Um mundo em desagregação? Ordem, violência e o discurso da literatura na ‘Viena de 1900\'.pdf

May 26, 2017 | Autor: António Ribeiro | Categoria: Violence, Hugo von Hofmannsthal, Vienna 1900
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In: Anselmo Borges et al. (orgs.), ars interpretandi. Diálogo e Tempo. Homenagem a Miguel Batista Pereira, Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 2000, 199-234

António Sousa Ribeiro (Universidade de Coimbra) Um mundo em desagregação? Ordem, violência e o discurso da literature na “Viena de 1900”1

… the worst is not So long as we can say ‘This is the worst’. Shakespeare, King Lear, IV/1 Escolhi esta epígrafe, colhida numa das tragédias mais sombriamente apocalípticas de Shakespeare, pela sua pertinência muito directa para o conjunto das reflexões que aqui pretendo desenvolver. Pertinência, antes de mais, pelo modo ambivalente como se fundem na fala de Edgar os motivos do desespero e da esperança. A linguagem pode exprimir a violência do real, mas, ao fazê-lo, está a dar testemunho de que não foi ainda atingido o limite extremo, a partir do qual só restaria o silêncio. E, no entanto, a linguagem existe e legitima-se justamente nesse movimento através do qual, apesar de tudo, vai assumindo o risco permanente de forçar os limites do que pode ser dito. É nesta capacidade de nomear o inominável — o domínio por excelência do literário — que se situa o núcleo paradoxal da relação entre discurso e violência. Na verdade, por definição, a violência é aquilo que está para além das fronteiras da linguagem, aquilo que se furta à representação. No extremo, a violência não consente a linguagem, mas, sobretudo se experimentada da perspectiva da vítima, admite apenas formas de expressão elementares e inarticuladas como o grito. É assim que, para usar uma distinção de Wittgenstein, a dor enquanto tal não pode ser dita, pode tão-somente ser mostrada. E, no entanto, pode dizer-se desde sempre, a violência foi tema da literatura, da arte da palavra. Isto é, formulado de outro modo, desde sempre a literatura soube

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O presente ensaio reproduz, com modificações e acrescentos muito pontuais, a lição de Agregação que apresentei, em Julho de 2000, à Universidade de Coimbra. As citações foram todas traduzidas,

construir modos de significar a violência, que o mesmo é dizer, de submetê-la ao processo de diferimento subjacente, segundo Derrida, à articulação no plano do simbólico. O que suscita de imediato uma interrogação como a seguinte: se, no discurso literário, a violência é um signo, é um signo de quê? E suscita, ainda, uma interrogação adicional: em que medida a simbolização da violência é ela própria violenta? Por outras palavras: qual é a relação entre o discurso sobre a violência e a violência do discurso? Estas são perguntas para as quais, evidentemente, não pode haver uma resposta genérica. Assim, se o tema que escolhi tem óbvias incidências teóricas, não se trata de formular uma teoria geral, mas sim de explorar o significado do problema dentro de um contexto literário e cultural muito preciso, no caso, o contexto literário da “Viena de 1900”. O postulado de que parto é o de que o processo da modernidade não superou a violência, nem sequer reduziu o seu potencial, apenas o deslocou, tornando mais complexas, intersticiais, e, muitas vezes, quase inescrutáveis as suas manifestações. Assim, a relação indissociável entre cultura e violência é consubstancial ao contexto estético da modernidade. O problema da violência tem um carácter genuinamente transdisciplinar. Trata-se, na terminologia epistemológica contemporânea, de um objecto de fronteira, partilhado por um conjunto muito diverso de disciplinas, nomeadamente, pela teoria política, pela filosofia, pela sociologia, pela psicologia, pela antropologia, pela história, incluindo a história das religiões, pela sócio-linguística e last not least pelos estudos literários, a começar por uma área “híbrida” destes, crescentemente relevante, como é a antropologia literária. Enquanto objecto de fronteira, o potencial heurístico do tema está, justamente, na sua capacidade desestabilizadora, na capacidade de pôr em causa fronteiras disciplinares estanques e de propiciar perspectivas de análise inacessíveis às rotinas do pensamento disciplinar. Numa entrevista do início dos anos noventa, Martin Jay chamava a atenção para o facto de que o fenómeno da violência tem vindo a fascinar cada vez mais a reflexão filosófica, substituindo “as questões mais contemplativas da razão, da verdade e do sentido” (Jay, 1993: 67). No entanto, ainda recentemente, fazendo um balanço crítico da situação da sociologia da violência, a abrir um número da Kölner Zeitschrift für

remetendo-se, por via de regra, para nota de rodapé a versão original. As referências bibliográficas são

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Soziologie und Sozialpsychologie dedicado a esse mesmo tema, Trutz von Trotha verificava que “como categoria analítica, a violência tem sido uma enteada da teoria sociológica” (1997: 10). Também no que especificamente toca aos estudos literários, e apesar da evidente centralidade da questão da violência para a história literária do século XX, se trata, sem dúvida, de um tema muito insuficientemente trabalhado. Salta à vista, nomeadamente, a sua ausência dos dicionários e obras de referência correntes. Por exemplo, um clássico como Motive der Weltliteratur, de Elisabeth Frenzel, inclui motivos específicos como “Vingança de sangue”, “Duelo”, “Rapto e violação de mulheres” ou “Conflito pai-filho”, mas não tem lugar para um conceito mais abrangente como “Violência”. O mesmo se aplica a outros dicionários mais recentes, mesmo dos que explicitamente se reclamam também do âmbito da teoria cultural, como, por exemplo, o Metzler-Lexikon Literatur- und Kulturtheorie (Nüning, 1998). E no domínio anglo-saxónico a situação não parece ser diferente: os Critical Terms for Literary Study organizados por Frank Lentricchia e Thomas McLaughlin (1995) incluem, por exemplo, um verbete sobre “desire”, da autoria de Judith Butler, mas não “violence”. Tudo isto, que é bem indicativo da dificuldade de codificar o conceito e da ambivalência do seu estatuto teórico, não pode impedir-nos, antes pelo contrário, de procurar explorá-lo do ponto de vista do seu potencial analítico autónomo, desiderato que constitui um essencial fio condutor do presente trabalho. Como definir então violência? A dificuldade está, como sempre, em evitar formulações demasiado restritivas, incapazes de abarcar a complexidade do fenómeno, e, por outro lado, formulações que, por demasiado abrangentes, acabam por não se revelar operativas.2 Acrescem, além disso, as muitas ambiguidades resultantes do facto de se tratar de um conceito fortemente sobredeterminado (é evidente, por exemplo, a

propositadamente sucintas, limitando-se aos textos directamente mencionados ou citados. 2 Mesmo propostas de definição à primeira vista consensuais facilmente se revelam permeáveis à crítica. Um pouco ao acaso, respigo, por exemplo, de uma obra de Barbara Whitmer a seguinte definição de violência: “discurso ou acção agressiva ou destrutiva por parte de uma pessoa ou grupo em relação a outra pessoa ou grupo” (Whitmer, 1997: 1). Não é necessária uma análise aprofundada para detectar de imediato aspectos importantes que esta definição não abrange. A violência não é necessariamente infligida a outrem, pode ser também infligida a nós próprios, desde logo, a partir de formas de interiorização de uma coacção exterior; nem sempre, por outro lado, ela assume a forma de um discurso ou acção — pode consistir também no silêncio ou na omissão; e ainda, finalmente, está ausente da proposta que citei a dimensão, particularmente sublinhada pela reflexão contemporãnea, da violência contra a natureza.

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sobredeterminação por critérios éticos, subjacentes à distinção que pode fazer-se entre violência legítima e ilegítima). Também, por outro lado, não está disponível, mesmo na literatura sociológica, uma tipologia sistemática das formas de violência e, muito menos, das várias configurações possíveis da relação entre violência e cultura ou violência e poder. Mas a dificuldade maior está, provavelmente, na associação íntima que existe entre a violência e o corpo, ou, em geral, o domínio do não-racional, daquilo que, pela sua própria natureza, parece furtar-se a todo o esforço de conceptualização. Não admira, assim, que na literatura sobre o tema da violência provinda de diferentes campos disciplinares a questão da definição permaneça, por via de regra, inconclusiva. Parece, assim, avisado que, em vez de uma exagerada ânsia de definição, nos concentremos antes em aspectos específicos do problema, convenientemente delimitados. Particularmente relevante para o objecto da presente lição é um conceito de violência que não prescinda da íntima relação com a questão do poder (e anote-se que, em alemão, Gewalt cobre um espectro semântico amplo, que inclui violência, autoridade e poder). Sobretudo na esteira de Foucault, o reconhecimento dessa relação tem assumido um papel determinante, na medida em que permite teorizar formas de violência difusa, ocultas em práticas aparentemente consensuais, e mostrar como a violência é omnipresente na escala micro das relações quotidianas. É neste sentido que a relação entre os dois termos do meu título — ordem e violência — tem de ser entendida, não como antitética, mas, pelo contrário, como indissociável. Este é um aspecto que não é atingível por uma concepção que vê na violência simplesmente o inarticulado ou o “irracional”, um elemento simplesmente de anomia anti-social e não, pelo contrário, de estruturação social. De facto, a antropologia tem vindo a demonstrar que não há ordem cultural que não se funde sobre a violência. A ritualização da violência constitui, desta perspectiva, uma das fontes de toda a simbologia cultural, na justa medida em que confere um sentido social a um elemento potencialmente disruptor da ordem comunitária. Deste ponto de vista, a violência não se opõe à cultura, pelo contrário, tem em relação a esta uma função fundadora. É esta a lógica do sacrifício, magistralmente estudada por René Girard na sua obra sobre a violência e o sagrado (Girard, 1972). Mas é bom de ver que uma reflexão como a deste autor só é possível num contexto de crítica à tradição do humanismo

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racionalista. O processo de “formação da humanidade” era perspectivado por Herder como o percurso de superação de uma “brutalidade” entendida no sentido etimológico, isto é, como a condição própria de animais. Deste ponto de vista, que é o ponto de vista de uma teoria da modernidade, a intrínseca racionalidade do Estado consiste, antes de mais, em ser a incarnação daquele contrato social que permite pôr fim à luta de todos contra todos própria, como pensava Thomas Hobbes, das sociedades arcaicas. O paradigma do progresso tem na ideia de superação de uma violência primordial uma das suas vertentes fundamentais.3 É sabido como Nietzsche, sobretudo em Para a genealogia da moral e já antes em Para além do bem e do mal, veio a pôr em causa o tabu lançado pela ideologia da modernidade sobre a violência. A perspectiva nietzschiana parte da reflexão sobre o significado do sofrimento como elemento da vida e culmina na defesa daquela “moral dos senhores” fundada, justamente, no exercício da violência. Os aspectos mais do que problemáticos destas teses são conhecidos, mas é também conhecida a intensa recepção de que elas foram objecto a partir do dobrar do século. Com referência ou não a Nietzsche, a verdade é que uma parte da reflexão contemporânea é forçada a constatar que a guerra de todos contra todos não está confinada, afinal, aos primórdios do processo da civilização, mas continua bem presente na fase avançada deste que hoje vivemos.4 Estamos assim, nestas visões pessimistas, perante um verdadeiro “Unbehagen in der Kultur”, um evidente mal-estar na cultura. A associação que assim estabeleço com o título do estudo de Freud de modo nenhum é gratuita. De facto, o percurso da reflexão freudiana não apenas oferece um modelo analítico relevante como permite exemplificar com uma acuidade que eu diria quase dramática as dificuldades do conceito de violência

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A teoria do processo da civilização de Norbert Elias representa um último avatar desse paradigma: nos termos desta teoria, a monopolização da violência por parte do Estado tem por consequência uma progressiva modificação do padrão da economia pulsional dos seres agora forçados a recalcarem o seu desejo de violência. A interiorização de normas de comportamento torna progressivamente desnecessário o uso da coerção externa. O processo da modernidade constitui-se, assim, como processo civilizador no sentido em que leva à progressiva superação da violência. Não é este o lugar para dar conta das muitas críticas à teoria de Elias, ao “mito do processo civilizador”, como lhe chama uma das mais proeminentes vozes dissonantes, Hans Peter Duerr (1995). Para uma defesa recente das teses de Elias, cf. Dunning/Mennell, 1996. 4 Cf., por todos, Sofsky, 1996.

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e da inevitabilidade de teorizar esse conceito em associação estreita com o conceito de cultura. É verdade que a questão da violência está desde sempre presente na abordagem psicanalítica — basta pensar como uma das principais traves-mestras dessa abordagem, a noção do complexo de Édipo, está estruturada de acordo com um modelo intrinsecamente violento: no seio da rivalidade entre o filho e o pai, o desejo parricida é contido apenas pelo medo da castração. É bem sabido, porém, que só pouco a pouco Freud foi alargando o seu portentoso edifício conceptual no sentido de uma teoria da cultura. Esta surge já claramente delineada em Totem e tabu, de 1913; aqui, recorde-se, a origem do ritual, e, por extensão, da religião e do direito — numa palavra, da cultura — situa-se num parricídio primordial. Mas, como acentuam unanimemente os comentadores, seria a experiência da Primeira Guerra Mundial que proporcionaria o impulso decisivo para a cristalização das concepções freudianas sobre a agressão e a violência. Foi, de facto, a partir da “desilusão da guerra” — é este o título da primeira parte do ensaio de 1915, “Zeitgemäßes über Krieg und Tod” —, que Sigmund Freud veio a ocupar-se intensamente com o problema da formulação de um conceito de cultura capaz de integrar a dimensão da violência, tão drasticamente posta na ordem do dia pela eclosão da Primeira Guerra Mundial e pelo espectáculo da adesão em massa à euforia nacionalista e belicista, partilhada em esmagadora medida pelas elites literárias e intelectuais. A reflexão freudiana cristalizaria, em última análise, na formulação do conceito de pulsão de morte (Todestrieb), apresentado, em 1920, em Para além do princípio do prazer e subjacente à súmula definitiva exposta, em 1930, em O mal-estar na cultura. O postulado de uma pulsão de morte constitui, provavelmente, a categoria mais controversa do aparelho conceptual freudiano (Binion, 1994). Mas não são os meandros dessa discussão — em relação à qual, aliás, estou perfeitamente disposto a dar razão aos críticos de Freud — que aqui me podem ocupar. O que, no presente contexto, me parece pertinente realçar é o facto de o fundador da Psicanálise não ter conseguido outra possibilidade de explicação para a ambivalência da relação entre cultura e violência que não fosse radicar esta na esfera pulsional. Uma pulsão não pode, por definição, ser

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eliminada, pode apenas ser orientada para objectos diferentes, e é este, da perspectiva freudiana, o trabalho da cultura em relação ao Todestrieb. Não deixa de estar aqui presente a noção de progresso: ao radicar a violência na esfera pulsional, Freud não escapa a ver as suas manifestações como ressurgência de algo atávico, como irrupção de um fundo bárbaro. Mas, por outro lado, ele tem a completa noção de que esse quase super-ego colectivo que é o Estado moderno não representa uma forma de abolição da violência, mas sim da sua centralização e monopolização. A visão pessimista do processo da civilização que acaba por marcar de modo muito vincado a teorização freudiana obriga, assim, a pôr em causa todo o edifício do paradigma do progresso, traduzindo-se, resumidamente, na conclusão de que o processo da modernidade, longe de ter superado o potencial de violência latente na sociedade, tem nele, pelo contrário, raízes bem firmes. Se a cultura, por um lado, trabalha para a superação da violência, carrega, por outro lado, perturbadoramente, os estigmas dessa mesma violência e o conceito de cultura surge, deste modo, marcado por uma inerradicável ambivalência.5 O desespero humanista de Freud poderá servir-me de ponte para a sequência das minhas reflexões, em que irei agora aproximar-me da questão, central para o meu tema, da relação entre literatura e violência. Referi-me há pouco a René Girard e à figura do sacrifício como forma por excelência de uma violência concebida como princípio de ordem e de estruturação social. Toda uma tradição estética, bem expressa na teoria da tragédia, encontra nessa figura o seu fundamento, tendo como pedra angular um conceito de catarse à luz do qual o sofrimento individual encontra justificação plena em função de uma ordem mais elevada e, por conseguinte, se integra pacificamente na esfera do sentido. E não me refiro apenas à tragédia grega: também em Shakespeare, por exemplo, depois do desvario e do caos de uma Dinamarca entregue à corrupção, advirá um Fortinbras, cujo próprio nome o identifica já como representante de uma ordem renovada. Assim, por mais violenta que seja a afirmação do caos, este não chega nunca a 5

É assim que Freud termina Das Unbehagen in der Kultur com uma frase, acrescentada na edição de 1931, de ressaibo profundamente trágico: “Mas quem poderá prever o sucesso e o desfecho final?” (“Aber wer kann den Erfolg und Ausgang voraussehen?”).

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configurar-se como um puro sem-sentido, já que é sempre perspectivado do ponto de vista da regeneração final, por muito que esta possa surgir como precária. A tradição humanista da literatura ocidental assimilou por inteiro esta lógica de uma perspectivação catártica da violência. No contexto alemão, coube à teoria estética do classicismo de Weimar dar uma formulação acabada a essa perspectiva. Bastará lembrar a leitura por Winckelmann do grupo de Laocoonte no Museu do Vaticano. Relembro um breve excerto desse passo, bem conhecido, dos Pensamentos sobre a imitação das obras gregas na pintura e na escultura: A dor, que se revela em todos os músculos e tendões do corpo — e, sem observar o rosto e outras partes, basta ver o baixo-ventre angustiadamente encolhido para quase julgarmos senti-la nós próprios —, esta dor, digo, não se exprime, contudo, com qualquer violência no rosto e em toda a posição da figura. Ele não lança gritos horríveis, como Virgílio canta sobre o seu Laocoonte: a abertura da boca tal não consente […]. A dor do corpo e a grandeza da alma estão distribuídas com igual vigor por toda a composição da figura e surgem, por assim dizer, equlibradas. (apud Wirsich-Irwin, 1978: 32)6 São conhecidas as consequências para a reflexão estética que resultam desta análise. Longe de pôr em causa o postulado da harmonia estética, a representação da violência subordina-se a ele: o triunfo da arte está, justamente, em ser capaz de figurar o extremo da agonia e o excesso do real sem ceder a qualquer exagero de expressão e, portanto, sem sacrificar o princípio intocável da consonância e da justa medida. É significativo como se louva a ausência do grito (“a abertura da boca tal não consente”) — pense-se como, na arte do século XX, de Edvard Munch a Francis Bacon, a boca desmesuradamente aberta constitui um dos signos mais intensos da violência. Assim, nos termos da reflexão de Winckelmann, a dimensão particular do sofrimento individual e da dor física subordina-se por inteiro à transcendência de um desígnio superior e pode, em

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“Der Schmerz, welcher sich in allen Muskeln und Sehnen des Körpers entdecket, und den man ganz allein, ohne das Gesicht und andere Teile zu betrachten, an dem schmerzlich eingezogenen Unterleibe beinahe selbst zu empfinden glaubet, dieser Schmerz, sage ich, äußert sich dennoch mit keiner Wut in dem Gesichte und in der ganzen Stellung. Er erhebet kein schreckliches Geschrei, wie Vergil von seinem Laokoon singet: Die Öffnung des Mundes gestattet es nicht […]. Der Schmerz des Körpers und die Größe der Seele sind durch den ganzen Bau der Figur mit gleicher Stärke ausgeteilet, und gleichsam abgewogen.”

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consequência, significar a postulada universalidade e o sentido cósmico da essência espiritual que define a utopia da Humanität.7 Todos estes postulados vão ser profundamente desestabilizados pela afirmação do princípio de fragmentação social que constitui a face gémea da lógica disciplinadora e uniformizadora da modernidade. Deste ponto de vista, a estética de Schiller revela-se já como um autêntico tour de force: no âmbito dela, a arte surge precisamente como o espaço de unidade e de permanência oposto à violência devoradora desse processo em que tudo o que é sólido se desfaz em ar — um processo que é reconhecido e analisado por Schiller com enorme incisividade. Depois da nietzschiana “morte de Deus”, pelo contrário, toda a ficção de unidade fica irremediavelmente posta sob suspeita e o estatuto da arte torna-se intrinsecamente problemático. Neste processo, em que a equação simples entre o belo e o verdadeiro própria do paradigma da Klassik perde toda a legitimidade, assistimos à afirmação de uma modernidade estética em que a única certeza é a evidência de que todas as evidências em relação à arte desapareceram, como assinala a frase de abertura da Teoria estética de Adorno. Neste contexto, é patente que o valor de posição do conceito de violência sofre uma significativa deslocação, já que desaparece do horizonte uma relação entre ordem e violência assente em pressupostos estáveis. No plano estético, isto é inseparável da emancipação da dissonância que define a afirmação modernista.8 Deixando de estar subordinada a um desígnio transcendente, a violência institui-se como princípio disruptor e torna-se num instrumento estético decisivo do arsenal da modernidade. Não se trata, assim, apenas da questão de como representar a violência, mas sim da questão de como a violência afecta a própria ordem da representação. E, concomitantemente, do problema de saber de que maneira a violência surge, não simplesmente como um elemento temático, mas também composicional, isto é, como parte estrutural de uma estratégia discursiva. Por outras palavras, para usar a terminologia do Formalismo Russo, é necessário interrogarmo-nos sobre a violência na sua função estética. 7

Esta é uma concepção que, acrescente-se, está ainda claramente presente na Estética de Hegel, a qual, discutindo a legitimidade da representação da violência, conclui ser esta justificada, desde que cumpra uma finalidade transcendente, a da “reconciliação do Espírito em si” (“Versöhnung des Geistes in sich”). 8 Para o contexto vienense, o conceito de emancipação da dissonância tem sido particularmente teorizado por Werner Hoffmann (cf., sobretudo, Hoffmann, 1987).

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Estamos agora em condições de focar directamente o contexto da Viena 1900 e de analisar a relação entre violência e estética que nesse contexto pode observar-se com particular acuidade.9 Que essa relação não é transparente, mas só se torna acessível a uma abordagem especificamente orientada, é bem testemunhado pelo facto de a virtualmente inabarcável literatura sobre a época só raras vezes conferir autonomia analítica ao tópico da violência, surgindo a questão, na generalidade das abordagens, relativamente diluída.10 O carácter decisivo da cesura representada pela Primeira Guerra Mundial, cujo significado para a obra de Freud pude há pouco aflorar, não necessita de ser sublinhado. É sabido, aliás, como a consciência dessa cesura levou a uma forte idealização do mundo anterior a 1914.11 Mas, por outro lado, pode detectar-se um fenómeno de algum modo inverso, traduzido na tendência para ver no afloramento do tema da violência no discurso cultural de antes da Guerra uma espécie de premonição profética da grande catástrofe que haveria de vir. Ora, se é certo que, ao abordarmos a literatura do fim-de-século austríaco, encontramos, de facto, a omnipresença de uma crise de identidade, tendencialmente traduzida, como exprimi no meu título, na consciência de um mundo em desagregação, os signos dessa crise não podem ser apreendidos escatologicamente a partir de um problemático finalismo histórico. O que é determinante do ponto de vista da análise é a radicação dos signos de violência com que deparamos na cultura austríaca finissecular, não na perspectiva finalista de 1914, mas sim na especificidade concreta da época. Isto implica, nomeadamente, uma correcta delimitação da situação sociológica daqueles autores que ocupam as posições determinantes no campo literário. Apesar de não imune à controvérsia, a tese do historiador Carl Schorske (1981) continua a oferecer o mais convincente quadro explicativo para a caracterização 9

Entendo o conceito de “Viena de 1900” — limitando-me, neste aspecto, a seguir o consenso corrente (cf., por todos, Janik, 1997) — numa acepção ampla, balizada aproximadamente pelo ano de 1890, por um lado, e, por outro, pelo de 1914, ou, num critério um pouco mais lato, de 1918. Convirá também especificar que “Viena” não tem um significado restrito, antes remete para o conjunto do universo cultural que tem na capital do Império o essencial pólo de atracção. 10 O único estudo específico que poderá referir-se é o ensaio de Armin A. Wallas sobre a tematização da violência na literatura austríaca finissecular (Wallas, 1989). 11 Para não ir mais longe, bastaria lembrar a elegia pelo fim do “mundo da segurança” da conhecida página autobiográfica de Stefan Zweig; mas ainda recentemente Eric Hobsbawm, na sua monumental síntese da história do Short Twentieth Century, chama a atenção para que, mesmo em pleno pós-guerra, “o tempo da paz” significava “antes de 1914” — “o que veio a seguir não era já merecedor desse nome” (Hobsbawm, 1994: 22).

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sociológica da modernidade vienense. Os termos dessa tese são bem conhecidos: Schorske parte do postulado de que um dos aspectos decisivos da endémica crise política do Império consiste, sobretudo a partir da década de oitenta, no fracasso definitivo do liberalismo austríaco. A cena vai sendo progressivamente dominada por forças populistas, paradigmaticamente exemplificadas na figura do político cristão-social Karl Lueger, que acabará por ocupar o lugar de burgomestre de Viena de 1897 a 1910. A ideologia difusa que alimenta essas forças tem no anti-semitismo um componente cada vez mais importante. Convém ter presente, a este propósito, que é decisivo não menosprezar a grande importância da vertente judaica para a história cultural da época: de facto, como especifica Steven Beller no seu estudo basilar sobre Viena e os judeus (1989), no espaço austríaco ainda mais do que no alemão, a assimilação apresenta-se na forma de projecto, no sentido em que não se trata simplesmente da integração num contexto pré-existente, mas, pelo contrário, os intelectuais e a burguesia judaicos são parte integrante do processo de constituição de uma consciência liberal e são os protagonistas essenciais de transformações culturais determinantes. Ora, perante a radicalização dos modernos movimentos de massas, o humanismo racionalista da tradição liberal perde todo o peso político e os sectores da burguesia que constituem a base social do liberalismo vêem-se condenados à impotência e remetidos a uma posição de recuo defensivo. De acordo ainda com Schorske, a segunda geração — aquela a que pertencem, nomeadamente, os protagonistas da Viena finissecular — responde a esse processo de marginalização com estratégias substitutivas traduzidas num virar as costas à sociedade e à política e no refúgio em universos alternativos que já nada têm que ver com a tradição racionalista, mas exprimem o ensimesmar na especificidade da esfera estética.12

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É isto que explica o aparente paradoxo de, como nota Michael Pollak (1992) e como, num estudo ainda inédito (Ribeiro/Ramalho, no prelo), analisei com algum pormenor em relação a Hofmannsthal, o problema da identidade como artista acabar por coincidir com o problema da proposição de uma identidade nacional, já que esta surge definida, no essencial, puramente como um projecto estético. E é pela mesma razão que, no espaço austríaco, como observa Schorske, o esteticismo só marginalmente corresponde à intenção anti-burguesa, à lógica do épater le bourgeois, antes, pelo contrário, está decididamente virado para a construção e afirmação de uma identidade burguesa.

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A partir deste esboço sucinto, podemos entender as razões pelas quais a Viena finissecular surge marcada por tantos e tão contraditórios factores de complexidade. Com efeito, como propõe Emil Brix (1990), o conceito-chave para uma abordagem da Viena de 1900 é o conceito de ambivalência ou de ambiguidade. Numa perspectiva de longue durée, essa ambiguidade pode ser vista como signo de uma identidade cultural austríaca marcada pela lógica do barroco — a qual, recuando ainda mais um pouco, é inseparável da imposição violenta da Contra-Reforma no espaço habsbúrgico. Numa perspectiva de mais curto prazo, e é a esta que aqui tenho de restringir-me, a ambiguidade radica no que pode definir-se como o eclectismo cultural de uma situação de deriva das identidades em que, paradoxalmente, coexistem em estreita associação códigos de sinal muito diverso e mesmo contraditório: os códigos do público e do privado, do moderno e do antimoderno, da racionalidade científica e do jogo estético, da ordem e da violência. É esta pluralidade ambivalente e a concomitante recusa das distinções estanques e dos antagonismos polares característicos da modernidade que, apesar das muito diferentes posições em presença, as faz convergir no sentido do que Jean Clair (1986) define como a “modernidade céptica” vienense ou do que Allan Janik (1997) propôs chamar “modernismo crítico” — e é essa ambivalência que, diga-se de passagem, torna a Viena de 1900 numa das mais relevantes estações arqueológicas da pós-modernidade (Ribeiro, 1988; Le Rider, 1990). A geração da Jovem Viena está inserida em cheio nesse universo contraditório e reage sismograficamente a ele, colocada como está numa tensão insolúvel entre a perda de identidade e a procura de identidade pelos meios da arte — uma procura que está condenada a fazer-se na forma da deriva permanente para que aponta o conceito de “das Gleitende”, uma das peças-chave da poética de Hofmannsthal. O preço que esta geração é obrigada a pagar traduz-se naquele desenraizamento tão agudamente reflectido no conhecido ensaio de Hofmannsthal sobre d’Annunzio de 1893 (GW 8: 174-184).13 Como lemos nesse ensaio, o excesso de lucidez próprio da condição decadentista é, ao mesmo tempo, um excesso de cegueira: análise da vida e fuga à vida são concomitantes. Mas este diagnóstico, apesar da melancolia de que está impregnado, tem subjacente uma atitude

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Excertos deste ensaio podem ler-se em tradução em Scheidl et al., 1996: 174-177. A sigla GW, seguida da indicação do respectivo volume, refere-se à edição a partir da qual serão aqui citados os textos

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baseada nos princípios da procura e de experimentação. De facto, a absoluta contingência do sentido, em que se funda a nostalgia do sentimento de perda expresso por Hofmannsthal, representa, ao mesmo tempo, a abertura para um horizonte de possibilidade. Na figuração desse horizonte, vai caber ao motivo da violência um papel de grande importância. É deste modo que, no contexto vienense, é possível encontrar, por assim dizer, in statu nascendi a formulação de um problema que viria a assumir uma importância ancilar para o discurso da cultura do século XX. A violência é uma ameaça — desde logo, uma ameaça à própria possibilidade da linguagem —, mas é também uma forma de expandir as fronteiras do literário e de explorar novos caminhos e novas linguagens que permitam à ficção literária encenar, mesmo que precariamente, uma possibilidade de experiência e, assim, extrair sentido de uma relação com o real tornada definitivamente problemática. A lógica moderna da dissonância e da fragmentação surge, neste sentido, em estreita associação com o conceito de violência, na medida em que o sujeito que se perdeu, de acordo com a fórmula inspirada em Ernst Mach e popularizada por Hermann Bahr, encontra na atracção do abismo e na transgressão dos limites a possibilidade última de reafirmar a sua identidade fragmentada e de reconstruir uma estrutura da percepção adequada à ambivalência de uma modernidade em que todas as referências estáveis aparentemente se diluiram. O decadentismo finissecular, no seu fascínio pela fragmentação e pela desagregação, na sua entrega a fantasias de destruição, encontra na violência um ponto de referência fundamental. E, por seu lado, também a crítica ao decadentismo vai lançar mão de estratégias retóricas inseparáveis dessa mesma referência, como é mais do que visível, por exemplo, no discurso satírico de Karl Kraus. É certo que o recurso a signos de violência pode revestir um sentido puramente decorativo, como acontece nalguns autores que, por isso mesmo, não constituem hoje senão curiosidades histórico-literárias. Quando, por exemplo, no poema “Was ich liebe” (“O que eu amo”) da sua segunda colectânea lírica, Sensationen (Sensações), Felix

de Hofmannsthal: Bernd Schoeller (1979/1980), Gesammelte Werke in zehn Einzelbänder. Frankfurt am

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Dörmann escreve “Amo […] as queixosas, inquietas, / Canções do pressentimento da morte. […] Amo […] tudo o que é estranho e doente”,14 mais não faz do que dar expressão àquele baudelairismo puramente epigonal que infestou o ambiente literário finissecular e que, justamente, não desdenha cultivar o que pode chamar-se com propriedade uma espécie de satanismo em segunda ou terceira mão. A doença, a violência, a pulsão da morte como geradoras da falsa autenticidade de êxtases artificiais: o projecto literário de um autor como Hofmannsthal situa-se num plano muito diferente, mesmo se, nos primeiros anos, não deixou de pagar tributo ao espírito do tempo. No início desse projecto literário está o programa que o muito jovem Hofmannsthal formulou para si próprio da seguinte forma: “Criar abismos em si e em torno de si” (“Abgründe in sich und um sich zu machen”, GW 10: 350). Numa avaliação global, deve reconhecer-se que o escritor não haveria de manter-se fiel a este programa; no entanto, aspectos fundamentais do seu percurso literário podem ser iluminados a partir dele. É o caso, nomeadamente, daquilo a que eu chamaria o experimentalismo que marca muitas das tentativas literárias, desde a juventude, até, pode dizer-se, ao final da primeira década do século ou mesmo até ao momento da eclosão da guerra. Um experimentalismo, é bom de ver, não de sentido vanguardista, mas nem por isso, muitas vezes, menos radical do ponto de vista estético. Começarei por citar um texto pouco conhecido, porque ausente das edições correntes, escrito aos dezasseis anos e datado do 1º de Maio de 1890. Nesse dia, pela primeira vez, e tal como em muitas outras partes do mundo, comemorou-se em Viena o Dia do Trabalhador, com um cortejo das organizações operárias no Prater. O acontecimento suscitou a Hofmannsthal os seguintes versos, de tom quase apocalíptico: Se a ralé brama pelas ruas, meu filho, deixa-a gritar. Pois seu amor e seu ódio são desprezíveis e vis! No tempo que ainda nos deixem, consagremo-nos ao mais belo. Se o medo frio te ameaça, com vinho quente o expurga! Deixa a ralé pelas ruas: palavreado, delírios, mentiras, aparências, Main: Fischer Taschenbücher. 14 “Ich liebe […] die klagenden, bangen, / Die Lieder von Todesgefühl. […] Ich liebe […] alles, was seltsam und krank”.

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Desaparecem, diluem-se — só a verdade bela “vive”. (apud Lorenz, 1993: 15)15 São versos, convenhamos, que mal deixam adivinhar o futuro virtuoso da linguagem poética — mas que são, não obstante, bem significativos. O que me parece revelador é a forma como está já aqui configurada uma relação problemática com a cidade que vai atravessar como um fio condutor a obra de Hofmannsthal pode dizer-se até ao fim da vida e que ainda no último grande projecto dramático, A torre (Der Turm), surgirá na forma de uma reflexão sobre a relação entre ordem e anarquia. A cidade é o lugar do estranho, do Outro, do sem-sentido — e esse outro é, por definição, ameaçador e violento. Nos versos que citei, a luta de classes surge interpretada e recodificada de acordo com a oposição entre a fealdade de um real anárquico e a beleza de uma ordem superior. “No tempo que ainda nos deixem” — “eles” é o caos, a violência apocalíptica protagonizada pelas classes dangereuses; “nós”, por outro lado, refere-se à elite dedicada ao serviço refinado do ideal estético.16 Dois anos mais tarde, no fragmento A morte de Ticiano (Der Tod des Tizian), ocorre uma visão da cidade perfeitamente análoga: Ali mora a fealdade e a vileza E os loucos junto às bestas lá habitam; E o que a distância sábia te oculta É sórdido e turvo e futilmente cheio De seres que a beleza não reconhecem. (GW 1: 253)17 Vem ainda a propósito, entre outros passos, o seguinte excerto de uma fantasia registada num apontamento diarístico de 1894: Como é estranho por sua vez sermos talvez em Viena os últimos seres pensantes, os últimos seres inteiros, com alma, e depois vir talvez uma grande barbárie, um mundo eslavo-judeu, sensual. Pensar a Viena destruída: todos os muros ruídos, o 15

“Tobt der Pöbel in den Gassen, ei, mein Kind, so lass ihn schrei’n. / Denn sein Lieben und sein Hassen sind verächtlich und gemein! / Während sie uns Zeit noch lassen, wollen wir uns Schönerm weih’n. / Will die kalte Angst dich fassen, spül sie fort in heissem Wein! / Lass den Pöbel in den Gassen: Phrasen, Taumel, Lügen, Schein, / Sie verschwinden, sie verblassen — Schöne Wahrheit “lebt” allein.” 16 Embora, nos últimos anos, tenha vindo a ser objecto de considerável atenção, a outra Viena do fim-de-século continua de certo modo submersa sob o mito da Viena de 1900. Essa é a Viena dos miseráveis, das duríssimas condições de vida relatadas na autobiografia de Alfons Petzold, Das rauhe Leben, a cidade dos excluídos, como os imigrantes retratados pelo esloveno Ivan Cankar. 17 “Da wohnt die Häßlichkeit und die Gemeinheit / Und bei den Tieren wohnen dort die Tollen; / Und was die Ferne weise dir verhüllt, / Ist ekelhaft und trüb und schal erfüllt / Von Wesen, die die Schönheit nicht erkennen.”

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corpo interior da cidade posto a nu, as feridas enleadas em trepadeiras infindas, por todo o lado copas de árvores de um verde claro, silêncio, água murmurante, toda a vida morta; que maravilhosos panoramas e clareiras! E ser guarda numa das torres da Karlskirche que ainda se mantém de pé, e vaguear pelas ruínas, mergulhado em pensamentos que aqui já ninguém entende. (GW 10: 383)18 Há neste passo vários aspectos dignos de nota: não estamos simplesmente perante uma ruína romântica, embora alguns traços correspondam, sem dúvida, a essa matriz. O espaço da Viena destruída não se apresenta como um lugar de origem, mas antes como um cenário pós-apocalíptico. Porém, o que desperta a atenção não é apenas o sentido alegórico da radicalização do contraste entre a solidão do sujeito superior e a cidade definitivamente entregue à violência do caos. Note-se que esse caos, o fim de toda a vida, não se opõe a um conceito de beleza, pelo contrário: a destruição rasgou novas e surpreendentes perspectivas que oferecem requintadas possibilidades de fruição a este flâneur pós-histórico. Mas essa fruição é inseparável do facto de a cidade arrasada ser imaginada como um corpo ferido e exposto, exposto em inteira nudez. Que este corpo é um corpo feminino e que à visão desse corpo subjaz a imagem da violação, parece-me evidente e torna-se ainda mais plausível se trouxermos à memória outros passos análogos. Lembre-se, por exemplo, a forma como é narrada em “História de cavalaria” a entrada do corpo militar pela cidade totalmente indefesa de Milão, uma narração construída nitidamente de acordo com a polaridade masculino-feminino.19 Mas talvez a figuração mais explícita dessa violenta feminização da cidade se encontre num passo de Veneza salva (Das gerettete Venedig), um drama concluído em 1904. Refiro-me a uma fala de Pierre, no momento em que, desdobrando perante si o mapa da cidade, louva o plano militar dos sediciosos: Aí está ela, entregue às nossas mãos, 18

“Wie merkwürdig auch das wieder ist, daß wir vielleicht in Wien die letzten denkenden, die letzten ganzen, beseelten Menschen überhaupt sind, daß dann vielleicht eine große Barbarei kommt, eine slavisch-jüdische, sinnliche Welt. Das zerstörte Wien zu denken: alle Mauern verfallen, der innere Leib der Stadt bloßgelegt, die Wunden mit unendlichem Schlingkraut übersponnen, überall lichtgrüne Baumwipfel, Stille, plätscherndes Wasser, alles Leben tot; welch wundervolle Fern- und Durchsichten! Und Wächter zu sein in einem der Trajanstürme vor der Karlskirche, der noch aufrecht steht und mit Gedanken, die hier keiner mehr versteht, zwischen den Ruinen herumzugehen.” 19 Este conto, tal como “O conto da 672ª noite” adiante referido, pode ler-se, em tradução portuguesa de Maria António Hörster, na colectânea Histórias com tempo e lugar. Prosa de autores austríacos (1900-1938), Mem Martins, Europa-América, 1982.

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A meretriz do Adriático! Olhai pra ela, Como sobre as suas ilhas, quais coxins, Se retorce e os peitos e o pescoço Abandona ao fresco mar, tão aberta A todo o golpe ousado e fero — Deus meu! Fosse hoje e não amanhã que a Forçássemos, tal nos astros tão bem Está já marcado como marcadas estão As portas do seu corpo neste belo mapa. (GW 2: 310)20 As alusões à violência sexual não podiam ser mais explícitas. Note-se que Veneza não é aqui figurada simplesmente como mulher, mas, de modo muito explicíto, como prostituta. Não posso desenvolver neste contexto as extensas implicações da imagem da prostituta na cultura finissecular, mas não deixarei de fazer duas observações. Em primeiro lugar, chamo a atenção para o valor de posição dessa imagem nas teses antifeministas de Otto Weininger, as quais, como é sabido, assentam numa concepção da diferença sexual como marcada por um brutal antagonismo (e lembro que Geschlecht und Charakter foi publicado em 1903 e veio a constituir de imediato um autêntico bestseller). Em segundo lugar, é importante referir de que maneira a imagem da prostituta se transforma num signo cultural. É justamente enquanto mercadoria que o corpo da mulher se oferece à violência do olhar masculino como disponível para incarnar todas as suas fantasias de poder; deste ponto de vista, é um signo vazio, uma realidade desmaterializada, simples projecção do inconsciente masculino. Mas, por outro lado, como se lê no capítulo 12 de Sexo e carácter, “a mulher nada é e por isso, só por isso, a mulher pode ser tudo” (Weininger, 1980: 394). Por outras palavras: na sua máxima reificação, esse corpo/signo universalmente disponível mantém-se impenetrável e devolve ao olhar masculino um outro olhar — o olhar esfíngico e fatal da Medusa. Com estas observações, só aparentemente me afastei do meu tema. Dir-me-ão que a fala que citei pertence a uma personagem de um drama. É verdade, como é evidente; mas o que ela, de modo particularmente drástico, põe em cena toca no núcleo mesmo da poética de Hofmannsthal.

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“Da liegt sie, unsern Griffen ausgeliefert, / Die adriat’sche Metze! Schaut sie an, / Wie sie auf ihren Inseln wie auf Kissen / Sich windet und die Brüste und den Hals / Preisgibt dem kühlen Meere, wie so offen / Für jeden kühnen wilden Stoß — Herrgott! / Wärs lieber heut als morgen, daß wir die / Gewalt

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A crítica ao esteticismo, como há já uns bons cinquenta anos mostrou Richard Alewyn, define desde cedo o percurso dessa poética. A recusa de soluções puramente estéticas para a crise do sujeito obriga uma posição que, como vimos há pouco, começa por ser essencialmente defensiva e ensimesmada a abrir-se ao fascínio e à ameaça da relação com o Outro, como base da reconstrução desse eu irremediavelmente perdido. Este processo vai desenrolar-se em duas vertentes indissociáveis: a abertura para o estranho, o exterior, que comecei já a abordar a partir do tópico da relação com a cidade, e, por outro lado, o refinamento da capacidade de auto-reflexão até ao ponto em que o sujeito se vê a si próprio como um estranho. No texto de 1891, com o título, muito irónico, “Age of Innocence”, em que, autobiograficamente, se persegue o desenvolvimento da relação da criança com o mundo, descreve-se como esse desenvolvimento culmina na aquisição da “embaraçosa habilidade de se tratar a si próprio como um objecto” (GW 8: 23). No ensaio de 1893 sobre d’Annunzio, um dos atributos da geração da Décadence é referido como “o dom inquietante da duplicação de nós próprios” (GW 8: 175), um dom que, evidentemente, não deve interpretar-se num sentido existencial, mas sim como parte de uma estratégia literária. E, finalmente, relembre-se apenas o espantoso verso do poema “Sobre a transitoriedade” (“Über Vergänglichkeit”) em que o sujeito poético escreve sobre a distância em relação ao seu próprio eu, “O meu próprio eu […] / para mim, como um cão, perturbadoramente mudo e estranho” (GW 1: 21).21 Este único verso poderia ocupar-nos por largo espaço. O simples advérbio “unheimlich”, dificilmente traduzível, é pleno de ressonâncias, como as que viriam a ser exploradas por Freud no estudo “Das Unheimliche”, de 1919. Este estudo, entre outros aspectos, trabalha o motivo do desdobramento da personalidade, na forma do Doppelgänger ou noutras formas análogas, um motivo bem presente neste verso e tão importante para o conjunto da obra de Hofmannsthal — e basta pensar nesse texto central que é o fragmento de romance Andreas. Mas restringirei a minha análise ao símile “como um cão”. A imagem do cão —num estudo sobre a metafórica animal em Hofmannsthal, ihr antun, die schon in den Sternen / So gut verzeichnet ist als jeder Zugang / Zu ihrem Leib auf dieser braven Karte.” 21 “Mein eigenes Ich […] / Mir wie ein Hund unheimlich stumm und fremd”.

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Renate Böschenstein (1993) tece algumas observações muito sugestivas a este respeito — remete muito directamente para a esfera do inconsciente, para o universo mudo das pulsões, e é uma imagem cuja associação ao topos da violência é evidente. “Cão” — também Electra assim se designará a si própria enquanto incarnação viva do sangue de Agamemnon, derramado com uma violência animal — “hündisch vergossen”.22 Assim, o intervalo entre mim e mim tão nitidamente inscrito no verso de Hofmannsthal — esse intervalo que é condição da existência estética — implica, ao mesmo tempo, uma nítida ressonância de ameaça, está estruturado na forma de uma relação potencialmente destrutiva. Abundam na obra de Hofmannsthal exemplos do carácter destrutivo da relação com o Outro. Mas essa relação é sempre representada como ambivalente, isto é, como não marcada por limites nítidos e por fronteiras bem definidas. Fixemo-nos brevemente em “O conto da 672ª noite”. A maioria dos estudos críticos interpreta este texto de 1895 como uma alegoria da condição do esteta, uma espécie de correlato narrativo de O louco e a morte (Der Tor und der Tod): a saída para o exterior da esfera resguardada da arte revela-se fatal para o protagonista, a “vida” vinga-se dele e vinga-se de maneira violenta e cruel — diferentemente de Claudio, o protagonista de Der Tor und der Tod, para quem a morte se traduz num momento dionisíaco, a morte do filho do comerciante é sórdida e abjecta, inteiramente sem sentido. Mas esta interpretação, não sendo incorrecta, é, claramente, insuficiente: de facto, é decisivo entender que, na economia da narrativa, a relação entre o belo e o feio, entre a aparência estética e a realidade exterior da “vida”, ou, para regressar aos tópicos orientadores das presentes reflexões, entre ordem e violência, não é uma relação de simples antagonismo, mas antes de inextricável simbiose. Como sublinha Waltraud Wiethölter (1990: 26), em “O conto da 672ª noite”, aquilo que é estranho, “unheimlich”, não é dissociável da esfera do que é familiar, “heimlich”, e é, justamente, a irrupção da ameaça do estranho a partir do próprio seio do aparentemente seguro e familiar que constitui a marca narrativa da ambivalência de uma identidade que, como pode ler-se recorrentemente no nosso autor, está sempre dividida perante a ameaça dos “abismos inconscientes da alma”.

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“Como um cão” são, recorde-se, também as últimas palavras de Josef K., no final d’O processo.

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Vem a propósito referir que, numa importante carta a Richard Beer-Hofmann de 15 de Maio de 1895, Hofmannsthal deixa claro que a solução para esse medo do inconsciente não pode ser a solução romântica: “Nós somos demasiado críticos” escreve, “para vivermos num mundo de sonho, como os românticos” (Hofmannsthal/BeerHofmann, 1972: 47). De facto, parafraseando Roland Barthes, pode dizer-se que o programa estético de Hofmannsthal, e este é um vector essencial da sua modernidade, não visa exprimir o inexprimível, mas sim inexprimir o exprimível, no sentido em que não se exige ao texto a busca do inefável, mas, antes pelo contrário, se parte da esfera do aparentemente corrente e mesmo banal para, repetidamente, deixar que se abram os abismos ocultos nessa superfície enganadora. E neste aspecto, saliente-se, as narrativas de Hofmannsthal não deixam de sugerir um paralelismo evidente com o que viria a ser a estratégia literária kafkiana. A irrupção da violência do estranho é discernível com ainda maior clareza em “História de cavalaria”, um texto de 1899. A narrativa inicia-se num estilo de crónica de nítida ressonância kleistiana. Os acontecimentos que preenchem o dia de um corpo de cavalaria austríaco participante na repressão da revolta nacionalista do Norte de Itália contra os Habsburgos em 1848 vão-se sucedendo numa sequência ordenada, culminando na entrada triunfal por uma Milão aberta e indefesa a que já atrás fiz referência. No momento, contudo, em que o sargento Anton Lerch abandona o seu lugar no esquadrão e assume, assim, a sua individualidade, vai assumir também as consequências destrutivas dessa decisão. O tempo da narração torna-se agora mais lento e o fulcro da narrativa desloca-se para o universo interior de Lerch. A partir deste ponto, a narrativa organiza-se, por assim dizer, na forma do vórtice, uma imagem que, assinale-se, pouco mais tarde, num passo decisivo da “Carta de Lord Chandos (“Ein Brief”), havia de servir a Hofmannsthal para definir a incomensurabilidade da relação do sujeito com a linguagem. Significativamente, o que faz o sargento separar-se por momentos do esquadrão é a visão de uma mulher cujas feições julga reconhecer. Seria pertinente regressar agora às minhas observações de há pouco sobre a função da imagem da prostituta como simultâneo objecto da violência do olhar masculino e signo de uma ameaçadora e incontrolável alteridade. De facto, é este encontro que permite ao sargento libertar as suas pulsões, dando corpo a fantasias em que o poder e a sexualidade se confundem; mas o

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momento da plena afirmação do eu corresponde ao momento em que esse eu masculino se tornou vulnerável. De volta ao esquadrão, Lerch deixou de ser uma simples peça da máquina militar e segue o seu próprio percurso, em que se vai adensando o ambiente de ameaça, até à catástrofe (nesse percurso, recorde-se, adquire um relevo central o atravessamento da misteriosa aldeia, construído narrativamente em claro contraponto da entrada por Milão, e o posterior encontro com a figura do duplo). . Apesar desse progressivo adensamento, a morte do sargento surge de modo abrupto — e muitos leitores, a começar por um dos primeiros, Otto Brahm, fizeram disso motivo de crítica, a meu ver, injustificada. A verdade é que nada na sequência narrativa até este momento fazia prever essa morte — uma morte repentina e brutal, sem explicação aparente. A pergunta formulada por Richard Alewyn e, na esteira dele, por parte da crítica — “porque é que o sargento Anton Lerch tem de morrer?” — revela-se irrespondível no plano da pura motivação narrativa. É significativo como Benno von Wiese (1962) tenta ainda interpretar “História de cavalaria” segundo um modelo catártico que, e neste aspecto há uma grande unanimidade crítica, o texto claramente não consente. Com efeito, não há lugar aqui para qualquer forma de catarse. Pelo contrário, nada há de reconfortante no texto, o que fica no final é uma aguda interpelação e uma suspeita inquietante quanto à possibilidade do sentido, uma vez que o princípio da ordem ficou exposto em toda a sua precariedade. Em última análise, responderia eu, Lerch tem que morrer para que possa ser posta em cena a essencial vulnerabilidade do sujeito, confrontado com uma realidade por definição fugidia. E é necessário que a sua morte surja como uma irrupção inesperada para que a relação simbiótica entre ordem e violência receba uma configuração capaz de mostrar de modo irrefutável a perturbadora proximidade entre ambos os termos. Essa mesma relação vai ser formulada com quase assustadora nitidez num passo central do ensaio “A conversa sobre poemas” (“Das Gespräch über Gedichte”), de 1903. No início deste ensaio, surgia já um passo muito significativo, formulado de um modo que torna bem claro como se trata de uma antítese consciente da fórmula de Novalis nos Blütenstaub-Fragmente sobre o “caminho misterioso” “para dentro”:

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Se queremos encontrar-nos, não devemos descer para o interior de nós próprios: é lá fora que poderemos encontrar-nos, lá fora. (GW 7: 497)23 E, páginas adiante, podemos então ler uma sequência em que Hofmannsthal oferece uma espécie de narrativa mítica da origem da poesia, a partir do ritual do sacrifício. De acordo com o autor, o primeiro homem que ofereceu um sacrifício fê-lo no momento em que, sentindo-se abandonado pelos deuses, estava prestes a erguer a mão contra si próprio. Mas, em vez disso, ocorre-lhe subitamente fazer-se substituir pelo animal. E ouçamos a sequência do ensaio: E este animal, esta vida, esta vida a respirar no escuro, de sangue quente, tão próxima, tão familiar — de repente, o animal sentiu a faca palpitar-lhe na garganta, e o sangue quente correu ao mesmo tempo pela lã do animal e pelo peito, pelos braços do homem abaixo: e, por um momento, enquanto um som de triunfo voluptuoso saído da garganta deste se misturava com os gemidos de agonia do animal, ele seguramente sentiu a volúpia da exaltação do ser como se fosse o primeiro estertor da morte: por um momento, ele seguramente morreu no animal, só assim o animal podia morrer por ele. […] De futuro, o animal morreu uma morte sacrificial simbólica. Mas tudo dependia do facto de também ele ter morrido no animal, por um momento. Do facto de o seu ser, durante o tempo de um suspiro, se ter dissolvido no ser estranho. — É esta a raiz de toda a poesia. (GW 7: 502-3)24 Não me deterei aqui na crítica devastadora de Adorno a esta tese, que apoda como “teoria sanguinária” e em que observa “as sombrias possibilidades políticas do neo-romantismo” (Adorno, 1963: 227) — uma crítica que, no essencial, considero muito justa. O que me interessou mostrar foi a total coerência interna da teoria e da prática estéticas de Hofmannsthal e o modo como a violência, enquanto forma de mediação entre o sujeito e o mundo está inscrita no próprio cerne dessa teoria e dessa prática. De uma perspectiva em que é necessário reconhecer a nítida marca masculina, a criação é definida

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“Wollen wir uns finden, so dürfen wir nicht in unser Inneres hinabsteigen: draußen sind wir zu finden, draußen.” 24 “Und dieses Tier, dieses Leben, dieses im Dunkel atmende, blutwarme, ihm so nah, so vertraut — auf einmal zuckte dem Tier das Messer in die Kehle, und das warme Blut rieselte zugleich an dem Vließ des Tieres und an der Brust, an den Armen des Menschen hinab: und einen Augenblick lang, während ein Laut des wollüstigen Triumphes aus seiner Kehle sich mit dem ersterbenden Stöhnen des Tieres mischte, muß er die Wollust gesteigerten Daseins für die erste Zuckung des Todes genommen haben: er muß, einen Augenblick lang, in dem Tier gestorben sein, nur so konnte das Tier für ihn sterben. […] Das Tier starb hinfort den symbolischen Opfertod. Aber alles ruhte darauf, daß auch er in dem Tier gestorben war, einen Augenblick lang. Daß sich sein Dasein, für die Dauer eines Atemzugs, in dem fremden Dasein aufgelöst hatte. — Das ist die Wurzel aller Poesie.”

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neste passo como um acto violento. Através do sacrifício, o homem exorciza o pavor mítico perante o Outro, mas, ao mesmo tempo, isso revela-lhe em que medida depende da proximidade desse Outro e como é precária a sua identidade. O sacrifício é, assim, simbolicamente, um auto-sacrifício e esse executante que morre sem morrer revela-se como a imagem adequada para o “poeta camaleónico”, a figura colhida em Keats que constitui para Hofmannsthal o modelo do artista. Foi, seguramente, em Elektra que Hofmannsthal levou até às consequências mais extremas a demonstração prática de uma poética da violência. Permitam-se-me, pois, ainda algumas demasiado breves observações sobre este drama, que, projectado como adaptação de Sófocles, acabaria por resultar num texto inteiramente autónomo e espantosamente moderno. Hermann Bahr revelaria que a impressão mais forte que recebera da leitura de Elektra fora a renovada consciência do “perigo de morte que ameaça permanentemente toda a cultura” (apud Worbs, 1983: 271). É evidente que, não sei se como bom leitor, mas como leitor assíduo de Nietzsche, Bahr captou de imediato de que maneira a Grécia de Hofmannsthal nada tinha a ver com a imagem entronizada no espaço de língua alemã pela Klassik. De facto, sabemos por testemunho directo do próprio autor que o drama foi concebido, literalmente, como uma “anti-Ifigénia”; o que nele se projecta é a imagem de uma Grécia arcaica, anti-humanista, dionisíaca, claramente inspirada por O nascimento da tragédia de Nietzsche. Também O direito matriarcal, de Johann Jakob Bachofen, ou Psyche, de Erwin Rohde, foram obras de referência. Não menos importante é a presença de Freud — mas, note-se, um Freud antes da Psicanálise, o Freud dos Estudos sobre a histeria, publicados em 1895 e escritos de parceria com Joseph Breuer. De facto, como salienta Michael Worbs, a descrição clínica do célebre caso de Anna O. subjaz nitidamente aos contornos fundamentais da figura de Electra. Terei de limitar-me a algumas observações sobre a construção dessa figura. É na figura de Electra, no corpo histerizado da mulher, que Hofmannsthal projecta e leva até às últimas consequências o essencial da sua visão sobre a relação entre poesia e violência. A mulher histérica surge como o outro da cultura, mas surge de uma forma cuja ambivalência revela como esse outro não é senão a face oculta de uma identidade perpetuamente ameaçada. É assim que a personagem está desenhada com traços muito

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ambíguos. No apego de Electra à memória, na preservação ritual da lembrança do crime, que a demarca de todo o universo circundante, reside uma dimensão de humanidade (“eu não sou um bicho, não sou capaz / de esquecer!”, GW 2: 195);25 mas, por outro lado, essa impossibilidade de esquecer, a obsessão da vingança e a incapacidade de fazer o trabalho do luto roubam-lhe a humanidade e bestializam-na (“eu sou como um cão”, pode ler-se repetidamente). A marca mais importante desta animalização da figura é a relação com o tempo. De facto, para Electra, o tempo parou no momento traumático do assassínio do pai; o seu discurso está recheado de referências a essa morte no presente, ela está condenada a reencenar permanentemente o crime e fá-lo numa espécie de presente absoluto que não conhece passado nem futuro e em que o assassínio de Agamemnon se confunde fantasmaticamente com o momento ansiado da vingança. A sucessão coerente do tempo como referência de sentido não existe para ela; aliás, nada existe para ela, a não ser a obsessão da morte — toda a sua individualidade, pode dizer-se, foi devorada pelo Todestrieb. É assim que o universo dramático corresponde a um mundo petrificado, um mundo pós-histórico em que se perdeu a possibilidade do sentido, substituída pela imanência dos corpos e da violência a que estes estão entregues — e pense-se como todo o drama está dominado pela imagem do sangue, na qual nascimento e morte se confundem. É relativamente corrente ver em Electra uma femme fatale, uma interpretação com que estou em franco desacordo. Defendo, pelo contrário, que a personagem é construída pelo drama de Hofmannsthal como um ser andrógino, pela identificação, pode dizer-se postumamente incestuosa, que mantém com o pai assassinado. Em Electra (e a clarificação deste ponto é a essencial função dramática do diálogo com Crisótemis) toda a pulsão de Eros se transferiu para a ordem de Tânato, transformando-a num ser assexuado, ou melhor, um ser em que a pulsão sexual está canalizada por inteiro para um impulso de destruição — e, acrescente-se, de autodestruição. A intimidade com o ódio substituiu o destino de mulher por que anseia Crisótemis (“eu sou mulher / E quero um destino de

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“Ich bin kein Vieh, ich kann nicht / vergessen!”

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mulher”, GW 2: 194)26 e transformou Electra, cujo olhar ninguém consegue suportar, numa figura à imagem da Medusa. É determinante ter em conta que a personagem existe no plano da linguagem, e não da acção — a sua única arma é a palavra. Logo a abrir o drama, temos a menção pelas criadas dos seus gritos terríveis que, ritualmente, se repetem à hora do anoitecer. De certo modo, o drama inteiro em mais não consiste do que na amplificação e prolongamento desses gritos. As falas de Electra estão inteiramente dominadas por imagens de destruição e são a materialização verbal da pulsão da violência. Daí o carácter literalmente inaudito da linguagem dramática e o recorte, de uma inusitada dureza, do pentâmetro jâmbico utilizado por Hofmannsthal, nos antípodas, por exemplo, dos dramas líricos da juventude. Um problema interessante suscitado logo na época da estreia por Maximilian Harden diz respeito à função de Orestes. Reflectindo sobre esta questão, Hofmannsthal concorda com a opinião de Harden de que a lógica da construção dramática seria mais sólida se Orestes de todo não aparecesse; Orestes, escreve o autor, é um simples adereço, embora, acrescenta, um adereço indispensável.27 Isto só pode querer dizer que, para o drama de Hofmannsthal, não é o acto da vingança que é determinante. O que é determinante é o desdobramento do discurso de Electra, e a possibilidade de, através dele, manifestar a intensidade de uma experiência limite. No final, Electra consumiu-se por inteiro na consumação da vingança. Os célebres versos, “Quem está feliz como nós, uma só coisa lhe convém: / calar-se e dançar!” (GW 2: 234)28 de modo nenhum traduzem aquela “volúpia da exaltação do ser” que, na “Conversa sobre poemas” há pouco citada, Hofmannsthal associa ao êxtase sacrificial. Não há aqui lugar para qualquer forma de catarse: na verdade, não assistimos ao triunfo da heroína, mas sim à sua autodestruição. Se alguém a quem nunca faltaram as palavras como Electra propõe agora o silêncio, isso só aparentemente traduz um estado de plenitude. Tal como o trauma reduzira a personagem a uma unidimensionalidade histérica, fixada na ideia da vingança, assim também a linguagem se concentrara na exclusiva função de conjurar a destruição e a morte. Atingido o momento da vingança, a 26

“ich bin ein Weib / Und will ein Weiberschicksal”. Cf. a carta de 12 de Outubro de 1903 a Christiane Thun-Salm (apud Hofmannsthal, 1997: 309). 28 “Wer glücklich ist wie wir, dem ziemt nur eins: / schweigen und tanzen!” 27

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linguagem atingiu o limite — mas também Electra atingiu o limite. Note-se que a dança, diferentemente do que querem muitas interpretações correntes, não traduz o êxtase dionisíaco. O convite à dança é concomitante com a demonstração cénica da sua impossibilidade. De facto, ninguém acompanha Electra, não há um grupo bacântico, mas apenas a figura solitária da heroína perante a incompreensão dos circunstantes. E nem se trata, aliás, de uma verdadeira dança. A plenitude dionisíaca surge aqui, não realizada, mas simplesmente mimada; dito de outro modo, essa plenitude já só pode ser convocada no modo da citação. Aliás, como nota Juliane Vogel (1997), os movimentos assinalados nas rubricas cénicas finais correspondem muito de perto às descrições de estados de histeria que se encontram, nomeadamente, nas histórias clínicas de Charcot. Aos poucos passos compulsivos que Electra consegue dar — “no máximo de tensão”, como reza a rubrica cénica — segue-se a queda e segue-se o nada. “The rest is silence”. Mas este silêncio é definitivo, nada no drama aponta para a possibilidade catártica da regeneração. Assim, a visão cósmica da tragédia clássica cedeu o passo ao dilaceramento de uma modernidade fragmentada. Que a ameaça irrefragável e violenta do caos seja figurada através do corpo histérico da mulher, eis o que, como há pouco pude já referir, é inteiramente característico do universo estético finissecular. Não cabem na economia do presente texto nem um desenvolvimento exaustivo das incidências do tópico da violência em Hofmannsthal, nem uma referência pormenorizada ao conjunto de outras obras e autores relevantes. Limitar-me-ei, assim, simplesmente a identificar, de forma muito perfunctória e quase telegráfica, algumas das posições que seria pertinente desenvolver, assim fosse mais amplo o espaço à minha disposição. No estrito âmbito da Jovem Viena, a obra de Arthur Schnitzler é, depois de Hofmannsthal, a que oferece mais aspectos de interesse para o meu tema. Pode dizer-se que um dos essenciais fios condutores dessa obra consiste na denúncia da violência oculta por detrás da fachada das convenções sociais. A essencial amoralidade como traço dominante das relações sociais é um tópico desenvolvido, desde Anatol, ao longo de toda a obra dramática, mas também da obra narrativa — e basta pensar numa novela tardia como A menina Else. Essa amoralidade é a fonte de uma essencial incomunicação, que define relações humanas empobrecidas, tendencialmente destrutivas e/ou autodestrutivas. É este também o sentido da problematização de uma personagem como Georg von Wergenthin,

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em O caminho para a liberdade, um romance que traça um amplo quadro de desintegração social. Também aqui a perda das referências e a crise de identidade tem um dos seus signos mais poderosos na violência, se bem que em Schnitzler esta seja mais frequentemente representada como latente do que como manifesta. Mas bastaria uma pequena obra-prima como O tenente Gustl, escrita em 1900, para fornecer suficiente matéria de reflexão relativamente ao meu tema.29 Com esta novela, Schnitzler produziu uma caricatura satírica do tema finissecular da crise de identidade e da relação problemática entre o sujeito e o mundo. A pobreza da personalidade do tenente, o seu narcisismo exacerbado, traduzem-se num psiquismo essencialmente regressivo cujo único ponto de referência estável são a instituição castrense e os códigos de comportamento militares e cujo universo pulsional está dominado pela agressão. Não espanta que o horizonte de utopia de uma personagem como esta se esgote por inteiro no desejo da guerra. E, assim, o psicograma de Gustl, cuja violência satírica é enormemente potenciada pelo uso pioneiro do monólogo interior, é, ao mesmo tempo, um estudo micro-sociológico que, visto retrospectivamente, revela uma extraordinária pertinência analítica, como retrato vivo de uma sociedade em desagregação — e o signo essencial para esta desagregação está na violência que estrutura o universo de comunicação dessa sociedade. No âmbito ainda da Jovem Viena, não é, contudo, Schnitzler quem está mais próximo dos termos do problema tal como os analisei em Hofmannsthal — tanto Leopold von Andrian como Richard Beer-Hofmann oferecem elementos de comparação mais directamente relacionáveis. Em ambos, com referência especial a A morte de Georg (Der Tod Georgs), de Beer-Hofmann, e O jardim do conhecimento (Der Garten der Erkenntnis), de Andrian, haveria que abordar, sobretudo, o motivo da morte e a forma como este motivo é tratado: como princípio de radical alteridade inacessível à lógica da estetização, como princípio simbolizador da estranheza ameaçadora que o mundo constitui para o sujeito, como espaço de violência que põe em causa as ficções de harmonia e de unidade. Andrian, em particular, trata este aspecto recorrendo ao motivo do duplo, tão caro ao autor de Andreas — é sabido, aliás, como Hofmannsthal viu em

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Der Garten der Erkenntnis um texto extremamente próximo das suas próprias preocupações. Saindo do âmbito restrito da Jovem Viena, teríamos, antes de mais, de reservar um lugar determinante a Robert Musil, com relevância especial, evidentemente, para Die Verwirrungen des Zöglings Törless. Estamos aqui muito longe da utopia daquele “outro estado” que constitui um tema essencial da segunda parte de O homem sem qualidades, um estado, recorde-se, definido pela possibilidade sem limites de comunicação. O romance de 1906, pelo contrário, traça um quadro extremamente sombrio das relações sociais, constituindo, no fundamental, um estudo sobre a vontade de poder em que pode ver-se um confronto muito directo com as ideias de Nietzsche (Horn, 1996). Trata-se de um anti-Bildungsroman, o que já em si traduz a desagregação da perspectiva humanista. No microcosmos do internato, Musil põe, de facto, em cena o lado sombrio da aparente ordem social e mostra como essa ordem se funda, afinal, na intrínseca amoralidade da violência. A dialéctica do carrasco e da vítima é analisada nas suas diferentes configurações, através das personagens de Törless, Reiting e Beineberg e da sua relação com Basini. Essas configurações não estão dadas de antemão, antes são produzidas socialmente, e é isto que as sucessivas situações narrativas demonstram. Törless representa, de certo modo, o lugar geométrico em que se cruzam, latentes, várias possibilidades. No final, o que ele aprendeu foi que a aquisição de um lugar social significa ocupar uma posição no seio das relações de poder. Em última análise, a sua atitude é a atitude autocentrada do esteta: a violência e o sofrimento alheio são encarados por Törless, numa perspectiva inteiramente amoral, como simples meios para estruturar a sua identidade psico-social. Entende-se bem por que razão, num apontamento diarístico de 1937, Musil anotaria que o romance analisa antecipadamente “as bases pulsionais do Terceiro Reich”; as personagens de Reiting e de Beineberg, representam “os ditadores de hoje in nucleo” (Musil, 1983: 914). Mas não caberá também Törless nesta categoria? Usei há pouco, em relação a Schnitzler, o conceito de violência satírica. No contexto que tenho vindo a tratar, o representante mais acabado desse conceito é,

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Esta obra de Schnitzler pode ler-se, em versão portuguesa de Idalina Aguiar de Melo, na

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evidentemente, Karl Kraus. De facto, a sátira representa um dos modos literários em que a questão da violência se põe mais directamente, desde logo por se tratar de um modo de discurso estruturado pela dinâmica da agressão. A sátira, na formulação já clássica de Jürgen Brummack (1971: 282), pode definir-se simplesmente como “uma agressão socializada por meios estéticos”. Trata-se, por isso, de um modo de discurso cuja legitimidade, ao longo da história, tem sido repetidamente posta em causa. Tradicionalmente, e este é também um padrão argumentativo recorrente no discurso krausiano, a resposta a essa suspeita permanente situa-se no plano ético: a violência da sátira legitima-se como a única resposta adequada à violência da realidade que lhe cabe denunciar. No universo literário da modernidade vienense, Karl Kraus situa-se, sem dúvida, nos antípodas de Hofmannsthal. Não cabe aqui sequer esboçar a questão complexa, ainda mal estudada, das relações entre as respectivas obras. Mas o problema da violência teria, sem dúvida, de constituir um elemento muito importante dessa comparação. Referirei apenas um texto, absolutamente central, a sátira de 1909 “A muralha da China” (“Die chinesische Mauer”). Aqui, a violência extrema do discurso satírico legitima-se pela denúncia de uma cultura baseada na repressão da natureza, figurada na sátira pelo motivo da sexualidade. Trata-se verdadeiramente de um texto precursor da Dialéctica da Aufklärung. O processo da modernidade é nele analisado como baseado na violência do recalcamento e da exclusão, expressa nas várias polaridades entre o eu e o outro que esse processo construiu: entre o branco e o negro, ou o amarelo, entre o civilizado e o bárbaro, entre o homem e a mulher. É a revolta desse outro colonizado que o texto de Kraus celebra e a violência é o signo do fracasso dessa colonização. A inversão das polaridades representa uma ruptura radical na ordem da significação e nas referências identitárias que definem a cultura da modernidade e representa a proposta utópica de uma ordem cultural não reguladora, mas emancipadora. Assim, a frase-chave do texto — “E seja bem-vindo o caos; pois que a ordem fracassou!” (“Und das Chaos sei willkommen; denn die Ordnung hat versagt!”) (Kraus, 1987: 292) — aponta num sentido que pode dizer-se programático,

colectânea Histórias com tempo e lugar, já atrás citada.

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e não é por acaso que este pensamento iria aflorar repetidamente na Teoria estética de Adorno. Com estes breves apontamentos, de modo nenhum ficou esgotado o espectro dos autores relevantes para o meu tema. Outras referências, não menos importantes, poderiam e deveriam ser acrescentadas: desde logo, a lírica de Georg Trakl; mas igualmente Alfred Kubin, com o romance fantástico O outro lado (Die andere Seite); Oskar Kokoschka, com o drama Assassino esperança de mulheres (Mörder Hoffnung der Frauen), que Georg Jäger (1982) analisa como um exemplo avant la lettre do teatro da crueldade; e Franz Kafka, evidentemente, mas também autores menos conhecidos, como Otto Stoessl ou Robert Müller. Aqui ficam, simplesmente, estes nomes, como outras tantas balizas de uma navegação que haverá de prosseguir.

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