precolombino ni al actual. Tampoco a España, aunque haya sido un territorio sometido a la corona española.” (PAZ, 2008, p. 27).

52

”dos palabras definen a la expansión hispánica: conquista y evangelización. Son palabras imperiales y, asimismo, palabras medievales.” (PAZ, 2008, p. 28).

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A evangelização foi uma peça importantíssima do maquinário global da conquista, pois a política dos jesuítas era parte de uma estratégia geral e incluía outras partes do mundo. Paz (2008, p. 58) pede-nos para analisar os jesuítas na perspectiva da contra-reforma e consequentemente da expansão da Europa pela Ásia e pela América. Segundo Boff (1992, p. 17), a expansão do orbis christianus imposto pela violência das armas e pela submissão pacífica dos indígenas em aldeamentos ou reduções, teve o medo como base dos procedimentos repressores: “eles nos ensinaram o medo. Vieram fazer as flores murchar. Para que a sua flor vivesse, danificaram e engoliram nossa flor.”(BOFF, 1992, p. 22). Segundo Lienhard (2009, p. 1), a redução é uma operação de transformação que implica, ao mesmo tempo, a destruição parcial da cultura existente e sua reconstrução sobre novas bases e, para que tal tarefa seja eficaz, é necessário conhecer a cultura colonizada. “Por isso na América Espanholaas novas autoridades ‘a Coroa e a Igreja’ empreenderam, apenas consolidada a ocupação, um vasto e largo trabalho de coleta de dados acerca das estruturas político-militares, a organização social, a economia e as religiões das sociedades nativas” (LIENHARD, 2009, p. 1, tradução nossa53). Dentro destes parâmetros encontram-se estudiosos como o Padre Francisco Ximénez, que dedicou a maior parte de sua vida a estudar as línguas e a cultura maia. Segundo Okoshi Harada (2000), pouco depois da conquista espanhola os frades franciscanos iniciaram o ensino do manejo do alfabeto latino às elites maias. Graças a este trabalho, a partir da segunda metade do século XVI, membros da nobreza indígena começaram a escrever numerosos documentos no seu próprio idioma com caracteres latinos. Estes papéis são uma amostra singular de como lutaram para conservar suas prerrogativas desde o século XVI. Seu estudo contribui à compreensão mais profunda das estratégias de sobrevivência da nobreza indígena ao longo do regime colonial. Exemplo desse esforço conjunto foi o Colégio Imperial de santa Cruz de Tlatelolco (Figura 5), que em 6 53

“ Por eso, en la América española, las nuevas autoridades “la Corona y la Iglesia” emprendieron, apenas consolidada la ocupación un vasto y largo trabajo de recolección de datos acerca de las estructuras político-militares, la organización social, la economía y las religiones de las sociedades nativas.” (LIENHARD, 2009, p. 1).

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de janeiro de 1536 começou a funcionar sob o conceito dos antigos calmecac ou escolas sacerdotais pré-hispânicas, com a tutela de Carlos V, com mestres que eram frades e professores da Sorbonne de Paris. “Aceitou-se a presença de médicos e escribas indígenas. Um conjunto de estudantes nahuas, em sua maioria filhos de senhores, assistia ao colégio, pois se pensava que eles iriam influenciar suas comunidades de origem.” (LEÓN-PORTILLA, 2012, p. 80). Figura 5 - Colégio Imperial de Santa Cruz de Tlatelolco

Fonte: LEÓN-PORTILLA(2012, p. 81).

Essa prática foi comum no século XVII e encontraram-se vários tipos de documentos sobre: os que foram escritos com fins legais54, os que descreviam árvores genealógicas de nobres55, e os que se converteram nos “novos livros sagrados”, como o manuscrito estudado, Popol Wuj, achado na atual cidade de Chichicastenango na Guatemala. “O Popol Wuj supera claramente os outros livros, para nos introduzirmos no pensamento mítico dos maias [...] a data da sua composição, que teve lugar muitos séculos 54

Títulos de propriedade das terras herdadas dos antepassados, neles se estabeleciam as origens e os acontecimentos mais importantes do povo.

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HARADA, T. O. Como os Xiu do século XVI. Yucatán identidad y cultura Maya. Disponível em: . Acesso em 7 de julho de 2011.

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depois do fim do império maia, cujo apogeu se situa entre os anos 300 e 900 d.C, realiza uma coleção de lembranças.” (GRIMAL, 1973, p. 199, tradução nossa56). León-Portilla (2012) chama a atenção ao fato de que, depois de consumada a Conquista espanhola, os maias não continuaram a utilizar a arte de seus códices (Figura 6), “foi, talvez, o trauma deixado pela queima de seus livros o que lhes determinou seguir outro caminho e não deixar que suas antigas formas de saber se perdessem” (LEÓN-PORTILLA, 2012, p.63), e optaram pelo alfabeto latino fonetizado, como aconteceu com o Popol Wuj. Figura 6 - Queima de códices

Fonte: Crônica de Tlaxcala (LEÓN-PORTILLA, 2012, p. 186).

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“El Popol Vuh supera, con mucho, a los otros libros, para introducirnos en el pensamiento mítico de los mayas.[...] la fecha de su composición, que tuvo lugar numerosos siglos después del fin del imperio maya, cuyo apogeo se sitúa entre 300 y 900 d.C, hace una colección de ‘recuerdos’” (GRIMAL, 1973, p.199).

3 CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS TEXTOS ESTUDADOS 3.1 DETALHES HISTÓRICOS DAS TRADUÇÕES O manuscrito de Chichicastenango, como também é conhecida a tradução de Francisco Ximénez (1704-1714), tem sua origem em tempos pré-hispânicos e num texto transliterado do k’iche do século XVI, hoje perdido. Os fatos históricos que permeiam as origens do texto remetemnos ao período clássico da cultura maia k’iche’ entre os séculos II e VI d.C., que possuía uma lógica, uma escrita e uma forma de leitura diferentes da européia. Muitos autores vêem na transliteração do século XVI um texto híbrido, criado para garantir a subsistência das tradições na conjuntura da conquista (CRAVERI, 2012, p. 17). A primeira transliteração foi realizada no século XVI, do códice hoje perdido para o k’iche’ fonetizado e escrito em caracteres latinos. Segundo Craveri (2012, p. 17-18) o primeiro copista do século XVI foi um indivíduo culto, possivelmente indígena, que dominava os dois códigos lingüísticos, o oral com base logossilábica e o europeio alfabético. Esta transliteração foi a fonte de Francisco Ximénez, que a transcreveu e traduziu para o idioma espanhol. De forma resumida, podemos dizer que o Manuscrito MS AYER 1515 (1700-1704) recolhe uma tradição oral de origem préhispanica, contém a transcrição de um texto do século XVI, hoje perdido em idioma k’iche’ transliterado, que Francisco Ximénez traduziu para o espanhol no século XVIII. Os Tzijs (verdades, histórias, narrações, tradições) do Popol Wuj foram registrados como o sistema de escrita ocidental sob condições de colonização.Isto quer dizer que se fixaram com o formato e a seleção de relatos com que os conhecemos atualmente dentro de um marco de adversidades que se inclinava para sua erradicação. Talvez esta seja uma das explicações para entender o motivo de sua trajetória ter sido uma sucessão de resgates e esquecimentos. (LÓPEZ, 2009, p.125, tradução nossa57)

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“Los tzijs (verdades, historias, narraciones, tradiciones) del Popol Wuj fueron registrados con el sistema de escritura occidental bajo condiciones de

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Inicialmente, tal manuscrito permaneceu na Biblioteca da Universidade de Guatemala, onde o pesquisador Dr. Karl Scherzer consultou-o e realizou, por volta de 1850, uma transcrição minuciosa publicada na Áustria em 1857. Em 1860 passou às mãos do padre Charles Etienne Brasseur de Bourbourg, que o levou à França. O texto em K’iche’ foi dado a conhecer junto com a tradução para o francês realizada por Brasseur (1862), com o título “Popol-vuh, le livre sacré et les mythes de l’antiquité américaine”58, publicada em Paris. livre já das pressões do zelo evangelizador, o abade, seguramente influenciado pelas idéias românticas, observa o conteúdo religioso e antigo dos textos em pleno século XIX podendo resgatar o caráter documental de uma religião diferente da católica sem o temor de ser condenado pela nquisição. (LÓPEZ, 1999, p. 48)

Após o falecimento de Brasseur, a tradução de Ximénez foi adquirida por Edward Ayer, que a anexou a sua coleção linguística, que foi doada à Biblioteca de Newberry, em Chicago, e pode ser consultada com a referência “AYER MS 1515”59. Os textos escolhidos, além do Manuscrito Ayer 1515, são os excertos de duas traduções realizadas por descendentes da cultura maia Chávez (1979) e Colop (2011) - e ambos os autores expressam a intenção de compreensão da tradição K´iche’. O trabalho de Don Adrián Chávez (1979) segue um relato único que acompanha o desenrolar temático do Manuscrito de Ximénez. A tradução é apresentada em quatro colunas, colonización. Esto quiere decir que se fijaron con el formato y la selección de relatos con que los conocemos actualmente dentro de un marco de adversidades tendientes a su erradicación. Tal vez esta sea una de las explicaciones para entender por qué su trayectoria durante la colonia fue una historia de sucesivos rescates y olvidos” (LÓPEZ, 2009, p.125) 58 BOURBOURG, Brasseur de. Grammarire de la langue quichée. Paris: Bertrand, 1862. Disponível em: . Acesso em 21 de março de 2011. 59 EWBERRY LIBRARY. AYER MS 1515. Disponível em: . Acesso em 20 de maio de 2010. THE OHIO

STATE UNIVERSITY LIBRARIES. AYER MS 1515. Disponível em: . Acesso em 20 de maio de 2010.

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sendo a primeira a versão K'iche’ do Pe. Ximenes, a segunda apresenta a revisão da língua fonte com a tipografia criada pelo tradutor para representar fonemas da língua K ‘iche’ omitidos na tradução de Ximenes, a terceira a tradução literal ao espanhol e a quarta uma versão que a torna mais compreensível, sendo por tal a edição mais usada nas escolas em toda América do Sul. O Pop Wuj de Chávez (2007) mostra uma preocupação lingüística específica e trabalha detalhadamente a fonética e semântica da obra.Finalmente o Popol Wuj de Colop (2011) apresenta-se sob a forma de poema, observa a musicalidade da composição, segundo o autor, conserva as características originais da obra proveniente da tradição oral. 3.1.1 Francisco Ximénez, Guatemala e o Popol Wuj Francisco Ximénez foi um religioso espanhol da ordem de Santo Domingo, nasceu em Écija, Sevilla, em 23 de novembro de 1666 (MARTINEZ BARACS, 2013 p. 35) e faleceu em Santiago de los Treinta Caballeros em 1730. Iniciou os estudos na sua cidade natal e, ainda adolescente, entrou na vida religiosa.Segundo Martínez Baracs (2013), Ximénez embarcou rumo ao ‘novo mundo’ em 1687 chegou à cidade de Santiago de Guatemala em quatro de fevereiro de 1688. Frei Francisco continuou e finalizou seus estudos teológicos no grande convento domínico desta cidade. Concomitantemente, iniciou os estudos das línguas indígenas e particularmente o K‘iche’ “(uma das 35 línguas do grupo maia) e suas variantes cakchiquel e zutujil, que se falavam nas populações das montanhas do sul de Guatemala.” (MARTINEZ BARACS, 2013 p. 35, tradução nossa60)A palavra K‘iche’ significa “bosque” (ki: muitos e che: árvores). Ximénez, imerso na conjuntura histórica hostil da imposição cultural espanhola, soube observar e entender os K‘iches’ sem comprometer-se negativamente perante a Igreja e soube conquistar a confiança da população colonizada. Aprendeu o idioma cakchiquel em San Juan Sacatepéquez, e ali foi instruído em administração paroquial. Entre suas funções se encontrava a tarefa de organizar arquivos e 60

“(una de las 35 lenguas del grupo maya) y sus variantes o dialectos cakchiquel y zutujil, que se hablaban en los pueblos de las montañas del sur de Guatemala.” (MARTINEZ BARACS, 2013, p. 35)

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bibliotecas dos conventos que visitava e exercia também a função de “doctrinero” (catequizador). Com estas responsabilidades, viajou por vários povoados: Xenacó, Chimaltenango, Zacatepec e Chichicastenango, que era o curato de Santo Tomás Chuilá, onde esteve entre 1701 e 1703.Ali descobriu e traduziu o manuscrito do século XVI em K‘iche’ que continha o texto conhecido hoje como Popol Vuh.Ximénez, com 24 anos, viajou à Ciudad Real, província de Chiapas, para receber as ordens sacerdotais. No percurso da viagem, observou as variedades das línguas utilizadas nestas regiões, conheceu a exploração e a situação de opressão vivida pelos tzotziles e tzeltales do noroeste de Chiapas. De acordo com Martinez Baracs (2013), nas paróquias e conventos que frei Ximénez visitou,encontrou manuscritos chamados Theologia indorum (teologia dos índios para os índios), que continham sermões em língua K‘iche’, cakchiquel ou zutuhil. Este material devia ser memorizado pelos catequizadores para predicar.“Insatisfeito com essas obras, Ximénez se propôs a elaborar um instrumento mais ambicioso, que introduzisse verdadeiramente os predicadores ao conhecimento da língua K‘iche’ e de suas variantes mencionadas, escreveu então a “Arte (Tesouro) de las tres lenguas cakchiquel, quiché y tzutuhi”(17011703)”(MARTÍNEZ BARACS, 2013, p. 38, tradução nossa61), constituído por três tomos manuscritos divididos em três partes: um dicionário K‘iche’ e suas variantes para o espanhol, a segunda parte é uma explicação de cada letra e seu uso , e a terceira parte consta da “arte” ou gramáticas das línguas mencionadas, à qual se acrescentaram vários textos em língua K‘iche’ traduzidos para o espanhol, entre eles o texto que conhecemos hoje como Popol Wuj ou Popol Vuh, de acordo com autores. Em 1715, segundo Recinos (1953), começou a escrever sua obra mais extensa: “Historia de la Provincia de San Vicente de Chiapa y Guatemala” (Ximénez, 1722). Logo inicia “Historia natural del reino de Guatemala”, cujo primeiro tomo, informa Recinos (1953), sobreviveu. O mesmo autor calcula que faleceu perto de 1730. “A família linguística maia está formada por 31 línguas diferentes. Delas, somente duas são línguas mortas, as restantes se utilizam como principal meio de 61

Insatisfecho con estas obras, Ximénez se propuso elaborar un instrumento más ambicioso que introdujera verdaderamente a los predicadores al conocimiento de la lengua K ‘iche’ ‘’ y de sus variantes mencionadas esta obra fue Arte de las tres lenguas cakchiquel, quiché y tzutuhi,” (MARTÍNEZ BARACS, 2013, p.38)

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comunicação em numerosas comunidades contemporâneas” 62 (PÉREZSUÁREZ, 2014, p. 2, tradução nossa ). A História de la Província de San Vicente de Chiapa y Guatemala (Ximénez, 1728 aprox.), começa com uma nova versão da sua primeira tradução do Popol Vuh, continua com a historia dos reis de K‘iche’, e contém outro capítulo sobre a religião e costumes dos maias. Logo, narra a história do que ele chama “conquista espanhola de Guatemala”, a fundação da cidade e os trabalhos dos frades domínicos na evangelização nas províncias de Chiapas e de Guatemala e outros assuntos importantes como a rebelião de Cancuc, em 1712. Em 1712 aconteceu uma rebelião em Cancuc, um movimento messiânico “produzido [como conseqüência de uma rebelião originada no sincretismo religioso indígena cristão” (CERUTTI; DOMINGUEZ, 1988, s/p,tradução nossa63). Tal rebelião durou apenas três meses, mas deixou profundas marcas nos rituais religiosos e na conduta política dos maias. Alcançou proporções que fizeram fraquejar a persistência do regime colonial, e a coroa espanhola deixou de perceber tributos em 25 vilas dessa região durante cinco anos. Parafraseando Cerutti e Dominguez (1988), os maias não permitiram a extinção de suas tradições devido a vários fatores de ordem histórica, geográfica e cultural: primeiramente o longo período de lutas acarretadas pelas tentativas de dominação cultural fracassadas dos espanhóis, reforçado pelo isolamento geográfico e a descentralização dos povos, também à natureza hostil das relações interpessoais entre maias e espanhóis se mantiveram durante e após a conquista, finalmente a sobrevivência da epistemologia maia permaneceu viva sob a feição do cristianismo, por meio de um sincretismo fortemente enraizado na religião pré-hispânica. Neste contexto, aconteceu a mencionada rebelião de Cancuc. Líderes maias criaram uma igreja sincrética paralela, reivindicando poderes divinos outorgados por santos da igreja católica que teriam se manifestado em aparições miraculosas. O grau de convicção e força política foi tal, que chegaram a criar um exército chamado “soldados de la Virgen” (soldados da Nossa Senhora), composto por mais de 3000 homens com os quais conseguiram dominar 62

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La familia lingüística maya está formada por 31 lenguas distintas. De ellas sólo dos son lenguas muertas, las restantes se utilizan como principal medio de comunicación en numerosas comunidades contemporáneas.(PÉREZ-SUÁREZ, 2014, p. 2) Producido por el sincretismo religioso indígena cristiano.

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e fazer recuar aos espanhóis. A opinião de Francisco Ximénez na sua “História de la Provincia de San Vicente de Chiapas y Guatemala” foi a seguinte: Não somente as tiranias que com os índios impusera o Prefeito Maior e outros espanhóis, mas, como já dito, o maior motivo foi o senhor bispo [o novo bispo Juan Bautista Alvarez de Toledo] com sua desmedida cobiça, porque com a ânsia de juntar dinheiro para suas pretensões não ficou meio, por ilícito que fosse, do qual não tivesse usufruído. (XIMÉNEZ, 1715 apud VILLACORTA CALDERÓN, 1931, p. 257, tradução nossa64)

De acordo com as considerações de Martinez Baracs (2013), Ximénez teve um contato próximo e amistoso com os caciques “maxeños”65, que lhe transmitiram ampla informação sobre os costumes e as crenças religiosas de seus antepassados pré-hispânicos. “A confiança dos caciques de Chichicastenango foi tal, que durante sua estadia ali em 1701-1703, mostraram-lhe um antigo manuscrito que conservaram num lugar secreto desde o século XVI” (MARTÍNEZ BARACS, 2013, p. 39, tradução nossa66). Trata-se do texto que hoje conhecemos como Popol Vuh, ou Popol Wuj (escrita que reflete a fonética correta, escolhida por López, 1999). Supõe-se que o padre Ximénez, honestamente, devolveu aos caciques o empréstimo. Jose Valverde Madrid (1967, p. 4) também afirma que foi em Chiapas onde Ximénez iniciou a elaboração de sua obra chamada “Primeira parte del Arte de las tres lenguas cakchiquel, quiché y tzutuhi”, 64

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No sólo las tiranias que con los índios obraron el Alcalde Mayor y otros españoles, sino que, como se había dicho, el mayor motivo fue el señor obispo [el nuevo obispo Juan Bautista Alvarez de Toledo] con su desmedida codicia, por que con la ansia de juntar dinero para sus pretensiones, no quedó medio por ilícito que fuese de que no se valiese. (XIMÉNEZ em edição editada por VILLACORTA CALDERÓN, 1931 p. 257). Gentilicio que se le da a los pobladores de Chichicastenango, derivado de Max, que significa Tomás en lengua Quiché. (Diccionário de la Real Academia española) La confianza de los caciques de Chichicastenango fue tal que durante su estância allí en 1701-1703 le mostraron al padre Ximénez un antiguo manuscrito que conservaban en un lugar secreto desde el siglo XVI” MARTINEZ BARACS, 2013, p. 39)

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com tradução dessas línguas para o espanhol, cujo manuscrito se conserva na Biblioteca Nacional Cordobesa, na Espanha. “Nela nos diz que há certos animais maléficos cuja simples menção produz terror aos índios, assim era a lagartixa zumzum, já que se a vissem ou pronunciassem seu nome cairiam raios por perto”(VALVERDE MADRID, 1967, p. 2, tradução nossa67) Ximénez menciona na sua obra “História de la província de San Vicente” que a população K‘iche’ de Santo Tomás de Chichicastengo conhecia as histórias relatadas no Popol Wuj desde a infância “Acredito que mamavam da doutrina junto com o leite materno e todos a levam na memória” (XIMÉNEZ, 1700-1704, fólio prólogo 2r, tradução nossa68).Relata, ainda, que as mães K‘iche’s e os velhos contavam as histórias aos jovens, e estas eram cantadas, dançadas e dramatizadas. A segunda tradução, formada pelos dicionários das três línguas, e as duas primeiras partes da segunda tradução do Popol Wuj de sua autoria (capítulos ii a xxi) foram enviadas em 1722 ao seu antigo convento em Córdoba. 3.1.2 Destino dos manuscritos de Ximénez Parafraseando Martínez Baracs (2013, p.40.), após a morte de Francisco Ximénez, seus escritos ficaram no convento domínico da cidade de Guatemala. O convento tinha sofrido danos em terremotos em 1717, 1751 e 1773 que destruíram o convento e arrasaram a cidade de Guatemala, trasladada formalmente em 1775 a um novo local com o nome de Guatemala de la Asunción (atual cidade de Guatemala). Ali se estabeleceu um novo convento domínico, e a biblioteca foi transladada para lá com os livros e papéis do Padre Ximénez. Em 1829, houve uma revolta política e o governo foi tomado por uma rebelião encabeçada por tropas salvadorenhas e hondurenhas que decretaram a expulsão dos frades franciscanos e domínicos de Guatemala, confiscando seus conventos e bens. O manuscrito do Popol Vuh foi enviado junto com os documentos do Frei Ximénez para San Carlos, na 67

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En Ella nos dice que hay ciertos animales maléficos cuya simple pronunciación aterra a los indios, así la lagartija Zumzum, pues se a ven o pronuncian caen rayos enseguida cerca.” (VALVERDE MADRID, 1967, p. 2). Hallé que era la doctrina que primero mamaban con la leche, y que todos ellos casi la tienen en la memória. (XIMÉNEZ,1700-1704, Fólio prólogo 2r)

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cidade de Guatemala. Em 1855, um estudioso austríaco chamado Carl Scherzer, obteve uma cópia manuscrita da obra. No ano posterior, Brasseur de Bourbourg, sacerdote francês, foi presenteado com o original e o levou a França. Em 1857, Scherzer publicou o texto em Viena sob o título Las historias del origen de los índios de esta província de Guatemala, traducidas de la lengua quiche al castellano [...] Por el R.P.F. Francisco Ximénez. Exactamente según el texto español por el doctor C.Scherzer. Publicado por primera vez. (SCHERZER, 1857, p. 5). Brasseur levou o manuscrito a Paris e o comentou amplamente em suas Histórias des nations civilisées du Mexique et de l´Amerique Centrale, Durant les siècles anterieurs à Christophe Colom (BERTRAND,18571859), onde o chama Manuscrito quiche de Chichicastenango, depois de traduzir para o francês a transcrição K‘iche’ de Ximénez, a publica em 1861 sob o nome de Popol Vuh: Le livre Sacré et les mythes de l´antiquite américaine, avec les livres héroïqueset historiques dês Quichés69 (Figura 7). Figura 7 - Le Livre Sacré

Fonte: Brasseur de Bourbourg (1862). 69

Pode ser consultado on-line na BibliothèqueNationale de France [gallica.bnf.fr]

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Pascale Casanova (2002) lembra o papel fundamental dos tradutores que, enquanto traduzem, aumentam sua riqueza intelectual, enriquecem sua literatura nacional e honram seu próprio nome. O abade (Brasseur de Bourbourg) não tem medo de reconhecer que era um livro ‘sagrado’. Mas, ao mesmo tempo, recorta o conteúdo em três categorias bem demarcadas: ‘mito’ - palavra que no século XIX não era muito prestigiosa -, ‘antiguidade’ e ‘historia’. Nas investigações realizadas sobre os maias, salvo contadas exceções, “sempre se considerou o texto do Popol Wuj como pertencente a um passado desaparecido. Muito raramente é considerado como parte viva das comunidades atuais”. (LÓPEZ, 2009, p. 23, tradução nossa70). Brasseur de Bourbourg morreu em Nice, em janeiro de 1874, e sua coleção de manuscritos dispersou-se. Recinos (1953) comenta que Alphonse Pinart adquiriu a maioria dos documentos. O doutor Daniel G. Brinton (1837-1899) comprou o manuscrito do Memorial de Tecpán Atlitan,os Anales de los Cakchiqueles,e os publicou em 1885, entre outros documentos que após sua morte passaram à Biblioteca do Museu da Universidade de Pensylvania. Hubert Howe Bancroft (1832-1922) comprou outra parte da coleção, incluindo vários manuscritos do padre Ximénez, que passaram à Biblioteca que leva o nome de Bamcroft da Universidade de California em Berkeley. Após a morte de Pinart, sua coleção passou, em sua maior parte, à Biblioteca Nacional de França. (MARTÍNEZ BARACS, 2013,p. 4571)

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“siempre se consideró el texto como perteneciente al pasado desaparecido, y es muy raro ver que se le vea como parte viva de las comunidades actuales” (LÓPEZ, 2009, p. 23).

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El doctor Daniel G. Brinton (1837-1899) compro el manuscrito de Memorial de Tecpán Atlitan, los Anales de los Cakchiqueles, que publicó en 1885, entre otros documentos que tras su muerte pasaron a la Biblioteca del Museo de la Universidad de Pennsylvania. Y Hubert Howe Bancroft (1832-1922) compró otra parte de la colección, incluyendo varios manuscritos del padre Ximénez, que pasaron a la Biblioteca que lleva el nombre de Bamcroft de la Universidad de California en Berkeley. Tras la muerte de Pinart, su colección pasó, en su mayor parte, a la Biblioteca Nacional de Francia. (MARTÍNEZ BARACS, 2013, p. 45)

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Alphonse Pinart vendeu o manuscrito do Popol Wuj a Edward Ayer (1841-1927) junto com outros manuscritos da coleção de Brasseur (como a Arte de las tres lenguas de Ximénez). Em 1911, Ayer doou sua grande coleção de 17.000 livros manuscritos sobre a população préhispânica americana à biblioteca Newberry, da Universidade de Chicago. Em 1941, Recinos realizou uma tradução para o espanhol do texto da Biblioteca de Newberry sem a transcrição do K‘iche’. Devemos destacar que a transcrição do texto K‘iche’ e sua tradução para o francês publicadas em 1861 pelo abade Brasseur de Bourbourg, serviram de base para quase todas as edições do Popol Wuj por quase 80 anos até a década de 1940. Temos um exemplo das traduções provenientes da tradição de Brasseur, no trabalho de Georges Raynaud publicado em Paris em 1927, sob o título “Los Dioses, los Héroes y los Hombres de Guatemala Antigua”. Posteriormente se fizeram várias edições, sendo merecedora de citação a da Biblioteca do Estudante Universitario nas publicações da Universidade Nacional Autónoma do México: “Popol-vuh: o libro del consejo de los índios quichés” de Asturias e Mendoza (1998) que, no prólogo, especifica “Tradução da versão francesa do Professor Georges Raynaud, diretor de estudos sobre as religiões da América Précolombiana na Escola de Estudos de Paris, pelos alunos titulares da mesma” (ASTÚRIAS; MENDOZA, 1998, p.5, tradução nossa72). “Miguel Angel Astúrias segue fielmente a Raynaud” (LÓPEZ, 1999, p.224). Em seguida, citamos a cronologia das traduções mais consagradas até 1991, segundo López (1999, p. 245): Francisco Ximénez (1703); Brasseur de Bourbourg (1861); Daniel Brinton (1881); Georges Raybaud (1925); Villacorta y Rodas (1927); Adrián Recinos (1947)73; Burgues y Xec (1955); Antonio Villacorta (1962); Garcia Aceituno (1965); Martínez Parédez (1968); Munro Edmonson (1971); Agustín Estrada 72

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“ Traducción de la versión francesa del Profesor Georges Raynaud, director de estudios sobre las religiones de la América Precolombina, en la Escuela de Altos Estudios de París, por los alumnos titulares de la misma” (ASTURIAS; MENDOZA, 1998, p. 5) http://www.literaturaguatemalteca.org/popol.html

69 Monroy (1973); Adrián I. Chávez (1979); de León Valdéz - López Perén (1985); Dennis Tedlock (1986)74; Martha Ilia Nájera (1987); Mary Preuss (1988) e González Torres (1991).

Brasseur fixou uma tradição referente à divisão em quatro partes e um preâmbulo, Adrián Recinos acompanha esta organização em sua edição de 1947. Adrián Chavez segue fielmente o Ayer Ms 1515, não coloca nenhuma indicação numérica e, finalmente, Sam Colop (2011) divide a obra em capítulos adotando um formato diferenciado, de acordo com regras coerentes com a tradição oral que organiza o texto de acordo com a morfologia das palavras; 3.1.3 Don AdriánInés Chavez e sua época. Segundo Bautista Cruz (2013), no artigo Semblanza de la vida y obra de Inés Chavez, o tradutor nasceu em San Francisco el Alto, Totonicapán, Guatemala, em 1904. Considerado o primeiro maestro indígena de Guatemala, foi Diretor de Educação e fundador da Academia de língua Maia - K'iche’. Trabalhou com aspectos fonéticos desta língua e suas investigações abordaram aspectos etimológicos da língua K ‘iche’. Chavez chegou a criar um alfabeto com vistas a promover pronúncia correta das palavras do K’iche’. Atribui-se a ele a pesquisa histórica que levou ao descobrimento do lugar exato do primeiro encontro entre espanhóis e autóctones em 152475. Também exerceu um papel político representativo nas reivindicações em prol das causas indígenas. Seu trabalho sobre a língua k'iche’, associado ao Popol Wuj, segue critérios revisionistas na análise dos manuscritos de Francisco Ximénez (17001704), pois questiona a tradução feita pelo frade para o espanhol. Intitula sua tradução “Pop Wuj”, defendendo que “Pop” é o nome do primeiro mês dos k'iche’s. Realiza análises etimológicas importantes e elabora uma tradução do Popol Wuj em quatro colunas, nas quais especifica o sentido 74

75

http://ambergriscaye.com/pages/mayan/PopolVuhMayanReligiousDocumen t.htm Que não foi nas lhanuras de Urbina como acreditávase na época, mas em Pacha de Sha Lajuj. (BAUTISTA CRUZ, 2013, p. 109)

70

de alguns sons que teriam passado despercebidos por Francisco Ximénez. A primeira coluna traz a cópia literal do K´iche’de Francisco Ximénez; a segunda, a revisão fonética do mesmo; a terceira, a tradução literal para o espanhol; e a quarta uma versão que ‘facilitaria’ a compreensão do texto por falantes hispânicos. Entre as distinções que recebeu está a de doutor Honoris Causa pela Unesco. Chavez ocupa lugar crucial na história das traduções do Popol Wuj e na história política dos movimentos indígenas, devido à sua origem K‘iche’ e às suas pesquisas fonéticas e semânticas orientadas para o resgate da identidade lingüística de seu povo. A tradução do Pop Wuj de Chávez, além de sua própria pessoa, teve e têm, até hoje, muita importância nos movimentos de defesa dos interesses culturais e sociais dos povos indígenas guatemaltecos. Parafraseando Celigueta Comerma (2008,p. 117), Chavez se dedicou ao ensino do k´iche’, ministrando aulas àqueles que não tiveram a oportunidade de aprender a língua no seio familiar. A carência na aquisição e/ou aprendizado do K’iche’ ocorreu, sobretudo, devido à heterogeneidade dos grupos indígenas; às situações de discriminação que sofre o povo k´iche’; o acesso em igualdade de condições às instituições políticas do Estado. Como resposta a esses problemas discriminatórios, um grupo de K‘iche’s propôs a formação de uma organização política: espécie de partido, chamado Xel-ju, que alcançou grande importância em termos de coesão e de número de adeptos. O objetivo da organização foi o de constituir uma frente de defesa dos direitos indígenas e, progressivamente, alcançar representação junto ao governo. Outras organizações indígenas também se fortaleceram concomitantemente na sociedade guatemalteca através das chamadas “irmandades”76: cooperativas agrícolas e comerciais, já que a maioria dos K‘iches’ dedicava-se à agricultura, ao comércio ou à produção de artesanato. Finalmente, houve a formação da Academia da Língua K´iche’, fundada em 1959 por Don Adrián Inés Chavez. Trata-se de um espaço de encontro e discussão dos k´iches’ de Quetzaltenango para o fortalecimento e defesa dos indígenas. 76

Dentre elas, a maçônica.

71

Cabe destacar que a educação na Guatemala passou a atender a um maior número de pessoas somente a partir de 1944, devido ao impulso dado pelo governo reformista da época. As Igrejas Católica e Protestante começaram a expandir os trabalhos de natureza educativa até os pontos mais remotos do país. Foi nessa época que alguns k´iches’ artesãos e agricultores prósperos começaram a enviar seus filhos para realizar o Ensino Médio e, posteriormente, se lançar aos estudos universitários. Todavia, o deslocamento para as grandes cidades gera o abandono e esquecimento progressivos do idioma e das tradições k´iches’. Um fenômeno interessante a ser posto em evidência concerne à preferência profissional dos estudantes indígenas: a maior parte deles abraçou a carreira de docência. De acordo com Gemma Celigueta Comerma (2008), Adrián Inés Chavez foi o precursor e o mestre dos novos líderes indianistas que apoiaram e promoveram a chegada de prefeitos indígenas a vários municípios da região. A partir de 1978 se desencadeou uma grande repressão governamental que ocasionou a desaparição de muitas das organizações que haviam sido criadas e que haviam, inclusive, se fortificado nos anos setenta, tal como o Xel-ju. 3.1.4 Biografia de Sam Colop De acordo com o prólogo do Popol Wuj (COLOP, 2011, p. VII), Luis Enrique Sam Colop nasceu em Cantel, Quetzalrenango. Advogado e escrivão formado na Universidade Rafael Landívar (1983), por seu trabalho de conclusão de curso recebeu um prêmio na Faculdade de Direito (Universidad Rafael Landívar, 1983). Seu texto versava sobre uma proposta de lei para educação bilíngue. Obteve título de mestrado em Lingüística pela Universidade de Iowa City e Doutorado pelo Departamento de Inglês da Universidade Estatal de New York em Buffalo, onde escreveu a dissertação Maya Poetics. Entre suas publicações se encontram: “Anotações sobre alguns temas da gramática K’iche’” em“Leituras sobre a linguística maia” (Cirma, Guatemala, 1990); “Cinco séculos de encobrimiento: A propósito de 1991”(Editorial Cholsamaj, Guatemala, 1991), texto o qual foi traduzido para o italiano (Bonnano Editore, Catania, Italia, 1992) e publicado para o espanhol pela revista “Global Justice”, da Universidad de Denver, Colorado, e em

72

inglês, em“Maya Cultural Activism in Guatemala” (editorial da Universidade de Texas, Austin); “Xajoj Tun vs. Quiché Vinak”, publicado na revista Encontro do Instituto Guatemalteco de Cultura Hispánica (1993); Popol Wuj: versão poética k’iche´ (Editorial Cholsamaj, 1999). Participou em congressos na Latin American Studies Association, American Anthropological Association, e do Congresso Internacional de Americanistas, ministrando conferências sobre lingüística, literatura maia e temas jurídicos maias em universidades dos Estados Unidos e Equador. Foi bolsista do Instituto Interamericano de Derechos Humanos de Costa Rica, da Fundacão Guggenheim de New York, de Plumsock Mesoamerican Foundation e da American Philosophical Society de Filadelfia. Obteve duas vezes a beca Fulbright, e a Newberry Library de Chicago lhe outorgou uma bolsa para edição. Suas colunas jornalísticas apareciam duas vezes na semana em Prensa Libre, jornal da Guatemala. Faleceu em 2011.

4 PARATEXTOS DAS TRADUÇÕES Seguindo os conceitos de Gérard Genette (2009), o paratexto é aquilo por meio do qual um texto torna-se ‘livro’ e propõe-se como tal a seus leitores, “um limiar que oferece a cada um a possibilidade de entrar, ou de retroceder […] lugar privilegiado de uma pragmática e de uma estratégia” (GENETTE, 2009, p. 11). Mesmo na época em que os textos se apresentavam sob a forma de manuscrito, existia uma mensagem no texto que induzia efeitos paratextuais com uma mensagem oficial do autor, como o título e/ou o prefácio original. O paratexto possui como característica a “força ilocutória” de sua mensagem. Pode ser uma mera informação como o nome do autor, ou a data de publicação, pode dar a conhecer uma intenção ou uma interpretação autoral, pode, por fim, indicar o gênero: poema, romance, conto, cosmogonia etc. O que diferencia o Ms. Ayer 1515, cuja cópia já era uma forma de edição, das obras de Chávez (1979) e Sam Colop (2011) estudadas nesta tese, além da contemporaneidade das duas últimas, são as características tipográficas e bibliográficas. Os dois últimos são livros que como tais ultrapassam o formato editorado, concretizam o uso público dos textos, estão orientados para o consumo dos leitores em forma de produto intelectual, e podem ser adquiridos por um grande número de pessoas. Segundo Genette (2009), a capa impressa em papel é um fato que remonta ao século XIX, portanto bastante recente. Em resumo as traduções estudadas são: Quadro 2 - Traduções estudadas Título

Tradutor

Data

Local

Manuscrito de Chichicastenango

Pe. Francisco Ximénez

1704 -1714

Guatemala

Pop Wuj: libro del tiempo. Poema mito histórico K’iche’

Don Adrián Inés Chávez

1979 -2007

Guatemala

Popol Wuj. Traducción al español y notas

Luis Enrique Sam Colop

2011

Guatemala

Fonte: A autora.

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4.1 ANÁLISE DOS PARATEXTOS E DO PRÓLOGO DO MANUSCRITO MS AYER 1515 (F. 2R) 4.1.1 Características da grafia do manuscrito O Manuscrito Ayer 1515 possui uma grafia inclinada à direita. As letras e sílabas de uma mesma palavra estão freqüentemente separadas, dificultando a leitura. A ortografia apresenta algumas dificuldades na leitura: as abreviaturas, a escrita arcaica. A própria situação da gramática-padrão na Espanha do século XVIII não estabelecia normas específicas de escrita. Como colocam Martinez e Sanchez (1994, tradução nossa77), “a Real Academia Espanhola da Língua foi fundada em 1713. Em pouco tempo se publicou o Dicionário de Autoridades, mas demorou bastante para concluir-se a Gramática Espanhola”. Quando Nebrija (1492) escreve suas obras gramaticais não parte do zero. Conta com a rica tradição greco-latina, que, no caso dele, referência principalmente três gramáticos latinos: Priciano, Diomedes e Donato, sem esquecer Quintiliano. Deles toma base teórica e elabora sua doutrina. Mas não se deve pensar que acata o estabelecido pelos seus predecessores latinos, ou que a versão gramatical espanhola é uma mera tradução da latina”. (PEÑALVER, 1991-1992, p. 222, tradução nossa78)

Somente em 1780, Carlos III publicaria um Real Decreto pelo qual o uso da Gramática tornar-se-ia obrigatório. Até então não existia uma preocupação com a gramática do castelhano, pois seus parâmetros 77

“la Real Academia Española de laLenguafue fundada en 1713. En poco tiempo se publicó el Diccionario de Autoridades mientras que hubo que esperar bastante para que se concluyera la Gramática Española.” (MARTINEZ; SANCHEZ, 1994).

78

“Cuando Nebrija (1492) escribe sus obras gramaticales no parte de cero. Cuenta con la rica tradición greco-latina, que, en su caso, se circunscribe principalmente a tres gramáticos latinos: Priciano, Diomedes y Donato, sin olvidar a Quintiliano. De ellos toma la base teórica y sobre esta elabora su doctrina. Pero no hay que pensar que acata cuanto dicen sus predecesores latinos, o que la versión gramatical española es una mera traducción de la latina” (PEÑALVER, 1991-1992, p. 222).

75

fixavam-se com base no latim. No prólogo do Manuscrito de Chichicastenango, nota-se a falta de regras de acentuação, característica das redações em espanhol do início do século XVIII, fato que em determinados momentos compromete a compreensão do sentido do texto analisado. O século XVIII na Espanha foi um período de recuperação demográfica e econômica. O poder político organizou-se de forma centralizada, seguindo o modelo francês. O influxo da Ilustração causou uma diminuição na importância da inquisição que, no fim do século, tinha dirigido suas atividades à perseguição das novas ideias ilustradas, procedentes principalmente da França, e à censura de livros. A perseguição contra judeus e muçulmanos - ou conversos - estava minimizada pelo número reduzido destas etnias na Espanha. O enorme impacto que a Revolução Francesa causou na Espanha após a morte de Luis XVI, assim como nos domínios espanhóis da América, provocou uma violenta perseguição às pessoas mais representativas das novas ideias. Ficou proibida a circulação de livros e folhetos, assim como seu embarque para América. 4.1.2 Características paratextuais do manuscrito A fonte do manuscrito estudado encontra-se na página eletrônica da Ohio University Libraries79. As páginas digitalizadas do manuscrito têm como frase inicial destacada “Empiezan las Histórias del Origen de los Indios de Esta Provincia de Gvatemala”, e foram transcritas e traduzidas por Frei Francisco Ximénez, entre 1700 e 1704. O manuscrito material encontra-se arquivado atualmente na Newberry Library, de Chicago, Illinois, como parte do Ayer MS 1515. A nomenclatura “Ayer” deve-se ao nome do colecionista Edward E. Ayer, que o doou à Newberry Library, “MS” significa manuscrito, e 1515 é o número de catálogo. O padre Ximénez numerou os fólios até 12, somente no lado 80 reto da folha. A partir desse fólio, a numeração passou a ser escrita com 79

http://library.osu.edu/projects/popolwuj/folios_esp/contents_esp.php

80

Frente da folha.

76

lápis e com caligrafia diferente. O prólogo consta de oito páginas entre fólio reto e fólio verso (frente e verso), com a numeração até 8. O texto principal da tradução do Popol Wuj tem 112 páginas, entre fólio reto e fólio verso, com numeração até 56. Os Escólios constam de 12 páginas entre fólio reto e fólio verso, com a numeração até 6. O tamanho das folhas é de aproximadamente 30 x 40cm, que estão atualmente encadernadas com capas que datam do século XIX. As folhas são provenientes do sul da Espanha (Andaluzia), e eram chamadas cuartillas, pois a folha de papel dobrava-se em quatro, com uma cor branco marfim e marcas verticais (entre 7 e 10) feitas pelo molde que prensava as folhas. Segundo Genette (2009), usar as folhas de papel dobradas é uma prática européia que remonta aos séculos III e IV, quando foram substituídos os códex de pergaminho pelos volumes de papiro. O formato dobradura não indicava por si só as dimensões planas de um livro [...] “um volume in-folio dobrado uma vez, (de onde dois fólios ou quatro páginas por folha) ou in-quatro (dobrando duas vezes, de onde oito páginas por folha) era um livro grande” (GENETTE, 2009, p. 22). 4.1.3 Título O título é o primeiro “umbral da obra”. Genette (2009) afirma que pode ser definido como um micro-texto, uma “unidade discursiva restringida” de formas e dimensões variáveis que possuem a função de designar, para o leitor, o objeto ou sistema semiótico que é, neste caso, uma “história”. Outra função importante do título é a referencial ou orientativa, que informa sobre o conteúdo da obra ou, quando menos, sobre alguns de seus componentes. A primeira informação que os leitores recebem da obra provém do título. Tal e como o observou Recinos, o manuscrito copiado pelo padre Ximénez não possuía título propriamente dito. Os títulos escolhidos pelos diferentes tradutores com a intenção de apresentar suas versões são um bom índice para detectar a interpretação global que projetam sobre o conjunto dos textos. A partir de Brasseur, a

77 enorme maioria das edições está identificada sob o título de Popol Vuh. (LÓPEZ, 1999, pág. 47, tradução nossa81).

No paratexto, um cabeçalho possui dados que Genette chama ‘oficiais’, ou seja, uma mensagem paratextual que o autor assume abertamente como responsabilidade sua, cuja força ilocutória expressa uma intenção ou um compromisso. No caso do manuscrito Ayer, sem título definido, o seguinte cabeçalho (Figura 8) é a primeira página do manuscrito, escrita em letras maiúsculas. O papel do tradutor, de acordo com a teoria dos Estudos Descritivos da Tradução, consiste em atuar como mediador. O processo inicia-se quando o tradutor escolhe um ponto de adequação entre os polissistemas culturais da língua fonte e o da língua alvo. No caso da tradução da cópia do K‘iche’ fonetizado para o espanhol, realizada pelo padre Ximénez (1700-1704), fica claro desde o cabeçalho que o autor escolhe priorizar a cultura da língua espanhola. O sacerdote domínico, limitado pela autoridade da Igreja Católica, precisa obedecer a determinados preceitos e verbaliza, desde as primeiras linhas, seu posicionamento de colonizador. Figura 8 - Primeira página do Ms Ayer 1515.

Fonte: Ms Ayer 1515(XIMÉNEZ, 1701-1704, fólio i-reto) 81

“Tal como lo observó Recinos (25), el manuscrito copiado por el padre Ximénez no tiene título. Los títulos elegidos por los distintos traductores a los efectos de presentar sus versiones son un buen índice para detectar la interpretación global que proyectan sobre el conjunto de los textos. A partir de Brasseur la enorme mayoría de las ediciones están identificadas bajo el título de Popol Wuj.” (LÓPEZ, 1999, p. 47).

78

O texto deste cabeçalho diz: “Começam as histórias da origem dos índios desta província de Guatemala traduzido da língua quiche na língua castelhana para maior conforto dos ministros do Santo Evangelho pelo R.P.F. Francisco Ximénez Cura Doctrineiro pelo Real Patronato do Povo de Santo Tomás de Chuíla”(XIMÉNEZ, 1701-1704, p. 1, tradução nossa82). Trata-se do cabeçalho de uma tradução com as seguintes especificações: 1) O nome do tradutor: Francisco Ximénez. 2) A língua fonte e a língua alvo: k’iche’ - espanhol. 3)

O tema: “as histórias da origem dos indígenas”.

4) A indicação do lugar onde foi criado: “as províncias de Guatemala - Pueblo de Santo Tomás de Chuíla”. 5) Uma dedicatória expressa: “Aos ministros do Santo Evangelho”. Na primeira página do manuscrito, encontramos o que Genette chama de “um conjunto um pouco complexo” (GENETTE, 2009, p. 55). O tradutor posiciona-se frente ao público do pólo receptor. “Nota-se claramente a intenção de resgatar e conservar o texto para usá-lo como forma de conhecer o sujeito a ser catequizado” (LÓPEZ, 1999, p. 48, tradução nossa83). De acordo com Romanelli (2010, p. 101), traduzir é um ato criativo que consta de um processo comunicativo, e Francisco Ximénez verbaliza o objetivo da tradução no primeiro folio do manuscrito: facilitar a compreensão dos textos para as autoridades da Igreja, responder ao sistema do cânone barroco colonial católico e às normas culturais da escolástica teocêntrica, posicionando o processo tradutório na perspectiva do colonizador. Parafraseando Casanova (2002, p. 314), ao observar os elementos políticos que transitaram durante a colonização, a língua materna do colonizado foi cedendo paulatinamente à imposição da língua do colonizador para construir seu lugar e existir na cidade ou no mundo. 82

Empiezan las historias del origen de los indios de estas provincias de gvatemala traducido de la lengva quiche en la castellana para mas commodidad de los minístros de el sto. Evangelio por el r.p.f. Franzisco Ximénez CVRA doctrinero por el real patronato del pueblo de sto. Tomás de chuvilla. (XIMÉNEZ, 17011704, p. 1)

83

“Se ve claramente la intención de rescatar y conservar el texto para utilizarlo como forma de conocer al sujeto a ser catequizado” (LÓPEZ, 1999, p. 48).

79

Uma das funções da tradução é a formação dos leitores (Pulido, 2015. s/p) e a paratradução contribui para a formação de leitores de tradução ao observar em detalhes os paratextos e sua compatibilidade com o conteúdo traduzido. 4.1.4 Prólogo Segundo Genette, o prefácio é um texto liminar, que pode ser autoral, e consiste num discurso produzido a propósito do texto que o segue ou que o antecede, de maneira que o posfácio será considerado uma variedade de prefácio. No prólogo aqui em questão, Francisco Ximénez, como catequizador, justifica a necessidade de conhecer o sistema de crenças do povo colonizado, expressa alguns juízos de valor coerentes com a Instituição da Igreja Católica, que exercia os desígnios da “Santa Inquisição”. Em tom didático, “o prefácio assume uma função ao mesmo tempo protocolar e mais circunstancial, ligada mais estreitamente ao objetivo do texto” (GENETTE, 2009, p. 145). Segundo Even-Zohar (1999, p. 32), a literatura pode ser conceituada como uma “ferramenta para entender e atuar no mundo”, o relato mítico do Popol Vuh proporcionava modelos de atuação, e continha instruções práticas para o comportamento cotidiano e organização da sociedade maia desde os tempos pré-hispânicos. “Os k’iches’ e maias que vivem atualmente na Guatemala vêem no Popol Wuj parte do seu passado, e talvez do seu futuro. Para eles, são textos aglutinantes e referenciais da vida cotidiana.” (LÓPEZ, 1999, p. 17, tradução nossa84). Na tradução de Ximénez, esta diretriz política fica muito mais explícita que nas outras traduções, o tradutor verbaliza e explica seu ponto de vista, justificando perante aos seus superiores o motivo que o levou a traduzir o Popol Wuj, qual seja, a finalidade de conhecer a mitologia do povo colonizado, para catequizar. Tanto o Popol Wuj quanto a Bíblia Católica têm em comum esta característica ‘aglutinante’, que transcende o texto literário, atingindo um patamar místico reconhecido por uma sociedade, pois promovem uma coesão social, ambas são culturas muito familiares para o Padre Ximénez, 84

“Los quiches y mayas que viven actualmente en Guatemala van a ver en el Popol Vuh parte de su pasado y tal vez de su futuro. Para ellos son textos aglutinantes y referenciales de su a vida cotidiana.” (LÓPEZ, 1999, p. 17).

80

que estava praticamente imerso nelas. “Jimenes era espanhol. É verdade que dos 63 anos em que viveu, 41 passou na Guatemala e, destes últimos, 32 nas regiões k’iche’ e kakchikel. Sem dúvida, foi o que teve o contato mais prolongado e estreito com a população natural, mas não se pode esquecer que era um frade domínico”(CHÁVEZ, 1979, p. 11, tradução nossa85) No prólogo do manuscrito (1701-1704), ele esclarece seus objetivos, justifica seu ponto de vista perante o corpus escolhido para traduzir, verbaliza suas impressões sobre as crenças religiosas da cultura fundamentadas na cosmogonia do Popol Wuj. Na continuação, temos um recorte do manuscrito (Figura 9), e no fólio ii reto, Ximénez escreve o prólogo com caligrafia esmerada. Trata-se de uma página editada, cuja caligrafia diferencia-se das páginas seguintes do mesmo prefácio. Figura 9 - Prólogo

Fonte:Ms Ayer 1515 (XIMÉNEZ, 1701-1704, fólio ii-r).

Quadro 3 - Transcrição e tradução do Prólogo I Esta mi obra, y trabaxo discurro, q’avra muchos q’ la tengan por la mas futil y vana de las q’ he trabaxado, así lo pensaran muchos; y yo lo discurro al contrario, porq’ entiendo ser la mas util, y necesaria q’ he trabaxado pues ademas de sacar a luz lo q’avia en la antiguedad entre estos indios Esta é minha obra. Penso que muitos leitores a considerarão a mais fútil de todas, eu penso o contrário, creio que será a mais útil e necessária que já trabalhei, pois ajudará a esclarescer o passado remoto entre os índios. 86

Fonte: Ximénez (1700-1704, f. ii r) . Tradução nossa. 85

“Jimenes era español. Es cierto que los 63 años que vivió, 41 los pasó en Guatemala y, de estos últimos, 32 en las regiones ki-ché y kakchikel. Indudablemente fue el que tuvo el contacto más prolongado y estrecho con la población natural, pero no hay que olvidar que era también un fraile domínico.” (CHÁVEZ, 1979, p. 11).

86

Disponível em: . Acesso em 9 de agosto de 2011.

81

Ximénez (1700-1704, Fólio ii r.), quando menciona as características do relato: sincrônico “o que havia na antiguidade”, o coletivo “entre estes índios”, o cultural “coisa em que em todas as nações do universo tem gastado muito tempo e trabalho, homens grandes rastreando os vestígios da venerável antiguidade” (Quadro 3), claramente o tradutor procura os universais da espécie humana. Quadro 4 - Transcrição e tradução do Prólogo II Se reduçe esta mi obra a dar luz, y notiçia de los herrores, q’ tuvieron, en su gentilidad, y q’ todavia conservan entre si. Quise trasladar todas las historias a la letra de estos indios, y también traduçirla en la lengua Castellana, y ponerle los escolios q’a la fin van puestos, q’son como anotaçiones de la historia en q’se van declarandolas cosas de los indios, porq’ discurro q’ havra muchos curiosos, q’quieran saberlas, y con eso sino saben la lengua tendran façilidad, en poderlo saber. y también pa. Desengañara algunos a quienes he oydo hablar de esta materia, q’ oya sea por no saber la lengua, o porq’ lo han oydo, en relaçion adulterada, de voca de otros juzgan de estas historias, ser cosa muy conforme a razon, y a nuestra Sta. Fe e como yo mesmo lo he oydo de voca de un religioso grave y q’ ano estar yo enterado ya pora verlo visto, y leydo me persuadiera al mesmo su dictamen por la grande autoridad de su persona, y de las personas q’m refirio averselo dicho. A quien procuré disuadir de su dictamen, con la verdad de el caso, y prometiendo, q’ quanto antes pudiese tomaria esta materia entre manos, para desengaño de muchos, q’se hallan engañados como he dicho o por ignorar la lengua, y no entienden lo q’leen, ó por las falsas relaçiones q’les han dado. O objetivo da minha obra resume-se em dar luz, e relatar os erros que (os maias) cometeram em seu paganismo, e que ainda conservam. Quero mostrar todas as estórias escritas destes índios (Popol Wuj), traduzi-las para a língua castelhana, e introduzir os “escólios”, que são comentários sobre a narração em que se revelam as crenças dos índios, penso que haverá muitos curiosos, que queiram conhecêlas, e se não sabem a língua (K´iche) terão maior facilidade. Será útil também para alguns que já ouviram falar deste assunto e tal vez não sabem a língua (Kíche’), pode ser interessante também para os que conheceram uma versão adulterada (da obra) e julgam estas estórias muito coerentes e de acordo com a nossa santa fé (católica), eu mesmo tenho ouvido esta opinião da boca de um religioso (enfermo) grave, [...] que quase me convenceu devido a autoridade de sua pessoa, e das pessoas que comentaram com ele estes asuntos. Prometi, que quanto antes eu pudesse, tomaría este texto entre as mãos, para desilusão de muitos, que estão enganados por falsas interpretações. Fonte: Ximénez (1700-1704, f. ii r)

87

87

Tradução nossa.

Disponível em: http://library.osu.edu/projects/popolwuj/folios_esp/ com tents_esp.php. Acesso em 9 de agosto de 2011.

82

Este excerto (Quadro 4) mostra Ximénez colocando-se no papel central da língua-cultura hegemônica. Sente-se responsável por “dar luz e notícia dos erros que tiveram no seu paganismo os índios”, colocando sua tradução no papel de documento de denúncia de um tempo anterior à catequese. A palavra ‘gentil’, em termos bíblicos, significa pagão88, e é a justificativa do seu trabalho, já que o objetivo da tradução da língua k’iche’ para o castelhano é a difusão: “que haverá muitos curiosos que queiram saber”. Apresenta também o intuito de esclarecer as dúvidas criadas em torno da semelhança do texto do Popol-Wuj com os Evangelhos, dizendo que se traçaram falsas relações de semelhança entre o texto maia e a Bíblia. Quadro 5 - Transcrição e tradução do Prólogo III Es verdad q’desde su prinçipio, y q’empieza a tratar de Dios diçe cosas tan conformes a la Sta. escritura, y fee catholica, aludiendo a lo q’sabemos por revelaçion de el espiritu Sto. en las Sanctas escripturas, pero como quiera q’estos se hallen embueltas en mil mentiras, y quentos, no se le deve dar mas credito q’ el q’ tiene el Pe. de mentiras satanas quien fue su Autor, sin duda, para engañar, y perder a estos miserables saliendo tan impuras las verdades catolicas como lo es la fuente de ado proçeden. como las q’ procura dar porvoca de Arrio, lutero, caluino, Mahvma, y otros heresiarcas, para perder al christianismo; q’ aunq’ sea asiq’ embuelban tantas verdades catolicas en sus desatinos como se hallan viçiados de falsas inteligençias, y opiniones contrarias a lo q’ N. Sta. Me Yglesia, tiene y cree, y enseña, de ay es q’no se puede dar credito alguno asemejantes embaydores. É verdade que desde o início o (Popol Wuj) trata sobre o ser de Deus e expressa idéias que estão de acordo com a Santa escritura e fé católica. Me refiro ao que conhecemos por revelação do espírito Santo nas Santas escrituras. Este livro maia encontra-se envolvido em mil mentiras e não se deve acreditar nele, pois o “pai da mentira” foi seu autor, sem dúvida, para enganar e perder a estes míseros (os índios), resultando tão desvirtuadas as verdades católicas devido a fonte da qual procedem. (Como a fonte que inspirou Arrio, Lutero, Calvino, Mahoma e outros heresiarcas, para arruinar o cristianismo). Pelo fato de envolver tantas verdades católicas em seus disparates, mas, como estão acostumados com falsas interpretações e opiniões contrárias ao que a Nossa Santa Igreja acredita e ensina não se pode dar crédito algum a semelhantes mentirosos (aos autores do Popol Wuj) Fonte: Ximénez (1700-1704, f. iir)89. Tradução nossa. 88

“Os apóstolos e os irmãos de toda a Judéia ouviram falar que os gentios também haviam recebido a palavra de Deus.” (Bíblia, Atos 11, vers.1).

89

Disponível em: . Acesso em 9 de agosto de 2011.

83

Observando o sentido do prólogo do manuscrito (Quadro 5), encontramos verbalizado o conceito colonialista católico, que considerava que fora da igreja católica não existia religião, e que foi aplicada ao pé da letra durante a inquisição. As páginas seguintes iii-r, iii-v e iv estão escritas em língua k’iche’, e a caligrafia é mais livre, com características de rascunho. A página iii-r (Figura 10) intitula-se “Salutación”, e no inicio do texto encontramos uma frase parcialmente truncada em espanhol: “Para que do biene a tomar poseción del pueblo el P. Les ha? um gran lengua quiche”, a continuação do texto está integralmente escrita em k’iche’, com a palavra ‘Dios’ intercalada de tempos em tempos. Figura 10 - Fragmento I, “Salutación”

Fonte: Ms Ayer 1515 (XIMENEZ, 1700-1704, f. iii-r)

Na página III-V (Figura 11), encontramos duas saudações sob o título de “Outra salutación”, esta é a única página do prólogo escrita na frente e no verso, com algumas rasuras e escrita em k’iche’, com exceção dos subtítulos.

84

Figura 11 - Fragmento II, “Outra Saluctación”

Fonte: Ms Ayer 1515 (XIMENEZ, 1700-1704, f. iii-v)

A página iv-r (Figura 12) tem um pequeno texto em modo de epígrafe, está escrita em k’iche’ somente na página da frente, a caligrafia é legível e o texto contém uma rasura. Figura 12 - Fragmento III

Fonte: Ms Ayer 1515 (XIMENEZ, 1700-1704,f. iv-r)

4.1.5 Posfácios, escólios do manuscrito Ms Ayer (1515) Segundo Genette, os paratextos, no caso pontual os posfácios, costumam ter “funções prefaciais (que) diferem conforme os tipos de prefácio” (GENETTE, 2009, p. 175). Os textos escritos por Ximénez nestes escólios respondem a um “processo tipicamente retórico de persuasão [...] que a retórica latina chamava captatio benevolentiae,[que] se trata, mais ou menos, diríamos, em termos mais modernos, de valorizar

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o texto sem indispor o leitor” (GENETTE, 2009, p. 177) já que pretende informar aos Ministros da Igreja sobre as “coisas dos índios”. Devemos esclarecer que estes leitores que Ximénez menciona eram os Ministros da Inquisição. Estes notários deviam conhecer leis e ser espanhóis homens, sem descendência nem casamento com judias, mouras ou mestiças. Eram cargos muito cobiçados pelo prestígio social que desfrutavam, além dos altos salários. Para poder exercer esta tarefa, deviam apresentar documentos dos seus antepassados e provar que tinham a chamada “pureza de sangue”. Em Lima, no final do século XVI [...] o inquisidor dom Juan Ruiz de Prado relatava ao Conselho Supremo que, ao examinar as provas genealógicas dos Comissários e familiares, havia podido comprovar que muitos não ofereceram as informações de rigor e que outros estavam casados com quarteironas90 (mestiças), e mouras (negras), motivo pelo qual teve de afastá-los do Tribunal. (ESPEJO, 2011, p. 322, tradução nossa91)

Neste contexto, firma a importância da obra no sentido de “conservar a lembrança do passado” (GENETTE, 2009, p. 177), relatando “Histórias da origem dos Índios”, como consta no cabeçalho. Com efeito, trata-se de “estórias” ou relatos de fatos fantásticos que valorizam o assunto a partir de um ponto de vista didático, com vistas à catequização mais eficaz. Existia nas práticas espanholas o conceito de pureza de sangue, a partir do qual se justificava a tarefa cerceadora da cultura colonizada. Tal posicionamento parece estar explícito nesses paratextos. Uma das funções assinaladas por Genette concerne à veracidade. A este 90

cuarterón, na.(Der. del lat. quartarĭus, y este der. de quartus, cuarto, por tener un cuarto de indio y tres de español).1. adj. Nacido en América de mestizo y española, o de español y mestiza. U. t. c. s.Real Academia Española.http://lema.rae.es/drae/?al=cuarterona. Acesso em 12 de janeiro de 2015

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En Lima, a fines del siglo xvi,[…] el inquisidor don Juan Ruiz de Prado daba cuenta al Consejo Supremo que, al examinar las pruebas genealógicas de los Comisarios y Familiares había podido comprobar que muchos no rindieron las informaciones de rigor y que otros estaban casados con cuarteronas y moriscas, motivo por el cual hubo de separarles del Tribunal (ESPEJO, 2011, p. 322)

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respeito, o referido autor comenta que: “o único mérito que um autor pode atribuir-se por meio do prefácio, provavelmente porque depende mais da consciência do que do talento, é o de veracidade, ou pelo menos de sinceridade, isto é, do esforço no sentido da veracidade.”(GENETTE, 2009, p. 184). Neste sentido, Ximénez é perfeitamente fidedigno e coerente com a doutrina católica de sua época, que lhe inspira uma série de juízos de valor e impressões que registra no posfácio transcrito e traduzido conforme abaixo reproduzido: Figura 13 - Cabeçalho do Posfácio

Fonte: MS Ayer 1515(XIMENEZ, 1700-1704, Escólios, Prólogo, fólio 1r.)

Escólios às histórias (estórias) da origem dos índios, escoliadas pelo R. P. F. Francisco Ximénez, cura catequista, pelo real patronato da Vila de Chichicastenango da sagrada ordem de predicadores para maior noticia aos ministros das coisas dos índios (XIMENEZ, 1700-1704, Escólios, Fólio 1r, tradução nossa).

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Os Escólios são paratextos que o padre Ximénez inseriu no posfácio para informar aos seus superiores eclesiásticos as tradições e o modus vivendi do povo K’iche’ a partir de seu próprio ponto de vista. Nele, são expressas impressões sobre religião, mitologia e rituais próprios dos K’iches’, assim como opiniões sobre algumas dessas manifestações. Constam de 6 fólios manuscritos que iniciam com um cabeçalho em letras maiúsculas, tal como pode ser constatado na Figura 13 anteriormente apresentada. A transcrição que apresentaremos nos Quadros 6 e 7 foi realizada em 1879 por Carl Scherzer para sua edição publicada em Viena sob o título “Las historias del origen de los Indios de esta provincia de Guatemala”. Na publicação fac-símile da Universidade de Ohio92, encontramos seis fólios, e embora Scherzer transcreva um texto muito maior, nos ativemos ao manuscrito que dispomos on-line, cujos subtítulos são: Prólogo de cinco páginas (Fólios 1r, 2r, 2v, 3r, 3v), transcrito e com tradução própria para o português, e o subtítulo “Del ser de Dios” (Fólios 4r; 4v). Quadro 6 - Escólios. Prólogo PROLOGO Cosa cierta y averiguada entre todos los que conocen índios, que es la gente más irregular en sus cosas, que se ha descubierto en toda la redondez de la tierra, y así muchos hombres de buen talento cada día se ven desatinados en sus cosas, pues, cuando les parece que ya están al cabo del conocimiento de quienes son los indios, se hallan tan en los principios de su conocimiento y comprehensión que todo lo que han adquirido con su estudio y cuidado para mejor poder gobernar, no le sirve ya en las cosas que de nuevo se le ofrecen. PRÓLOGO A opinião de todos os que conhecem índios é de que estes são as pessoas mais irregulares já vistas sobre a face da terra. Muitos homens inteligentes (espanhóis) dedicam-se diariamente a compreender como vivem, mas, depois de estudar seus hábitos e acreditar que alcançaram compreensão sobre seus costumes para poder governar melhor, surgem mais dúvidas. Fonte: Ms Ayer 1515(XIMÉNEZ, 1700-1704, Escólios, fólios 1r). Tradução nossa. 92

http://library.osu.edu/projects/popolwuj/folios_esp/contents_esp.php acesso em 28 de dezembro de 2014.

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O padre Ximénez utiliza o adjetivo “irregulares” para definir a forma como os K’iches’ se comportavam e pensavam. A grande distância epistemológica entre as duas culturas foi lida desta forma pelo sacerdote católico que, em seu esforço para compreender os costumes maias, sempre achava novos desafios em seus estudos que o faziam se sentir confuso. Devemos destacar que classifica os espanhóis como “homens de bom talento” enquanto que os maias são classificados como os “piores que se tem descoberto na face da terra”. Parece que o conceito eurocentrista de superioridade fica explicitado em seu escrito. Quadro 7 - Escólios. Prólogo. (Continuação) Muchos ha habido que han querido dar a entender el conocimiento del indio en sus escritos de historias y sumas y otros escritos; pero pienso que les ha sucedido lo que a mi me sucederá en todos mis escritos: que aunque he procurado dar a entender lo que ellos son, al cabo pienso que no habré dicho nada. El Doctor Padre Apiano, cosmógrafo del Emperador Carlos V, demarcando la isla española, les quiere dar a conocer el mundo, diciendo: que son gente, indadis liberalissimi, in accipiendo cupidissimi, en el dar muy liberales, en el recibir muy codiciosos, y aunque consumen todo un dia dando vueltas a un palo. […] son gentes codiciosas y desdichadas, pues convidándose ellos unos a otros en sus fiestas y desde un pueblo a otro en sus festividades, se le ha de corresponder con el mismo número y especie que el que dio al otro cuando fue su convidado, y solo um plátano menos que se le corresponda, es materia de tanto sentimiento que por aquello solo se acaba la amistad y correspondencia de muchos años. […] Houve muitos (espanhóis) que tentaram explicar o conhecimento dos índios em seus registros históricos; porém, acredito que lhes aconteceu o mesmo que a mim: ainda que tenha tentado fazer isso, no fim, penso que não dissem nada. O Dr. Padre Apiano, cosmógrafo do Imperador Carlos V, descrevendo os domínios espanhóis, explica que (os colonizados) são pessoas (indadis liberalissimi, in accipiendo cupidissimi),desmedidas quando oferecem e gananciosas quando recebem. São capazes de desperdiçar um dia inteiro dando voltas ao redor de uma estaca [num ritual] [...].São pessoas gananciosas e infelizes, quando convidam um ao outro e, às vezes, de um povoado a outro em suas festividades, esperam uma retribuição com o mesmo número e igual espécie de alimentos que ofereceram, e apenas uma banana a menos quando são convidados, é o suficiente para acabar com a amizade de muitos anos.[...] Fonte: Ms Ayer 1515 (XIMÉNEZ, 1700-1704, Escólios, fólios 1v). Tradução nossa.

Francisco Ximénez menciona o “conhecimento do índio” e reconhece sua própria dificuldade para compreendê-los. Expressa claramente a idéia de produtividade ligada ao tempo em benefício da

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ideologia espanhola, quando condena a forma como os K’iches’ “desperdiçavam” o tempo deles em rituais monótonos, porém se mostravam gananciosos e mesquinhos com coisas corriqueiras como frutas oferecidas numa festividade. Quadro 8 - Escólios. Prólogo (Continuação) Y todo es tan general, que lo mismo es uno que otro, el rico y el pobre, el que es cacique o Principal, como el más igual; todos son iguales, y tan añadidos unos con otros, y así dijo bien quien los llamó niños con barbas, y a la verdad ellos son como muchachos en todo. Ni vale ver las contradicciones que en sí envuelven, que con la cortedad de su talento no reparan en esto y aquí se conoce la malicia de la bestia infernal, como les sugirió mentiras tan adecuadas a sus talentos para más tenerlos embaucados, y como quiera que no solamente en estas historias se hallen sólo estas mentiras y quimeras, sino también nuestras verdades católicas, y que tiene y cree nuestra Fe católica, reveladas por el Espíritu Santo de la Sagrada Escritura. De ahí es que no se debe hacer tampoco caso de estas historias respecto de la mucha tierra que el demonio gana entre esta gente con estos errores que entre ellos tiene sembrado desde el tiempo de la gentilidad… Na sociedade maia não há diferenças no convívio entre ricos e pobres, entre caciques e Principais; todos se consideram iguais e são muito unidos. Quem os considerou como “crianças com barbas”, entendeu sua ingenuidade. Eles não reparam nas diferenças sociais que os diferenciam, devido a sua falta de inteligência não conseguem entender tais diferenças, neste ponto se reconhece a malícia do demônio, que lhes ensinou mentiras adequadas a suas capacidades para dominá-los, deformando também as verdades católicas e nossa Fé, reveladas pelo Espírito Santo nas Sagradas Escrituras. Mas não devemos dar importância a estas histórias, sobre o terreno que o demônio ganha entre esta gente, com os erros que têm semeado entre eles desde o tempo do paganismo. Fonte: Ms Ayer 1515 (XIMÉNEZ, 1700-1704, fólios 2r).Tradução nossa.

No excerto anterior (Figura 9) Ximénez descreve uma característica do cotidiano dos K’iches’ sobre a forma de se relacionarem entre si, expressando que embora existissem diferenças sociais, estas não interferiam nas interações sociais. Em sua descrição, utiliza juízos de valor, como por exemplo: “limitados em seus talentos”, e “ingênuos como crianças”, atribuindo a esta ingenuidade a razão para que a sociedade dos K’iches’ tenha sido “vítima do demônio”, que teria nela encontrado “mentiras adequadas aos seus talentos”. Na tradução do texto, Francisco Ximénez (1700-1704) teve a preocupação de respeitar o texto fonte. Respeitou também a estrutura linear do texto e a diversidade temática. Ao justificar-se no prólogo

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perante os desígnios da inquisição e, ao expressar sua opinião sobre a cosmogonia maia - tão alheia ao seu conhecimento de mundo - como “obra do demônio”, isentou-se de qualquer suspeita dos inquisidores, e ganhou certa liberdade para traduzir. Como estudioso e catequizador, precisava conhecer o ideário teológico maia para concretizar seus objetivos didáticos que geralmente tentavam aproveitar as crenças, mitos e a religião dos povos colonizados. Nos escólios da sua tradução, Pe. Ximénez expressa sua opinião sobre os conceitos que regiam os mitos dos k’iches sob a perspectiva colonizadora. “... Com esta semente maligna e planta daninha que o demônio deixou semeada entre eles, destas histórias da sua origem e ouvindo cada dia e vendo com seus próprios olhos todo indício das superstições que possuem; alguns acham graça, sem reparar na origem e raiz de onde provêm, para procurar o remédio a tempo” (SCHERZER, 1857, p. 145, tradução nossa93). A palavra ‘remédio’, utilizada no texto anterior, que alude à evangelização, tem uma razão de ser. Segundo Stallaert (2006, p. 176-178) no prólogo da Gramática Castelhana de 1492, Antonio de Nebrija interpreta o trabalho dos reis da Espanha como reconstituição física e depuração espiritual do corpo nacional. O individual e o comunitário encontravam-se, nessa época, em relação mimética: assim como um corpo individual, o corpo nacional proveniente da interpretação do corpo místico, de acordo com a doutrina cristã, possui uma dimensão material, física. Essa conceituação organicista da comunidade político-religiosa espanhola explica a terminologia médica com que se interpretavam as impurezas e imperfeições do corpo coletivo. No texto Edicto de Expulsión de los judíos de Castilha (1492)94, aparecem os termos ‘remediar’, ‘remédio’, ‘por contágio’ e, por fim, a mais significativa e cruel: ‘purga’. Interessante também resulta o relato de uma crença que os religiosos catequistas católicos tinham no seu imaginário castiço referente à origem dos povos colonizados, materializados no texto que Ximénez escreve nos escólios, transcrito por Scherzer: 93

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“Con esta mala semilla y zizaña que el demonio dejó sembrada entre ellos, de estas historias de su origen, y oyendo cada dia y viendo por sus ojos todos los retoños y asomar de la supersticiones que tienen; los mas lo toman á cosa de cuentos y risa, sin reparar en el origen y raíz de donde proviene para procurar el remedio con tiempo” (SCHERZER, 1857, p.145).

91 [...] seguramente estes índios descendem das dez tribos que se perderam dos judeus, e que não voltaram para sua pátria e assim conservaram por tradições todos os acontecimentos que nos refere o Sagrado Texto, e o demônio os foi envolvendo em muitíssimos erros, que se não fossem descendentes das tribos, o demônio como era tão sábio, suspeitando por algumas conjecturas a vinda do Santo Evangelho a estes lugares do mundo, lhes sugeriu mentiras envolvidas em muitas verdades católicas das que ensinou o Espírito Santo na Sagrada Escritura, com o fim de que, ouvindo os índios o que ensinavam os Ministros do Santo Evangelho de Deus e suas obras da encarnação do verbo, [...] mais se apegassem aos seus erros. (SCHERZER, 1857, p. 146, tradução nossa95).

Pela análise realizada, conclui-se que a opinião da suposta origem judaica atribuída aos maias, embora insólita, justifica-se pelo processo de eugenia96 praticado no século XV e XVI pela igreja-estado espanhola contra todos os que fossem ‘infiéis’ e não tivessem a pureza de sangue dos velhos cristãos. “A construção etnonacional de Espanha pelo seu caráter teológico se fez presente primeiro nas ordens religiosas, para cuja depuração se solicitou a instauração da Inquisição.” (STALLAERT, 95

“...el venerable Padre Fray Domingo de Vico en el capítulo 101 de la segunda parte de su ‘Teologia Idorum’: a que estos indios descienden de las diez tribus que se perdieron de los judíos, y que no volvieron a su patria, y así conservaron por tradiciones todos los sucesos que nos refiere el sagrado testo, y el demonio se los fue envolviendo en muchísimos errores y lo otro, a que de no ser así que descienden de aquellas diez tribus, el demonio como tan sabio, alcanzando por algunas conjeturas la venida del Santo Evangelio, a estas partes les sugirió estas mentiras envueltas en muchas verdades católicas de las que enseñó el Espíritu Santo en la Sagrada Escritura, con fin de que oyendo los indios lo que habían de enseñar los Ministros del Santo Evangelio de Dios y sus obras de la encarnación del verbo […] mas se arragasen en sus errores.” (SCHERZER, 1857, p.146).

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E ugenia: termo cunhado por Francis Galton (1904), que significa "bem nascido". Galton definiu eugenia como o estudo dos agentes sob o controle social, que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações, seja física ou mentalmente. Em outras palavras, “melhoramento genético”.

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2006, p. 215). Os colonizadores espanhóis queimaram os códices (quase todo o acervo escrito maia) movidos por essa ideologia, “como sabia Heine, onde se queimam livros, depois se queimarão os homens.” (STALLAERT, 2006, p. 64). O médico não pode aplicar com acerto os medicamentos ao enfermo (sem) que conheça de onde procede a doença [...] Para predicar contra estas coisas, e ainda para saber se existem, é imprescindível saber como as usavam em tempos de idolatria, que por falta de não saberem isto, na nossa presença, fazem muitas coisas sem que as entendamos. (DURÁN apud LIENHARD, 2009, p. 1, tradução nossa97).

Na introdução encontramos uma descrição da estruturação dos capítulos do Manuscrito de Ximénez (1700): “Este documento curioso com 112 páginas com letra muito fechada, com uma tinta tão pálida que provavelmente em poucos anos será impossível ler o original” (SCHERZER, 1857, p. XVI, tradução nossa98). É considerado pelo autor como um texto sem divisões, embora reconheça que provêm da oralidade recolhida em épocas diferentes, mas com a unicidade da tradição. “[...] Podem notar-se as diferenças básicas entre os períodos clássico, clássico tardio e pós-clássico. A distinção é tão clara que é difícil conceber como ideias filosóficas e rituais tão diferentes podem ter lugar no mesmo texto. A resposta radica, a meu ver, no narrador, que na época da colônia levou as lendas às letras latinas.” (MEGGED apud LÓPEZ, 1999, p. 40, tradução nossa99) 97

“El médico no puede acertadamente aplicar las medicinas al enfermo (sin) que conozca de qué humor, o de qué causa proceda la enfermedad […]. Para predicar contra estas cosas, y aún para saber si las hay, menester es de saber cómo las usaban en tiempo de su idolatría, que por falta de no saber esto en nuestra presencia hacen muchas cosas idolátricas sin que lo entendamos” (DURÁN apud LIENHARD, 2011, p. 1).

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“Este documento curioso comprende 112 páginas con letra muy cerrada, con una tinta tan pálida que probablemente en pocos años será imposible leer el original”. (SCHERZER, 1857, p. XVI).

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“pueden percibirse las diferencias básicas entre los periodos clásicos, clásico tardío y postclásico. La distinción es tan clara que es difícil concebir cómo ideas filosóficas y rituales tan distintas puedan tener lugar en un mismo texto. La

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No subtítulo dos escólios: sobre el ser de Dios, encontramos alguns comentários do tradutor dirigidos aos seus superiores. Ele emite opinião sobre os difrasismos utilizados para definir Deus. Afirma que os K´iches’ foram enganados pelo demônio, e sugere alguns pontos didáticos específicos para realizar a evangelização. Scherzer, nas notas da edição de 1857, aborda o problema que os curas tiveram para catequizar, resultando com frequência em uma tarefa superficial, com objetivos truncados, causados pela resistência que opunha os povos colonizados aos espanhóis, e em segundo lugar pela falta de conhecimento dos sacerdotes sobre as línguas nativas, “...estas misturas singulares das tradições bíblicas com o paganismo do novo mundo eram principalmente causadas pela instrução imperfeita que os índios receberam dos primeiros missionários.”(SCHERZER, 1857, p.146, tradução nossa100). No seguinte excerto dos escólios, Ximénez se esforça para explicar pontualmente estes problemas didáticos sobre teologia. Quadro 9 - Escólios “Sobre el ser de Dios” Tzacol-bitol, que quiere decir el que hace o fabrica algo, expresa su posita materia pues ese es el nombre que se le halló más adecuado para explicar a Dios todavía porque se puede discurrir ser dado por el demonio como para dar a entender que no es criador, se deben explicar a los indios estos nombres de Tzacol-bitol, y detestar la inteligencia que el demonio pudo darle llamándole Alomga-holom (el que tiene hijos) y por cuanto esto se dice propiamente del hombre y los animales que per generationem se multiplican, también se les debe explicar no ser nosotros hijos de Dios de la misma forma que lo somos de nuestros padres. Tzacol-bitol, em k’ iche’, significa: ‘quem faz ou fabrica alguma coisa’, [...] esse é o nome que os maias acharam mais adequado para explicar a Deus. Esse nome parece ter sido sugerido pelo demônio para induzir a idéia de que Deus não é o “Criador”. (Os catequizadores) devem explicar aos índios o significado de Tzacol-bitol, e rejeitar a perspicácia do demônio que o chamou “aquele que tem filhos” (Alomga-holom). [...] Esclarecer que a paternidade de Deus é diferente da paternidade dos homens e da reprodução dos animais. Fonte: Ms Ayer 1515 (XIMÉNEZ, 1700-1704, Escólios, prólogo, f. 2v.) Tradução nossa. respuesta radica, a mi entender, en el narrador que ya en la época de la colonia llevó las leyendas a letras latinas.” (MEGGED apud LÓPEZ, 1999, p. 40). 100

Estas mezclas singulares de las tradiciones bíblicas con el gentilismo del nuevo mundo eran principalmente causadas por la instrucción imperfecta que los indios recibieron de los primeros misioneros (SCHERZER, 1857, p.146)

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Observa-se o objetivo pedagógico proposto por Ximénez (17001704) ao esclarecer alguns conceitos da doutrina cristã, como a paternidade do Deus católico que, segundo ele, pela intervenção do demônio ficou mal explicada: “É certo que são modos de explicar o ser e o poder de Deus” (XIMENEZ 1700-1704, escólios, fólio 3r),pois, de acordo com o tradutor, o texto pode confundir a paternidade humana com a divina. Quadro 10 - Escólio sobre a gestação dos “Gêmeos Heróicos” Esto es cierto, que son modos de explicar el ser y el poder de Dios: pero por cuanto pudo el demonio darles a entender como de facto consta, que Hunhunahpu, a quien tuvieron por Dios, con la saliva concibió en la doncella Xquic […] a Hun-ahpu, un tirador. Este Dios que el demonio da a entender lo hace Duodeidad porque no nombra más que dos sujetos: uno llamado HunahpuVich, un tirador tacuasin y a Ahpu-Vuh, un tirador lobo Algumas formas de explicar o ser e o poder de Deus foram influenciadas pelo demônio, fazendo com que os índios acreditassem [num mito] que Hunhunahpu101 (Deus pai), teria cuspido na mão de uma donzela chamada Xquic,o que provocou a gravidez da qual nasceria Hun-ahpu102, um tirador103. Esta concepção de Deus que o demônio da a entender é um ser “duplo”104, já que nomeia dois sujeitos: um chamado Hunahpu-Vich, um tirador tacuasin105 e outro chamado Ahpu-Vuh, um tirador lobo106 Fonte: (XIMENEZ, 1700-1704, fólios 3r). Tradução nossa.

Outro assunto igualmente complexo que Ximénez aborda neste paratexto (Quadro 10) é o mito da gravidez de uma virgem, fundamentada num episódio do Popol Wuj que descrevemos em seguida: Hunhunahpu é o nome de um personagem que foi chamado para descer ao “inframundo” pelos deuses da morte, onde foi desafiado a uma partida do jogo de bola maia (Chaaj em K´iche’), a qual ele perdeu e foi morto. 101 102

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Pai dos Gêmeos heróicos Este nome representa os Gêmeos heróicos, Hunahpu-vuh e Hunahpo-Vich, mas Ximénez não aceita que são duas crianças. Tirador na cultura k’iche’ é sinônimo de caçador, pois eles caçavam atirando com cerbatanas aos animais, aptidão principal dos gêmeos heróicos. Aqui fala do ser duplo representado pelos dois irmãos gêmeos. Caçador de gambás. Caçador de lobos.

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Depois de muito tempo, cresceu no bosque uma árvore na qual a cabeça de Hunhunahpu vivia como se fosse um fruto. Xquic era uma jovem virgem que um dia olhou para esta árvore e se aproximou. Ela conversou com a cabeça de Hunhunahpu e ele mandou que ela estendesse a sua mão, onde ele, então, depositou sua saliva sagrada. Depois deste acontecimento, ela ficou grávida dos gêmeos heróicos. Este mito impôs aos sacerdotes católicos um grande conflito teológico, cuja linha de raciocínio chegou até o demônio como o responsável pela constituição de ideias diferentes daquelas presentes na Bíblia, manifestadas na cultura K´iche’. Porém, a semelhança de circunstâncias cosmogônicas como a fecundação de uma virgem em circunstâncias miraculosas, parece ter sido aproveitada pelos primeiros catequizadores, fato que Ximénez critica. Logo, comenta o caso da “dupla deidade”, os gêmeos heróicos, que respondem aos princípios que regem a epistemologia da obra maia, a nível lingüístico por exemplo os difrasismos se apresentam como conceitos multifacetados complementares e indissolúveis, esta organização levou Ximénez a considerá-la como uma heresia contra a Santíssima Trindade. 4.2 POP WUJ, EL LIBRO DEL TIEMPO DE DON ADRIÁN I. CHAVEZ 4.2.1 Peritexto editorial Pop Wuj de Don Adrián Inés Chávez - capa, página de rosto e seus anexos. Seguindo os critérios de Gérard Genette (2009), neste subtítulo realizamos uma descrição das características de uma edição escolar de bolso do “Pop Wuj” de Don Adrián Inés Chávez (2007). De acordo com as noções da Paratradução: Ninguém contestaria a importância da noção de texto em tradução, já que, reconhecidamente, tradutores, de fato, traduzem textos. Todavia, ressalta-se que textos não existem por si próprios. Ao contrário, para que sua presença seja uma realidade no mundo editorial, eles sempre dependerão dos paratextos. Afinal, textos existem somente para serem lidos, porém não há a possibilidade de leitura sem uma apresentação adequada do texto por seus editores, fazendo uso de diferentes produções paratextuais.(YUSTE FRIAS, 2014, p. 25)

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4.2.1.1 Capa do Pop Wuj (CHAVEZ,2007) Na capa desta edição (Figura 14), encontramos informações bastante detalhadas. O título “Pop Wuj” apresenta a inovação fonética nos estudos da língua K‘iche’, fruto do trabalho de pesquisa do tradutor, que acabou demarcando um divisor de águas nesta disciplina, visto que, até o momento, era utilizada a grafia “Popol Vuh”, proveniente do ano de 1861 quando, segundo López (1999, p. 32), Brasseur de Bourbourg o publicou em Paris com o título “Popol Vuh. Le livre sacré et les Mithes de L’Antiquités Américaines, avec Les Livres héroïques des Quichés”. Alguns tradutores conservam esta grafia do século XIX, outros, como Sam Colop (2011), reconhecem a grafia atualizada. O título “Pop Wuj: Libro del Tiempo” de Chávez alude ao tempo mítico da cosmogonia, com a qual o livro inicia, e ao tempo histórico das dinastias e grupos com a importância primigênia dos códices: “Os códices eram para os maias algo mais que o meio de conservar seus conhecimentos e tradições; eram o símbolo de todo o sagrado e digno de respeito, a chave para compreender o espaço e o tempo e para situar-se neles, a norma de vida e o princípio de identidade do seu ser comunitário” (DE LA GARZA, 1998, p. 68, tradução nossa107) Figura 14 - Capa do Pop Wuj.

Fonte: Chavez (2007) 107

Los códices eran para los mayas algo más que el médio de conservar sus conocimientos y tradiciones; eran el símbolo de todo lo sagrado y digno de respeto, la clave para comprender el espacio y el tiempo y para situarse en ellos, la norma de vida y el principio de identidad de su ser comunitario”(DE LA GARZA, 1998, p. 68)

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Esta edição foi escolhida por ser muito utilizada nas escolas da República Argentina e cuja leitura recomenda-se no Ensino Médio. O tamanho da capa é de 11 x 19,5cm (ou de bolso), a página de rosto contém uma ilustração circular e o nome da coleção a que pertence (“Biblioteca de Cultura Popular”), como anexo apresenta mais uma página com desenhos zoomorfos maias simplificados em preto e branco, um na parte superior e outro na parte inferior. Na continuação, encontramos o título do livro e as especificações autorais do prefácio, a repetição do nome da coleção e o número 7, que corresponde ao volume, sendo, por fim, mencionada a editora (“Editora del sol”). No verso desta página, encontramos a ficha técnica da edição: 1ª edição, Buenos Aires, cuja edição é de 2007. Possui 176 páginas e ISBN 978-950-9413-13-9. Especifica o nome do diretor da coleção: Adolfo Colombres, e também do desenhista: Ricardo Deambrosi, e uma nota explicativa onde se lê: “Ilustrado com signos y dibujos de los códices mayas”. Referencia a ilustração da capa: “Códice ‘Dresde’ kumatzin Wuj Jum” (detalhe). Em seguida, tem mais uma ilustração circular sem nenhuma legenda, especifica a edição, 1ª, e o ISBN. Quadro 11 - Especificações da capa do Pop Wuj Título: “Pop Wuj, Libro del tiempo. Poema mito-histórico Ki-chè.” A tradução de Adrián I. Chavez diferencia-se das outras pelo título, “Pop Wuj, libro del tiempo”, oferece uma tradução diferenciada das conhecidas anteriormente, pois não provém da versão francesa de Brasseur de Bourbourg (1861), oferece uma estrutura contínua e notas. Nome do tradutor: “Traduzido do texto original por Adrián I. Chavez” Nome dos prefaciadores e revisor: “Prólogo de Carlos Guzmán Böckler”. Nota preliminar e Revisão: Adolfo Colombres. Coleção: Biblioteca de Cultura Popular. Número dentro da edição: 7 Editora: Ediciones del Sol. Fonte: Chavez (2007)

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4.2.1.2 Contracapa. Figura 15 - Contracapa do Pop Wuj

Fonte: Chavez (2007)

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Na contracapa (Figura 15), inicia com a classificação da obra dentro do polissistema literário da América pré-hispânica, e destaca a importância de ser o primeiro falante nativo K’iche’ a realizar uma tradução da obra na época contemporânea. O fato de Chávez ter sido o primeiro professor formado confere-lhe uma especial autoridade para realizar uma tradução descolonizadora: “O mais valioso é a descolonização do texto sagrado em que se esmera, que vai desde o título e estrutura (desaparecem a divisão em partes e capítulos) à natureza dos personagens, concebidos já não em pares ou gêmeos. Chávez depurou assim a Antiga Palavra para colocá-la a serviço da Nova Palavra […] A publicação do presente livro constitui um acontecimento cultural de grande magnitude na América” (CHAVEZ, 2007, contracapa, tradução nossa108). Fica clara sua intenção de se diferenciar dos tradutores anteriores pela sua origem K’iche’ e pela novidade de apresentar a tradução sem divisões em capítulos como o apresenta o manuscrito de Ximénez (1700-1704). Porém, neste intuito de renovação,Chávez (2007) acaba trabalhando o princípio binário dos personagens do Popol Wuj, como se tratassem de personagens de uma só faceta, o que contradiz a epistemologia maia. Esta alteração no conceito K’iche’ dos deuses cosmogônicos coloca a obra de Chavez na categoria de descolonizadora, por representar traços internalizados do pensamento cristão e eurocentrista. 4.2.2 Prefácio A nota preliminar consta de sete páginas assinadas por Adolfo Colombres, na cidade de Buenos Aires, em agosto de 1986, e nela encontramos uma explanação sobre a língua K’iche, a descrição dos méritos do autor e do seu trabalho. Realiza comentários sobre o “Abade Brasseur de Bourbourg, que conhecia várias línguas e escreveu que o K’iche’ era não somente o idioma mais perfeito de Guatemala, senão também um dos mais perfeitos 108

Pero lo más valioso es la descolonización del texto sagrado en que se empeña, que va desde su nombre y estructura (desaparecen la división en partes y capítulos) a la naturaleza de los personajes, concebidos no ya en pares o gemelos. Chavez depuró así la Antigua palabra para ponerla al servicio de la Nueva Palabra […]. La publicación del presente libro constituye un acontecimiento cultural de gran magnitud en América” (CHAVEZ, 2007, contracapa).

100

do mundo, pela sua rara beleza e harmonia.” (CHÁVEZ, 2007, p. 9, tradução nossa109). Explica como Brasseur estudou a língua com rigor científico, preparando um alfabeto fonético. Relata também as dificuldades do famoso Diego de Landa em predicar em língua maia, “sofria, a miúde, quando predicava em língua maia, as conseqüências das limitações das consoantes castelhanas, pois os índios apenas podiam conter o impulso do riso, não se burlavam da má pronuncia [...] mas do ridículo da nova mensagem” (CHÁVEZ, 2007, p. 9, tradução nossa110). Sublinha o mérito do trabalho de Don Adrián Chávez (1979) que segue um relato único e acompanha o desenrolar temático do Manuscrito de Ximénez (1700-1702). Colombres (2007) frisa os detalhes da arquitetura da tradução, esquematizada em quatro colunas, que detalharemos na análise das traduções. O estilo textual é categórico e de tom político: Afortunadamente, Chávez, formado na adversidade como todo o seu povo, não desistiu. Com sua máquina de escrever datilografou as quatro colunas do texto, às quais acrescentou uma explicação necessária e um prólogo de Carlos Guzman Böckler, um estudo comprometido com o indígena e não com as elites que expropriam sua produção material e espiritual.” (CHAVEZ, 2007, p. 11, tradução nossa111)

A tradução da edição de 1979, enviada gentilmente pelo Dr. Prof. Carlos López, da Marshall University, será utilizada concomitantemente nesta pesquisa com a edição de 2007. Na primeira, Chávez apresenta as traduções distribuídas em quatro colunas: a primeira com a transcrição 109

“El abate Brasseur de Bourbourg, que conocía varias lenguas y escribió que el k’iche era no sólo el idioma más perfecto de Guatemala sino también uno de los más perfectos del mundo, por su rara belleza y armonía.” (CHÁVEZ, 2007, p. 9).

110

“sufria a menudo cuando predicaba en maya las consecuencias de las limitaciones de las consonantes castellanas, pues los indios apenas podían contener el estallido de la risa. No se burlaban de la mala pronunciación [...] sino de la ridiculez del nuevo mensaje.” (CHÁVEZ, 2007, p. 9).

111

“Por suerte Chávez, formado na adversidad como todo su pueblo, no se arredo. Con su máquina tipeó las cuatro columnas del texto a las que agrego luego una explicación necesaria y un prólogo de Carlos Guzman Böckler, un estúdio comprometido com el indígena y no con las elites que expropian su producción material y espiritual.” (CHAVES, 2007, p. 11).

101

em K’iche’ do M. Ayer 1515; a segunda coluna contém a revisão da língua fonte com a tipografia criada pelo tradutor para representar fonemas da língua K’iche’ que o tradutor considerou omitidos na tradução de Ximenes; a terceira é a tradução literal ao espanhol; e a quarta é uma versão que a torna mais compreensível. Aplicaremos os critérios de Berman (2007, p. 67) sobre a “tradução e a sistemática da deformação” para analisar a adaptação que o tradutor fez da sintaxe K'iche’, traduzida literalmente para a estrutura sintática espanhola. O Pop Wuj de Chávez (1979) mostra uma preocupação linguística específica e trabalha detalhadamente os aspectos fonéticos do K‘iche’, que possui sons que devem ser produzidos de uma forma específica e que não encontram analogia na língua espanhola. Casanova (2002) comenta as soluções que alguns autores de povos colonizados aplicam para atingir um movimento de diferenciação, o qual atua de uma forma não completamente consciente na performance tradutória:“... tradução-adoção da língua dominante, auto tradução, obra dupla tradução simétrica, criação e promoção de uma língua nacional e/ou popular, criação de uma nova escrita, simbiose de duas línguas.” (CASANOVA, 2002, p.313).Nas Figuras 16 e 17 ilustramos um excerto com a transcrição das quatro colunas mencionadas. Figura 16 - Amostra de tradução

Fonte: Chávez (1979, p. 3)

102

Figura 17 - Amostra de traduções em espanhol

Fonte: Chávez (1979, p. 3b)

Casanova (2002) considera que para todos os escritores oriundos de países que estiveram por muito tempo sob domínio colonial,“o bilingüismo (como tradução incorporada) é a marca indelével e principal da dominação política.[...] As estratégias desses escritores podem ser descritas como espécies de equações muito complexas, com duas, três ou quatro incógnitas.” (CASANOVA, 2002, p. 314), o mérito de Chávez foi iniciar a reflexão descolonizadora na revisão lingüística do texto, questionando o nível de articulação dos fonemas da língua K ‘iche’ e como o ouvido do padre Ximénez captou desde sua perspectiva hispânica. Continuando com a descrição dos prefácios, encontramos na página 14 uma foto do autor, acompanhada do nome completo e um curriculum resumido. O prólogo está assinado por Carlos Guzman Böckler e encontra-se dividido em sete partes. Através de um texto discretamente apologético sobre a obra de Chávez, que a qualifica como “a mais fiel tradução para o espanhol já feita do venerável documento.” (CHÁVEZ, 2007, p. 15, tradução nossa112), o discurso de Böckler (2007) sublinha a origem K‘iche’ do autor e sua autoridade para compreender as tradições do seu povo e acrescenta: “com a aparição deste trabalho marcase o fim de uma era na que foram os estrangeiros os que falavam e escreviam pelos K‘iches’ ” (CHAVEZ, 2007, p.20, tradução nossa113). No 112

“La más fiel traducción al español que del venereble documento se haya hecho.” (CHAVEZ, 2007, p.15).

113

“Con la aparición de este trabajo se marca el fin de una era en la que fueron los extranjeros quienes hablaron y escribieron por los K ‘iche’ ‘’s.” (CHAVEZ, 2007, p. 24)

103

segundo adendo, descreve brevemente a trajetória histórica do manuscrito de Ximénez (1700-1704) e das principais traduções realizadas por estrangeiros, até chegar a Recinos. Na quinta parte resume todos os dados históricos das traduções e pormenoriza as peculiaridades das traduções de Ximénez (1700-1704), Brasseur de Bourbourg (1861) e Adrian Recinos (1953), para finalmente compará-las com o trabalho de Chávez. Da comparação surgem conclusões como as seguintes: “nos trabalhos dos três autores citados subjaz a convicção de que o pensamento K’iche’ expressado no Popol Wuj, por mais originalidade, profundidade e elegância que apresente, não deixam de ser a manifestação ingênua de um povo conceituado por eles como primitivo e inferior à cultura ocidental.” (BÖCKLER, 2007, p. 27, tradução nossa114). No sexto item, Chávez (2007) expressa o esforço por “descolonizar” o texto, começando pelo título “Pop Wuj”, explicando o significado de “libro del tiempo”, e aponta um critério sobre a interpretação da ontologia dos gêmeos heróicos. 4.3 PERITEXTO EDITORAL DO “POPOL WUJ, TRADUCCIÓN AL ESPAÑOL Y NOTAS DE SAM COLOP 2011”. 4.3.1 Capa Figura 18 - Capado Popol Wuj

Fonte: Colop (2011) 114

“En los trabajos de los tres autores citados (Ximénez, Brasseur de Bourbourg e Adrian Recinos) subyace la convicción de que el pensamiento ki-chè expresado en el Pop Wuj, por mucha que sea su originalidad, su profundidad o su elegancia, no deja de ser la manifestación ingenua de un pueblo conceptuado por ellos como primitivo y por ende, inferior a la civilización occidental.” (BÖCKLER, 2007)

104

Seguindo os critérios de Genette (2009, p. 21), “a zona peritextual é o aspecto mais global da realização de um livro [...] a materialização de um texto para uso do público”. Esta edição (Figura 18) apresenta características próprias, começando pelo destaque do nome do tradutor, sua foto na parte superior e o título do livro “Popol Wuj” (grafia moderna) na parte inferior. Esta tradução representa a decolonialidade, contém na sua capa o nome do tradutor, acompanhado da foto na parte superior e o nome da obra “Popol Wuj” na parte inferior com o mesmo peso visual. 4.3.2 Prefácio do Popol Wuj de Sam Colop (2011) Luis Enrique Sam Colop formou-se advogado na Universidad Rafael Landívar em 1983, e seu trabalho de conclusão de curso ganhou um prêmio na Faculdade de Direito da mesma universidade com uma proposta de lei sobre educação bilíngüe. Possuía Mestrado em Lingüística pela Universidade de Iowa City e Doutorado pelo Departamento de Inglês da Universidade Estatal de New York, em Buffalo, onde escreveu a dissertação intitulada Maya Poetics. Faleceu em 2011. A edição da tradução de Colop (2011) inicia com uma biografia do mesmo. Na introdução, faz uma explanação sobre o conteúdo do Popol Wuj, o qual “...contém a mitologia e a história do povo K’iche’ até a chegada dos espanhóis no século XVI” (COLOP, 2011, p. XVII), e descreve os antecedentes da obra. Explica que o conteúdo míticohistórico torna a obra não linear, pois descreve um caminho que parte do presente em direção ao passado, aludindo à mitologia, aos deuses, e aos semideuses. No prólogo, fala sobre a metodologia de elaboração da obra, onde a primeira versão foi uma transcrição poética do Manuscrito de Ximénes (1700-1704) para o K’iche’ utilizando o alfabeto latino, e, em seguida, surgiu a idéia de traduzi-lo para o espanhol. As etapas do trabalho foram, primeiramente, a tradução da versão poética do manuscrito K’iche’ criada por ele, cuidando da versificação e esclarecendo os termos, consultando outros autores e traduções, como Schultze (1940), Edmonson (1971), a cópia fac-símile de Estrada Monroy (1973) e Adrián Chávez (1979). Posteriormente, procedeu à leitura do K’iche’ palavra por palavra e frase

105

por frase para comparar com a versão em espanhol. É importante destacar que a origem K’iche’ do tradutor foi fundamental, assim como a ajuda do seu pai ( Mateo Sam Colop), que conhecia partes do texto pela tradição oral k’iche’. Sam Colop (2011), na página XXV do seu prólogo, comenta que na maioria das traduções do Popol Wuj deixou-se de lado a forma original de poema, focando-se mais no conteúdo. O tradutor explica que combina poesia e prosa, versos paralelos de duas a quatro linhas contíguas. Descreve o conteúdo do livro da seguinte forma: o texto começa com uma descrição das dificuldades para escrever um ‘livro antigo’, a continuação fala do silêncio primogênio e da forma como surgiu a terra dentre as águas. A preocupação inicial dos criadores, os gêmeos heróicos (principais protagonistas deste panteão mítico) Junajpu e Xbalanque, eram a criação de seres que os invocariam. A primeira criação, os animais e as aves, povoaram as montanhas e os barrancos. Como eles não conseguiam pronunciar o nome dos seus criadores foram castigados e converteram-se em alimento de outros seres. Depois, foi criado um único homem de terra e lodo, mas notaram que se desmanchava com a água e foi destruído. Em seguida, foram criados os seres de madeira que conversavam e reproduziam-se, mas não tinham espírito nem pensamentos, e por tal foram aniquilados e atacados pelos seus próprios animais e utensílios de cozinha. Numa transição narrativa, aparece Wuquk´ix, ave mítica, que se autoproclamava como sol e lua dos homens de madeira. Este personagem, cuja manifestação astronômica é a constelação da Ursa Maior, e Chimalmat, a Ursa Menor, efetivamente iluminaram o céu de forma muito tênue, motivo pelo qual foram também eliminados. Posteriormente, relata-se a morte de Sipakna, primeiro filho de Wuqub Kak´ix, que tinha matado 400 jovens que, depois, converteriamse em estrelas do céu, semeando a abóbada celeste de luz. Sipakna acaba petrificado, e logo acontece a derrota do segundo filho de Wuqub Kak´ix, chamado Kabrakan, que literalmente significa ‘terremoto’. O interessante neste episódio é que não se explicita que Kabraqan não morreu, e foi enterrado vivo, por isso até hoje os terremotos continuam acontecendo. A partir daqui o relato volta no tempo com as aventuras dos gêmeos no reino dos mortos. Uma terceira parte constitui-se como a história com suas linhagens.

5 ANÁLISE DAS TRADUÇÕES (FÓLIOS 1R,1V;2V; 2R,) Parafraseando Premat (2013), a idéia do início da escrita, da expressão seminal e de sua determinação conseqüente, está em estreita relação com concepções e valores ligados à temporalidade. Explica, assim, a especificidade do momento inicial de um texto com a seguinte reflexão: “interrogar o começo equivale a interrogar o sentido e percorrer os paradigmas narrativos, marcados pela progressão e cronologia, implica também colocar em funcionamento determinantes semânticos potentes” (PREMAT, 2013, p. 1, tradução nossa115). A sintaxe específica do Popol Wuj utiliza figuras retóricas, repetições e isotopias116 que, de acordo com Craveri (2012), têm a dinâmica própria da narração oral das tradições K’iches’, “refiro-me com isso a textos poéticos, místicos e rituais, altamente formalizados, transmitidos por gerações graças ao uso da memória humana ou a algum auxílio mnemotécnico, e não às enunciações cotidianas, que respondem a outro tipo de organização semântica e gramatical” (CRAVERI, 2012, p. 27, tradução nossa117). Na transliteração do códice para o alfabeto latino, realizada no século XV, fixava-se, naquele instante, uma das etapas de um processo de transculturalização. Quando se integraram elementos contextuais, referências meta-poéticas, geográficas e temporais, segundo as ponderações da autora, foram inseridos dados que seriam supérfluos em um processo de transmissão oral, e esse corpus passou a destinar-se a uma comunidade submetida a violentos processos de mudança. “O que quero sublinhar é que o manuscrito de Ximénez apresenta marcas formais de uma tentativa de integração de elementos contextuais a um texto oral, que não podia ser decodificado através do tempo e do espaço.” (CRAVERI, 2012, p. 28, tradução nossa118). 115

“interrogar elcomienzo es interrogar el sentido y recurrir a los paradigmas narrativos tradicionales, marcados por la progresión y la cronología, implica poner en funcionamiento determinantes semánticos potentes” (PREMAT, 2013, p. 1).

116

“Conjunto redundante de categorias semánticas, que hace posible la lectura uniforme del relato” (CRAVERI, 2012, p. 26).

117

“me refiero con esto a textos poéticos, míticos y rituales, altamente formalizados, transmitidos por generaciones gracias al uso de la memoria humana o a algún auxilio mnemotécnico, y no a las enunciaciones cotidianas, que responden a otro tipo de organización semántica y gramatical.” (CRAVERI, 2012, p. 27).

118

“Lo que quiero subrayar es que el manuscrito de Ximénez presenta las marcas

107 Esta compilação de tzijs119 incluída no Popol Wuj contém em forma quase intacta uma parte significativa do corpus cognitivo, religioso, epistemológico e do sistema de representações simbólicas das culturas maias pré-coloniais. Também precisamos considerar que a versão escrita que hoje conhecemos, respondem às características da colonialidade (no sentido que o manejam Aníbal Quijano (2000) e Walter Mignolo) às quais estiveram submetidos todos os povos indígenas do continente Americano. (LÓPEZ, 2014, p. 3, tradução nossa120).

Apresentaremos doravante a análise das traduções. Para fazê-lo, partimos inicialmente de quatro colunas. As duas centrais são de Chávez (1979, p.3b) - que trabalhou com uma tradução literal do K’iche’ e uma tradução mais próxima da estrutura do idioma espanhol -, para facilitar a visualização dos termos empregados pelos tradutores. Devemos recordar que o Manuscrito Ayer 1515 consiste de uma cópia da transliteração de um códice perdido, que consideramos aqui como o texto fonte por convenção, já que o mesmo institucionalizou e foi fixado como tal. “Tudo começou antes, em outros livros, o texto se prolonga para além de suas fronteiras, enquanto saber, sonho, desejo, frustrações, recordações, experiência da memória, experiência do tempo, experiência da ficção, experiências a secas” (DEL LUNGO apud PREMAT, 2013, p. 12, tradução nossa121). formales de una tentativa de integración de elementos contextuales a un texto oral, que no podía ser decodificado a través del tiempo y el espacio” (CRAVERI, 2012, p. 28). 119

“En el manuscrito dice “hertzio”, cuya ortografía actual es “ojertzij”, esto es ‘antigua palabra’, ‘historias del pasado’ en el sentido de narraciones. En el Diccionario K’iche’ se define como“algo cierto”, la “verdad”. O sea que, dada esta amplia riqueza semántica de la palabra tzij, no tiene una traducción exacta al castellano o al inglés.” (LÓPEZ, 2014, p. 23 - artigo inédito).

120

“esta compilación de tzijs incluida en el Popol Wuj contiene en forma casi intacta una parte significativa del corpus cognitivo, religioso, epistemológico y del sistema de representaciones simbólicas de las culturas mayas pre-coloniales. Por el otro lado tenemos que la versión escrita que hoy conocemos se inscribe dentro de las condiciones de colonialidad(en el sentido que lo manejan Aníbal Quijano, 2000, y Walter Mignolo) a las que estuvieron sometidos todos los pueblos indígenas del continente Americano.” (LÓPEZ, 2014, p. 3).

121

“Todo ha comenzado antes, en otros libros, el libro se prolonga más allá de sus

108

Quadro 12 - Popol cabuil ESTE ES EL PRINCIPIO DE LAS antiguas historias aquí en el quiche. Aquí escribiremos y empezaremos las antiguas historias su principio, y comienzo de todo lo que fue hecho en el pueblo de el quiche, su pueblo de los indios quiches; ES QUE SU ANTIGUAPALABRA122AQUÍ “MAGUEY-ARBOL”SU NOMBRE Aquí mismo escribimos123de una vez antigua palabra; su comienzo, su base es decir, todo hecho en pueblo “magey-árbol” de grandes124 ki-chès gentes DESDE ANTES DE ESCRIBIRSE EL POP WUJ125AQUÍ SE HA LLAMADO LOS MAGUEYES Y aquí escribimos (ya con letra castellana), aquí fijamos la antigua palabra; principio, es decir, base de todo lo sucedido en el pueblo Los Magueyes, pero de las grandes gentes kiches NABE Capítulo Primero Este es el origen de la antigua historia de este lugar llamado K‘iche’ Aquí escribiremos Estableceremos la palabra antigua; el origen el comienzo de todo lo acontecido en el pueblo K‘iche’ Fonte: Ms Ayer (XIMENEZ, 1700-1704, f. 1r); Chávez (1979, p. 1b); Sam Colop (2011, p.1)

fronteras en tanto que saber, sueño, deseo, frustración, recuerdo, experiencia de la memoria, experiencia del tiempo, experiencia de la ficción, experiencia a secas.” (DEL LUNGO apud PREMAT, 2013, p. 41). 122

‘Antigua palabra’, es metáfora, se refiere a la antigüedad del Pop Wuj. (CHAVEZ, 1979, p. 1a).

123

“Versión hecha por kichès al cambiar su escritura para emplear la castellana, siempre en idioma ki-chè.” (CHAVEZ, 1979, p. 1a).

124

“No de tamaño, sino gente culta.” (CHAVEZ, 1979, p. 1a).

125

“Homologo de Antigua palabra o sea de OJER Tzij que aparece en la copia del padre Jiménez y que en el renglón 27 aparece con el nombre de Pop Wuj, literalmente significa Libro del Tiempo o Libro de Acontecimientos.” (CHAVEZ, 1979, p. 1a).

109

Quadro 13 - Tradução para o português do excerto anterior I Esta é a raiz da palavra antiga. Aqui é Quiché seu nome. Aqui escrevemos então, iniciaremos então as palavras antigas. Os inícios. E a raiz principal. De tudo que se fez na cidade de Quiché. A tribo do povo quiche. Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p.41)

López (1999, p. 23) comenta que este paratexto inicial do Popol Wuj apresenta o “Popol Cabouil”, isto é o conjunto de divindades maias no escopo do espaço cósmico. As três traduções tratam de um passado distante, antigo. Primeiramente, a passagem “podemos presumir que foi de autoria coletiva e anônima porque o manuscrito disse 'escreveremos' [xchiqatz’ib’aj] (XIMENEZ, 1700-1704, f. 1r, linhas 23-24)” (LÓPEZ, 2014,tradução nossa126), utiliza o tempo futuro (i) escribiremos, delimita o relato das antiguas histórias o principio. Configura a localização espacial, o início da narrativa e a abrangência da mesma: todo lo que fue hecho; en el pueblo de el quiche, e o povo ao qual se refere: índios quiches. É importante destacar que esta é a única tradução estudada que utiliza a palavra índios127. Na imagem abaixo, apresentamos um recorte da tradução de Chávez, (transcritas no quadro 13, acima apresentado) contendo as duas traduções (Figuras 19 e 20) que ele trabalhou, em termos de aproximação sucessiva. A primeira é uma tradução literal do K‘iche’, enquanto que a segunda consiste de uma espécie de “clarificação”, aliás, tal conceito estabelecido por Berman (2007), que remete à racionalização da tradução em termos de busca pelo que o autor chama de “clareza” dos sentidos das palavras. De fato, trata-se de uma necessidade de “completá-las” em suas significações eventualmente lacunares que as possam tornar opacas ao leitor. 126

“…podemos presumir que fue de autoría colectiva y anónima porque el manuscrito dice ‘escribiremos’ [xchiqatz’ib’aj] (f.1 r., líneas 23-24)” (LÓPEZ, 2014, s/p).

127

“La palabra indio tiene su origen en la ingenua creencia del gran navegante genovés Cristóbal Colón, quien, para emprender la aventura que le trajo a nuestro continente, se aferraba al supuesto de que siendo nuestro planeta de forma esférica es posible llegar al extremo oriental de la India a fuerza de navegar hacia occidente” (ESTRADA OCHANTE, 2007, p. 1).

110

Figura 19 - Excerto Chavez I

Fonte: Chávez (1979, p. 1a)

Figura 20 - Excerto Chavez II

Fonte: Chávez (1979, p.

A expressão ANTIGUA PALABRA, parece denotar que tais relatos continuam sendo mantidos nas tradições K‘iches’ até hoje com a força da palavra proferida como conjuro fundador. Comparando as duas traduções, observamos que o Popol Wuj torna-se uma espécie de referência temporal por meio da qual o tradutor divide a linha do tempo. A “antigua palabra” é uma expressão colocada como sinônimo de “antes de escribirse el Popol Wuj”. Escolhe a definição, pueblo de los Magueyes, o maguey é um vegetal de folhas com forma de lança, parente do agave mexicano, cujas folhas servem para a extração de uma seiva doce. Segundo López (1999), o autor, possivelmente, fez uma tradução literal da palavra K‘iche’: ki, que significa maguey e chee, árvore ou talo. Na Figura 21 temos uma ilustração do Maguey. “As escolhas (dos tradutores) em matéria linguística [...]não se reduzem à submissão dócil a uma língua nacional. O dilema da língua é para eles bem mais complexo, e as soluções que trazem adquirem formas mais singulares” (CASANOVA, 2002, p. 311)

111

Figura 21 - El Maguey

Fonte: Códice Florentino, libro XI, ff. 200v.v (VELA, 2014)

Temos um exemplo de passagem de polissemia à monossemia nos seguintes excertos (Quadro 14) escritos por Don Adrián Inés Chávez (1979). Trata-se de uma tradução literal do K‘iche’, uma versão mais aproximada da estrutura do espanhol: Quadro 14 - Terceira e quarta coluna do Pop Vuh Es que su antigua palabra128.aqui “maguey-arbol” su nombre

Desde antes de escribirse El pop wuj129 aquí se ha llamado los magueyes

Fonte: Chávez (1979, p.1a) 128

‘Antigua palabra’, es metáfora, se refiere a la antigüedad del Pop Wuj.” (CHAVEZ, 1979, p. 1a).

129

“Homologo de Antigua palabra o sea de OJER Tzij que aparece en la copia del padre Jiménez y que en el renglón 27 aparece con el nombre de Pop Wuj, literalmente significa Libro del Tiempo o Libro de Acontecimientos.” (CHAVEZ, 1979, p. 1a).

112

Berman (2007) considera que “a explicitação pode ser a manifestação de algo que não é aparente (na tradução), [...] A passagem da polissemia à monossemia é um modo de clarificação. As explicações podem tornar a obra mais “clara”, mas na realidade obscurecem seu modo próprio de clareza.” (BERMAN, 2007, p. 72). Existe nesta desambiguação um significado semelhante ao sofrido pelo sentido do nome do vegetal que tinha uma importância ritual na época préhispânica.Na figura 22 representa-se a “Deusa da fertilidade, desnuda, com punções na mão e sentada sobre uma tartaruga (a terra que surge do mar). Se observam também elementos associados à obtenção de aguamiel do maguey, para elaborar pulque” (VELA, 2014, tradução nossa130) e passou depois a ser reconhecida como representativa das regiões mesoamericanas, caracterizando uma grande área e a população, como explica o autor em artigo publicado na Revista Arqueologia Mexicana, nº 57: Figura 22 - Deusa da fertilidade

Fonte: Códice Laud131, lám.16 130

Diosa de la fertilidad, aparece desnuda con punzones en las manos y sentada sobre una tortuga (la tierra que surge del mar). Se observan también elementos asociados a la obtención de aguamiel del maguey para elaborar pulque. (Vela, 2014)

131

El Códice Laud se encuentra actualmente en la Biblioteca Bodleiana de la Universidad de Oxford, Inglaterra, catalogado con el número 678. Durante mucho tiempo se le consideró un documento egipcio, documento del siglo XVII. (Historias de los códices mexicanos. Manuel A. Hermann Lejarazu.

Disponívelem: http://www.arqueomex.com/S2N3n Historias110.html . Consultado e m 06 de setembro de 2014.

113 Maguey é uma das plantas emblemáticas do México (e de toda Mesoamérica). Fonte do pulque, bebida herdada da época pré-hispânica. É uma planta fácil de reconhecer pela sua peculiar aparência que se destaca na paisagem e pela sua longevidade. Na época pré-hispânica e nos primeiros tempos do vice-reinado, as representações da planta tinham conotações rituais e um papel identitário em nomes de pessoas e lugares. Nos séculos seguintes a situação mudou. As representações em compêndios botânicos se tornaram mais ou menos freqüentes e o Maguey, por meio da Virgem dos Remédios, se incorporou ao imaginário católico. (VELA, 2014, p. 76, tradução nossa132)

Quadro 15 - Terceira e quarta coluna do Pop Vuh (Continuação) Aquí mismo escribimos133de una vez antigua palabra; su comienzo, su base es decir, todo hecho en pueblo “magey-árbol” de grandes134 ki-chès gentes (…)

Y aquí escribimos (ya con letra castellana), aquí fijamos la antigua palabra; principio, es decir, base de todo lo sucedido en el pueblo Los Magueyes, pero de las grandes gentes ki-ches

Fonte: Chávez (1979, p. 1a)

132

133

El maguey es una de las plantas emblemáticas de México. En buena parte ello se debe a que es la fuente del pulque, bebida que es una de las herencias más abiertamente gozosas de la época prehispánica. A esto hay que sumar que el maguey es un elemento con características – como su peculiar apariencia, su constante presencia y su longevidad – que lo hacen fácilmente reconocible y por lo tanto un elemento sobresaliente en el paisaje. En la época prehispánica, y en los primeros tiempos del virreinato, las representaciones de la planta del maguey por lo general se hacían en función de sus connotaciones rituales o de su papel como elemento de identidad en nombres de personas o lugares, en los siglos siguientes la situación cambió. Las representaciones en compendios botánicos se volvieron más o menos frecuentes y el maguey, por intermedio de la Virgen de los Remedios, llegó a incorporarse al imaginario católico. (VELA, 2014, p. 76) Acesso em 20 de dezembro de 2014.http://www.arqueomex.com/S9N5 n0Esp57_01.html

“Versión hecha por ki-chès al cambiar su escritura para emplear la castellana, siempre en idioma ki-chè.” (CHAVEZ, 1979, p. 1a). 134 “No de tamaño, sino gente culta.” (CHAVEZ, 1979, p. 1a).

114

Chavez utiliza a expressão gentes Kí-chès no lugar de ‘índios’, expressando, assim, seu posicionamento descolonialista (Quadro 15). Na vertente sociológica da Inflexão Decolonial135 (RESTREPO; ROJAS,2010), observam-se algumas reflexões referentes à colonização e sua influência no pensamento dos que exercem o poder colonizador e o seu impacto sobre os colonizados. Um critério que surge dessa interação é a “coisificação” do colonizado, como pontuam Restrepo e Rojas (2010). A colonização tem por base e justificativa o desprezo pelo nativo, o que também afeta, de certo modo, o colonizador, que de alguma forma desumaniza-se e passa a considerar o povo subjugado como inferior, deixando de ver seres respeitáveis e considerando os integrantes da cultura colonizada como objetos que podem ser subjugados. Chávez, ao utilizar a frase (iv) gentes Ki-chès, deixa claro seu ponto de vista descolonialista e reivindica o mérito de ser o primeiro tradutor k’iche. Dos três tradutores, Colop (2011) é o único que se preocupa com o aspecto formal e organiza o texto como que para ser declamado (Quadro 16). Quadro 16 - Organização textual em Colop NABE CAPÍTULO PRIMERO Este es el origen de la antigua historia de este lugar llamado K‘iche’ Aquí escribiremos estableceremos la palabra antigua; el origen el comienzo de todo lo acontecido en el pueblo K ‘iche’ ‘’, nación de la gente k ´iche´. Aquí iniciamos la enseñanza, la aclaración y la relación de lo oculto y lo revelado por Tz´aqol Bitol Alom, K´ajolom nombres de Junajpu Wuch´, Juajpu Utiw, Saqi Nim Aq Sis; Fonte: Colop (2011, p. 1) 135

“Inflexión Decolonial” (RESTREPO; ROJAS, 2010).

115

Emprega uma ordem paradigmática e apresenta o texto com a estrutura explicada por Craveri (2012), de acordo com sua morfologia: “A estrutura gramatical do difrasismo [...] ocorre in praesentia na comunicação oral” (CRAVERI, 2012, p. 88,tradução nossa136). A autora comenta que a repetição de várias palavras com a mesma função gramatical cria uma metáfora fácil de recordar e recitar. Destaca também, na página 38 de sua obra, que Sam Colop registra uma versificação constante ao longo de todo o texto, seguindo pautas semânticas e gramaticais variáveis. Parafraseando Craveri (2012, p. 103), os nomes das deidades aludem às diferentes manifestações do princípio cósmico criador, representado por Q´ukumatz, a serpente emplumada. Os paralelismos criam uma tensão semântica para representar a energia sagrada e a fertilidade necessárias para a criação. A função do difrasismo é a de enfatizar o papel formador dos seres divinos e de conotar cada um deles mediante uma recíproca interação. Colop divide sua tradução em capítulos, diferenciando-se do Ms Ayer 1515, que é um texto corrido, mesmo tendo usado o manuscrito como fonte do idioma K’iche’. Como Chávez (1979), verbaliza e enfatiza o status de gênese da narração, paralelamente com a gênese da escritura que não simplesmente principia o relato - como expressam os outros tradutores estudados - mas estabelece a ‘palavra antiga’ como originária de todos os acontecimentos. Ao iniciar o relato com o tempo futuro, localiza semanticamente o leitor no passado mítico como fundador do devir histórico. A semântica fica imbuída de historicidade que, segundo Pérez Amuchástegui (1977, p. 25), representam “ações humanas do passado significativas no presente”. Apresentamos, em três colunas, as traduções estudadas para dispor visualmente as escolhas tradutórias (Quadros 17 e 18): Quadro 17 - Escolhas tradutórias y de aquí tomaremos su ser declarado y manifestado, y su ser relatado, la escondedura y, por el formador, criador madre, y Padre q’así se llaman, hun ahpu vuch. hun ahpu vtiu. Zaquinima tzÿz-tepeu. gucumatz. vguxcho. vguxpalo. nombres, o atributos. q’ significan; vn tirador tacuazín. vn tirador coyote. blanco pizote.

136

“La estructura gramatical del difrasismo […] se da in praesentia en la comunicación oral.” (CRAVERI, 2012, p. 88).

116

De manera que aquí tomaremos a enseñarlo, a revelarlo, es decir, a relatarlo, lo dejado e iluminado por el rquitecto, Formador, Creado, Varón Creado, cuyos nombres, Un cazador de Tacuatzín, un cazador de Lobo, nación de la gente K ‘iche’ Aquí iniciamos la enseñanza, la aclaración y la relación de lo oculto y lo revelado por Tz´aqol Bitol Alom K´ajolom Junajpu Utiw Saqi Nim Aq Sis Fonte: Ximénez (1700-1704, f. 1r); Chávez (1997, p. 31); Sam Colop (2011, p. 1)

Quadro 18 - Tradução para o português do excerto anterior Assim, isto é o que vamos reunir então. A decifração, o esclarecimento. A explicação dos mistérios. E a iluminação dos feitos de Tzakol (Construtor) e Bitol (Modelador); Alom (Portador) e Qhaolom (Gerador) são seus nomes, e HunAh pu Utiv (Caçador Coiote), Zaqi Nim Aq (Grande porco Branco) e Tziz (Quati) Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p.41)

Os primeiros personagens descritos nas traduções são seres míticos, cujas identidades desdobram-se em poderes provenientes “(do) universo, (concebido como) uma grande matriz cósmica que guarda a latência da vida” (LÓPEZ, 1999, p. 167, tradução nossa137). Craveri (2012) assinala que os mesmos se apresentam no texto através de uma constituição linguística polissêmica determinada por sua função, dentro de uma rede de relações semânticas formado por difrasismos, e o define como a fratura de elementos léxicos de igual função gramatical. Encontramos exemplos no parágrafo analisado da tradução de Ximénez (1700-1704): (ii) formador, criador, referindo-se a uma das “figuras divinas demiúrgicas [...] que têm um caráter completamente abstrato” (LÓPEZ, 1999, p. 168, tradução nossa138). Fica explícito na leitura que o universo já existia antes das formas de vida como uma “matriz gestante” e esta idéia encontra-se reforçada com os seguintes difrasismos: escondedura-aclaradura, madre y padre. 137

“Los primeros personajes que se describen en las traducciones, son seres míticos que cujas identidades se desdoblan en poderes provenientes “(del) universo, (concebido como) una gran matriz cósmica que guarda la latencia de la vida” (LÓPEZ, 1999, p. 167).

138

“figuras divinas demiúrgicas, [...] que tienen un caracter completamente abstracto” (LÓPEZ, 1999, p. 168).

117

Em seguida, Ximénez (1700-1704) transcreve a denominação em língua K’iche’: hun ahpu vuch, hun ahpu vtiu. Zaquinima tzÿz tepeu. gucumatz. vguxcho. Vguxpalo, que logo traduz entre parênteses de acordo com sua interpretação: “nombres, o atributos. q’significan; vn tirador tacuazín(gambá). un tirador coyote(lobo americano de 60cm.) blanco pizote (quatí de nariz branco). fuerte culebra (serpente)”. Estes nomes de animais apresentam-nos, desde o início do relato, seu papel de “intermediários entre o homem e os deuses. Suas manifestações simbólicas dirigem-se em ambas as direções: são uma representação do mundo natural frente aos deuses e a expressão da energia cósmica frente aos homens” (CRAVERI, 2012, p. 127, tradução nossa139). Colop (2011) coincide com a opção tradutória de Ximénez (1700-1704) e acrescenta: “Tacuacín [...] deus que escurece o Céu antes do amanhecer. Recinos (1950) associa a ‘Junajpu Wuch’ como deus do amanhecer e a Utiw’ como ‘deus da noite’” (COLOP, 2011, p. 201, tradução nossa140). Nestas primeiras análises do texto podemos perceber a visão da natureza dos maias como uma manifestação cósmica interdependente nos mínimos detalhes. Coerente com os objetivos desta tese, observamos como cada tradutor leu, em sentido amplo, o texto e como interpretou o Popol Wuj ao traduzi-lo. Partindo da idéia de que a tradução implica (re)criação, recordamos as palavras de Willemart: “todos nós, escritores ou críticos, somos trabalhados pela escritura, deixamos a escritura dizer ou desvelar o que somos, a tradição, nossa memória, a que aspiramos, as esperanças os desejos etc.” (WILLEMART, 2009, p. 98). Neste sentido, o autor assinala que o período temporal da escritura deixa sua marca ideológica, metodológica, organizativa, nos critérios priorizados e no modo como os tradutores realizam cortes do real, ou seja, o viés escolhido para a narrativa. 139

“intermediarios entre el hombre y los dioses. Sus manifestaciones simbólicas se dirigen en ambas direcciones: son una representación del mundo natural frente a los dioses y la expresión de la energía cósmica frente a los hombres.” (CRAVERI, 2012, p. 127).

140

“Tacuacín [...] deidad que oscurece el Cielo antes de amanecer. Recinos asocia a ‘Junajpu Wuch’ como ‘dios del amanecer’ y a ‘Junajpu Utiw’ como ‘dios de noche’” (COLOP, 2011, p. 201).

118

De acordo com as considerações de Yuste Frias (2001) em seu artigo ‘Leituras da imagem para uma tradução simbólica da imaginação’, a “tradução deveria ser entendida como um ato de comunicação intercultural, uma forma de chegar a conhecer l´Autre depois de tê-lo entendido” (YUSTE FRIAS, 2014, p.24). Uma das hipóteses que propusemos foi a de buscar compreender até que ponto podem ser constatadas as influências da doutrina maçônica na tradução do Popol Wuj de Don Adrian Inés Chavez, levando em consideração que: ...o tradutor literário, como co-criador do Texto Origem (TO) utiliza a imaginação para, primeiramente, interpretar o TO e, logo, comunicar o imaginário apreendido no Texto Término (TT). [...] O tradutor é um autêntico intérprete que não somente interfere na tríade autor-texto-leitor, mas que, em cada tradução, cria um novo ato de comunicação intercultural.” (YUSTE FRIAS, 2001, p. 800, tradução nossa141).

Contrastando os termos com aqueles que os tradutores utilizam para apresentar ao deus, notamos certas diferenças semânticas significativas entre as traduções: Chávez utiliza a palavra iluminado que, de acordo com o Dicionário da Real Academia Espátula, significa: “1.adj. adepto a certa doutrina”. Já Ximénez aponta para a função que tal ente exerce: aclaradura: tornar alguma coisa clara, perceptível, manifesta ou inteligível142. Colop segue a linha semântica de Ximénez e escolhe o substantivo abstrato aclaración (COLOP, 2011, p. 31). Inclinamo-nos a pensar que Chávez realizou uma “homogeneização” do texto traduzido, procedimento que consiste em 141

“..el traductor literario. Como co-creador del texto Origen – del TO - utiliza la imaginación para, primero, interpretar el del TO y, luego, comunicar el imaginario aprehendido en él al Texto Término – TT […] El traductor es un auténtico intérprete que no sólo interfiere en la tríada autor—texto-lector sino que, en cada traducción, crea un nuevo acto de comunicación intercultural” (YUSTE FRIAS, 2001, p. 800).

142

“Hacer claro, perceptible, manifiesto o inteligible algo, ponerlo en claro, explicarlo.”(Dicionário da Real Academia Espanhola. Disponível em: . Acesso em 4 de janeiro de 2013.

119

“unificar em todos os planos o tecido do original. Embora este seja originalmente heterogêneo [...], é preciso considerá-la (a homogeneização) como uma tendência em si, que mergulha profundamente suas raízes no ser do tradutor” (BERMAN, 2007, p. 77). Possivelmente, o pensamento de Chávez (2007) esteve influenciado por uma ideologia que, como mencionamos, poderia ter sido maçônica. Mackey (2008), em seu livro The Symbolism of Freemasonry Ilustrating and Explaining Its Science and Philosophy, Its Legends, Myths and Symbols, tece algumas observações sobre o significado de ‘iluminación’ no escopo da doutrina maçônica, expressando que, de acordo com antigos sentimentos religiosos, a luz era algo desejado, o mistério a ser alcançado, assim como o é, atualmente, na maçonaria, o símbolo do conhecimento e da verdade. Mesmo que as três traduções apontem para um mesmo significado, a escolha de Chávez (2007) tende a se assemelhar, neste exemplo - com vários outros que apresentaremos a posteriori -, à doutrina maçônica, que influencia tanto o estilo de sua escrita quanto a escolha do léxico. A mitologia maia tem uma conhecida característica de cunho solar, como podemos constatar no exemplo que segue. Para tal, transcrevemos um trecho do Popol Wuj no qual se apresenta o momento em que as principais tribos haviam sido criadas e encontravam-se na expectativa de que amanhecesse. Esse amanhecer é representado pela luz solar como fonte divina. Na tradução de Brotherston e Medeiros (2011) podemos ler: E assim ali eles estavam na floresta | Aquele era o lugar do amanhecer: - Tohil, | Avilix, | Haka Vitz, como são chamados hoje. | E lá veio-lhes a claridade então, | Veio-lhes o brilho então, | A nossos avós, | A nossos pais. |Aqui contaremos o amanhecer | E o aparecimento do Sol, | Da lua | E das estrelas.” (BROTHERSTON; MEDEIROS, 2011, p. 219).

Retornando à tradução de Chávez(2007), observamos que se trata do único tradutor que utiliza as denominações: (iv) Arquitecto-formador, para traduzir o nome do primeiro deus K’iche’ do popol cabuil143. O 143

“Conjunto de divindades k ´iches’, expressão que se utiliza em substituição a panteão.” (LÓPEZ, 1999, p. 149).

120

difrasismo formador - criador, utilizado por Ximénez (1700-1704) e escrito com minúscula tem a mesma conotação que em Colop: “Literalmente, o ‘construtor’ e ‘criador’ Tz’aq e bit ‘criação’ (COLOP, 2011, p. 201, tradução nossa144). Refletindo sobre o significado das palavras usadas pelos tradutores (Quadros 19 e 20), aquele que forma ou constrói não será necessariamente considerado o idealizador de determinado projeto. A palavra Arquiteto aproxima-nos de uma idéia de plano divino e de um deus monoteísta que se aproxima da visão maçônica. Mackey (2008, p. 81, tradução nossa145) explica: “E o próprio Deus, o Grande Arquiteto, o Grande Construtor do mundo, tem trabalhado desde a eternidade: e trabalhando pela sua onipotente vontade, ele descreve seus planos sobre um espaço ilimitado, pois o universo é o seu cavalete”. Segundo López (1999) a epistemologia K’iche’ possui uma concepção que coloca o conhecimento no centro de sua teleologia, um começar e recomeçar as origens em múltiplos espaços e planos, de maneira que o‘destino’ depende de hipóteses e constatações para avançar, diferentemente do plano divino predeterminado por um “Arquiteto”, como propõe Chávez (2007). Quadro 19 - Difrasismo nombres, o atributos. q’significan; vn tirador tacuazín. vn tirador coyote. blanco pizote. cuyos nombres, Un cazador de Tacuatzín, un cazador de Lobo, Junajpu Utiw Saqi Nim Aq Sis Fontes: Ximénez (1700-1704, f. 1r); Chávez (1997, p. 31);Sam Colop (2011, p. 1)

144

“Literalmente el ‘constructor’ y ‘creador’. Tz´aq y bit ‘creación’ ” (COLOP, 2011, p. 201).

145

“And God himself, the Grand Architect, the Master Builder of the word, has labored from eternity; and working by his omnipotent wills, he describes his plans upon illimitable space, for the universe is his trestle board.” (MACKEY, 2008, p. 81).

121

Quadro 20 - Tradução para o português do excerto anterior HunAh pu Utiv (Caçador Coiote), Zaqi Nim Aq (Grande porco Branco) e Tziz (Quati) Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p.41)

Ximénez escreve, nos paratextos da sua tradução, um texto bastante complexo no qual compara a cosmogonia K’iche’ com a Biblia católica e alude à influência que, segundo ele, o demônio teria exercido para deformar a imagem de Deus (Quadro 21). Quadro 21 - Escólios. Este Dios que el demonio da a entender lo hace Duodeidad porque no nombra más que dos sujetos: uno llamado Hunahpu-Vich, un tirador tacuasin y a AhpuVuh, un tirador lobo; como Satanás es tan amigo de remedar las cosas de Dios, y como a su Majestad se le dan varios renombres ya de animales, ya de otras cosas para que nuestra cortedad pueda alcanzar algún rayo de su grandeza, como llamándose león, por la fortaleza de este animal e cordero […] por la mansedumbre, así mismo Satanás, tomando las metáforas de varios animales, los llamó a estos dos Dioses: Vuch y Vhu tacuacín y lobo por su astucia. O demônio levou os índios a entender que Deus somente tem “duas dimensões” porque nomeia apenas dois sujeitos: um chamado Hunahpu-Vich, um caçador de gambás, e a Ahpu-Vuh, um caçador de lobos; como Satanás gosta tanto de imitar as manifestações de Deus, inspirou aos índios a chamá-lo com vários nomes de animais, como metáfora de sua grandeza, como chamando-lhe de leão, pela fortaleza deste animal ou cordeiro [...] por ser manso...Da mesma forma Satanás, tomando as metáforas de vários animais, chamou a estes dois Deuses: gambá e lobo pela sua astúcia. Fonte: Ms Ayer 1515 (Ximénez, 1700-1704). Tradução nossa.

No excerto anterior, Ximénez expressa sua interpretação sobre os nomes dados no difrasismo para o Deus criador, considerando esta enumeração de animais como metáforas que aludem ao poder de Deus e que teriam sido sugeridas pelo demônio para zombar da Bíblia católica. Chávez (2007) segue a opinião do Padre Ximénez (1700-1704) no que se refere às denominações contidas no primeiro difrasismo múltiplo da tradução, considerando seus nomes “de valor sinonímico” (CHÁVEZ, 1979, introdução), como: cuyos nombres, Un cazador de Tacuatzín, un cazador de Lobo, verdaderos cantores, negando assim se tratarem de entidades diferenciadas, mesmo que os nomes sejam opostos e complementares em seus simbolismos. O terceiro elemento do difrasismo: el pizote (quati) está omitido. Aliás, para o qual não encontramos explicação.

122

Segundo Craveri (2012) o difrasismo vincula o gambá (comadreja, tacuacín), o lobo mesoamericano (coyote) e o quati (pizote). O gambá encarna o principio de maternidade, o coiote associa-se com o masculino e o quati pode estar associado com as atividades diurnas e com Vênus, que é a estrela do amanhecer. “O animal claramente se associa à capacidade de engendrar luz e civilização” (CRAVERI, 2012, p. 104, tradução nossa146). As explicações etimológicas realizadas por Colop (2011) nas notas de sua obra permitem-nos uma aproximação com significados zoomórficos Saqi Nim Aq “Literalmente ‘branco grande’ [...] relaciona a Saqi nim Sis como ‘deusa mãe’ e a Saqi nim aq como seu consorte” (COLOP, 2011, p. 201, tradução nossa147). Brotherston e Medeiros (2011, p. 41) traduzem Zaqi Nim Aq como ‘Grande Porco Branco’. Quadro 22 - Metáforas orgânicas fuerte culebra. corazón de la laguna. corazón de el mar. verdaderos cantores; venidos del infinito, ocultador de serpiente; espíritu del lago y mar; Tepew Qúkumatz Corazón del lago Corazon del mar Fonte: Ximénez (1700-1704, f. 1r); Chávez (1997, p. 31); Sam Colop (2011, p. 1)

Quadro 23 - Tradução para o português do excerto anterior Tepeu (Majestade), Quq Kumatz (Quetzal serpente), U Kux Cho (O Coração do Lago) e u Kux Palou (O Coração do Mar). Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p.41)

A geografia no Popol Wuj descreve-se, às vezes, com metáforas orgânicas (Quadros 22 e 23) relacionadas com as pulsações de vida, como as que constam na tradução de Ximénez (1700-1704, f.1r): corazón de la laguna y corazón del mar. Tais entes formam uma gênese aberta, na qual as divindades são falíveis e utilizam o princípio do ensaio e da prova “em que devem combinar as vontades, a ação do imprevisível, e a 146

“el animal claramente se asocia a la capacidadde engendrar luz y civilización” (CRAVERI, 2012, p. 104).

147

“Literalmente ‘blanco grande’ [...]. Recinos (1953:82) relaciona a Saqi nim Sis como ‘diosamadre’ e a Saqi nim aq como su consorte.” (COLOP, 2011, p. 201).

123

materialidade cósmica” (LÓPEZ, 1999, p. 167, tradução nossa148). Como se pode constatar no próprio enredo dos capítulos seguintes, os deuses dialogam e criam seres que não os agradam, erram, desfazem sua criação e aperfeiçoam seres já criados. Mais uma vez, referenciamos a interpretação de Ximénez nos paratextos “Escólios” no subtítulo que intitulou “Sobre o ser de Deus” (Quadro 24): Quadro 24 - “Sobre o ser de Deus” Y también como a Dios se le dan muchos epítetos de grande, de sabio y otras cosas, le dan el nombre de Tepeu este significa las bubas149, y en su gentilidad era grandeza de los señores el tenirlas, porque era señal de más poder para cohabitar con muchas mujeres , cosa que la gente ordinaria no podía, y de ahí se tomó por grandeza y majestad el nombre de Tepeu; también le llaman Cucumatz, este nombre puede ser significar culebra fuerte, y también el emplumado con plumas verdes, cosa de mucha grandeza en su gentilidad, y que hoy usan en sus bailes; también le llaman cac (fuego) por el respeto que se hace tener este elemento, y también cosa de grandísima estimación para ellos, y que fue dado por mano del ídolo Tohil que se dice más arriba. Danle también título de corazón de la laguna y del mar, […], en que parece que el demonio tiró a confundir el texto sagrado que dice: et espitius Dei ferrebatur super aquas (Gen. I. v.2) (Y el espíritu de Dios se movía sobre la faz de las aguas) Também como a Deus se lhe atribuem muitos epítetos de grande e de sábio, (os maias) lhe dão o nome de Tepeu, que significa “erupções na pele”. Em seu paganismo, ter esses sinais significava “grandeza dos senhores”, porque (de acordo com suas crenças) era um sinal de mais poder para relacionar-se com muitas mulheres, coisa que estava proibida para as pessoas comuns, motivo pelo qual Tepeu era sinônimo de grandeza e majestade; também chamavam o Deus de Cucumatz, que pode significar “serpente forte”, e também o emplumado com plumas verdes, símbolo de grandeza para os pagãos, e que hoje usam nas suas danças; também chamam a Deus com o nome de Cac (fogo) pelo respeito que infunde ter este elemento, muito respeitado por eles, devido a ter sido entregue pela mão de um ídolo chamado Tohil, considerado um ser superior. O Deus também tem o título de “Coração do lago e do mar”, [...], em que, aparentemente, o demônio teve o objetivo de confundir o texto sagrado que diz: et espiritus Dei ferrabatur super (Gen.I.v.2) (E o espírito de Deus movia-se sobre a face das águas) Fonte: Ximénez (1700-1704, fólios, escólios). Tradução nossa.

148

149

“en los que se deben combinar las voluntades, la acción de lo impredecible, y la materialidad cósmica” (LÓPEZ, 1999, p. 167) 1. Ganglio linfático.2. Erupções na pele. http://lema.rae.es/drae/?val=Bubas. Acesso em 03 de janeiro de 2015.

124

Ximénez lista, neste texto, os atributos de poder que, segundo sua interpretação, os K’iches’ identificavam como divindade. Seu julgamento 124isse124ário124124as sublinha, frequentemente, que se tratam de impressões pagãs, idólatras e infundidas pelo demônio. O discurso de Ximenes sempre cria um paralelismo com a Bíblia e chega a citar um dos versículos do gênesis que teria sido desvirtuado. Chávez traduz o mesmo excerto para: “espíritu del lago y mar”, escolha que coloca a narração num contexto mais abstrato. Chaves (2007) deixa de lado essas noções de sentido de dependência mútua e vital dos elementos da natureza e do cosmos e resgata um léxico que se aproxima da doutrina cristã. “De acordo com as decisões tomadas, as formas, convenções e crenças que ordenem seu ato de traduzir, o tradutor pode alterar não somente o cânon de uma cultura, mas modificar, intencionalmente, toda e cada uma das imagens que se formam da sociedade desse Outro a quem se está traduzindo” (YUSTE FRÍAS, 2001, p. 803) Sam Colop (2011, p.201) menciona o nome Tepew Qúkumatz, que remete a um deus zoomorfo, mistura da ave quetzal e serpente, conhecida também como serpente emplumada. De acordo com Craveri (2012), Qúkumatz reflete a união do fator celeste, encarnado pela ave, e o terrestre, encarnado pela serpente. Chavez (2007) opta por um dos significados (v): 124isse124ário124 cantores; venidos del infinito, ocultador de serpiente.“Este deus representa a expressão do equilíbrio entre os princípios complementários diurnos e noturnos [...] A serpente, certamente, encarna a fertilidade da terra e das águas. Entra em contato com os ciclos vitais celestes e permite a união do cosmos.” (CRAVERI, 2012, p. 105, tradução nossa150). Para Craveri (2012) os difrasismos constituem uma estrutura que correspondia às recitações de textos rituais e míticos e, todavia, afirma que “a tensão semântica nos termos associados e sua força metafórica se desgastam pelo uso constante e lexicalização” (CRAVERI, 2012, p. 80), de alguma forma as pessoas responsáveis pelas recitações teriam 150

Esta deidad se representa como la expresión del equilibrio entre los principios complementarios diurnos y nocturnos, […] La serpiente, en efecto, encarna la fertilidad de la tierra y de las aguas, entra en contacto con los ciclos vitales celestes y permite la unión del cosmos.” (CRAVERI, 2012, p. 105).

125

internalizadas estas regras mnemotécnicas e, de forma semelhante, as nossas atuais colocações: expressões idiomáticas e 125isse125ár151, tornando possível que a dificuldade para traduzi-las estivesse justamente neste fator. Para Derrida, o tradutor “não se apropria de uma língua, nem mesmo da língua materna, mas deve suportar o corpo-a-corpo com ela […] o idiomático, o que é mais próprio de uma língua não se deixa apropriar. […] é o que resiste à tradução” (OTTONI, 2001, p. 85) Colop, quando menciona em sua tradução la nación de la gente K‘iche’ , (página 2 desta tese) oferece uma dimensão nova aos K‘iches’. Tomamos da teoria da Inflexão Decolonial (RESTREPO; ROJAS, 2010) algumas noções para fundamentar a análise da tradução de Colop como uma tradução decolonial. O pesquisador, descendente da cultura K‘iche’, busca transcender a perspectiva colonial e cristã, objetivando uma visão intercultural e crítica dos mecanismos que têm subalternizado certos conhecimentos, marcando-os como folclore ou “étnicos”, em nome do eurocentrismo que se caracteriza por universalizar o conhecimento. A decolonialidade postula um movimento argumentativo “ao redor de um conjunto de problematizações da modernidade e, particularmente, sobre o significado de dita experiência na perspectiva de quem a vivenciou a partir de uma condição subalterna.” (RESTREPO;ROJAS, 2010, p. 14, tradução nossa152). Estes estudos provêm de universidades da América Latina e do Caribe e, juntamente com algumas universidades dos Estados Unidos, propõem uma opção decolonial postulada por Mignolo em 2001. Buscam compreender o presente para formular o porvir, partindo de uma crítica ao eurocentrismo em suas concepções orientadas pelo cristianismo, o liberalismo e até mesmo o marxismo, e se propõem a realizar um trabalho à ótica das perspectivas de nações indígenas ou de quaisquer outros povos oprimidos pelos regimes coloniais. Chávez (2007), desde as primeiras palavras traduzidas, mostra seu posicionamento em relação ao comentado. Tanto Ximénez quanto 151 152

1.f.Refrán, proverbio, adagio, sentencia. (RAE - http://rae.es/). “alrededor de un conjunto de problematizaciones de la modernidad y particularmente sobre el significado de dicha experiencia en la perspectiva de quienes la han vivido desde una condición subalterna” (RESTREPO; ROJAS, 2010, p. 14).

126

Chávez parecem manifestar influências judeo-greco-cristãs que imporiam uma espécie de resistência em compreender a gênese do universo apresentadas no Popol Wuj, cuja epistemologia López comenta: “não há uma única força atuante, mas há múltiplas, não existe unidade, mas diversidade e fragmentação de origens. Os múltiplos substituem o absoluto, [...] e o perfectível o perfeito” (LÓPEZ, 1999, p. 149, tradução nossa153). Tais conceitos parecem ser, por vezes, de difícil compreensão para a epistemologia ocidental. Neste sentido, Colop (2011) demonstra expressão aparentemente mais profunda daquilo que López (2009) denomina “gênese aberta”. Quadro 25 - Anciãos el de el verde cagete, el de la verde hícara son llamados. Y juntamente es dicho, y hablado. (i) de aquella abuela, y abuelo que se llamaban: xpiyacoc, y Xmucane. 126isse126ário126 superiores, hijos mayores se decía; compañero de plática y 126isse126ário de la partera, abuelo que se llamaba Shpiyakok Shmukané; los de la bóveda azul, como se dice, se nombra, se menciona a la comadrona (al abuelo, Xpiyakok Ixmukane, Fontes: Ximénez (1700-1704, f. 1r); Chávez (1979, p. 31); Sam Colop (2011, p. 1)

Quadro 26 - Tradução para o português do excerto anterior Ah Raxa Laq (Espírito do Prato Verde -Azul) e Ah Raxa Tzel (Espírito da Tigela Verde -Azul), como se diz, que são também chamados. Que são também conhecidos como Iyom (Mulher com netos) e Mamom (Homem com netos). Xpiacoc e Xcumane são seus nomes, Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011,p.41-43)

Resulta oportuno destacar que, na cultura K‘iche’, os anciãos são considerados fundadores de genealogias, sendo, por extensão, reverenciados e respeitados (Quadros 25 e 26). Os deuses mencionados neste parágrafo são apresentados como avó e avô, bisavó e bisavô: (i) de 153

“No hay una única fuerza actuante, sino que hay múltiples, no hay unidad, sino diversidad y fragmentación de orígenes. Lo múltiple sustituye a lo absoluto, la sucesión reemplaza a lo inmutable, y lo perfectible a lo perfecto.” (LÓPEZ, 1999, p.149).

127

aquella abuela, y abuelo q’ se llamaban: xpiyacoc, y Xmucane (XIMÉNEZ, 1700-1704, f. 1r). Nos paratextos Escólios, Ximénez menciona estas entidades sob a forma de uma dura crítica, desde sua perspectiva espanhola.Devemos destacar que “nos últimos anos do século XVII, a esperança de vida ao nascer não superava os trinta anos em muitas regiões espanholas, ainda nos anos sessenta do século XX girava em torno dos 50 anos” (GARCIA GONZALES, 2005, p. 12,tradução nossa154).Por outro lado, na América Pré-colombiana “...a idade não era a mera acumulação de dias e de meses representados aritmeticamente ao longo da vida de uma pessoa, mas se organizava em frações de tempo em função de certas características e capacidades individuais junto com as necessidades comunitárias”. (GARCIA GONZALES, 2005, p. 24, tradução nossa155) Quadro 27 - “Sobre o ser de Deus” (Continuação) También introducem en estos cuentos a un viejo llamado Xpiva-coc y a una vieja llamada Xmucane, de que trae origen el que el dia de hoy en todas sus cosas sean los viejos consultados y más en los nacimientos de los niños ellos son los que asisten, y les dicen lo que han de hacer, y no permiten sacar fuego de la casa, donde criatura recién nacida, hasta tiempo determinado, porque dicen que quemarán las casas en siendo grandes, y en muchos pueblos no sacan a las criaturas de las casas, porque dicen, no se vuelvan andariegas y se huyan del pueblo, y en otros pueblos queman copal y encienden candelas, por supersticiones particulares que tienen, y observan en muchos pueblos, luego que nace la criatura, y llevarla ante una el vachinel o devino, quien, obsevando el día de su nacimiento dice lo que ha de ser en adelante, y la inclinación que tendrá: y para corregir algunas malas propiedades que dicen tendrán , les hacen sacar sangre de alguna parte del cuerpo con que dicen se corrigen algunas malas inclinaciones. Esto lo ven en un libro que tienen como pronóstico desde el tiempo de su gentilidad, donde tienen todos los meses y signos correspondientes a cada día, que uno de ellos tengo en mi poder, y cada signo o señal de aquel dia es uno de los demonios que fingen en sus historias, y todas estas cosas consultan a viejos embaidores y mentirosos, y hechiceros que hay entre ellos, aún hasta hoy.

154

“A finales del siglo XVII la esperanza de vida al nacer no superaba los 30 años en muchas regiones españolas, aún en los años sesenta del siglo XX giraba en torno a los 50” (GARCIA GONZALES, 2005, p. 12)

155

“…la edad no era la mera acumulación de días y de meses representados aritméticamente a lo largo de la vida de una persona. Ésta se organizaba más bien en fracciones de tiempo en función de ciertas características y capacidades individuales junto con necesidades comunitarias.[ …] (GARCIA GONZALES, 2005, p. 24)

128

Também introduzem nestes contos a um velho chamado Xpiva-coc e a uma velha chamada Xmucane, de onde se origina o costume de que hoje em dia os idosos sejam consultados nos nascimentos, eles são os que assistem, e dizem o que devem fazer as famílias. Não permitem (por exemplo) tirar o fogo de dentro de casa, onde a criança recém-nascida está, por um determinado período, porque dizem que poderão queimar a casa quando ficarem maiores. Em muitos povos não tiram as crianças das casas, para evitar que se tornem andarilhos e fujam do povoado. Em outras vilas queimam copal e acendem velas, por superstições particulares. Logo que nasce a criança, levam-na perante um adivinho, que, observando o dia do seu nascimento diz o que há de ser no futuro e inclinações que terá: e para corrigir algumas más tendências futuras, lhes tiram o sangue de alguma parte do corpo, pois acreditam que isto irá corrigir as más inclinações profetizadas. Consultam um livro como prognóstico desde o tempo de seu paganismo, onde eles têm todos os meses e signos correspondentes a cada dia, que um deles tenho comigo, e cada signo ou sinal daquele dia tem um dos demônios que fingem em suas histórias, e por todas essas coisas consultam aos velhos mentirosos e feiticeiros que há entre eles, até hoje. Fonte: Ximénez (1700-1704, fólio, escólio)

Tradução nossa.

No excerto anterior (Quadro 27), Ximénez expressa seu desacordo com o difrasismo avó-avô (Xpiva-coc e Xmucane) como um dos componentes do ser de Deus. Realiza uma descrição pormenorizada do lugar que os idosos ocupavam na sociedade K‘iche’ e os menciona com certo grau de estigmatização, por considerar que as funções que exerciam como consultores e adivinhos (as tarefas de adivinhação, de interpretar os calendários e fazer os mapas astrais ou uma espécie de horóscopo das crianças, de acordo com o dia do seu nascimento) eram relacionadas à intervenção do demônio. O que Ximénez tenta deixar claro é o cotidiano impregnado de tradições e crenças, acompanhadas de rituais e costumes herdados de geração em geração. Sua explicação é clara e consegue criar no leitor imagens bem pormenorizadas dos costumes K’iches’. Chávez utiliza a palavra “parteira” como responsável pelas vidas e pelos nascimentos, e abuelo (avô) para representar os progenitores da humanidade. Para os maias, este parecia ser um vínculo lógico que conota aos deuses do princípio sagrado de fecundação e fertilidade. Sam Colop, nas suas notas, esclarece o significado de (ii) bóveda azul como “metáfora associada ao plano verde da terra e ao azul da abóboda cósmica. Laq significa prato e tzel redoma. Isto significaria que os guias espirituais

129

mitológicos oferecem cerimônias a Terra e ao Céu” (COLOP, 2011, p. 202, tradução nossa156). As palavras Xpiyakok e Ixmukane,segundoColop, significam respectivamente bisavô e bisavó. Quadro 28 - Nomeação nombres propios. amparadores, y cubridores dos vezes abuela, y dos vezes abuelo son dichos en las historias quichées. que comunicaron. todo con los q’hizieron después en el estado de la claridad y en la palabra de clarídad. Esto escriviremos ya en la ley de Dios, en la cristiandad lo sacaremos porq’ ya no ay libro comun, (i) original donde verlo. amador y trabajador; dos veces partera, dos veces abuelo se decía en lengua K‘iche’ .Contaron todo lo que hicieron ya en la clara realidad. clara manifestación. Y si aquí escribimos ya con letra castellana, ya en cristianismo, en esta forma lo divulgaremos porque ya no se verá del Pop Wuj, así llamados los protectores, amparadores, dos veces comadrona, dos veces abuelo, como se les dice en la historia K´iché cuando lo narraron todo, junto con lo que hicieron en la claridad de la existencia claridad de la palabra. Esto lo escribieron ya dentro de la prédica de dios, en el cristianismo. Vamos a sacarlo a la luz porque ya no hay donde ver el Popol Wuj Fontes: Ximénez (1700-1704, f. 1r); Chávez (1997, p. 31); Sam Colop (2011, p. 1)

Quadro 29 - Tradução para o português do excerto anterior Metzanel (Amparador) e Chuquenel (Protetor), Bisavó e Bisavô. Como se diz em palavras quiches157. Então eles disseram tudo. E fizeram tudo também, em clara existência. E claras palavras. Isso escreveremos agora na palavra de Deus, agora na cristandade. Nós o preservaremos. Porque não existe mais uma visão do Popol Vuh. Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p.41)

As três formas de mencionar a obra que analisamos guardam o mesmo sentido. Ximénez 156

157

“…metáfora asociada a lo plano y verde de la Tierra y de la bóveda cósmica. Laq literalmente es ‘plato’, y tzel es recipiente de forma redonda. Esto quiere decir: los quías espirituales mitológicos que ofrecen ceremonias a la Tierra y al Cielo. El color azul está asociado a la bóveda del Cielo” (COLOP, 2011, p. 202). Quiché: grafia escolhida pelos autores para K’ iche’.

130

Figura 23 - Gravura em Madre Pérola

Fonte: NALDA (2006)

(1700-1704) o traduz como libro comum, Chavez (2007)como Pop Wuj,e esclarece em seu prólogo com o significado de “livro do conselho”. Colop (2011), por sua vez, o traduz como: “o livro comum; o livro do povo, o livro do conselho”. Popol Vuh significa literalmente “’Livro da esteira’. [...], as esteiras ou ‘petates’ eram símbolos da autoridade e do poder dos reis. Eram utilizadas como assentos para os governantes, integrantes da corte de alto escalão e líderes de linhagens.” (UNIVERSIDAD, tradução nossa158). Na Figura 23, ilustramos estas considerações com a foto de uma peça trabalhada com jade sobre uma concha Spondylus, publicada em um artigo de Enrique Nalda na Revista de Arqueologia Mexicana, nº 82159: “O personagem veste uma saia de 158

159

La palabra Popol Vuh significa literalmente “libro de la estera”. Entre los pueblos mesoamericanos, las esteras o petates eran símbolos de la autoridad y el poder de los reyes. Eran utilizadas como asientos para los gobernantes, cortesanos de alto rango y cabezas de linajes. Por esta razón, el título del libro se ha traducido como “Libro del Consejo”.(Disponível em: . Link oficial da Universidad Francisco Marroquín. Guatemala. Consultado em 19 de junho de 2014). “La concha grabada del edificio del búho, dzibanché, Quintana Roomuestra en su interior a un noble que sostiene en sus brazos una serpiente de cascabel, de la que se distingue su crótalo, su cuerpo con marcas de diamantes y su cabeza con un jade por ojo y, posiblemente, una pluma rematándolo. En ambas extremidades de la serpiente aparece una deidad emergiendo de las fauces de una serpiente; un jade se incrustó en

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pele de jaguar e está sentado sobre o trono de esteira enrolada (expressão, por si própria, de autoridade)” (NALDA, 2006, p. 16-17.tradução nossa160). De acordo com Recinos (1950), Popol Vuh significa, literalmente, livro da comunidade. A palavra popol é maia e significa “junta, reunião ou casa comum. [...] Pop é um verbo quiche que significa juntar as pessoas, [...] Popol é casa pertencente ao comunal, nacional. Por esta razão Ximénez interpreta o Popol Vuh como Livro do Comum ou do conselho.” (RECINOS, 1950, p. 52161). Quadro 30 - Sombra e luz De la otra parte de el mar es venido donde se a visto; q’es dicho su ser enseñada nuestra obscuridad con la míradura de la clara vida. antiguamente avía libro original q’se escrivío antigua mente; síno q’esta escondido al q’ lo míra, y al q’ lo piensa. Grande es su venida, y su ser enseñado. ciencia que vino del otro lado del mar y que es relato de nuestro origen, ciencia de la existencia se decía. Existe el primer libro (el Pop Wuj), es decir, la antigua escritura. Esto es únicamente para lamentarlo, para meditarlo. instrumento de claridad venido de la orilla del mar. Donde se cuenta nuestra oscuridad instrumento de claridad sobre el origen de la vida, como se le dice. Había un libro original, que fue escrito antiguamente, sólo que están ocultos quienes lo leen quienes lo interpretan. Fontes: Ximénez (1700-1704, f. 1r); Chávez (1997, p. 31); Sam Colop (2011, p. 1)

Quadro 31 - Tradução para o português do excerto anterior Uma visão das coisas claras. Veio do lado mar. A descrição das nossas sombras, uma visão da vida clara, como é chamada. Houve uma vez o manuscrito disso, e foi escrito há muito tempo, só que ocultando a face está o seu leitor, o seu pensador. Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p.43)

la lengua bífida y otro en la parte superior de la cabeza de la serpiente. La deidad de la izquierda es el dios solar K’inich Ajaw.” (NALDA, 2006). 160 El personaje lleva una falda de piel de jaguar y está sentado sobre un trono de estera enrollada (expresión, por sí misma, de autoridad), revestido igualmente con una piel de jaguar” (NALDA, 2006) 161 http://www.colegiocalifornia.com.mx/wpcontent/uploads/2013/10/popolvuh1.pdf. Consultado em 19 de junho de 2014.

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Como mencionado na introdução desta pesquisa, seguimos a linha investigativa proposta pelo arqueólogo López Austin (2009), que atende à característica iconográfica do Popol Wuj. Consideraremos o conceito de “cosmo visão” por constituir um arcabouço teórico que envolve o mito, o rito e o icônico, associado a uma “última matriz holística”, que interliga as manifestações pictóricas, escritas e orais provenientes das várias formas de manifestações culturais da Mesoamérica. Segundo Chinchilla, “a comparação de outras (várias) fontes revela que os mitos recopilados no Popol Vuh, formavam parte da tradição religiosa mesoamericana desde tempos muito antigos” (CHINCHILLA, 2011, p. 24). O mesmo autor relata162 que, na antiga Mesoamérica, a fundação de uma cidade e o estabelecimento de uma nova dinastia era frequentemente equiparada com o nascimento de um novo sol. De modo similar, a queda de uma cidade e de seus governantes equiparava-se com o ocaso e a queda do astro. Neste excerto (Quadros 30 e 31), encontramos a metáfora de sombra e luz. Ximénez (1700-1704), em sua tradução, escolhe: “miradura de la clara vida”. “Outra linha isotópica que oferece coerência aos diferentes episódios é precisamente a manifestação solar luminosa, que conota todas as atividades humanas, animais e vegetais.” (CRAVERI, 2012, p. 127, tradução nossa163). O arqueólogo Fabio Flores Granados (2014) considera que o Popol Wuh não somente representa uma sorte de enciclopédia dos valores substantivos dos K‘iches’, mas observa que os transcritores do códice para o alfabeto latino o conceberam como um “instrumento para ver”. Observemos que Ximénez especifica: “antiguamente avía libro original q’se escrivío antiguamente; síno q’esta escondido al q’ lo míra, y al q’ lo piensa. grande es su venida, y su ser enseñado” (XIMÉNEZ 1700-1704). O mencionado autor inclui em sua tradução o papel da obra como uma referência às tradições com o duplo papel do mito e do rito, segundo as deduções de Craveri (2012). Granados (2014) avança um pouco mais na sua perspectiva antropológica e alude 162

“Aic yez aic Tlathuiz. Nunca será, nunca amanecerá. La caída de Tloteloco y los mitos solares mesoamericanos.” (CHINCHILLA, 2011, p. 107)

163

“Otra linea isotópica que da coherencia a los distintos episodios es precisamente la manifestación solar luminosa, que connota todas as actividades humanas, animales y vegetales.” (CRAVERI, 2012, p.127)

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ao “quartzo”, cristal de rocha transparente, que os sacerdotes K‘iches’ utilizavam e ainda utilizam hoje nos seus ritos de adivinhação, como analogia ao uso que os K‘iches’ realizavam com as sinalizações místicas do Popol Wuj. Devemos retomar, neste momento da análise, os comentários que o tradutor registrou nos Escólios. O seguinte excerto no Quadro 32 fala dos códices que supostamente continham o Popol Wuj, cuja origem já não se conhecia no século XVIII. Quadro 32 - Sobre o Popol Wuj Dice que lo escribe dentro de la cristiandad porque todas estas cosas estaban escritas y que vino de la otra parte del mar y que hoy no se puede leer, lo cierto es que tal libro no apareció nunca, ni se ha visto y así no se sabe si este modo de escribir era por pinturas, como los mejicanos, o por hilos como los peruleros; puédese creer que era por pinturas en mantas blancas y tejidos; figuras que denotaban las cosas, como hoy tienen los del pueblo de San Antonio en el Quiché, como en mapa pintadas todas sus tierras, montes y ríos, en unas mantas tejidas, y así es factible conservasen las memorias y antiguallas, y también se puede discurrir que conservaron algo del libro del génesis, dado que descendiesen de las 10 tribus que en tiempo de Salmanazar se perdieron, y del libro del Éxodo, porque lo más tratan estas historias como se irá viendo, alude todo a lo que la Sagrada Escritura Fonte: Ximénez (1700-1704, fólio, escólios).Tradução nossa.

Neste excerto, volta a afirmar que considera uma hipótese de origem hebraica para o povo K‘iche’, como descendentes de uma das 10 tribos do livro do Gênesis da Bíblia. zWallerstein (2006) e Quijano (2000, p. 343) criaram o conceito de colonialidade para ilustrar a forma como os processos de colonização, desde seu início no século XV, marcaram os contrastes de poder entre as metrópoles e as colônias. Ao finalizar a colonização como regime político, permaneceu uma forma de pensar que legitima as desigualdades: a colonialidade. Este modo de conhecimento eurocêntrico denominado segundo os autores de “racional”, dá conta das necessidades cognitivas do capitalismo e aparece como emblema da modernidade. O eurocentrismo é uma perspectiva cognitiva compartilhada entre europeus e colonizados, educados sob sua hegemonia. A característica principal da colonialidade consiste em continuar funcionando como um esquema

134

mental atravessando as emancipações políticas. Existe uma série de especificações e conceitos sobre a colonialidade elaborados, entre outros, por Quijano (2000), Wallerstein (2006), Mignolo (2001). Por necessidade de concisão, sublinhamos um dos paradigmas que, de acordo com as hipóteses desta tese, poderia associar-se com o trabalho de Don Inés Chavez (2011). Trata-se do “universalismo’: ...o universalismo como epistemologia implica uma noção da verdade ou do cognitivo do mundo: A essência desta tese é que existem enunciados gerais, significados a respeito do mundo - o mundo físico, o mundo social - que são verdadeiros universais e permanentes, e que o objeto da ciência é a busca destes enunciados gerais que eliminem todos os chamados elementos subjetivos, quer dizer, todos os elementos historicamente determinados (WALLERSTEIN, 2006, p.50, tradução 164 nossa ).

Don Inés Chavez verbaliza a intenção de resgatar as tradições K‘iches’ no prólogo de sua elaborada tradução realizada em quatro colunas. Algumas das escolhas lexicais na tradução estudada chamaram nossa atenção. Por exemplo, escolhe a palavra (ii) ciência, estabelece uma analogia entre a noção de: (ii) relato de nuestro origen, e o conceito de (iii) ciência da existência. Ao utilizar uma conceituação fundamentada nos enunciados universais e permanentes do catolicismo e reforçar estas noções pelo paradigma racional e modernista de “ciência”, aproxima-se dos alicerces da doutrina maçônica. Neste excerto de um texto maçônico, encontramos alguns pontos que poderiam justificar nossa suposição. A instituição maçônica pode ser catalogada como decidida partidária da Ciência e de seus avanços sem nenhum tipo de receio. Não poderia ser de 164

El universalismo como epistemología implica una noción de la verdad y de lo cognoscible del mundo: La esencia de esta tesis es que existen enunciados generales, significativos acerca del mundo — el mundo físico, el mundo social — que son verdaderos universales y permanentemente, y que el objeto de la ciencia es la búsqueda de estos enunciados generales de la forma que elimine todos los llamados elementos subjetivos, es decir, todos los elementos históricamente determinados. (WALLERSTEIN, 2006 p.50).

135 outro modo. Um dos grandes princípios maçônicos, gravados no frontispício do seu edifício filosófico, é o progresso da humanidade. Conseqüentemente, tudo o que suponha um avanço social, uma melhora material ou espiritual da comunidade[...].(CRUZ, 1989, p. 91, tradução nossa165)

Com a fundamentação anterior, retomamos as perguntas da hipótese: - Chavez responderia aos universais epistemológicos da colonialidade? - Chávez estaria inscrito no conceito da descolonialização? Sabemos que um dos preceitos da Igreja Católica é a proibição de qualquer forma de adivinhação. A tradução de Chávez homogeneíza (BERMAN, 2007, p. 77) o texto, eliminando qualquer interpretação que permitisse o viés de ‘oráculo’ que, de alguma forma, fica sugerido nas outras duas traduções, e sublinha o aspecto racional da reflexão:Existe el primer libro (el Pop Wuj), es decir, la antigua escritura. Esto es únicamente para lamentarlo, para meditarlo. Retomamos as noções de Willemart (2002, p. 27-28): “Estamos todos inseridos em alguns mitos que nada mais são senão nossa maneira de compreender o mundo”, retomando as considerações da introdução desta tese,na qual propomos como objetivo observar até que ponto os mitos K‘iches traduzidos poderiam estar ‘mitologizados’ pela subjetividade dos tradutores. Apresentamos aqui a fundamentação que demonstraria que Chavez, um descendente de K‘iches’, professor dessa língua, oferece uma tradução descolonizada, ou seja, fora do período histórico da colonização com a intenção de ser a primeira tradução escrita por um K‘iche’, que demonstra uma preocupação com a fonética do K‘iche’, porém contém elementos ideológicos provenientes da epistemologia do colonizador. 165

“La institución masónica puede ser catalogada como decidida partidaria de la Ciencia y de sus avances sin ningún tipo de recelos. No podía ser de otro modo. Uno de los grandes principios masónicos, grabados en el frontispicio de su edificio filosófico es el progreso de la humanidad. Consecuentemente con ello, todo lo que suponga un avance social, una mejora material o espiritual del común de los hombres, y la ciencia proporciona multitud de ejemplos, recibe los beneplácitos de la masonería” (CRUZ, 1989, p. 91).

136

Segundo Walsh (2005), decolonialidade deve diferenciar-se de descolonização. Neste último, o mito colonizador permanece, isto é, tratase da “colonização do imaginário dos dominados. Quer dizer que atua na interioridade desse imaginário.” (QUIJANO, 2000, p. 438). Segundo o mesmo autor, as relações entre Europa ocidental e o resto do mundo, “foram codificadas num jogo inteiro de novas categorias: oriente/ocidente, primitivo/civilizado, mágico-mítico/científico, irracional/racional, tradicional/moderno. Em suma, Europa e nãoEuropa” (QUIJANO, 2000, p. 211, tradução nossa166). Parafraseando Restrepo e Rojas(2010), a nova perspectiva temporal da história eurocentrista ancorada na modernidade possui o ‘mito’ fundador de que “a história da civilização humana é uma trajetória que parte de um estado de natureza pura e culmina na Europa” (QUIJANO, 2000, p. 211, tradução nossa167). Segundo o mesmo autor, as formas de operação da colonialidade implicam, no começo, a repetição sistemática dos padrões de expressão, de conhecimento e significação dos dominados com a função de interromper definitivamente tais padrões e como meio de controle social e cultural. Os dominadores impõem seus padrões de expressão, suas crenças e imagens sobre o sobrenatural. Sam Colop, no prólogo de sua obra, explica os passos de sua pesquisa. Primeiramente, realizou a transcrição para o k'iche utilizando o alfabeto contemporâneo “para que os k'iches falantes tivessem acesso à leitura nesse idioma” (SAM COLOP, 2011, p. XIII, tradução nossa168). Esta ação verbalizada na sua obra, por si só, já o inscreve na decolonialidade. Assim, falar da colonialidade é visualizar as lutas contra a colonialidade pensando não somente a partir de seu paradigma, mas, sobretudo, com base na perspectiva das pessoas e de suas práticas sociais, epistêmicas e políticas, considerando a 166

“fueron codificadas en un juego entero de nuevas categorías: Oriente-Occidente, primitivo-civilizado, mágico/mítico-científico, irracional-racional, tradicionalmoderno. En suma, Europa y no-Europa” (QUIJANO, 2000, p. 211).

167

“la historia de la civilización humana es una trayectoria que parte de un estado de naturaleza puro y culmina en Europa” (QUIJANO, 2000, p. 211).

168

“para que los K ‘iche’ ‘’´es hablantes tuvieran acceso a leerlo en ese idioma.” (COLOP, 2011, p. XIII).

137 presença do que Maldonado-Torres chama atitude de-colonial.” (WALSH, 2005, p. 23, tradução nossa169).

Em seguida, comenta a tradução para o espanhol e justifica as motivações que o levaram a reescrever a obra, considerando sua forma. Para ele, “Tais traduções, no geral, tem passado por alto a linguagem poética em que foi escrito o manuscrito original” (COLOP, 2011, p. XIII, tradução nossa170). Quadro 33 - Os quatro rumos do universo Cuando se acabó de formar todo el cielo, y la tierra, su ser cuadrado, su ser repartido en cuatro partes, su ser señalado, su ser amojonado con estacas, su ser medido amecates, o cuerdas, y su ser estirada la cuerda en el cielo, y en la tierra; q’es dicho de cuatro esquinas, y cuatro lados por el Formador, y Criador, su Madre y su Padre de la Vida, y de la Creación. q’da respiración, y resuello, paridos, y cuidados, de la paz, claridad de los hijos, pensador, y en- tendedor (Folio 1 verso) de toda hermosura que hay en el zielo, tierra, lagunas y mar Es muy extenso, porque relata desde que se terminó de cubrir el cielo y la tierra, ¡Cúspide del cielo! Lados del cielo! se dijo por el Arquitecto, el Formador , señora y señor de la existencia y de la humanidad: constructor y espíritu de la pura grandeza, de la clara creación, claridad varonil: meditador y pensador de todo donde quiera, donde haya ciclo, tierra, Lagos, mares. Es grande su descripción y el relato de cómo se terminó de crear todo el Cielo y la tierra: sus cuatro esquinas sus cuatro lados, su medición sus cuatro ngulos, Doblez de la cuerda para medir 171extensión total de esa cuerda en el Cielo, en la tierra: En las cuatro esquinas. En los cuatro lados, como dice por parte de Tz´aqol, Bitol: Madre y Padre de la vida de la existencia, dador de corazón Creador y Pálpito de la luz, de la eternidad; de las hijas nacidas en claridad de los hijos nacidos en claridad. El que medita, El que conoce de todo lo que existe en el Cielo y en la Tierra en lagos y mares. 172 Fontes: Ximénez (1700-1704, f. 1r); Chávez (1997, p. 31); Sam Colop (2011, p. 1) 169

“Por lo tanto, hablar de la de colonialidad es visibilizar las luchas en contra de la colonialidad pensando no solo desde su paradigma, sino desde la gente y sus prácticas sociales, epistémicas y políticas, tomando en cuenta la presencia de lo que Maldonado-Torres llama una “actitud de-colonial”. (WALSH, 2005, p. 23).

170

“Dichas traducciones, en general han pasado por alto el lenguaje poético en que fue escrito el manuscrito original” (COLOP, 2011, p. XIII).

171

Aquí está haciendo referencia a la cuerda con que aún se miden los terrenos. Um ej del manuscrito ha sido traducido como “la mitad”; pero significa ‘doblez’, con la dobladura de los cortes que visten las mujeres mayas.

172

“cielo tierra” y ‘lago mar’, metonimias para referirse al cosmos y a todas las aguas de la Tierra, respectivamente.

138

Quadro 34 - Tradução para o português do excerto anterior Grande foi o seu valor e a sua narração. Quando se concluiu o nascimento de todo o céu e de toda a Terra: As quatro criações, as quatro humilhações, o conhecimento das quatro punições, a corda de medir e atar, a linha de medir e atar, o útero do céu, o útero da Terra. Quatro criações, quatro humilhações, como contavam, Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p.45)

Neste excerto (Quadros 33 e 34) está implícita a concepção cíclica do tempo maia. Chávez (1979) capta esta ideia claramente quando escreve: meditador y pensador de todo donde quiera, donde haya ciclo, tierra, Lagos, mares, (meditador e pensador de tudo em todos os lugares, onde exista ciclo, terra, lagos, mares). Sam Colop (2011) expressa esta ideia com a palavra ‘eternidade’: Creador y Pálpito de la luz, de la eternidad, (criador e pulsação da luz, da eternidade). Esta percepção sobre o significado mais profundo das palavras K´iches’ chegaram até nós graças à revisão feita por Chavez (1979), motivo pelo qual sua tradução foi tão importante. O autor, por ter sido o primeiro K’iche’ a revisar os manuscritos de Ximénez, conseguiu resgatar algumas idéias fundamentais da epistemologia desse povo. “Tal como o define a visão cíclica maia da história, no passado está escrito o futuro, que ao mesmo tempo é uma lembrança do passado. Dito de outra forma, os maias viviam numa constante interação entre o passado e o futuro a nível cotidiano” (OKOSHI ARADA, 2000, tradução nossa173) Ximénez escreve: “ o cuerdas, y su ser estirada la cuerda en el cielo, y en la tierra; q’es dicho de cuatro esquinas” (ou cordas, e seu ser com a corda estendida no céu, e na terra; que é dito de quatro cantos) (XIMÉNEZ, 1700-1704, f. 1r). Edmonson (1971) traduz este excerto como: “The womb of heaven, / The womb of earth. / four creations, / Four humiliations,” [O ventre do céu/ o ventre da terra / quatro criações / quatro quedas]. É a menos literal de todas as traduções, mas talvez seja a que melhor reflita a cosmovisão maia pré-colonial(LÓPEZ, 2014, p. 24, 173

Tal como lo define la visión cíclica de la historia, en el pasado está escrito el futuro y este porvenir, al mismo tiempo, es un recuerdo del pasado. Dicho de otra manera, los mayas vivían una constante interacción entre el pasado y el futuro a nivel cotidiano. (OKOSHI ARADA, 2000, s/p)

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tradução nossa174). O número quatro está relacionado com a organização dos chamados “rumos do universo”. Para ilustrar este conceito, exemplificamos com o deus K175 (K’inich Ajaw, Senhor do Olho Solar) (Figura 24):“Gerador do tempo, da luz, do calor e dos quatro rumos do universo, o sol chamado K’inich Ajaw(senhor do olho solar), era também importante como deus criador, pois o concebiam como uma das manifestações de Itzamnaaj.” (PEREZ SUAREZ, 2007, p. 20, tradução nossa176) Figura 24 - K´inich Ajaw Deidade solar

Fonte: PEREZ SUÁREZ (2007 s/p)

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“Edmonson traduce este fragmento como: 'Thewomb of heaven, / Thewomb of earth. / fourcreations, / Four humiliations,' [El vientre del cielo / el vientre de la tierra / cuatro creaciones / cuatro caídas] (8). Es la menos literal de todas las traducciones pero tal vez sea la que mejor refleja la cosmovisión maya precolonial.” (LÓPEZ, 2014, p. 24) A principios del siglo XX, identificó las primeras imágenes de ellos en los códices del Posclásico. Utilizó 15 letras mayúsculas para nombrar cada uno, de la A a la P, nomenclatura que aunque modificada, aún se utiliza para identificar las imágenes de los principales dioses. Generador del tiempo, la luz, el calor y los cuatro rumbos del universo, el Sol, llamado K’inich Ajaw (Señor de Ojo Solar), era tan importante como el dios creador, pues se concebía como una de las manifestaciones de Itzamnaaj.” (PEREZ SUAREZ, 2007, p. 20)

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“O símbolo mais freqüente para representá-lo foi a flor de quatro pétalas do glifo k´in (sol, dia, tempo e festa), que alude aos quatro rumos do cosmos, razão pela qual a deidade solar se utilizava para representar o número 4 (chan o k´an).” (PEREZ SUAREZ, 2007, p.18,tradução nossa177). Segundo o autor mencionado, os maias consideravam que por cima da terra existiam treze céus e, por baixo, nove inframundos, cada um deles com quatro rumos ou lados que coincidiam com os pontos cardeais.Cada um deles tinha uma cor específica: o Oriente chamava-se K´in ou sol nascente, sua cor correspondente era o vermelho. O Oeste era Chi k´in ou sol poente, e sua cor era preto. O Sul era conhecido como Nohol, sua cor era amarela, e era o lugar por onde transitava Nohoch Ek, ou Vênus. O Norte era denominado Xaman, sua cor era branca e o lugar por onde transitava Uh, a lua. Segundo a autora, cada ponto cardeal era associado com uma ave mitológica e quatro árvores que sustentavam o mundo. No centro do mundo encontrava-se Chaak, o deus das chuvas, e suas cores são o verde e o azul.Menciona a “sobrevivência de narrações recolhidas na época colonial, como O Ritual dos Bacabes178, onde se descreve o pássaro O’ formando parte das mesmas estruturas simbólicas as quais aparece associado também o deus da chuva: a árvore e as cores dos quatro rumos”. (GARCIA BARRIOS, 2009, p.3, tradução nossa179). Queremos deixar claro nesta explanação que os elementos iconográficos maias aparecem concatenados e os significados são complementários. O Popol Wuj responde à mesma lógica, cada conceito possui profundidade e características tridimensionais que devem ser observadas como um organismo dentro de um sistema. 177

178 179

“El símbolo más frecuente para nombrarlo fue la flor cuadripétala del glifo k’in (Sol, día, tiempo y fiesta), que hace alusión a los cuatro rumbos del cosmos, razón por lo que la cabeza de la deidad solar se utilizaba para representar el número 4 (chan o k’an)” (PEREZ SUAREZ, 2007, p. 18). Ritual de sanação. “pervivencia de narraciones recogidas en época colonial, como El Ritual de los Bacabes, en donde se describe al pájaro O' formando parte de las mismas estructuras simbólicas a las que aparece asociado también el dios de la lluvia: el árbol y los colores de los cuatro rumos.”(GARCIA BARRIOS, 2009, p. 3)

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Quadro 35 - Difrasismo mãe e pai. y cuatro lados por el Formador, y Criador, su Madre y su Padre de la Vida, y de la Creación. q’da respiración, y resuello, paridos, y cuidados, de la paz, claridad de los hijos, pensador, y en- tendedor (Folio 1 verso) de toda hermosura que hay en el zielo, tierra, lagunas y mar !se dijo por el Arquitecto, el Formador, señora y señor de la existencia y de la humanidad: constructor y espíritu de la pura grandeza, de la clara creación, claridad varonil: meditador y pensador de todo donde quiera, donde haya ciclo, tierra, Lagos, mares. como dice por parte de Tz ´aqol, Bitol: Madre y Padre de la vida de la existencia; dador de la respiración, dador del corazón; Creador y Pálpito de la luz, de la eternidad; de las hijas nacidas en [claridad de los hijos nacidos en claridad. El que medita, El que conoce de todo lo que existe en el Cielo y en la Tierra en lagos y ares.180 Fontes: Ximénez (1700-1704, f. 1r); Chávez (1997, p. 31); Sam Colop (2011, p. 1)

Quadro 36 -Tradução para o português do excerto anterior Feitos por Tzakol Bitol, a mãe e o pai da vida e da humanidade, o inspirador e animador, gerador e animador da luz e da corrida, Zaquil al (Filhos da Mãe da Luz), Zaquil qahol (Filhos do Pai da Luz), o Meditador, o pensador de tudo o que existe: Céu, Terra, Lago e Mar. Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p.45)

Neste excerto (Quadros 35 e 36) estão mencionadas as figuras de pai e de mãe. Como observa Miguel Rivera Dorado (2005, p. 14), as relações de parentesco têm um papel de grande importância na ordem social maia. O culto aos antepassados constitui uma questão preponderante, aliás, etno e historicamente discutida e documentada. Os mesmos representariam a face divina dos fundadores das linhagens, reforçando as legitimidades dinásticas, a coesão grupal e a identidade coletiva. Os antepassados representavam o nexo entre o mundo dos vivos e o outro mundo: o mundo histórico e o mundo mitológico, protagonizando uma função política e social. Craveri (2012) explica que as relações de parentesco brindam um valor universal ao grupo social. 180

“Cielo tierra' y ‘lago mar’, metonímias para referirse al cosmos y a todas las aguas de la Tierra, respectivamente.” (COLOP, 2011, p. 204).

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Mãe e pai se manifestam como princípios de identidade e a compenetração entre elementos opostos. “O difrasismo ajuda a compreender a concepção do indivíduo como etapa de um processo constante de vida, morte e regeneração” (CRAVERI, 2012, p. 111, tradução nossa181). Os difrasismos apresentados nas três traduções falam do princípio cósmico criador “Q'ukumatz, o dragão celeste” (CRAVERI, 2012, p. 103, tradução nossa182). Notamos que Ximénez (1700-1704) traduz as palavras k'iches: Tz'aqol, Bitol, como Formador e Criador, e Sam Colop (2011) mantém as palavras K'iches com este paralelismo. O difrasismo reproduz na tradução a tensão semântica identitária que “carrega os nomes da energia sagrada e da fertilidade necessárias à criação. A função do difrasismo consiste em enfatizar o papel formador dos seres divinos e de conotar cada um deles utilizando uma interação recíproca” (CRAVERI, 2012 p. 103, tradução nossa183). Chávez (1979) utiliza as palavra “El Arquitecto, el formador”, outrossim, elimina a conjunção “y”, transformando o difrasismo numa enumeração. Chávez (2007) traduz ‘mãe e pai’ como señora y señor de la existencia y de la humanidad, priorizando o sentido de autoridade e velando, como já observado acima com base em Craveri (2012, p.111), o principio de “concepção do indivíduo como etapa de um processo constante de vida, morte e regeneração”. O sentido de autoridade provinha, para os maias, da transmissão de princípios éticos e religiosos do passado mítico. A tradução de Chávez (2007) torna opaco o importante aspecto vital-orgânico das manifestações da cultura maia. Ximénez (1700-1701) e Chávez (2007) traduzem as palavras Alom e K'ajalom engendradora e engendrador em K'iche’ - que aludem justamente à procriação advinda da parte da mãe e do pai. Parece que existia nos traços semânticos que compõem o referido conceito a autoridade das linhagens que Chávez (2007) destaca, mas o aspecto vital, que caracteriza a 181

182

183

“El difrasismo ayuda a comprehender la concepción del individuo como etapa de un proceso constante de vida, muerte y regeneración” (CRAVERI, 2012, p. 111). Q'ukumatz, el dragón celeste. (CRAVERI, 2012, p. 103) “...carga los nombres de la energía sagrada y de la fertilidad y de la fertilidad necesaria para la creación. La función del difrasismo es la de enfatizar el papel formador de los seres divinos y de connotar cada uno de ellos por medio de su recíproca interacción.” (CRAVERI, 2012, p. 111).

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mitologia K'iche’, aparentemente foi deixado de lado. Rivera Dorado (2005), em seus estudos sobre religião maia, sublinha que o sistema de crenças está intimamente adaptado ao meio da floresta tropical, tanto em suas representações como em seus conceitos. Por sua vez, o aspecto “orgânico” da cosmogonia em Chávez está amenizado, por defini-lo de alguma forma. A frase seguinte da sua tradução é “Construtor e espírito da pura grandeza, da clara criação, claridade varonil: meditador e pensador de tudo em todo lugar, onde há céu, terra, lagos e mares”(CHAVEZ, 2007, p. 31, tradução nossa184). Neste excerto da tradução, os três tradutores conservam o sentido que aponta Craveri (2012): “O difrasismo conota a humanidade em referência a elementos espirituais. O que caracteriza esta humanidade é o seu desenvolvimento intelectual e a capacidade de lembrar seus procriadores. A luz proporciona um desenvolvimento humano mais profundo, vinculado com o pensamento e a memória.”(CRAVERI, 2012, p.101, tradução nossa185) Quadro 37 - O silêncio, o vazio e a quietude Folio 1 verso. ESTE ES SV SER DICHO QVANDO estaba en suspenso, en calma, en silenzío, sin moverse, sin cosa sino vazío el zielo. I esta es la primera palabra, y eloquençía. aun no avía hombres, animales, pajaros, pescado, cangrejo, palo, piedra, hoyo, varranca, paja, ní monte; síno solo estaba el cíelo. No se manifestava la haz de la tierra; sino q’ solo estaba el mar represado, y todo lo de el cielo; aun no avía cosa alguna junta, ní sonaba nada, ní cosa alguna se meneaba, ní cosa q’hízíera, mal. í cosa q’hízíera, cotz. Esto es ruído, en el cielo. ní avía cosa q’ estuvíese, ní q’estuviese parada em pie; solo el agua represada, solo la mar sosegada, solo ella represada, ní cosa alguna avía q’estuviese; solo estaba en sílencio, y sosiego, en la obscuridad, y la noche; RELATO DE LO QUE TODAVIA ERA SILENCIO, VIBRACIÓN, FERMENTACION. VIBRABA, ESPASMABA, PALPITABA; ES DECIR CUANDO ELCIELO ESTABA VACIO. Esta primera palabra es la primera expresión; no habia gente, ni animal, pajaro, pez, congrejo, árbol, piedra, hoyo, 184

185

“constructor y espíritu de la pura grandeza, de la clara creación, claridad varonil: meditador y pensadorde todo donde quiera, donde haya ciclo, tierra, Lagos, mares.” (CHÁVEZ, 2007, p. 31) “el difrasismo connota a la humanidad en referencia a elementos espirituales. Lo que caracteriza a esta humanidad es su desarrollo intelectual y la capacidad de acordarse de sus procreadores. La luz proporciona un desarrollo humano más profundo, vinculado con el pensamiento y la memoria. “(CRAVERI, 2012, p.101)

144 barranco, pajon, bosque; solamente estaba el cielo. No se veía tierra en ninguna parte, solamente el mar estaba represado; el cielo, todo quieto; nada habia de eso que es cosa, todo era absorción, nada se movía; recién acababase de hacer el cielo, tampoco habia nada levantado. Solamente el agua estaba represada, el mar estaba tendido, represado. No habia eso que es objeto; todo era formación, todo vibraba en la oscuridad, en la noche. Esta es, pues, su narración; todo está en suspenso, todo está en repôs En sosiego, todo está en silencio; Todo es murmullo y está vacía la bóveda del [Cielo. Esta es, pues, la primera [palabra la primera expresión: Cuando todavía no existía una [persona ni animal, pájaro, pez, cangrejo, árbol, piedra, cueva, barranco, pajón, bosque, sólo el Cielo existía. Todavía no había aparecido la [faz de la Tierra, Sólo estaba el mar en calma al igual que toda la extensión del Cielo Todavía no había nada que estuviera junto que hiciera ruido, que se moviera por

145 [su obra. No había movimiento, Nada ocurría en el Cielo. No había nada que estuviera [levantado sólo agua reposada, sólo el mar apacible, sólo reposaba la soledad. Y es que no había nada [todavía, Sólo había quietud Y sosiego en la oscuridad [en la noche. Fontes: Ximénez (1700-1704, f. 1v); Chávez (1997, p. 3b); Sam Colop (2011, p. 3)

Quadro 38 - Tradução para o português do excerto anterior II Aqui está a narração dessas coisas: na verdade, ainda estava quieto, na verdade, ainda quaestava silencioso. Estava quieto, na verdade, ainda estava quieto, na verdade estava calmo. Na verdade, estava solitário. E também estava vazio ainda, o útero do Céu. III Estas foram, na verdade as primeiras palavras, as primeiras expressões. Não havia ainda nenhuma pessoa, nenhum animal, Pássaro, Peixe, Caranguejo, Árvore, Pedra, Buraco, Desfiladeiro, Campo ou Floresta. Por si só o Céu existiu. A face da Terra ainda não era visível. Por si só o mar ficou represado. E o útero do Céu, Tudo. Não havia mais nada, o que quer que fosse, em silencio, ou em repouso. Cada coisa foi feita silenciosa. Cada coisa foi feita quieta, foi feita invisível, foi feita para descansar no Céu. Não havia de fato nada então que estivesse imóvel lá. Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p.47)

No excerto acima apresentado (Quadros 37 e 38), que descreve o silêncio, o vazio e a quietude seminais, existe uma sincronia entre a gênese mítica e a gênese da obra, o início de ambas está marcado pela palavra: “...esta é a primeira palavra e eloquência”(XIMÉNEZ,1700-

146

1704. f. 1v, tradução nossa186). Chávez (2007) e Sam Colop (2011) coincidem na tradução: la primeira palabra y expresión. Premat (2013) analisa o paradigma filosófico do início de um texto: “o que precede ao existente, pela atualização da crença na primeira página, no primeiro gesto, na palavra inaugural capaz de atribuir um sentido inteligível […] a todos os relatos humanos” (PREMAT, 2013, p. 41,tradução nossa187). Essa gênese não concebe um começo absoluto do nada, do ex nihilo, para os maias, “o cosmos é um sutil receptáculo que contém infinitas possibilidades de infinitas existências que podem chegar a ser. Não há coisa no sentido corrente do termo, mas sim a latência da vida” (LÓPEZ, 1999, p. 171, tradução nossa188). Ximénez (1700-1704) e Chávez (2007) utilizam o pretérito: “Relato do que, todavia, era silêncio, vibração, fermentação, vibrava, espasmava, palpitava; [...] quando o céu estava vazio” (CHÁVEZ, 2007, p. 2a, tradução nossa189). Sam Colop (2011) inicia a tradução em tempo presente. Explica nas notas que o uso do tempo presente para narrar acontecimentos passados é uma característica do discurso K'iche’: “…tudo está em suspenso, tudo está em repouso. Em sossego, tudo está em silêncio; Tudo é murmúrio e está vazia a abóbada celeste” (SAM COLOP, 2011, p. 3, tradução nossa190). “O mito propõe uma identificação mimética entre os dois níveis (histórico e mítico) e interpreta o momento presente como uma atualização do passado.” (CRAVERI, 2012, p. 186, tradução nossa191). 186

“sta es la primera palabra y eloquencía” (XIMÉNEZ, 1700-1701, f. 1v).

187

“Lo que precede lo existente, por la actualización de la creencia en una primera página, en un primer gesto, una palabra inaugural, capaces de atribuirle un sentido inteligible a lo que sigue, es decir a todos los relatos humanos.” (PREMAT, 2013, p. 41).

188

“el cosmos es un sutil receptáculo que contiene infinitas posibilidades de infinitas existencias que pueden llegar a ser. No hay cosa en el sentido corriente del término, pero si es la latencia de la vida.” (LÓPEZ, 1999, p. 171).

189

“Relato de lo que todavia era silencio, vibración, fermentación. Vibraba, espasmaba, palpitaba; es decir cuando elcielo estaba vacio.Esta primera palabra es la primera expresión” (CHAVEZ, 2007, p. 2a).

190

“...todo está en suspenso, todo está en reposo. En sosiego, todo está en silencio; Todo es murmullo y está vacía la bóveda del Cielo” (COLOP, 2011, p. 3).

191

“El mito propone una identificación mimética entre los dos niveles e interpreta el momento presente como una actualización del pasado.” (CRAVERI, 2012, p. 186).

147

Nas três traduções, o narrador é onisciente, fala-se da criação utilizando-se uma concatenação de entes ainda não existentes: “não havia gente, nem animal, pássaro, peixe, caranguejo, árvore, buraco, barranco, palha, bosque; somente estava o céu”(CHÁVEZ, 2007, p. 2a, tradução nossa192). Para os maias K'iches’: “Mencionar as formas naturais pode ser considerado como um ato cosmogônico verbal, no qual os deuses criam a vida dos seres naturais através da evocação de seus nomes” (CRAVERI, 2012, p. 119, tradução nossa193). A referida autora comenta que o vocábulo k'iche winaq significa “homem” e carece de uma conotação própria. Somente adquire sentido simbólico pela relação de contraste com outros seres e com a própria natureza: animais, vegetais e elementos da paisagem, assim o ser humano afirma seu papel específico no mundo interagindo com o meio ambiente. O texto coloca como elemento primeiro a água, que se menciona em contraste com a terra. Chevallier (1986) comenta sobre a simbologia da água, “...meio de purificação e centro de regeneração. [...] As águas, massa indiferenciada, representam a infinidade do possível, contém todo o virtual, o informal, o germe dos germes, todas as promessas do desenvolvimento.” (CHEVALLIER, 1986, p. 52, tradução nossa194). A gênese do Popol Wuj se descreve usando uma enumeração de objetos ausentes e suas manifestações: “Ainda não havia nada que estivesse junto, que fizesse ruído, que se movesse por si próprio” (CHÁVEZ, 2007, p. 3, tradução nossa195). Através da comparação das traduções podemos descobrir algumas características da semântica K'iche’, seu jogo de conotações por contrastes. Descreve-se uma situação de quietude com uma alusão específica à noite e a quietude de vida em potencial nas três traduções. 192

“no habia gente, ni animal, pajaro, pez, congrejo, árbol, piedra, hoyo, barranco, pajón, bosque; solamente estaba el cielo” (CHAVEZ, 2007, p. 2a).

193

“La mención de las formas naturales puede ser considerada también como un acto cosmogónico verbal, en que los dioses crean la vida de los seres naturales a través de la evocación de sus nombres” (CRAVERI, 2012, p. 119).

194

“… medio de purificación y centro de regeneración [...]. Las aguas, masa indiferenciada, representan la infinidad de lo posible, contienen todo lo virtual, lo informal, el germen de los gérmenes, todas las promesas de desarrollo.” (CHEVALLIER, 1986, p. 52).

195

“Todavía no había nada que estuviera junto, que hiciera ruido, que se moviera por su obra.” (CHÁVEZ, 2007, p. 3).

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Quadro 39 - Enumeração dos deuses solo estaba el criador y formador, Sor. culebra fuerte, las madres, y Pes. están en el agua, en una claridad abierta y estaban cubiertos en plumas verdes, por eso se llama qucumatz Solamente El Arquitecto, El Formador, El Infinito, El Oculta Serpiente, El creado, El Varon Creado estaban en el agua despejada, ahí estaban, estaban ocultos entre el limo, entre el verdor, de cual vino el nombre de Ocultador de Serpiente, Sólo estaban Tz´aqol, Bitol, Tepew Q´ukumatz, Alom, K´ajolom en el agua Dimanaban luz estando envueltas en plumas de quetzal en plumas azules; de ahí la nominación de “Serpiente Emplumada”. Fontes: Ximénez (1700-1704, f. 1v); Chávez (1997, p. 3b); Sam Colop (2011, p. 3)

Quadro 40 - Tradução para o português do excerto anterior Todos sozinhos, Tzakol e Bitol, Tepev, e quq Kumatz, as Mães e os Pais estavam na água. Luminosos eram eles então, e cobertos de penas de quetzal e de pombos. Daí veio o nome de Quq Kumatz. Grandes sábios eram eles. E grandes pensadores em sua essência, pois realmente há Kah (o Céu) E há também u Kux Kah (o Coração do Céu). Esse é o nome do deus, como se contava. IV Assim então chegou a palavra dele aqui. Ela alcançou Tepev. E Quq Qumatz lá na escuridão, na noite. Ela falou a Tepev. E Quq Qumatz, e eles falaram. Então eles pensaram; Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p.47)

Para analisar as traduções deste complexo excerto, devemos ressaltar que se trata de uma enumeração de deuses míticos (Quadros 39 e 40), que no relato parecem estar ocultos na água. De fato, formam um panteão de entes míticos que em K’iche’ se denomina “Popol Cabauil” (LÓPEZ, 1999, p. 64). Parafraseando Craveri (2012, p. 14), a criação da terra realiza-se como uma atividade conjunta, as raízes verbais dos nomes das deidades conotam a cosmogonia como uma fusão de princípios vitais que se complementam. Alom (Engendradora) e K'ajalom (Engendrador) aludem à procriação, Tzaqol/B'itol possuem as raízes verbais da criação, mas neste caso em relação ao modelado físico de uma matéria que já existia, que pode ser o barro. O radical tz'aq significa: formar e edificar muros.

149

A tradução de Ximénez contextualiza o nome desta deidade em singular: “somente estava o criador e o formador...” (XIMÉNEZ, 17001704, f. 1v, tradução nossa196). Chávez (2007) também realiza uma enumeração separada por vírgula, o que nos leva a interpretar que está falando de um só ser: “Somente O Arquiteto, O Formador...” (CHÁVEZ, 2007, p. 2a, tradução nossa197), por último, Sam Colop (2011) utiliza o verbo no plural e mantém os nomes em língua K’iche’: “Somente estavam Tz'aqol Bitol” (SAM COLOP, 2011, p. 4, tradução nossa198), estes detalhes nos apresentam uma divergência sobre a interpretação da epistemologia mítica realizada pelos tradutores que identificaram o Popol Cabauil como uma divindade única. Craveri (2012) explica que a serpente representa a energia telúrica e as penas de ketzal o princípio celeste. Chávez (2007) esclarece nas notas que: “Tz'aqol, Bitol, Tepew Q´ukumatz, Alom, K'ajolom na agua, […]antecipa que os deuses estavam envoltos em penas (verdes) e que se encontravam na água, são mencionados como Majestosa serpente com plumas.” (SAM COLOP, 2011, p. 4-202, tradução nossa199). Na continuação, Sam Colop (2011) traduz: “Emitiam luz estando envolvidas em penas azuis [...] Luz que sai dentre as penas. A palavra q'uq significa quetzal, mas também assim se chamam suas plumas” (COLOP, 2011, p. 4-204, tradução nossa200). Segundo Chevallier (1986, p. 929), os mesoamericanos - que ele menciona como ‘amerindios’ - dispunham somente de uma palavra para designar as cores azul e verde. O simbolismo das pedras azuis ou esverdeadas era duplo: por um lado há um simbolismo solar associado à cor turquesa como correlata do vermelho e, logo, do fogo. Por sua vez, a pedra turquesa, que carrega o

196

“...solo estaba el críador y formador” (XIMÉNEZ, 1700-1704, f. 1r.).

197

“Solamente EI Arquitecto, El Formador” (CHAVEZ, 2007, p. 2a).

198

“Sólo estaban Tz´aqolBitol” (COLOP, 2011, p. 4).

199

“Tz´aqol, Bitol, Tepew Q´ukumatz, Alom, K´ajolom en el agua. […] se anticipa que los dioses que estaban envueltos en plumas y que se encontraban en el agua, son nombrados como Majestuosa Serpiente emplumada” (COLOP, 2011, p. 4202).

200

“Dimanaban luz estando envueltas en plumas de quetzal en plumas azules […] Luz que sale de entre las plumas. La palabra q´uq significa quetzal, pero también así se llaman sus plumas.” (COLOP, 2011, p. 4-204.).

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símbolo lunar da fertilidade, de umidade e de renascimento, representava justamente a cor da serpente emplumada. Craveri (2012, p. 181-182) nos explica o sentido pelo qual a deidade geradora do universo maia é uma serpente, imersa nas águas da criação, envolvida com penas de quetzal (Figura 25). A serpente constitui um símbolo universal da transformação temporal, da fertilidade e da persistência ancestral. Expressa a capacidade de regeneração constante, vincula-se com a lua usada nos calendários para dividir os meses. Seu movimento encarna o próprio princípio da vida e o poder vivificante do sagrado. A serpente, no seu simbolismo polimorfo, manifesta a fecundidade telúrica. “A energia da serpente ativa um tempo cósmico abstrato que não cobre todas as manifestações temporais vinculadas à vida do homem.” (CRAVERI, 2012, p. 182, tradução nossa201). Figura 25 - Serpente emplumada

Fonte: Pacal202

201

La energía de la serpiente activa un tiempo cósmico abstracto que no cubre todas las manifestaciones temporales vinculadas a la vida del hombre”(CRAVERI, 2012, p. 182)

202

http://www.pacal.de/chitchenitza_en.html

151

Quadro 41 - Atributos das divindades grandes sabios, y de grandes entendimientos su ser. y así por eso está el zielo, y ay tambien su corazon de el zielo, este es su nombre q’se le dize a aquel ídolo. Y entonzes vino aquí su palabra, vino con los Ses. tepeu, qucumatz aquí en bscuridad, en la noche, y abló con tepeu qucumatz. y dixeron, qo consultaron, y qo pensaron, se juntaron, hízíeron consejo, qo se declararon, y pensaron vnos a otros. y en entonzes parezíeron las críaturas, que consultaron la hechura, y creazíon, de los palos, mecates, y la hechura de la vida, y de la creazíon, en la obscuridad, y tinieblas, por el corazon de el zielo, q’se llama huracan. (esto es de un píe nombre propío). El primero se llama: caculha huracan. (nombre propio q’dize: rayo de vna píerna) el Segundo: chípa caculha. (nombre propio q’dize el más pequeño de los rayos). Folio 2 reto y el tercero: RaxaCaculha (nombre ropio q’ dice: verde rayo) con q’ suertes aquel su Corazón del Cielo, q’ vinieron con Tepeu, Gucumatz, entonces se consulto la vida, y la creación; pues como se sembrara, y aclarar, grandes sabios, grandes pensadores se originaron Asi es pues que el cielo estaba etéreo, pero estaba el espiritu del cielo, he aqui su nombre: "Doble Mirada", le dicen. Vino y habló entonces aquí con el que viene del Infinito. Ocultador de Serpiente aqui en la oscuridad, de noche. se hablaron, pensaron y meditaron; se juntaron y se pusieron de acuerdo en pensamientos y palabras; se quisieron y se amaron bajo esta claridad. De una vez pensaron crear la humanidade y su subsistencia; crearon el árbol y el bejuco, la subsistencia de Ia vida y de la humanidad; esto fue en la oscuridad, en la noche por el Espíritu del Cielo llama do "Un Pie" "Rayo Un Pie" el primero, el segundo era "Mefique Rayo", el terceiro era "Verdadero Rayo". Asi que eran três los espiritus del Cielo; lIegaron a donde el "Venido del Infinito", "Oculta Serpiente"; se ideo desde entonces la clara existencia: - Cuando se ha de crear? Se ha de aclarar? De granes sabios, de grandes pensadores en su esencia Asimismo estaba sólo el [Cielo y también Uk´u´x Kaj que es el nombre de dios, como se le dice.M Vino entonces aquí su palavra llegó donde estaba Tepew Q´ukumatz en la oscuridad, en la aurora. Habló con Tepew Q´ukumatz 203 dijeron entonces cuando pensaron cuando meditaron. Se encontraron y juntaron sus palabras y sus pensamentos Estaba claro, se pusieron de acuerdo bajo la luz; se manifestó la humanidad y se dispuso el surgimiento, la generación de árboles, de bejucos y el origen de la vida, de la existencia en la oscuridad en la aurora, por parte de Uk´u´x Kaj llamado Jun Raqan. Kaqulja Jun Raqan, el primero, el segundo es Ch´ipi Kaqulja y el tercero Raxa Kaqulka cuando vinieron a hablar con Tepeu Q´ukumatz, cuando se concibió el origen de la vida: ¿Cuándo tendrá que ser la siembra y el amanecer? 204 Fontes: Ximénez (1700-1704, f. 2r); Chávez (1997, p. 3b); Sam Colop (2011, p. 4)

203

“Recinos traduce “hablaron entre si Tepew y Gucumatz” cuando el texto K ‘iche’ ‘’ dice que quien habló con ellos fue Uk´u ´x Kaj.” (CHAVEZ, 2007, p. 2a).

204

“La pregunta en el texto k ´iche: [...] está en forma imperativa. Esto quiere decir que los dioses, después de decidir la creación humana sólo se preguntan por el momento propicio para hacerlo. La ‘siembra’ y el ‘amanecer’ son expresiones paralelas en el Popol Wuj, que están asociadas a la siembra de luz en el Cielo y al surgimiento de vida en laTierra” (COLOP, 2011, p. 206).

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Quadro 42 - Tradução para o português do excerto anterior Então eles refletiram. Então concluíram entre eles; Eles juntaram suas palavras. Seus pensamentos. Então geraram. Seus pensamentos. Então eles mesmos se encorajaram. Então mandaram que fosse criado. E geraram os homens. Então conceberam o nascimento. A criação de árvores. E arbustos. E o nascimento da vida. E da humanidade. Na escuridão. Na noite por meio daquele que é u Kux Kah. Hu r Aqan (Raio Um perna) é o primeiro, e o segundo é Chipi Ka Kukaha (Raio Anão). O terceiro então é Raxa Ka Kulaha (Raio Verde), Assim os três são Kux Kah. Então eles vieram a Tepev. E Quq Qumatz, e então foi a invenção da luz. Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p.49-51)

Na tradução para o português encontramos esta primeira manifestação da gênese descrita da seguinte forma: “A primeira união alterna a atmosfera com a esfera, lança um nome brilhante como um raio ou pensamento entre u Kux Kah (o coração do Céu) e Quq Kumatz (Quetzal Serpente), iridescente na água noturna situada abaixo.” (BROTHERSTON; MEDEIROS, 2011, p. 19). Este texto pertence a um grupo de escritos muito antigos cuja elaboração remonta ao período maia clássico, situado entre os anos 300 e 600 d.C.Neste excerto (Quadros 41 e 42) continua-se a descrição dos atributos das divindades, “o caráter de estas figuras divinas é distante de uma atitude bélica, comportam-se sempre em conselho (diálogo), [...] digamos que são figuras hieráticas e telúricas ao mesmo tempo” (LÓPEZ, 1999, p. 64, tradução nossa205). López(2014, p. 24), no artigo inédito “El Popol Wuj y la colonialidad”, comenta que Ximénez identifica o mundo divino K'iche’ como uma entidade monolítica e o traduz com a palavra ‘ídolo’. Sam Colop (2011, p. 26) enumera os nomes em K’iche’, mas finaliza sua enumeração com a palavra “dios” em minúscula. Por último, Chávez realiza a tradução para “duplo olhar”, explicando nas notas: “Que olha de noite e de dia: perto e no infinito” (CHÁVEZ, 1979, p. 2b, tradução nossa206). “Christenson, porém, afirma que se refere ao conjunto dos antigos deuses” (LÓPEZ, 2014, p. 25, tradução nossa207). 205

“el caracter de estas figuras divinas dista bastante de una actitud belicista, y se comportan siempre en consejo, [...] digamos que son figuras hieráticas y telúricas al mismo tiempo” (LÓPEZ, 1999, p. 64).

206

“Doble mirada”, significa que mira de noche cerca y el Infinito” (CHÁVEZ, 1979, p. 2b).

207

“Christenson en cambio sostiene que se refiere al conjunto de los 'antiguos

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O Popol Wuj possui uma característica dialógica que justifica a tradução muito difundida do seu título por “Livro do Conselho”. As divindades mencionadas representam energias e símbolos concebidos de acordo com os calendários maias, e das forças da natureza que se reúnem, dialogam e integram-se para fundir suas energias, seus pensamentos e intenções e assim realizam o gênese: Uk´u´x Kaj que é o nome de deus, como se diz,[...] no amanhecer falou com Tepew Q´ukumatz,disseram então quando pensaram, quando meditaram. Encontraram-se, juntaram suas palavras e seus pensamentos. Estava claro, ficaram de acordo sob a luz; se manifestou a humanidade e se dispôs o surgimento, a geração de árvores e trepadeiras a origem da vida, da existência na escuridão na aurora, por parte Uk´u´x Kaj chamado Jun Raqan.” (COLOP, 2011, p. 5, tradução nossa208)

Tendo em vista que a superfície da trama pode, eventualmente, tornar-se confusa para o leitor, evocamos uma explicação de López (2014) sobre os três raios mencionados nas traduções: “Huracán209 (Jun Raqan) significa turbilhão de uma perna: Chipí Caculhá (Ch'ipikaqulja) significa raio pequeno, e Raxa-Caculha (Raxakaqulja), quer dizer raio verde, talvez se refira ao trovão ou o relâmpago. Em conjunto referem-se às poderosas descargas de energia que conectam o céu com a terra”(LÓPEZ, 2014, p. 25, tradução nossa210). Chávez (2007) realiza dioses'” (LÓPEZ, 2014, p.25). 208

209

210

“Uk´u´x Kaj que es el nombre de dios, como se le dice. Vino entonces aquí su palabra llegó donde estaba Tepew Q´ukumatz en la oscuridad, en la aurora Habló con Tepew Q´ukumatz dijeron entonces cuando pensaron cuando meditaron. Se encontraron, juntaron sus palabras y sus pensamientos. Estaba claro, se pusieron de acuerdo bajo la luz; se manifestó la humanidad y se dispuso el surgimiento, la generación de árboles, de bejucos y el origen de la vida, de la existencia en la oscuridad en la aurora, por parte de Uk´u´x Kaj llamado Jun Raqan” (COLOP, 2011, p. 5). Furacão. “Huracán (Jun Raqan) significa torbellino de una pierna; ChipíCaculhá (Ch’ipiKaqulja) significa rayo pequeño, y Raxa-Caculha (RaxaKaqulja), quiere decir rayo verde, tal vez se refiere al trueno o al relámpago. En conjunto se refieren a las poderosas descargas de energía que conectan el cielo con la tierra” (LÓPEZ,

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uma interpretação deste excerto como um encontro extremamente harmonioso entre Uk'u'x Kaj (Huracán) - que ele chama de “duplo olhar” - e Gukumatz (serpente emplumada), e chega a defini-lo como amor. Duplo olhar, lhe dizem. Veio e falou então aqui com aquele que vem do infinito. Ocultador de serpente aqui na escuridão, de noite. Se falaram, pensaram e meditaram: se juntaram e ficaram de acordo em pensamentos e palavras; se quiseram e se amaram sob a claridade. De uma vez pensaram criar a humanidade e sua subsistência; criaram a árvore e a trepadeira, a subsistência da vida e da humanidade. (CHÁVEZ, 1979, p. 2b, tradução nossa211)

É importante destacar que nas notas de sua tradução, Chávez (2007) escreve: “Um pé, significa que não possui sexo, um eterno, à diferença do homem que tem dois pés, [...] homem ou mulher. […] conceito que não está representado nos glifos.” (CHÁVEZ, 2007, p. 2b, tradução nossa212). O tradutor repete a palavra Arquiteto e Formador, termos que já foram comentados no início deste capítulo, e, na continuação, descreve o panteão das divindades maias valorizando seus atributos: a palavra e o pensamento. Os elementos diferenciados em sua tradução por comparação com as traduções de Ximénez e Sam Colop (2011), aqui estudadas, apresenta-se, primeiramente, no nome traduzido de Hun Raqan para “duplo olhar”. Retomando as analogias propostas nas hipóteses entre a tradução de Chávez (2007) e alguns elementos da doutrina maçônica, notamos que um dos principais símbolos da mesma é o “olho de Horus” da cultura egípcia. Este olho, casualmente, representa uma forma de ver o infinito, já que possui capacidades divinas, enquanto 2014, p.25). 211

“'Doble Mirada', le dicen. Vino y habló entonces aquí con el que viene del Infinito. Ocultador de Serpiente aqui en la oscuridad, de noche. se hablaron, pensaron y meditaron; se juntaron y se pusieron de acuerdo en pensamientos y palabras; se quisieron y se amaron bajo esta claridad. De una vez pensaron crear la humanidad su subsistencia; crearon el arbol y el bejuco, la subsistencia de la vida y de la humanidad” (CHÁVEZ, 1979, p.2b).

212

“...'Un pie', significa que no tiene sexo, un eterno, a diferencia del hombre que tiene dos pies, es decir; o es hombre o es mujer. Por ser un concepto que no está representado en ningún griflo” (CHAVEZ, 2007, p. 2b).

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o olho esquerdo representa a visão humana. Segundo Chevallier (1986), Horus é um Deus egípcio com cabeça de falcão, representado geralmente por um olho, chamado Olho de Horus, “seu combate legendário com Seth, o malvado, que lhe feriu o olho, ilustra a luta da luz contra a sombra e a necessidade de estar atento, de ter o olho aberto na busca da eternidade” (CHEVALLIER, 1986, p. 578, tradução nossa213). O próprio Chávez (2007) traça uma analogia entre a cultura maia e a cultura egípcia: “Osiris, entre os deuses de Egito, aparece com um pé [e Huracán também]”. (CHÁVEZ, 2007, p. 2b, tradução nossa214). Ambos são conceitos secretos. Por fim, encontramos no texto estudado frases que abrem interrogações ou diálogos entre o Coração do Céu e a Serpente emplumada. Craveri explica que o esquema comunicativo mais importante do texto se fundamenta em diálogos “que abrem as ações e as transformam na realização concreta de um ato verbal dos personagens. A realidade do Popol Wuj é dinâmica e polissêmica com a incursão de vários pontos de vista” (CRAVERI, 2012, p. 177, tradução nossa215). Quadro 43 - Criação da terra quien será hecho alimentador, y sustentador, dad vuestro voto. Esta agua salga, desembarace para q’ se produzca la tierra, y sea su juntura, y así se siembre, y aclare el cielo, y la tierra, y así no les será embarazo a las criaturas, y nuestras hechuras, cuando fueren criados los hombres criaturas, y formadoras, y dijeron cuando se formo la tierra por ellos, de solo decirlo se hizo la tierra, y estuvo su Ser formado. Tierra dijeron, y luego al instante fue hecha. Así como la neblina, y como nube su ser formado, en retazos cuando se puso como cangrejo sobre el agua el cerro fue hecho. Solo por milagro, y maravilla fue hecho, y en un instante juntamente se formo su producir cipreses, Primeramente se crío la tierra, los montes, y llanos, se dividieron los caminos del agua, y anduvieron muchos arroyos entre los cerros y en señaladas partes se paró, y detuvo el agua, y 213

“Dios egipcio con cabeza de halcón, hijo de Osiris e Isis, representado a menudo por un ojo, el Ojo de Horus. Su combate legendario con Seth, el maléfico, que le reventó un ojo, ilustra la lucha de la luz contra las tinieblas y la necesidad de estar atento, de tener el ojo abierto en la persecución de la eternidad” (CHEVALLIER, 1986, p.578).

214

“Osiris de entre los dioses de Egipto aparece con un pie” (CHÁVEZ, 2007, p.2b).

215

“que abren las acciones y las transforma en la realización concreta de un acto verbal del personaje. La realidad del Popol Wuj es dinámica y polisémica con la incursión de varios puntos de vista” (CRAVERI, 2012, p. 177).

156 entonces se mostraron los grandes cerros. Y así su ser formada la tierra, cuando se crío por aquellos q’ se llaman el Corazón del Cielo, y el Corazón de la Tierra, y esto es lo primero q’ discurrieron estando el cielo y la tierra dentro del agua, y así su ser discurrido aquello q’ discurrieron, cuando pensaron su ser perfeccionado, y su ser hecho por ellos. Sea quien sea el buscador de la existencia, que se origine, no seais lentos porque el agua no se quita, no desocupa; que aparezca la Tierra, que se tienda sola; dijo entonces: - ¡Creaos! [Aclaraos Cielo, Tierra! Acaso no ha de ser el lugar de invocacion, de contemplación de nuestros construidos, de nuestros formados? [Originaos gente construida, gente formada! -asi dijeron. De una vez apareció la Tierra por ellos, solamente por su palabra se hizo la Creación, al momento apareció la Tierra. - iTierra! -dijeron. De una vez se creo, aparecio como nube, como neblina fue su aparición. Aqui fue cuando surgio, salieron las montañas dentro del agua; verdaderas grandes montañas resultaron; por su signo, por su virtud se hizo la creación de las montañas, de las costas; de una vez aparecieron con sus cipresales, sus pinares, así fue el aspecto. Se puso feliz el Oculta Serpiente, -- Estuvo bien que hayas venido tu, Espíritu del Cielo, tu Un Pie, es decir, tu último Rayo", "Verdadero Rayo"; salió bien nuestra obra, nuestra formadura -dijeron. Primero apareció el asiento de las montañas y de las costas. Luego se pensó en el camino de los ríos y corrieron; parecían piernas entre montañas. Sólo se pensó y ya estaban corriendo los ríos, así se juntaron las grandes montañas. Así fue como apareció la tierra, se originó por los espíritus del cielo, por eso se decía “Espíritu de la tierra”, Al momento idearon primero la existencia de la Tierra que salió del agua. Así fue como se ideó, idearon, se pensó hacer bien. ¿Quiénes serán los proveedores, los cuidadores? ¡Que se haga la realidad! ¡Las aguas que se aparten, Que se vacíe! Porque debe surgir la Tierra Su superficie debe verse. Luego que venga la siembra que nazcan Cielo y Tierra, ¿ No es acaso el lugar de veneración, de invocación, de nuestros formados, de nuestros seres creados¡Que se origine la gente formada la gente construida!, dijeron entonces. Luego surgió la tierra por su obra, sus palabras fueron suficientes para que esto ocurriera, para que la tierra apareciera: _ ¡Tierra!, dijeron y de inmediato emergió como si fuera sólo nube, como si fuera neblina empezó a aparecer empezó a crecer. Del agua empezaron a salir los cerros y de inmediato en grandes montañas se convirtieron. Sólo por su prodígio Solo por su poder se consiguió la concepción de las montañas y valles.216 Que de inmediato rebosaron de cipreses de pinos. Así , pues, se puso contenta la Serpiente Emplumada: Estuvo bien que hayas venido tú Uk´u´x Kaj, tú Jun Raqulja, tú Ch´ipi Kaqulja. Raxa Kaqulja.217 Salió bien nuestra obra nuestra construcción, dijeron entonces. Primero, pues, se originó la Tierra las montañas y valles; se dispuso el camino de las aguas los arroyos empezaron a caminar entre los cerros; ya se sabía el lugar 216

“Literalmente ‘montaña-valle’, es otra metonimia para referirse a la ‘superficie de la tierra’” (COLOP, 2011, p. 206).

217

“Aquí se identifican cuatro nombres. Esto clarifica […] que son tres las manifestaciones de 'Corazón del Cielo'” (COLOP, 2011, p. 206).

157 de las aguas cuando parecieron las grandes montañas. Así fue, pues, el origen de la Tierra cuando fue formada por Uk´u`x Kaj Uk´u´x Ulew, así llamado porque fueron los primeros en pensarlo. El cielo fue separado y La Tierra fue apartada de las aguas. Así fue, entonces, lo ejecutado cuando pensaron cuando meditaron concluir, terminar su obra. Fontes: Ximénez (1700-1704); Chávez (1997, p. 3a); Sam Colop (2011, p. 7)

Quadro 44 - Tradução para o português do excerto anterior “Um protetor. Um nutridor: que assim seja. Você deve decidir sobre isso. Existe água represada.Que deve ser descarregada, para criar isso, a Terra, e tê-la lisa. E igual. Quando ela for plantada, quando ficar clara. Céu e Terra. Mas não haverá nenhuma adoração ou glorificação daquilo que construímos. Daquilo que modelamos, até que tenhamos criado também uma forma humana. Uma figura humana, adoração ou glorificação daquilo que modelamos. Até que tenhamos criado também uma forma humana. Uma figura humana”, assim eles disseram. Assim, a Terra foi criada por eles. Só a palavra deles causou a sua criação. Para criar a Terra, “Ulev” (“Terra”), eles disseram. Imediatamente ela foi criada. Era apenas como uma nuvem, como uma névoa então. A criação então. O furacão. Então à montanha. Foi dito que saísse da água. Imediatamente houve grandes montanhas. Só o poder deles. Só a magia deles. Causou a criação então. A invenção de montanhas e vales. Num instante foram também criados bosques de cedro sobre elas. E florestas de pinheiros sobre elas. Assim Quq Kumatz se alegrou. “Que bom que você veio, Ó u Kux Kah, Ó, Hu r Aqan. E você, Chipi Ka Kulaha e Raxa Ka Kukaha. Nossa criação está bem feita. E nossa obra”, eles disseram. E como eles haviam criado a Terra, as montanhas e vales, os caminhos das águas ficaram desembaraçados e elas se puseram a descer as colinas. Então os rios se dividiram mais. Conforme iam as grandes montanhas aparecendo. E assim foi a criação da terra, que é obra deles, U Kux Kah, U Kuk Alev, como são chamados. E eles foram os primeiros a pensar nisso. O Céu estava pronto e a Terra estava pronta sob a água. E assim foi inventado o que eles imaginavam. Enquanto eles refletiam sobre sua perfeição. Tudo foi feito por eles. Fonte: Brotherston e Medeiros (orgs.) (2011, p. 52-53)

Segundo Craveri, esse fragmento (Quadros 43 e 44) é um bom exemplo da estrutura do Popol Wuj. Neste caso, o referente principal é a criação da terra pelos deuses, porém, a cosmogonia não está relatada desde um único ponto de vista,mas pela interação de eventos que coparticipam na criação da vida. A narração não respeita uma ordem cronológica e privilegia uma relação semântica entre referentes, como o deus e a terra, as montanhas e os vales, a água e os rios. A seqüência temporal dos acontecimentos está substituída pelos vínculos simbólicos entre os conceitos, que sugerem a fusão de elementos complementários

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para o surgimento da vida. Menciona a criação da terra, das montanhas e os vales no seguinte fragmento: “Primeiro, então, se originou a Terra, as montanhas e vales” (CRAVERI, 2012 p. 33, tradução nossa218)“, mas a cosmogonia se conclui somente nos seguintes: “Assim foi, então, o executado quando pensaram, quando meditaram concluir, terminar sua obra”(CRAVERI, 2012, p. 33, tradução nossa219)nas quais se ressemantiza o conceito através de uma linha circular de desenvolvimento cronológico. A vida não se origina somente por um ato unilateral dos deuses, mas através da participação ativa dos elementos naturais, que doam ao ato cosmogônico a fertilidade necessária para o nascimento do universo. Quando os deuses mencionam a terra, ela se forma, este binômio palavra-ação realiza-se entre dois seres que estão de acordo (i.e. Huracán e a Serpente Emplumada). Segundo Craveri (2012, p. 171) este acontecimento responde a uma concepção mágico-religiosa das palavras, ou seja, a voz é criadora e poderosa, atua concretamente sobre a realidade. A voz dos personagens é o impulso da ação. Os deuses realizam sua obra e ficam satisfeitos com aquilo que criam. Chávez (2007) e Sam Colop (2011) expressam a concordância dialógica entre os deuses de uma forma similar neste trecho da tradução. Há um elemento novo mencionado no final do excerto: o Coração da terra, “no manuscrito linha 42, reza vquxuleu (Uk’u’xUlew), que significa “coração da Terra, complemento (feminino) de Uk’u’xKaj, o céu no sentido de Universo.” (LÓPEZ, 2014, tradução nossa220). As energias masculina e feminina sempre se fazem presentes para contextualizar a criação.Uma vez concluída a obra, as deidades ficaram conformadas com ela, criaram a terra, as montanhas, os arroios e rios. A partir deste momento a natureza está pronta para receber os animais e os homens. Podemos observar outro recurso estilístico característico do Popol Wuj proveniente da identidade oral do texto: o retorno ao mesmo conceito. “Outro elemento [...] consiste na distribuição 218 219

220

Primero, pues, se originó la Tierra las montañas y valles (CRAVERI, 2012, p. 33) “Así fue, entonces, lo ejecutado cuando pensaron, cuando meditaron concluir, terminar su obra” (CRAVERI, 2012, p.33) “En el manuscrito, línea 42, reza vquxuleu (Uk’u’xUlew), que quiere decir Corazón de la Tierra, complemento (femenino) de Uk’u’xKaj, el cielo en el sentido de Universo” (LÓPEZ, 2014, s/p)

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circular dos significados no texto, a narração não segue rigorosamente uma ordem linear e progressiva, mas frequentemente retorna a agir sobre si mesma para aprofundar conceitos já expressos e antecipar outros.” (CRAVERI, 2012, p. 57, tradução nossa221). Ximénez cria um texto mais conciso, eliminando algumas reiterações. Chávez (2007) inclui um diálogo entre o “Espírito do Céu” e utiliza a distribuição circular que retorna ao já mencionado para aprofundar as idéias. Sam Colop (2011) escreve os nomes das deidades em K'iche’ e sua tradução necessita de uma constante consulta às notas. 5.1 A CRIAÇÃO DOS ANIMAIS No Popol Wuj o momento que antecede a gênese é carente de luz, sua aparição delimita um novo ciclo de vida. A dualidade escuridão e luz funciona, segundo López (1999, p. 179), como “matriz gestante de transformação”. Nos relatos do Popol Wuj, as etapas não possuem um sentido de complementaridade entre elas, o sentido reside no conjunto. Existe uma tensão entre o realizado e o não realizado, entre o almejado pelos deuses criadores e o realizado por eles. Existe um movimento em etapas com o sentido de superação da imperfeição, se comparado com o anteriormente feito e em relação com a intenção final do ato criativo, o telos, o que nos apresenta uma concepção de criação não definitiva nem perfeita, já que a perfeição,para a epistemologia maia,se alcança em etapas aproximativas. Quadro 45 - Traduções do mito da criação dos animais Fólio 2v Y después discurrieron los animales de el monte guardianes suyos de los montes todos, sus criaturas de el monte, el venado, el paxaro, el leon, el tigre, la culebra, la vívora, el cantí, guardas de los mecates, y dixo el criador sí solo ha de estar en silencio, o han de estar en suspension debaxo de los palos, y mecates?

221

“Otro elemento[…], consiste en la distribución circular de los significados en el texto, la narración no sigue rigurosamente un orden lineal y progresivo, sino que frecuentemente vuelve sobre si misma para profundizar conceptos ya expressados y anticipar otros” (CRAVERI, 2012, p. 57).

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De una vez crearon los animales de las montañas, los guardianes de las selvas, los moradores de las montañas, venados, pájaros, tigres, leones, serpientes: cascabel, cantí, bejuquillo. Dijo el Creado, Varón Creado. ¿Acaso sólo es soledad? ¿Es bueno que haya silencio bajo los árboles y bejucos? Luego se pensó en los animales del monte, cuidadores de cerros; En todas las criaturas del bosque; venados; pájaros; pumas; jaguares; serpientes; cascabel; barbamarilla; guardianes de los bejucos: Luego dijeron Alom K’ajolom: ¿Es solo silencio o murmullo lo que ha de haber debajo de los árboles y de los bejucos? Fonte: Ximénez (1700-1704); Chavez (2007, p.4b); Colop (2011, p. 7)

Quadro 46 - Tradução para o português do excerto anterior V Então eles pensaram mais ainda nos animais selvagens, protetores da floresta, em toda a população da floresta: Veado, Pássaros, Jaguares, Serpentes, Cascavéis, Jararacas, Protetores de plantas. A Mãe disse isto, E o Pai: Deveria apenas estar quieto. Ou não deveria estar quieto sob as árvores e os arbustos? Fonte: Brotherston e Medeiros (2011, p. 55)

Na transcrição do manuscrito de Ximénez (1700-1704), o tradutor coloca o ser que cria no singular: “el criador”,utiliza pronomes possessivos, indicando que os animais criados pertencem ao criador: “guardiões seus dos montes todos” (XIMÉNEZ, 1700-1704, Folio 2v, tradução nossa222), enumera os animais, e intercala entre eles um animal que não existe nas Américas, o leão, referindo-se possivelmente ao jaguar americano.Ximénez utiliza a palavra “mecates”223, a mesma palavra que foi traduzida por Chávez e Colop como ‘bejuco”, que significa planta rasteira. A função dos animais neste excerto (Quadros 45 e 46), segundo os três tradutores, é cuidar das matas, da selva, dos morros. Chavez (2007, p. 4b) fala dos criadores em plural, especifica que os animais foram criados de uma só vez. Na tradução de Sam Colop (2011.p.7), utiliza-se 222 223

“guardianes suyos de los montes todos” (XIMÉNEZ, 1700-1704, Folio 2v.) Que, de acordo com o dicionário da Real Academia Espanhola, é uma voz nauatl:

(Del náhuatl mecatl).1. m. Am. Cen., Méx. y Ven. Cordel o cuerda hecha de cabuya (planta amarilidácea)”http://lema.rae.es/drae/?val= mecates. Acesso em 24 de dezembro de 2014.

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o verbo impessoal “pensou-se”. Tal “pensamento” já traz implícito o poder criador dos deuses, cujos nomes aparecem em língua K‘iche’, “Alom K’ajolom”. Segundo o mesmo autor (2011, p. 201), Alom provém da palavra “menina”, K’ajolom provém da palavra “menino” e a partícula-Omfaz referência à “mulher que concebe” e o “homem que engendra”. São adjetivos que fazem referência ao par criador numa leitura antropomórfica. O excerto conclui com uma pergunta, obedecendo ao caráter dialógico da obra: estes deuses multifacetados se perguntam se nas árvores e matas não deveria existir alguma coisa além do silêncio, criando uma expectativa e convidando à reflexão. Segundo Nicholas J. Saunders (2005), em seu artigo “O jaguar em Mesoamérica” publicado na revista de Arqueología Mexicana nº72, comenta que o jaguar é o mais poderoso felino das Américas, e por mais de três mil anos foi um dos mais importantes animais simbólicos da Mesoamérica. As imagens simbólicas mediante as quais se representam os felinos e outros animais emblemáticos não se limitam à mera representação artística; esta reflete idéias e crenças fundamentais, refere-se a um conceito cultural do que se considera forte e valente, perigoso e triunfante: é a representação por excelência das forças elementares que escapam do controle do ser humano. (SAUNDERS, 2005, p. 1,tradução nossa224)

A imagem do jaguar, como a da onça (ocelote) e a do puma, aparece nas artes de todas as civilizações pré-hispânicas. Por representar o poder e estar associada ao governo, os senhores costumavam proclamar uma relação mítica com este grande felino, frequentemente utilizando elementos próprios do jaguar e, em ocasiões especiais, vestiam-se com seus atributos. Temos um exemplo nesta pintura mural de Cacaxtla, 224

La imaginería simbólica mediante la cual se representa a felinos y a otros animales emblemáticos no se limita a la mera representación artística; ésta refleja ideas y creencias fundamentales, se refiere a un concepto cultural de lo que se considera fuerte y valiente, peligroso y triunfante: es la representación por excelencia de fuerzas elementales que escapan del control del hombre. (SAUNDERS, 2005, p. 1)

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Tlaxcaxtlaque representa um governante praticamente coberto com uma pele de jaguar e com garras no lugar de pés (Figura 26). O primeiro estágio é a criação dos animais, primeira tentativa e primeiro resultado para a formação de criaturas. Estes seres são introduzidos subitamente, não se especificam os materiais utilizados, mas são detalhados pelos seus nomes: “Veado, Pássaros, Jaguares, Serpentes, Cascavéis, Jararacas” e pela sua função como guardiões da selva, função que: “inaugura o lugar cósmico [que lhe corresponde dentro da criação] [...] Isto evidencia que cada coisa é criada para uma determinada função e os seres não são feitos ad labitum [...]. Perante o objetivo fixado, abremse várias possibilidades alternativas[...]não há uma relação causa-efeito entre a vontade e o ato” (LOPEZ, 1999, p.179,tradução nossa225). Figura 26 - Governante vestido com roupas de Jaguar

Fonte: Saunders (2005)

225

Inaugura el lugar cósmico [...] Esto evidencia que cada cosa es creada para una determinada función, y no son seres hechos ad libitum. […] Ante el objetivo fijado se abren varias posibilidades alternativas. […] no hay una relación causa-efecto entre la voluntad y el acto.” (LOPEZ, 1999, p. 179).

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Quadro 47 - A criação dos animais 2 y solo ha de estar bueno el q’aiga quien los guarde; dixeron cuando lo consultaron, y parlaron y luego fueron produzidos venados, y paxaros, y entonzes les repartieron sus casas a los venados, y a los pájaros. Es bueno que hayan guardianes- dijeron. Entonces idearon, mejor dicho platicaron y al momento aparecieron venados, pájaros. Les regalaron su casa al venado, pájaro. Es mejor que tengan sus guardianes, dijeron. Fue entonces cuando pensaron cuando decidieron Y fueron creados de una vez los venados y a los pájaros Fonte: Ximénez (1701-1704, Fólios 2v. e 3r.); Chávez (1979, p. 4a e 5a); Sam Colop, (2011, p. 10-11)

Quadro 48 - Tradução para o português do excerto anterior. “Na verdade, se existissem protetores seria bom”, disseram. E quando eles pensaram e falaram, Repentinamente aquilo aconteceu. E foram criados veados e pássaros. Fonte: Brotherston e Medeiros (2011, p. 55)

Neste excerto (Quadros 47 e 48), Ximénez se refere aos deuses em plural, e frisa o diálogo entre eles, de cuja pronúncia miraculosa surgiram os animais: “e falaram [os deuses] e logo foram produzidos os veados e os pássaros” (XIMÉNEZ, 1700-1704, f.2v,tradução nossa226). Chávez (2007) deixa este poder da palavra fundadora muito claro: “É bom que haja guardiões - disseram. Então idearam, melhor dito, conversaram e, no mesmo momento, apareceram os veados, pássaros. (CHÁVEZ, 1979, p. 4b, tradução nossa227). Sam Colop acrescenta o pensamento à palavra, e a tomada de decisão ao ato da criação: “‘É melhor que tenham seus guardiões’, disseram.Foi então, quando pensaram, quando decidiram,que foram criados de uma vez os veados e os pássaros”.(COLOP, 2011, p. 7,tradução nossa228). 226

“y parlaron y luego fueron producidos venados, y paxaros” (Ximénez, 1700-1704, f. 2v) 227 Es bueno que hayan guardianes- dijeron. Entonces idearon, mejor dicho platicaron y al momento aparecieron venados, pájaros” (CHAVEZ, 1979, p. 4b) 228

Es mejor que tengan sus guardianes, dijeron. Fue entonces cuando pensaron cuando decidieron y fueron creados de una vez los venados y a los pájaros”

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Quadro 49 - A criação dos animais (Continuação) tu venado en los caminos de el agua; y en las barrancas dormíreís. aquí estarás, en la paja, y en las yervas, en el monte de multiplicarás. en cuatro pies andarás, y en cuatro pies te pararás les fue dícho cuando se les afírmo su morada a los grandes, y pequeños paxaros. vosotros, vosotros paxaros sobre los palos, y mecates haréis casas, y habitazíon, y allí multiplicaréis, os sacudiréis sobre las ramas de los palos, y mecates les fue dicho a los venados y paxaros cuando hizieron sus obras paxaros. Tú bestia en los causes, en los barrancos dormiréis; permaneceréis entre el pajón, en el llano; en la selva procrearéis, tendréis cuatro patas, serán vuestro sostén les dijeron. Se dispuso las moradas de los pequeños y grandes pájaros, sobre árboles, sobre bejucos viviréis y haréis vuestros nidos ahí procrearéis; os multiplicaréis en las ramas de los árboles en las ramas de los bejucos les dijeros a las bestias y a los pájaros. Luego todos tomaron sus extremidades e hicieron sus tareas. Así dispuso el creado, el Varón Creado que fueran los lechos de los animales de la tierra; lo hicieron bien todos, bestias y a los pájaros _ Tú, venado, en las orillas de los ríos en los barrancos has de dormir; Aquí has de habitar : en el pajón entre la hierba; En el bosque se han de multiplicar. En cuatro patas han de andar y sostenerse, les fue dicho. Luego establecieron morada a los pequeños pájaros a los grandes pájaros; _Ustedes, aves, sobre los árboles sobre los bejucos han de anidar han de habitar, aquí se han de reproducir se han de multiplicar, en las ramas de los árboles en las ramas de los bejucos, les fue dicho a los venados a los pájaros. Cuando hicieron Lo que había que hacer; Todos tomaron sus habitaciones y lugar de estancia. Fonte: Ximénez (1701-1704, Fólios 2v. e 3r.); Chavez (1979, p. 4a e 5a); Sam Colop, (2011, p. 10-11)

Quadro 50 - Tradução para o português do excerto anterior. Então concederam refúgios para o veado e para os pássaros. “Você, Veado, nas margens e nos desfiladeiros irá dormir então. Lá você estará então, no pasto, nos frutos. Na floresta vocês se multiplicarão então. De quatro vocês andarão, seu modo de andar assim será”. Foi-lhes comunicado, e então eles esboçaram as casas dos passarinhos e dos grandes pássaros, nas árvores, nos arbustos façam suas moradias então. Façam suas casas então. Multipliquem-se ali então. Cresçam, então, sobre os galhos das árvores nos galhos dos arbustos, foi comunicado ao veado e aos pássaros. Quando eles fizeram sua criação, deram a eles tudo: seus ninhos e tocas. E assim as casas dos animais estavam na terra. Eles deram isso, a Mãe e o Pai. E também as atribuições de todos os veados e dos pássaros. Fonte: Brotherston e Medeiros (2011, p. 56)

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No excerto anterior (Quadros 49 e 50) os deuses determinam o lugar que os animais ocuparão na natureza,para se proteger das intempéries, procriar e se alimentar. Ximénez e Chávez utilizam os verbos no imperativo, e Colop modaliza a ordem convertendo-a em um conjuro, numa exortação. São mencionados os pássaros e o veado. Deste último, no entanto, de acordo com Chinchilla (2011), não se encontra nenhuma referência específica no Popol Wuj. “O Popol Vuh não contém nenhum episódio que envolva explicitamente os gêmeos heróicos com um veado, razão pela qual Coe qualificou a interpretação destas cenas como “um problema ainda sem tratamento”(CHINCHILLA, 2011 p. 153, tradução nossa229).A representação deste animal, entretanto, aparece em cerâmicas da costa Sul (Figura 27). Figura 27 - Vaso: homem abraçando um veado.

Fonte: Coleção do Museu Popol Vuh.(CHINCHILLA, 2011. p.177) 229

El Popol Vuh no contiene ningún episodio que involucre explícitamente a los Héroes Gemelos con un venado, razón por la cual Cae calificó la interpretación de estas escenas como "un problema todavía intratable". (CHINCHILLA, 2011 p. 153.)

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Parafraseando Montolíu (1976, p.154), o cervo teve um papel muito importante no cerimonial religioso dos maias. Prova deste fato são as inúmeras representações de veados e de oferendas deste animal que aparecem nos códices, geralmente associado com os deuses, com outros animais e com a época de secas. As características dos cervos pintados nos códices de Madrid e Paris são as seguintes: cabeças e orelhas longas, rabo longo e vertical (posição de corrida), chifres e presença de dentes caninos. Alguns cervos são representados com a glândula lacrimal exageradamente desenvolvida, pois existia a ideia de que o veado devia morrer chorando, porque suas lágrimas iriam atrair as chuvas. No excerto da tradução, relata-se a criação dos animais e seus contextos. A obra mítica não apresenta especificações nem detalhes sobre os animais que ultrapasse o relatado até aqui pelos K’ iches’. Parafraseando De La Garza (1998,p.1),na mitologia K’iche’ as forças naturais, o céu, o sol, a chuva, o vento,a terra etc.,eram concebidas com características humanas, já que tinham mudanças de “humor”, ficavam iradas, se alegravam e se alimentavam das oferendas que os homens ofereciam. Os deuses podiam ter uma representação de animal e outra antropomorfa. As manifestações humanas das deidades, explica a autora,possuem sempre alguma característica extraordinária, como dentes caninos exagerados, olhos retilíneos, garras ou asas. As representações mais presentes são as feições de serpente, de grande felino ou de ave (Figura 28), os principais animais simbólicos na religião maia.As aves aparecem em toda Mesoamérica representadas de formas diversas: “As aves ocupam um importante lugar nas representações artísticas maias. Em especial a ‘Ave Principal’ ou Bird Deity.[...] As diferentes narrativas mostram, entre outros temas,governantes caracterizados de aves, assim como a relação destas aves com as árvores”(GARCIA BARRIOS, 2009, p.1). De acordo com a mesma autora, durante o Clássico Temprano diminuem as representações de aves em monumentos pétreos e aumentam tais representações nos objetos de cerâmica.

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Figura 28 - Notário maia com cabeça de ave.

Fonte: Revista Mexicana de Arqueologia Nº 44.230

Quadro 51 - A criação dos animais (Continuação) Fólio 2 v. 80 Entonzes se les dixo otra vez por el criador y formador a los venados, y a las aves: hablad, gritad, no hagaís íol, íol. no gríteís. hablad cada vno en su espeçie, en cada diferencia, se les fue dicho a los venados y pajaros, a los leones, tígres, y culebras dezíd nuestro nombre, alabadnos, dezid q’somos vuestras madres, y vuestros Padres. huracan, chípí caculha, raxa caculha vquxcah, vquxuleu, formadores, críadores, madres, y Padres. hablad, invocadnos. Fólio 3 r saludadnos se les fue dicho. y no pudieron hablar como los hombres; síno q’chíllaron, y cacaraquearon, y grítaron dizí endo voh, voh. no aparezío su habla, sino q’ cada vno gríto, y chíllo diferentemente y cuando los formadores oyeron que no hablaron dixeron otra vez entre sí, no se pudo acabar q’díxesen nuestro nombre, porq’ somos nosotros sus formadores. y se les fue dicho seréis troca dos porq’ no pudísteís hablar, y así mudamos nuestra palabra, vuestra comída pasto, y vuestro dormitorío, y habitazíon seran las barrancas, y montes, porq’ no acabasteís de saludarnos, no nos ínvocasteís, todavía ay quíen nos invoque, haremos otra vez quien nos obedezca.Vuestra carne será mascada y de eso servíreís. se les fue dicho quando se les notifíco a todos los animales chicos y 230

Imagen: La cabeza de esta figurilla estaba desprendida cuando se le localizó como parte de una ofrenda funeraria. La cabeza es la representación de un pavo ocelado y el personaje es un dignatario por la forma en que tiene colocados sus brazos y por estar sentado en una banqueta; en el braguero lleva un signo con forma de cruz, que significa aliento vital o viento. Tumba 1, Edificio 3, Grupo B. Palenque, Chiapas. Clásico Tardío. Museo de Sitio Alberto Ruz Lhuillier. Foto: Jorge Pérez de Lara / Raíces. Revista Mexicana de Arqueologia, Nº44.

168 gran des q’ay sobre la tíerra. y entonzes quísíeron otra vez probar su día, y quísíeron reprobar otra vez, y quisieron juntar otra vez, su salutazíon, y ya no se entendíeron su habla entre sí mesmos, de nínguna suerte se ajusto, ní se pudo hazer, y así fueron ultrajados y desechadas sus carnes, tributaron, fueron comídos todos y muertos todos los animales q’ay aquí sobre la tíerra y así probaron otra vez otras críaturas por el críador, y pruebese otra vez, ya se azerco la sembradura, y amanezímíento, hagamos sustentador nuestro, y mantenedor nuestro. como seremos ínvocados, y q’se acuerden de nosotros sobre la tierra, ya probamos nuestras primeras hechuras, y formaduras. El Arquitecto, Formador, Creado, Varón Creado les dijo enseguida a las bestias y a los pájaros: -Hablad, llamadme! No estes encogidos ambulando, no oláis nada más, cada uno, cada grupo, cada manada hablad diferente- les dijo a los venados, a los pájaros, a los tigres, a los leones y culebras. Decid ahora mis nombres invocadme, soy vuestra madre, vuestro dueño. Hablad pues a “un pie” Último Rayo, Verdadero Rayo, al Espíritu del Cielo, al Espíritu de la Tierra, al Arquitecto Formador, Creado, Varón Creado. Hablad, llamadnos, invocadnos-le dijeron. Pero no hablaron bien como la gente; Solo tonteaban, cacareaban, sólo gritaban; como iban a ser buenas sus hablas; cada uno gritaba diferente. Al instante lo oyeron el Arquitecto, formador. - No hablaron bien - dijeron entre sí dónde iban a decir nuestros nombres. Para eso somos sus constructores, es decir, sus formadores; dónde iba a ser bueno -dijeron entre si el Creado, Varon Creado - Y les dijeron: -Os cambiaremos porque no fuisteis Buenos, no hablasteis. Así que cambiamos nuestro parecer. Vuestro zacate, vuestro grano, vuestro lecho, vuestro deambular, vuestro destino es el barranco, la selva, porque no fue buena invocación, no nos llamasteis. Todavía miro que habrá invocadores, los haremos grandes. Tomarán vuestro servicio: vuestras carnes serán comidas, es vuestro destino. De manera pues, servíosles dijeron-.Así advirtieron a los pequeños animales y a los grandes animales que hay sobre la tierra. Lucharon otra vez, probaron otra vez, invocaron otra vez. Pero oyeron sus palabras y no sirvió. Y estando terminada la creación de los cuadrúpedos y Aves por el Creador Formador; Alom K’ ajolom: _ ¡ Hablen Invoquen, que no sólo sean gorjeos deben invocar! Que hable cada quien según su especie según su grupo, les fue dicho a los venados, a las aves, a los pumas, a los jaguares, a las serpientes. _ ¡Digan nuestros nombres, Alábennos, a nosotros su madre creadora a nosotros su padre creador! _ ¡Digan nuestros nombres, Alábennos, a nosotros su madre creadora a nosotros su padre creador! Digan entonces: Jun Raqan, Ch´ ipi Kaqulja, Raxa Kaqulja; Uk´u´x kaj, Uk´u´x Ulew; Tz´aqol, Bitol; Alom, K´ajolom; ¡Hablen, Invóquennos, adórennos!, les fue dicho. Pero no pudieron hablar, no como la gente; Solo chilaban, Sólo cacareaban, Sólo aullaban. Su lenguaje no se manifestó claramente Cada quien gritó diferente. Cuando escucharon esto el Creador y el Formador, -No resultó bien, No hablaron, se dijeron entre sí. -No ha sido posible que digam nuestros nombres, el de nosotros sus creadores sus formadores. -No está bien, dijeron entre sí Alom, K´ajolom. Entonces les dijeron: -Serán cambiados, porque no resultaron bien no hablaron. Hemos cambiado nuestro parecer: su comida sus porciones; Sus habitaciones, su lugar de reproducción. Lo de ustedes serán los barrancos Los bosques porque no lograron adorarnos No lograron invocarnos Fonte: Ximénez (1701-1704, Fólios 2v. e 3r.); Chavez (1979, p. 4a e 5a); Sam Colop, (2011, p. 10-11)

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Quadro 52 - Tradução para o português do excerto anterior. VII Então também aos veados e aos pássaros disseram Tzakol e Bitol. A mãe e o Pai: “Falem, então, clamem, então. Não gorjeiem, não gritem. Tentem se entender entre si, dentro de cada espécie, em cada grupo” Ao Veado foi dito, e aos Pássaros, Pantera, Jaguares, Serpentes... “agora digam então nossos nomes. Adorem-nos, sua Mãe e seu Pai. Agora então digam isto: Hu r Aqan, Chipi Ka Kulaha, Raxa Ka Kulaha, U Kux Kah, U Kux Alev, Tzakol, Bitol, Mãe e Pai. Falem então, e nos chamem. Adorem-nos”, foi-lhes dito. Mas eles não puderam falar como eles. Mas eles não puderam falar como homens. Apenas só emitiram um ruído; e apenas grasnaram. A expressão da fala deles não se desenvolveu. Ao contrário, deram gritos, cada um separadamente. Quando Tzakol ouviu isso, eBitol, “Não se conseguiu ainda fazê-los falar”. Eles repetiram entre si. “Eles não puderam pronunciar nossos nomes, embora sejamos seu Tzakol e seu Bitol. Não é bom”, eles repetiram entre si, eles, a Mãe e o Pai. E eles disseram entre si “Agora vocês se modifiquem, porque não se obteve sucesso. Já que não falaram, iremos, portanto, alterar nossa palavra. Sua comida, seu alimento, seu lugar de dormir, suas tocas, o que lhes pertence estará nos desfiladeiros e nas florestas. Porque nossa veneração não foi obtida; vocês ainda não nos invocaram”. De fato existe, ou tinha de existir um louvador. Fonte:Brotherston e Medeiros (2011, p. 55 e 57)

A continuação, os deuses ordenaram-lhes que falassem, “mas eles [os animais] não puderam falar como eles [os deuses]. Mas eles não puderam falar como homens. Apenas só emitiram um ruído” (BROTHERSTON; MEDEIROS, 2011, p.55). Definem-se, portanto, dois aspectos: o das formas dos animais(aves, veados, felinos, etc.)e avaliação da capacidade que demonstram para falar. A criação dos animais apresenta-se como um ensaio geral prévio, como uma preparação [para o resto da criação][...] Isto se percebe no tom imperativo com que repreendem as criaturas, [reivindicando]que falem e que os reconheçam como seus pais e mães, quer dizer, como os dadores de vida. A forma correspondente aos animais introduz a primeira diferenciação do universo recém-manifestado, a palavra assume um papel fundamental para definir a condição do criado [...]:os animais não conseguem reconhecer seus criadores e, como consequência, não podem

170 reconhecer a si mesmos, por este motivo não se constituíram como vinac (pessoas)(LÓPEZ, 1999, p. 182, tradução nossa231)

A partir daí os animais passam a ser considerados inferiores no habitat criado e se convertem em alimentos para outros seres. Não significa um retorno ao caos, mas implica uma reorganização da ordem do desenvolvimento das manifestações da vida, ordem esta que se elabora em etapas. Parafraseando López (1999,p.182), com esta mutação da categoria dos animais, se expõe outro dos traços básicos da cosmovisão Maia-K‘iche’: um ser perece para dar vida a outro, conotando uma cadeia alimentar. Desta forma, a vida em permanente mudança e transformação aparece como o único bem,realmente perene. Observamos a seguir as escolhas tradutórias do corpus, e notamos algumas diferenças no léxico utilizado e nos conceitos entre os três tradutores. Este excerto (Quadros 51 e 52) manifesta uma das unidades simbólicas do Popol Wuj, pois explicita,por um lado,que o objetivo dos seres criados é adorar os deuses, entender suas palavras e obedecer aseus desígnios. Por outro lado, mostra deuses que experimentam suas hipóteses e que constroem o mundo por aproximações sucessivas.A narrativa apresenta uma descrição dos sons produzidos pelos animais que cria uma imagem digna de representação teatral, inclusive com certo senso de humor, já que os criadores, como deuses, ordenam uma performance que as suas criaturas não conseguem realizar, produzindo a reorganização dos fatos na narração e uma estranheza sarcástica pela falta de verossimilhança no leitor. Os animais não os compreendem e são retirados do eixo da criação para se converter em alimentos de outros seres. Segundo Sam Colop (2011, p. 207), a criação de veados e pássaros são metáforas que implicam a criação de todos os animais.Em linhas mais adiante, identificaremos outra classe de animais que equivale aos guardiões das matas. 231

la creación de los animales se presenta como un ensayo general previo, como una preparación [...] Esto se percibe en el tono imperativo con el que reclaman a las criaturas, que hablen y los reconozcan como sus padres y madres, es decir, como los dadores de vida. La forma correspondiente a los animales introduce la primera diferenciación en el universo recién manifestado, y la palabra se pone como piedra de toque para definir la condición de lo creado.[…] como los animales no pudieron reconocer a sus creadores, tampoco pudieron reconocerse a sí mismos, y por lo tanto no se constituyeron en vinac (personas)”(LÓPEZ, 1999, p. 182).

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5.2 UM EXEMPLO DE EPITEXTO DO POPOL WUJ, ILUSTRAÇÕES DE DIEGO RIVERA

O material ícono-textual sobre o “Pop Wuj”, abaixo apresentado, nos foi disponibilizado pelo colecionador e curador Dr. Adolfo Cantú, do seu acervo, que promove o espaço CantuArt232, no México. As reproduções que seguem foram digitalizadas e enviadas on-line, no mês de outubro de 2013, especialmente para constar nas páginas desta tese. Com base no presente material, lançamos apreciações a respeito de componentes e características epitextuais nos desenhos de Diego Rivera, inspirados no Popol Wuj. Incluímos aqui cinco aquarelas de Diego Rivera, pintadas entre 1931 e 1937 e selecionadas entre as vinte que compõem as ilustrações de uma edição limitada da tradução de Chávez, de 2008. Justificamos a inclusão deste material em razão dos objetivos estabelecidos para a tese, no sentido de oferecer um catálogo de fontes primordiais, em grau peritextual e epitextual, que permitam uma abordagem didática do Popol Wuj para pesquisadores e educadores. A partir de ponto de vista antropológico, estas obras do artista plástico representam a vigência das tradições maias na cultura mesoamericana contemporânea. Rivera, com suas criações, infunde, em pleno século XX, nova vida aos antigos códices destruídos pela intervenção espanhola devastadora ocorrida durante o século XVI. O critério distintivo do Epitexto em relação ao Peritexto é, em princípio, puramente espacial. É epitexto todo elemento paratextual que não se encontra anexado materialmente ao texto no mesmo volume, mas que circula de algum modo ao ar livre, num espaço físico e social virtualmente ilimitado. O lugar do epitexto é, pois, [...] em qualquer lugar fora do livro - sem prejuízo, é claro, de uma inscrição posterior no peritexto, sempre possível e da qual encontraremos diversos exemplos (GENETTE, 2009, p.303) 232

http://cydtmuseum.blogspot.com.br/2007/08/diego-rivera-en-el-dibujo-salaiv.html.

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Incluímos aqui um exemplo de Epitextos do Popol Wuj produzidos por Diego Rivera nos anos trinta e incluídos numa edição limitada em 2008 para ilustrar a tradução de Chávez. Eis, na Figura 29, a ficha catalográfica do trabalho aqui referido: Figura 29 - Especificações bibliográficas

Fonte: “Pop Wuj, El libro del tiempo” (CHÁVEZ, 2008,p. 5)

Como se pode constatar, trata-se de uma edição em formato de livro, medindo 28 x 21 cm. Comporta um total de 314 folhas e foi editado pela Fundação Diego Rivera em 2008. Consta no prefácio que a aquarela da Figura 30 foi o primeiro trabalho elaborado por Diego Rivera sobre o Popol Vuh, razão pela qual também foi escolhida como a primeira ilustração para o presente livro (RIVERA MARIN apud CHÁVEZ, 2008. Ttradução nossa233). Figura 30 - Primeira imagem do livro

Fonte: “Pop Wuj, El libro del tiempo” (CHÁVEZ, 2008, p. 5) 233

“De acuerdo con la información a nuestro alcance esta acuarela es la primera que elaboro Diego Rivera sobre el Popol Vuh, razón por la cual fue elegida para la portada del presente libro” (RIVERA MARIN apud CHÁVEZ, 2008)

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Na primeira ilustração, Diego Rivera representa a gênese da criação circunscrita por duas serpentes emplumadas. No vão central da pintura, observa-se as três versões do ser humano: (i) o homem de barro: a primeira tentativa falha, desarticulada e rude; (ii) o homem de madeira e, finalmente; (iii) o homem “de milho”, acompanhado pela última das criaturas humanas a ser criada, a mulher, mas que aparece topicalizada em primeiro plano na seqüência evolutiva. Representa os animais dos oceanos, os seres terrestres e os entes voadores. Retrata também as florestas e o inframundo. Todos os elementos da cosmogonia relacionados com o simbolismo da serpente emplumada, que segundo Chevallier (1986), reúne os elementos celestes e a força telúrica. O artista respeita o formato canônico do universo, reproduzindo os quatro rumos do universo maia. “Rivera consegue sintetizar o espírito da tradição indígena, assim como a força do ritual e adoração das culturas précolombianas, para mostrar sua riqueza e complexidade”234(ROMERO HIKS apud CHÁVEZ, 2008, p.11, tradução nossa). No prefácio desta edição (CHÁVEZ, 2008), encontramos o índice, seguido de um prólogo com comentários de três autores. O primeiro texto, de Romero Hiks235, se encontra nas páginas 11 e 12 sob o seguinte título: “Palavras preliminares”. O autor explica a importância da obra e as instituições envolvidas na edição236, explica, ainda, que esta obra é a primeira no México com a incorporação das aquarelas realizadas pelo artista Diego Rivera, em 1931. Entre outras informações, cabe destacar o conteúdo do seguinte excerto: “Esta publicação proporciona elementos de história, antropologia social e lingüística […] para resgatar nossas origens, como uma sociedade que surge das raízes da época pré-hispânica, forjando nossa identidade nacional”(ROMERO HICKS apud CHÁVEZ, 2008, p. 12, tradução nossa237). 234

235 236

237

Rivera logra sintetizar el espíritu de la tradición indígena, así como la fuerza del rito y adoración de las culturas precolombinas, para mostrar su riqueza y complejidad. (ROMERO HIKS en CHÁVEZ, 2008, p.11) Director general del Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología. (CIESAS) Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social. (INAH) Instituto Nacional de Antropología e Historia y la Fundación Diego Rivera. Esta publicación proporciona elementos de historia, antropología social y lingüística [...] para rescatar nuestros orígenes, como una sociedad que no surge a

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Na continuação, encontramos o segundo texto, de Virginia Garcia Acosta, Diretora Geral do Centro de Investigações e Estudos Superiores em Antropologia Social, que explica que a referida publicação foi escolhida como o título número 1000 do fundo editorial desse Centro. Também realiza uma explanação detalhada da relação que Diego Rivera teve com a obra: “o maestro teve sempre (o Popol Wuj) como livro de cabeceira” (GARCIA ACOSTA apud CHÁVEZ, 2008, p. 13,tradução nossa.238). Explica que o projeto de publicação das obras de Rivera, como ilustração da obra de Chávez, foi sugerida pela filha do artista, Guadalupe Rivera Marin, que assina o terceiro texto do prefácio, uma crônica com pinceladas biográficas da carreira artística de seu pai, relacionada com a identidade mesoamericana. Ela transcreve alguns excertos das falas de Diego Rivera: “Na Bíblia Maia-K’iché narra-se a história da criação do mundo, do homem e do descobrimento do alimento. Eu acho graça, pois adoro esse episódio que referencia como o homem inventou a Deus, depois de que o raio o deixou meio imbécil e cheio de medo das forças naturais. É quase um materialismo dialético. Excelente!” (RIVERA MARIN apud CHÁVEZ, 2008, p. 26, tradução nossa239). Todavia, este prólogo acrescenta alguns dados biográficos importantes sobre Don Adrián Inés Chavez: “Em 1976, varias organizações indígenas o condecoraram com o Colar de Jade na categoria Nimalaj eta’ manel (o grande sábio), [...] [Também] leva seu nome a Declaração de Totonicapán sobre o direito dos Povos à Língua, Guatemala outubro de 2002.” (RIVERA MARIN apud CHÁVEZ, 2008, p. 24, tradução nossa240). partir de la conquista, sino de raíces que nacen en la época prehispánica […] forjando nuestra identidad nacional”(ROMERO HICKS en CHÁVEZ, 2008, p. 12) 238 El maestro tuvo siempre (al Popol Wuj) como libro de cabecera.” (GARCIA ACOSTA en CHÁVEZ 2008, p. 13) 239 En la Biblia maya-quiché se narra la historia de la creación del mundo, del hombre y del descubrimiento del alimento...Yo me rio porque me encanta ese episodio que refiere cómo el hombre invento a Dios después de que el rayo lo dejó medio imbécil y lleno de miedo por las fuerzas naturales. Es casi materialismo dialéctico. Excelente!” (RIVERA MARIN en CHÁVEZ, 2008, p. 26) 240 “En 1976 varias organizaciones indígenas lo condecoraron con el Collar de Jade en la categoría de Nimalaj eta’ manel (gran sabio), [...] lleva su nombre la Declaración de Totonicapán sobre el derecho de los Pueblos a la Lengua, en

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No prefácio, constam também as circunstâncias que levaram à criação dos desenhos e aquarelas:“A primeira série de ilustrações se deve à iniciativa do escritor norte-americano Jhon Weatherwax (1900-1984), [...] [que] levou a cabo uma tradução do Popol Vuj para um inglês não acadêmico, mas coloquial; a tradução se intitula Seven-Times-the-Colorof-fire: The Ancient American Mythology of the Popol Vuh e data do ano de 1931 (RIVERA MARÍN apud CHÁVEZ, 2008, p. 27, tradução nossa241). Cabe destacar que foram criados dois desenhos e três aquarelas que não foram incluídas nesta edição, pois foram vendidas pelo artista em 1982 e se encontram, atualmente, dispersas em diferentes coleções privadas. De acordo com Giese (1999), houve uma segunda série realizada por Rivera com o tema do Popol Wuj, formada por 17 aquarelas que deixaram alguns questionamentos pela carência de referências. Não ficou claro, no devir histórico, se o artista pretendia incluí-las em algum projeto editorial. “Na opinião de Emma Lou Packar, assistente em 1940 do maestro [...], a série das 17 aquarelas foi realizada entre 1934 e 1940.” (GIESE, 1999, p.6). Das 17 aquarelas, 11 são de 31x48 cm, e6 de 24x24 cm e a assinatura das 17 aquarelas da segunda série possui as iniciais D e R superpostas em forma de logotipo, como no exemplo da Figura 31 intitulada “A criação do Homem”. Aliás, chamamos a atenção do leitor para observar o referido dado no canto inferior direito da pintura. O tema escolhido está centrado nos primeiros relatos do Popol Wuj. É possível observar cenas retratando os gêmeos heróicos e temáticas míticas muito utilizadas na plástica maia. A título de ilustração, escolhemos um dos excertos correspondente ao tema “a criação do homem” da tradução de Chávez (Quadro 53). Cabe destacar que Diego Rivera não conheceu esse texto e que sua associação com o mesmo foi escolhida per sua filha, Guadalupe Rivera Marin, e pelas instituições já mencionadas, responsáveis pela edição.

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Guatemala, en octubre de 2002.”(Rivera Marín en Chávez, 2008, p. 24) La primera serie de ilustraciones se debe a la iniciativa del escritor norteamericano John Weatherwax (1900-1984),[...] (que) llevó a cabo , una traducción del Popol Vuh a un inglés no académico sino coloquial ; la traducción se titula ‘SevenTimes-the–Color-of-fire: The Ancient American Mythology of the Popol Vuh y data del año 1931.” (RIVERA MARÍN em CHÁVEZ, 2008, p.27.kj)

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Quadro 53 - Texto correspondente à criação do homem …grandes sabios, grandes pensadores se originaron así es pues que el cielo estaba etéreo, pero estaba el espíritu del cielo, he aquí su nombre: "Doble Mirada", le dicen. Vino y habló entonces aquí con el que viene del Infinito. Ocultador de Serpiente aquí en la oscuridad, de noche. Se hablaron, pensaron y meditaron; se juntaron y se pusieron de acuerdo en pensamientos y palabras; se quisieron y se amaron bajo esta claridad. De una vez pensaron crear la humanidad y su subsistencia; ...grandes sábios, grandes pensadores se originaram. Assim é, que o céu estava etéreo, mas estava o espírito do céu, e este é seu nome: “Duplo olhar”, lhe dizem. Veio e falou então aqui com aquele que veio do infinito. Ocultador de Serpente, aqui na escuridão, de noite. Falaram-se, pensaram e meditaram; juntaram-se e chegaram a um acordo em pensamentos e palavras; amaram-se sob a claridade. De uma vez, pensaram em criar a humanidade e sua subsistência; Fonte: Chávez (2007, p. 2b)

Tradução nossa.

Figura 31 - A criação do Universo, Diego Rivera.

Fonte: “Pop Wuj, El libro del tiempo” (CHÁVEZ, 2008, p. 15)

Nas aquarelas de Diego Rivera, as formas de homens e animais, deuses e astros são coerentes com o estilo do desenho dos maias chamados “tlacuilolli”, que, segundo Brotherston e Medeiros (2011), significa “coisa escrita ou pintada”,em língua nauátle (Figura 1 desta

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tese), e com os desenhos do códice de Dresde (Figura 2desta tese). O pintor respeita essa estética: todos os indivíduos se apresentam de perfil, seus olhos e suas características físicas seguem um modelo definido, os enfeites são feitos com plumas, como os códices maias. Aproveita os temas do rito e o mito. As pinturas de Rivera se constituem como epitexto, já que se encontravam “em qualquer lugar fora do livro [...] eventualmente destinadas a uma publicação posterior, ântuma ou póstuma” (GENETTE, 2009, p.303-304). A função do epitexto, segundo o mesmo autor, não é sempre exclusivamente paratextual, mas pode nos fornecer “fragmentos de interesse, por vezes, capital de paratexto” (GENETTE, 2009, p. 304). Neste caso, o interesse nas ilustrações se fundamenta na vigência das imagens icônicas geradas pelo Popol Wuj na imaginação de um povo, uma cosmogonia proveniente das terras altas de Guatemala (Anexo 1),que concentra grande parte das tradições mesoamericanas capaz de ser representada pelo artista plástico mexicano mais importante do século XX.No Quadro 54, transcrevemos a história de Ixquic e sua sogra, para buscar entender o conteúdo da pintura de Diego Rivera intitulada “asombro recolectado” (Colheita do assombro) (Figura 32). Quadro 54 - A história de Ixquic com sua sogra Al llegar la mujer ante la anciana, le dijo la mujer a la abuela: —He llegado, señora madre; yo soy vuestra nuera y vuestra hija, señora madre. Así dijo cuando entró a la casa de la abuela. —¿De dónde vienes tú? ¿En dónde están mis hijos? ¿Por ventura no murieron en Xibalbá? ¿No ves a éstos a quienes les quedaron su descendencia y linaje y que se llaman Hunbatz y Hunchouén? ¡Sal de aquí! ¡Vete!, gritó la vieja a la muchacha. —Y sin embargo, es la verdad que soy vuestra nuera; ha tiempo que lo soy. Pertenezco a Hun-Hunahpú. Ellos viven en lo que llevo, no han muerto Hun Hunahpú y Vucub-Hunahpú: volverán a mostrarse claramente, mi señora suegra. Y así, pronto veréis su imagen en lo que traigo, le fue dicho a la vieja. Entonces se enfurecieron Hunbatz y Hunchouén. Sólo se entretenían en tocar la flauta y cantar, en pintar y esculpir, en lo que pasaban todo el día, y eran el consuelo de la vieja. Habló luego la vieja y dijo: — No quiero que tú seas mi nuera, porque lo que llevas en el vientre es fruto de tu deshonestidad. Además, eres una embustera: mis hijos de quienes hablas ya son muertos. Luego agregó la abuela: —Esto que te digo es la pura verdad; pero en fin, está bien, tú eres mi nuera, según he oído. Anda, pues, a traer la comida parados que hay que alimentar. Anda a cosechar una red grande (de maíz) y vuelve en seguida, puesto que eres mi nuera, según lo que oigo, le dijo a la muchacha. —Muy bien, replicó la joven, y se fue en seguida para la milpa que poseían Hunbatz y Hunchouén. El camino había sido abierto por ellos y la joven

178 lo tomó y así llegó a la milpa; pero no encontró más que una mata de maíz;[ no había dos, ni tres, y viendo que sólo había una mata con su espiga, ]se llenó de angustia el corazón de la muchacha. —¡Ay, desgraciada de mí! ¿A dónde he de ir a conseguir una red de maíz, como se me ha ordenado?, exclamó. Y en seguida se puso a invocar al Chahal de la comida [para que llegara y se la llevase.] — lxtoh, Ixcanil, Ixcacau, vosotras las que cocéis el maíz; y tú Chahal, guardián de la comida de Hunbaíz; y Hunchouén!, dijo la muchacha. Y a continuación cogió las barbas, los pelos rojos de la mazorca. Luego los arregló en la red como mazorcas de maíz y la gran red se llenó completamente. Volvióse en seguida la joven; los animales del campo iban cargando la red, y cuando llegaron, fueron a dejar la carga a un rincón de la casa, como si ella la hubiera llevado. Llegó entonces la vieja y luego que vio el maíz que había en la gran red, exclamó: — ¿De dónde has traído todo este maíz? ¿Por ventura acabaste con nuestra milpa y te la has traído toda para acá? Iré a ver al instante, dijo la vieja, y se puso en camino para ir a ver la milpa. Pero la única mata de maíz estaba allí todavía y asimismo se veía el lugar donde había estado la red al pie de la mata. La vieja regresó entonces a toda prisa a su casa y dijo a la muchacha; —Esta es prueba suficiente de que realmente eres mi nuera. Veré ahora tus obras, aquellos que llevas (en el vientre) y que también son sabios, le dijo a la muchacha. Chegando a mulher (Ixquic) perante a anciã, falou para a avó: - Cheguei, senhora mãe; eu sou sua nora e sua filha, senhora mãe. Assim falou quando entrou na casa da avó. - De onde tu vens? Onde estão meus filhos? Por acaso (não sabes que) morreram em Xibalba? Não vês a estes (mostrando os dois netos presentes) a quem lhes deixaram sua descendência e linhagem e que se chamam Hunbatz e Hunchouén?! Sai daqui! Vai!, gritou a velha. - Porém, é verdade que sou sua nora, faz tempo que sou. Pertenço a Hun- Hunahpú. Eles vivem no que levo (está grávida), Hun Hunahpú e Vucub Hunahpú (filhos da idosa que foram dados por mortos no inframundo) não morreram: voltarão a aparecer claramente, minha senhora sogra. E, assim, logo vai ver sua imagem (nos netos que vão nascer), disse à velha. Então, agitaram-se Hunbatz e Hunchouén (os outros netos ali presentes). Estes somente se entretinham tocando flauta e cantando, pintando e esculpindo, e nessas atividades passavam o dia todo e eram o consolo da anciã. E a velha mulher disse: - Não quero que tu sejas minha nora, porque o que levas no ventre é fruto de tua desonestidade. Além disso, és mentirosa: meus filhos estão mortos. Logo, acrescentou a avó: [...] Enfim, está bem, és minha nora. Vá então trazer comida para estes dois que tenho de alimentar. Vá colher uma rede grande 242 (de milho) e volta logo. _ Muito bem, disse a moça, e foi para a Milpa de Hunbatz e Hunchouén. A estrada tinha sido aberta por eles, e a jovem foi por ela até a milpa; mas encontrou somente um pé de milho com espiga, [...] e seu coração se encheu de angustia. _ Ai, desgraçada de mim! Aonde irei para conseguir uma rede de milho como foi ordenado para mim? - exclamou. E logo começou a invocar ao Chahal243[...] - Ixtoh, Ixcanil, Ixcacau, vós que cozinhais o milho e tu,Chahal, guardião da comida! [...] e a grande rede se encheu de milho. A jovem voltou, os animais do campo carregando a rede e, quando 242 243

Medida de terra plantada com milho. Guardião da comida.

179 chegaram, (os animais) deixaram a carga num canto da casa, como se tivesse sido ela quem a tivesse carregado. Chegou, então, a velha, e logo que viu o milho que tinha na grande rede, exclamou: - De onde veio todo esse milho? Por um acaso acabaste com nossa milpa? [...] Irei ver - e foi em direção à milpa. Mas o único pé estava lá, com a marca da rede no chão. A velha, então, voltou rápido para sua casa e disse: - Isto é prova suficiente de que realmente és minha nora. Verei agora tuas obras e àqueles que levas (no ventre) e que são sábios. Fonte: Recinos (1950, p.18). Tradução nossa.

Figura 32 - Asombro recolectado

Fonte: “Pop Wuj, El libro del tiempo” (CHÁVEZ, 2008, p. 15)

Os gêmeos heróicos são personagens que aparecem representados em toda Mesoamérica, desde a Guatemala até o Norte do México. “Numerosas variantes de uma narração amplamente difundida entre os mixes, mixtecas, chinantecas, zapotecas, (etc.) [...] se referem a historia dos gêmeos que, em alguns relatos, são menino e menina. Ao final de suas aventuras, se convertem em sol e lua” (CHINCHILLA, 2011, p. 31, tradução nossa244). Segundo Michael Coe, “o tema principal da historia dos Heróis Gêmeos no Popol Wuj, (é) uma história de morte e ressurreição” (COE, prólogo em CHINCHILLA, 2011,p. 11,tradução

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“Numerosas variantes de una narración ampliamente difundida entre los mixes, mixtecas, chinantecas, zapotecas, (etc.) […] se refieren a la historia de los gemelos que en algunos relatos son niño y niña. Al fin de sus aventuras se convierten en sol y luna.” (CHINCHILLA, 2013, p. 31).

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nossa245). No relato do excerto que Rivera ilustra, os gêmeos Hunahpu e Ixbalanque, mesmo antes de nascer, já tinham o poder de produzir fatos miraculosos, como multiplicar a quantidade da colheita e receber ajuda dos animais para transportá-la. Quadro 55 - Criação dos animais Los cuatro mensajeros tenían la dignidad de Ahpop-Achih. Saliendo de Xibalbá llegaron rápidamente, llevando su mensaje, al patio donde estaban jugando a la pelota Hun-Hunahpú y Vucub-Hunahpú, en el juego de pelota que se llamaba Nim-Xob Carchah. Los búhos mensajeros se dirigieron al juego de la pelota y presentaron su mensaje. Os quatro mensageiros tinham a dignidade de Ahpop-Achih246. Saindo de Xibalba247, chegaram rapidamente, levando sua mensagem ao pátio onde estavam jogando bola Hun-Hunahpú e Vucub-Hunahpu248, no jogo de bola que se chamava Nim-Xob Carchah. As corujas mensageiras se dirigiram ao jogo e apresentaram sua mensagem. Fonte: Recinos (1950, p.14). Tradução nossa.

Figura 33 - Os Tecolotes mensageiros

Fonte: Recinos (1961, p. 8) 245

246 247 248

“El tema principal de la historia de los Heroes Gemelos en el Popol Wuj, (es) una historia de muerte y resurrección.” (COE, en CHINCHILLA, 2013, p. 11) Un dos deuses do inframundo. Xibalba: o inframundo, mundo dos mortos. Pais dos gêmeos heróicos, que foram vencidos em Xibalba.

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A Editora Choukoron - Shinsha, de Tokio, publicou, em 1961, a tradução do Popol Vuh em japonês, a partir da versão de Recinos (1953), ilustrada a cores com as 17 aquarelas realizadas 30 anos antes por Diego Rivera.Uma das ilustrações (Figura 33) apresentadas relata justamente a história das corujas que foram enviadas do inframundo para chamar e evocar os gêmeos heróicos para jogar bola com os senhores da morte (Quadro 55). Mencionamos esta edição para destacar a característica destes epitextos como “epitextos privados [...] o que para nós definiria essa presença interposta, entre o autor e um eventual público” (GENETTE, 2009, p. 327). Parafraseando o autor mencionado, no epitexto público, o autor se dirige diretamente ao público; no epitexto privado, existe um intermediário cuja personalidade influencia.Neste caso, a filha de Diego Rivera foi quem exerceu este papel e também quem escolheu as traduções e os países onde seriam publicadas as pinturas como ilustrações. No Anexo 2encontram-se as reproduções de outras cinco aquarelas de Diego Rivera que ilustram a gênese K‘iche’, sob o título de “Custodia de la milpa”, “Adoración de los hombres”, “Muerte de Cabracán”, “Mansiones de Xibalba” e “Sacrificio y autosacrificio ante el Dios”.

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6 CONSTATAÇÃO DOS OBJETIVOS E METODOLOGIA Realizou-se uma descrição do Popol Wuj, um resumo do seu conteúdo narrativo geral, e um estudo do devir histórico das traduções, observando os fatores culturais e ideológicos que influenciaram seus tradutores. Através do estudo dos excertos das traduções correspondentes aos fólios 1reto, 1verso, 2reto, 2verso, 3reto e 3verso do Ms Ayer 1515, traçamos uma perspectiva antropológica que nos permitiu vislumbrar uma epistemologia subjacente nas traduções estudadas, desde a tradução colonial de Ximénez (1700-1704), passando pela tradução “descolonizada” de Chávez (1979), cuja introdução reivindica uma emancipação da colônia, por ser um descendente de k’iche’s, porém se revelando bastante próximo da ideologia eurocêntrica, católica e com traços de identificação com o pensamento maçônico nas suas escolhas lexicais e semânticas. Finalmente, concluímos que a tradução de Sam Colop (2011) pode ser considerada decolonial, já que representa uma perspectiva cultural K’iche’ fundamentada na sua própria descendência maia e nas suas atividades como pesquisador etnográfico do povo K’iche’ contemporâneo, conscientizado sobre a conjuntura cultural da modernidade, que trouxe luz às epistemologias consideradas periféricas. O capítulo dedicado às ilustrações de Diego Rivera tem como objetivo comprovar a vigência da obra na identidade cultural de toda Mesoamérica. Houve um bom resultado na pesquisa de fontes confiáveis para a construção da tese. A intenção inicial de apresentar um catálogo de material investigativo foi enriquecida com a colaboração de estudiosos que, desinteressadamente, esclareceram dúvidas e, gentilmente, disponibilizaram bibliografia, livros raros e artigos inéditos. São eles: Carlos Lopez (1999) e Michela Craveri (2012), especialistas e autoridades em cultura maia; Ricardo Falla (2014), teólogo e antropólogo da Guatemala; Christiane Stallaert, antropóloga cultural (Universidade Artesis, Bélgica); Oswaldo Chinchilla Mazariegos (Universidad Francisco Marroquin, Guatemala), que disponibilizou o livro de sua autoria, “Imágenes de la Mitología Maya” (2011), cuja pesquisa arqueológica das cerâmicas mesoamericanas apresenta o fundamento

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visual sobre a investigação da importância dos mitos do Popol Wuj no cotidiano das Maias-K’iches’ do período Clássico (300 -900d.C); além do curador mexicano Adolfo Cantú, que colaborou com material artístico e bibliográfico sobre a obra de Diego Rivera relacionada ao Popol Wuj. Um importante objetivo proposto foi a construção de um material didático sobre o Popol Wuj que oferecesse uma visualização objetiva desta obra pré-hispânica no ambiente acadêmico e escolar do Brasil. Tal objetivo justifica a inserção de ilustrações e a adoção de uma “cosmovisão” que nos permitiu referenciar alguns conceitos com imagens e peças arqueológicas de toda mesoamérica e não somente das terras altas da Guatemala, onde foi encontrado o manuscrito pré-hispânico pelo Padre Ximénez. Para atingir este objetivo, valemo-nos, principalmente, dos Estudos da Tradução, através da análise de três excertos de traduções do Popol Wuj produzidas em épocas diferentes, observando seus polissistemas literários e algumas noções dos Estudos Culturais, da História da Arte e da Arqueologia. O objetivo da análise das traduções foi observar como Ximénez (1700-1704), Chávez (1979) e Sam Colop (2011) interpretaram o Popol Wuj desde suas perspectivas sincrônicas e ideológicas. Referenciamos estudos sobre linguística, religião e arte préhispânica relacionadas com o Popol Wuj, associando os excertos com exemplos de peças arqueológicas, cerâmicas, códices e pinturas provenientes de toda Mesoamérica sob uma “cosmovisão” que, segundo López Austin(2009, p. 228), ultrapassa os diferentes grupos préhispânicos e se constituem como uma “matriz” que envolve mitos, ritos e ícones bastante semelhantes, em uma vasta região localizada entre o sul da Guatemala e o norte do México. A metodologia se tornou um caminho complexo perante a riqueza do tema, a amplitude da conotação cultural e a profundidade existencial da cosmogonia. Cada página escrita foi o resultado de árduas pesquisas e comparações de teorias e opiniões de vários autores. As obras que versam sobre estudos do mito também sofreram e sofrem a influência da ideologia e da época em que foram escritos, assim, para construir um texto o mais objetivo possível, escolhemos autores que não nos levassem em direção a uma ideologia hegemônica, mas, ao contrário, procuramos

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o alicerce da teoria decolonial, que observa as manifestações culturais desde o ponto de vista do sujeito oprimido historicamente. Tentamos escutar, assim, a voz dos colonizados Maias-K’ iches’. Mediante uma análise descritiva das traduções,se observou, por comparação, as diferenças e semelhanças entre as escolhas tradutórias dos autores em estudo. Conseguimos vislumbrar o viés ideológico de cada tradução de acordo com o contexto histórico em que foi produzido. Por fim, apresentamos uma tradução para o português de Brotherston e Medeiros (2011) para oferecer uma compreensão mais clara aos leitores luso-falantes. Por tratar-se de uma linguagem mítica, o tempo dedicado à pesquisa de cada palavra, difrasismo e disfrasismo requereu especial cuidado e dedicação, fazendo desta tese um texto conciso, porém o mais aprofundado e didático que nos foi possível. Devemos destacar que a autora desta tese não domina a língua maia K’iche’, motivo pelo qual a análise ficou concentrada nas traduções para a língua espanhola. “Com esta tese amplia-se a função que a tradução possui de “formar leitores” para a função de “formar leitores de tradução”, na página 81 menciona-se a decolonialidade fazendo referência à foto do tradutor, Sam Colop, que aparece sobre a capa do livro outorgando-lhe visibilidade de autor. É importante lembrar que neste pequeno país, Guatemala, a tradução é de importância governamental. [...] (Sobre) a “função intercultural da tradução” sublinha essa imersão que Ximénez teve dentro da cultura k’iche’, pelo fato de ter convivido por mais de 40 anos com eles, ter aprendido sua língua e estudado seriamente sua cultura, tanto quanto pesquisadores como Girard e Christenson, até o ponto de perder o status de “estrangeiros”. Considero que para os missioneiros como Ximénez a tradução era uma estratégia que lhes permitia mostrar a grandeza desse mundo novo e surpreendente, por meio do qual justificavam o seu interesse pelos atos profanos, os ritos celebrados pelos k´iches’ e os inúmeros deuses que (de acordo com a concepção maia) mudavam constantemente. [...] O objetivo da tradução de Ximénez não poderia ser outro do que alcançar uma catequização mais eficaz. De outra forma ela não teria sido realizada. Os administradores dos assuntos da Igreja no contexto histórico de Ximénez, acreditavam nisso, os cronistas podiam esquivar os castigos e

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acusações da Inquisição evitando a censura e até a morte.[...] Nos escólios de Ximénez percebe-se um texto subjacente (como sucede com os textos de muitos cronistas e cronistas missioneiros da época). Na p.68-69, encontramos um excerto sobre a falta de inteligência dos índios, enunciado seguido de adjetivos qualificativos nos que ‘suspeitamos’ sua admiração pela inteligência que está negando. Esta é a função dupla da tradução de “encobrir e revelar” ao mesmo tempo. A tradução como estratégia para ocultar e ao mesmo tempo revelar, mostra a conhecida prática na literatura a través da história. Ximénez revela um segredo que espera seja compreendido pela posteridade. Ele é um intelectual, lingüista, historiógrafo, etnógrafo e missionário. (Cabem então vários questionamentos): Por qual motivo se expôs dessa forma perante a Inquisição? O que ele procurava? Desprestigiar aos indígenas e a sua história? Era preciso revelar esse segredo? Quais foram as contribuições do Popol Wuj para a Igreja? Qual foi a conseqüência deste descobrimento para a cultura maia- k´iche´? Quais foram as conseqüências para o próprio Ximénez ? Por qual motivo correu estes riscos? Esta é Função mágica da tradução: a tradução como reveladora de segredos.”

7 CONCLUSÃO Os paratextos analisados nesta tese correspondem aos fólios do MS Ayer 1515249 (XIMENEZ, 1700-1704), a saber: prólogo (i-reto, i-v, ii-r, iii-r, iii-v, iv-r e iv-verso); escólios (folios 1reto, 2r, 2v, 3r, 3v, 4r e 4 verso). Do texto traduzido do K`iche` para o espanhola gênese maia, o excerto analisado corresponde aos fólios (1reto, 1v, 2r, 2v, e 3 reto).A análise das traduções dos primeiros quatro fólios trata sobre o Popol Cabuil, ou panteão mítico maia e a gênese. Nas traduções, observamos as características do estilo de cada tradutor e a forma como cada um deles interpretou a cosmogonia maia. Os objetivos propostos para a presente investigação foram observados com o maior cuidado possível, a saber: informar didaticamente sobre os antecedentes do Popol Wuj, ou seja, em que consiste e quando foi escrito, qual o contexto histórico da criação do primeiro códice perdido, as circunstâncias da sua transliteração por um remanescente K‘iche’ e a posterior cópia e tradução realizada pelo Padre Francisco Ximénez (1700-1704). Dentre os posteriores tradutores, que foram muitos, escolhemos Adrian I. Chávez (1979 e 2007) e Sam Colop (2011), que realizaram, respectivamente, uma tradução descolonialista e uma decolonial. O corpus apresentou obstáculos à sua compreensão, principalmente nas entrelinhas. Aliás, dificuldades inerentes a sua essência, provenientes de suas características mítico-religiosas, aliadas a questões idiossincráticas, dentre as quais as próprias interpretações e traduções de cada autor. A iconicidade que possuem as várias deidades maias que aparecem na obra apresenta ontologias que respondem a uma lógica complexa de sentidos integrados como um “Cubo de Rubik”. Suas descrições escapam a eventuais pretensões canônicas, sendo que não seguem uma semântica linear e os sentidos de seus atributos se “iluminam” por contraste. Esta lógica maia apresenta uma forma holística de pensar a realidade e descreve um DNA epistemológico que ultrapassa o tecido superficial do relato para desafiar o leitor a se questionar sobre o papel do ser humano no cosmo. Um simples exemplo concerne ao fato de que a língua K'iche’ não possui uma palavra específica para “homem” (genericamente falando). Seu significado constrói-se por contrastes aos 249

http://library.osu.edu/projects/popolwuj/folios_esp/PWfolio3r_es.php Aces- -so em 06 de janeiro de 2015.

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nomes dos animais, das plantas e dos elementos da paisagem. O ser humano não está categorizado de forma hiperonímica, ou seja, posto em patamar superior ao das outras espécies, mas ganha sentido ao lado delas. Outra característica do Popol Wuj é a integração entre mito e história, o que justifica a origem divina das altas camadas políticas, da nobreza maia e da divisão social do poder. O caráter oral do texto inicial explicita o esforço do copista K'iche’ em condensar as informações inicialmente desenhadas e escritas ideográfica e logossilabicamente nos códices, paratraduzi-las na escrita alfabética. De fato, um trabalho intersemiótico, cujas fontes desapareceram. Esta transliteração provocou a formação de metáforas específicas, de repetições, de contrastes, que desembocam em uma forma dialógica que, no momento da gênese, converte-se em verdadeiras invocações. Para os Estudos da Tradução parece importante buscar maior entendimento a respeito de uma obra cujos manuscritos de base não existem mais. A exemplo de outros textos clássicos, como Kalila e Dimna, As mil e uma noites, entre outros, há, efetivamente, traduções que, por sua antiguidade, adquiriram status de texto fonte, como é o caso do manuscrito de Ximénez (1700-1704). Observamos os rumos culturais e epistemológicos do referido texto analisando-o à ótica do conceito de ‘colonialidade’ (MIGNOLO, 2001). Na mesma linha dos estudos interculturais, adotamos o conceito de ‘descolonialista’ (WALSH, 2005, p. 16) para analisar a tradução de Chávez (1979-2007). Os autores fundamentados nas teorias de Walsh (2005, p. 9) consideram que descolonização é um processo de superação do colonialismo, geralmente associado às lutas anti-colonialistas no plano político, que ainda se encontra impregnado da epistemologia do colonizador no seu substrato ideológico. Por último, a obra que representa a decolonialidade, que, segundo uma de suas idealizadoras, consiste em uma “renovada atenção posta por grupos indígenas ao pensamento como campo de luta, intervenção e criação, assim fazendo evidente um projeto da interculturalidade que ultrapasse o político e alcance o epistêmico” (WALSH, 2005, p. 7, tradução nossa250),foi caracterizada pela tradução 250

“renovada atención puesta por grupos indígenas y afros al pensamiento como campo de lucha, intervención y creación, así haciendo evidente un proyecto de la interculturalidad que no es solo político sino a la vez epistémico” (WALSH, 2005, p.7).

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realizada por Sam Colop (2011), cuja análise permitiu concluir que o tradutor expressa uma intenção de retomar as tradições K'iches’, por ter sido inicialmente idealizada para leitores K'iches’ da atualidade, e por considerar dados de pesquisa etnográfica realizada com maias contemporâneos. A partir da análise descritiva destes três textos, foi possível escutar pistas, rastros e fragmentos que remetem às vozes dos tradutores, de acordo com as conjunturas históricas e ideológicas de cada um deles. Entendemos que o processo tradutório é muito mais que uma mera transmissão de informações entre duas culturas. A tradução é uma parte ativa de um sistema literário principal no qual intervém uma série de forças, tanto internas quanto externas, que competem para adquirir uma posição dominante. Entre as forças externas, poderiam se mencionar as forças dos sistemas político e religioso, que se justificam, no caso do Popol Wuj, em sua tradução e em sua transliteração. A análise das traduções sob esta perspectiva foi pertinente para que se observasse o momento histórico que permeia os textos, assim como para identificar os contextos com o qual se crê terem interagido. Observamos, então, os polissistemas da época maia clássica (300-900 d.C.), limitados, naturalmente, pelos condicionamentos intrínsecos ao escopo de realização de uma tese de doutorado. Pincelamos os antecedentes da primeira transliteração para buscar entender parte da importância deste documento parcialmente perdido, que se instaura na atualidade como símbolo cultural de resistência, texto que ficou escondido pelos escribas K'iches’ já na época da colônia por quase um século, até ser descoberto pelo Padre Francisco Ximénez. A tradução de Ximénez (1700-1704) é minuciosa, parece respeitar e registrar a mitologia K'iche’ dentro dos parâmetros de um colonizador-catequizador. Justamente por tal motivo, surpreende em relação à forma com que foi elaborada, ou seja, com respeito às tradições e um generoso cuidado acadêmico. Dom Inês Chávez apresenta um texto traduzido muito elaborado, especialmente no que concerne ao aspecto fonético. Foi mestre da língua, e pode-se afirmar que,até hoje, sua tradução é uma referência de pesquisa. Pelo domínio do idioma K'iche’, sua obra é muito respeitada, tendo sido, inclusive, lançada uma edição póstuma com ilustrações do artista plástico

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Diego Rivera. Adotamos o termo descolonialista (WALSH, 2005) para a tradução de Chávez (2007), já que ele mesmo reivindicou autoridade sobre a obra por ser um descendente K'iche’, porém, com uma característica paradoxal: a de ter sido um católico praticante e simpatizante da ideologia maçônica: duas características do pensamento euro centrista (MIGNOLO, 2001). Uma das hipóteses levantada no escopo desta investigação foi o questionamento sobre alguns traços de ideologia maçônica na tradução de Chávez (1979-2007). Pesquisamos algumas escolhas lexicais e símbolos; buscamos bibliografia confiável sobre o tema; realizamos algumas associações que não nos permitiram fazer uma afirmação categórica, mas que no mínimo demonstram uma identificação do tradutor com esta ideologia. Alguns exemplos das páginas analisadas são: redução dos difrasismos de alguns dos deuses do panteão maia como se tratasse de um só ser; menção da divindade como “Arquiteto”; associações das características das deidades maias como “Huracán” com “Osiris”; tradução da divindade “Coração do céu” para “espírito do céu” ou “duplo olhar” que nos remete ao “olho de Horus”, ícone da simbologia maçônica. A língua do Popol Wuj, o k'iche’, manifestou-se icônica, colorida, fecunda de significados. Graças à leitura da obra “El leguaje del mito: Voces, formas y estructuras del Popol Wuj” de Michela Craveri (2012), enviada gentilmente pela autora desde Milão, foi possível entender estas nuances e características da língua fonte da obra. A escrita logossilábica à miúdes utiliza uma mesma representação para um número, um deus, um animal sagrado ou uma planta. A estrutura sonora das palavras completa a concepção tridimensional das imagens literárias: paronímias, difrasismos, isotopias. De forma paradoxal, a narrativa parece situar-se na superfície de um profundo lago mítico que nos convida a mergulhar num “zenote”, ou, nos eleva até o vôo dos ketzales. O Popol Wuj, sugestivo e distante no tempo, aproxima-nos de uma consciência integrada com o meio ambiente, demonstrando grande respeito para com as outras espécies. Neste sentido, a obra estudada aborda as preocupações com o ecossistema vigente na nossa sociedade contemporânea. No período clássico maia, utilizava-se exaustivamente a imagem no cotidiano, nas vasilhas de cerâmica e nos utensílios. Fazia-se, igualmente, uso da imagem nos templos, nos monumentos, nos alto-relevos, nas jóias e nos adornos, nas tatuagens, nos códices, enfim, usaram em todos os lugares e situações sua escrita e seus desenhos, visando representar mitos,

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adivinhações e linhagens. Para apreciar parte destas imagens arqueológicas, uma excelente leitura é o livro de Chinchilla,“Imágenes de la Mitologia maya”251. A tradução inter-semiótica da primeira transliteração do Popol Wuj provinha de imagens e de uma escrita logossilábica. Comentamos, ao longo deste trabalho, a semelhança entre as representações culturais mesoamericanas de diversas regiões e realizadas com base em diferentes suportes. Cada comunidade respondia aos mesmos princípios, mas cada uma delas as recriava de uma forma específica. Os diferentes meios de registro eram utilizados de acordo com os temas representados: “Os distintos suportes possivelmente se especializaram desde cedo, a pedra [era utilizada] para representar acontecimentos dinásticos, a argila para imagens mitológicas e o papel para as adivinhações e as circunstâncias astronômicas calendáricas” (RIVERA DORADO, 2005, p. 29, tradução nossa252). A título de ilustração, inserimos algumas reproduções e fotos destes vestígios arqueológicos para fundamentar a importância do Popol Wuj como registro das tradições maias. A fonte mais importante desta investigação foram as páginas do Ms Ayer 1515 e suas transcrições disponíveis no site da Biblioteca da OSU (The Ohio State University Libraries -Departamento de Español y Portugués del Centro de Estúdios Latinoamericanos), cujas fotografias digitais pertencem à Newberry Library, de Chicago. Também, destacamse os esclarecimentos incondicionais e conversações realizadas on-line com o professor Carlos López, da Marshal University, co-orientador desta tese, autor de “los Popol Wuj y sus Epistemologias” (1999). Todos estes foram recursos que permitiram atribuir um maior grau de clareza à intrincada lógica k'iche’. Sabemos que ainda existe no Brasil uma grande carência de bibliografia sobre o Popol Wuj em português. A tradução de Brotherston e Medeiros (2011) possui um prefácio com informações importantes sobre a obra e seu contexto histórico. Trata-se de uma tradução bilíngue k'iche’-espanhol, que referencia os nomes em k'iche’ e seus significados 251

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CHINCHILLA, W. Imágenes de la mitología maya. Museo Popol Vuh. Primera Edición. Guatemala: Universidad Francisco Marroquín, 2011. Los distintos soportes parece que se especializaron ya en época temprana, la piedra para los acontecimientos dinásticos, la arcilla para las imágenes mitológicas, el papel para los vaticinios y las circunstancias astronómicocalendáricas.” (RIVERA DORADO, 2005, p. 29).

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entre parênteses. Comparando a tradução de Chávez (2007), cuja edição de bolso é a mais usada nas escolas argentinas e uruguaias, com a edição em língua portuguesa, notaremos um claro contraste de qualidade editorial e de conteúdo. Paradoxalmente, embora a edição argentina seja concisa e contenha somente a quarta coluna da tradução de Chávez (2007), quase todos os estudantes argentinos e uruguaios do Ensino Médio já leram e/ou conhecem a importância do Popol Wuj para a cultura americana. Seria interessante incentivar sua leitura e compreensão também no Brasil, berço de etnias tão importantes quanto a maia k'iche’ da Guatemala, já que esta obra pertence às Américas como um todo, independentemente do idioma trazido pelo colonizador. Com esta tese, pretendemos trazer uma pequena luz neste sentido. O Popol Wuj oferece um material muito fecundo para investigação e pretendemos continuar esta pesquisa, ampliando a análise dos textos que se encontram na continuação destes fólios. Chamou-nos especial atenção a forma como as representações arqueológicas relacionam-se com o texto, complementando seu sentido e esclarecendo os contextos histórico e mítico, sua característica dialógica e a forma como interpretavam suas realidades: como se fosse uma rede ou tecido, dedução esta extraída dos vários núcleos narrativos que surgem na obra, que encontram uma organização lógica na concepção cíclica criada por reiterações e ampliações das ideias. O tempo cíclico maia se apresenta desafiador, também, para um dos mais importantes estudiosos do mito da nossa época, Joseph Campbell. Nos seus últimos anos, ele buscava uma nova síntese entre ciência e espírito. “A mudança de uma visão geocêntrica para uma visão heliocêntrica do mundo”, escreveu ele, depois que os astronautas chegaram à lua, “parece ter removido o homem do centro e o centro parece tão importante. Espiritualmente, porém, o centro está onde está o olhar. Poste-se numa elevação e contemple o horizonte. Poste-se na Lua e contemple a Terra inteira se erguendo - ainda que através da televisão, na sua sala de visita”. O resultado é uma insuspeitada expansão do horizonte, que poderia servir, em nossa época, como as antigas mitologias serviram, no passado, para abrir as portas da percepção “para o prodígio,

193 ao mesmo tempo terrível e fascinante, de nós mesmos e do universo”. Para ele, não foi a ciência que diminuiu os seres humanos ou nos divorciou da divindade. Ao contrário, as novas descobertas da ciência “nos reúnem aos antigos”. (CAMPBELL, introdução de Bill MOYERS, 1990, p.11).

Fica em aberto mais um desafio, uma gênese aberta que parece reunir os dois conceitos filosóficos do gênesis ocidental: o criacionismo e o evolucionismo. No início maia não existe caos, porém existe vida latente, e esta questão seria justamente o ponto de partida para outras investigações.

Fonte: Original photo Thumb (2014)

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207

VELA, E. El maguey en el imaginario mexicano. Arqueologia Mexicana, ed. esp. n. 57, p. 76-89, ago. 2014. Excertos e citações em português: tradução própria. VILLACORTA CALDERÓN, J. A. et al. Historia de la provincia de San Vicente de Chiapa y Guatemala de la Orden de predicadores, compuesta por elr.p.pred.gen. Fray Francisco Ximénez. Antonio Cloché. Guatemala: [Tipografía Nacional], 1929-1931. 3v. (Biblioteca "Goathemala" de la Sociedad de Geografía e Historia, v. III). Excertos e citações em português: tradução própria. WALLERSTEIN. I. M. El capitalismo histórico. México: Siglo XXI, 2006. Excertos e citações: em português: tradução própria. WALSH, C. “Introducción”. In: WALSH, C. (ed.). Pensamiento crítico y matriz colonial. Quito: AbyaYala, 2005. Excertos e citações em português tradução própria. WILLEMART, P. Crítica Genética e Psicanálise. São Paulo: Perspectiva, 2005. ____. Educação Sentimental em Proust. São Paulo: Ateliê Editoral, 2002. ____. Os processos de criação na escritura, na arte e na psicanálise. São Paulo: Perspectiva, 2009. XIMÉNEZ, F. Ms Ayer 1515. Columbus: The Ohio State University Libraries; Chicago: The Newberry Library, 1700-1704. Disponível em: http://library.osu.edu/projects/popolwuj/folios_eng/PWfolio_i_r_en.php. Acesso em: 22 fev. 2012. Excertos e citações em português: tradução própria. YUSTE FRÍAS, J. Paratextualidade e tradução: a paratradução da literatura infantil e juvenil. Cadernos de Tradução, v. 2, n. 34, p. 9-60, dez. 2014. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2015.

208

____. Lectura de la imagen para una traducción simbólica de la imaginación. In: COLOQUIO DE LA ASOCIACIÓN DE PROFESORES DE FILOLOGÍA FRANCESA DE LA UNIVERSIDAD ESPAÑOLA, 8., 2001, Valencia. Écrire, traduire et représenter la fête. Traducción Yuste Frias. Valencia: Universitat de Valencia, 2001. 1v. Excertos e citações em português: tradução própria.

ANEXO I: MAPA

210

211

Localização do Reino K’iche’, Q’umarkaaj y Chichicastenango nas terras altas de Guatemala

Fonte: Lopez (2014)

ANEXO II: ILUSTRAÇÕES DE DIEGO RIVERA (1931-1937)

214

215

Custódia da milpa.

Adoración de los hombres.

216

Muerte de Cabracán.

Sacrifício y autosacrifício ante el Dios.

217

Mansiones de Xibalbá

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