Uma abordagem analítico-interpretativa do Concerto 1990 para Contrabaixo e Orquestra de Ernst Mahle

May 27, 2017 | Autor: Antonio Arzolla | Categoria: Performance, Musica Brasileira, Contrabaixo
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UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES MESTRADO EM MÚSICA BRASILEIRA

UMA ABORDAGEM ANALÍTICO-INTERPRETATIVA DO CONCERTO 1990 PARA CONTRABAIXO E ORQUESTRA DE ERNST MAHLE

ANTONIO ROBERTO ROCCIA DAL POZZO ARZOLLA

RIO DE JANEIRO, 1996

UMA ABORDAGEM ANALÍTICO-INTERPRETATIVA DO CONCERTO 1990 PARA CONTRABAIXO E ORQUESTRA DE ERNST MAHLE

por Antonio Roberto Roccia Dal Pozzo Arzolla

Dissertação submetida ao Programa de Mestrado em Música Brasileira do Centro de Letras e Artes da UNI-RIO, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre sob a orientação da Profª. Saloméa Gandelman

Rio de Janeiro, 1996

RESUMO

Ernst Mahle, alemão de nascimento, descobriu no Brasil sua vocação para o ensino musical, tornando-se depois compositor, a partir da necessidade de criar um repertório brasileiro para instrumentos de orquestra, para uso dos alunos da Escola de Música de Piracicaba, instituição que fundou e mantém há mais de 40 anos. A obra didática de Bartók influenciou-o quanto ao uso do folclore e do modalismo, características presentes na sua música, além do domínio de técnicas modernas de composição. A sua preocupação didática reflete-se ainda na postura estético-filosófica neoclássica e na escrita altamente idiomática de suas peças para contrabaixo e para quaisquer instrumentos, aproximando-as do conceito da Gebrauchsmusik (“música funcional”) associado a Hindemith. O “Concerto 1990 para contrabaixo e orquestra” de Ernst Mahle, um dos poucos exemplos do gênero na música brasileira, apresenta, além das características gerais já mencionadas, uma exploração consciente do virtuosismo e dos recursos tímbricos do contrabaixo, servindo de modelo para a utilização do instrumento pelos compositores. A proximidade com o compositor, o levantamento de informações biográficas e estilísticas, o conhecimento das suas obras para contrabaixo, a experiência das execuções anteriores do concerto e a análise de suas características técnicas e composicionais possibilitaram um estudo interpretativo abrangente, envolvendo todos os aspectos da performance.

ABSTRACT

The German-born Ernst Mahle discovered in Brazil his vocation for teaching music, later becoming a composer, since it was necessary to create a Brazilian repertoire for orchestral instruments, to be used by the students of the Escola de Música de Piracicaba, a institution he founded and has been supporting for forty years. Bartok's pedagogical works influenced him upon the usage of folklore and modalism, characteristics that are still present in his music beside the knowledge of other modern compositional techniques. His didactic preoccupation reflects furthermore a neoclassical esthetical/philosophical posture and a highly idiomatic writing in his pieces for the double bass as well as for any other instrument, approaching the concept of Gebrauchsmusik (“utility music”) related to Hindemith. Ernst Mahle’s “Concerto 1990”, one of the few examples of its genre in Brazilian music, displays, besides the already mentioned general characteristics, a conscious exploitation of virtuosity and timbrical resources of the double bass, serving as a model for the utilization of the instrument by composers. The close relationship with the composer, the search for biographical and stylistic information, the knowledge of his works for double bass, the experience from the previous performances of the concerto and the analysis of its technical and compositional characteristics made possible a broad interpretation study, which involved all performing aspects.

ARZOLLA, Antonio Roberto Roccia Dal Pozzo Uma abordagem analítico-interpretativa do Concerto 1990 para contrabaixo e orquestra de Ernst Mahle. Rio de Janeiro. UNI-RIO, Centro de Letras e Artes, 1996. 220 fl. Dissertação de Mestrado em Música Brasileira.

1. Música brasileira 2. Práticas interpretativas (performance) 3. Contrabaixo

A Ernst Mahle, que muito tem feito pelo contrabaixo e pela música brasileira, como compositor e educador

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, profª. Saloméa Gandelman, pela dedicação; à minha esposa Voila Marques, pelo incentivo e pelo afeto; à minha mãe Carolina, pelo carinho e pelo apoio à minha escolha profissional; ao casal Ernst e Cidinha Mahle, pela oportunidade de conhecer o contrabaixo; aos professores Sandor Molnar Jr. e Sandrino Santoro, que me fizeram contrabaixista; e a todos que, de alguma forma, colaboraram para a realização deste trabalho.

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SUMÁRIO

DEDICATÓRIA............................................................................................ AGRADECIMENTOS................................................................................... SUMÁRIO................................................................................................... LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS.............................................................. LISTA DE ABREVIAÇÕES E SÍMBOLOS....................................................

iv v vi vii viii

1 - INTRODUÇÃO.......................................................................................

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2 - ERNST MAHLE E A ESCOLA DE MÚSICA DE PIRACICABA................ 2.1 - Dados biográficos.......................................................................... 2.2 - O educador e o compositor na construção da EMP...........................

15 15 21

3 - A COMPOSIÇÃO DE MAHLE E O CONTRABAIXO................................ 3.1 - A concepção estética e filosófica do compositor.............................. 3.2 - A escrita idiomática da obra para contrabaixo de Mahle..................

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4 - O CONCERTO 1990 PARA CONTRABAIXO E ORQUESTRA.................. 4.1 - Aspectos composicionais................................................................ 4.1.1 - 1º movimento - Allegro moderato....................................... 4.1.2 - 2º movimento - Andante..................................................... 4.1.3 - 3º movimento - Vivo.......................................................... 4.2 - Procedimentos interpretativos......................................................... 4.2.1 - 1º movimento - Allegro moderato....................................... 4.2.2 - 2º movimento - Andante..................................................... 4.2.3 - 3º movimento - Vivo..........................................................

49 49 49 62 68 80 80 87 92

5 - CONCLUSÃO.........................................................................................

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6 - BIBLIOGRAFIA...................................................................................... 6.1 - Livros, enciclopédias e periódicos.................................................. 6.2 - Partituras....................................................................................... 6.3 - Entrevistas e apontamentos............................................................. 6.4 - Outros documentos........................................................................

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7 - ANEXOS................................................................................................ 7.1 - Obras para contrabaixo de Ernst Mahle............................................ 7.2 - Composições de Mahle em ordem cronológica.................................. 7.3 - Programas....................................................................................... 7.4 - Parte de contrabaixo-solo do Concerto 1990..................................... 7.5 - Redução para contrabaixo e piano................................................... 7.6 - Partitura de orquestra do Concerto 1990...........................................

108 108 109 112 117 127 159

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LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS . Exemplo 1............ Exemplo 2............ Exemplo 3............ Exemplo 4............ Exemplo 5............ Exemplo 6............ Exemplo 7............ Exemplo 8............ Exemplo 9............ Exemplo 10.......... Exemplo 11.......... Exemplo 12.......... Exemplo 13.......... Exemplo 14.......... Exemplo 15.......... Exemplo 16.......... Exemplo 17.......... Exemplo 18.......... Exemplo 19.......... Exemplo 20.......... Exemplo 21..........

p. 40 p. 41 p. 43 p. 43 p. 43 p. 43 p. 44 p. 44 p. 45 p. 45 p. 45 p. 45 p. 46 p. 47 p. 47 p. 47 p. 49 p. 49 p. 49 p. 50 p. 50

Exemplo 22.......... Exemplo 23.......... Exemplo 24.......... Exemplo 25.......... Exemplo 26.......... Exemplo 27.......... Exemplo 28.......... Exemplo 29.......... Exemplo 30.......... Exemplo 31.......... Exemplo 32.......... Exemplo 33.......... Exemplo 34.......... Exemplo 35.......... Exemplo 36.......... Exemplo 37.......... Exemplo 38.......... Exemplo 39.......... Exemplo 40.......... Exemplo 41.......... Exemplo 42..........

p. 51 p. 52 p. 53 p. 53 p. 54 p. 54 p. 54 p. 55 p. 56 p. 56 p. 57 p. 58 p. 58 p. 59 p. 60 p. 61 p. 61 p. 63 p. 63 p. 64 p. 65

Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo Exemplo

43.......... 44.......... 45.......... 46.......... 47.......... 48.......... 49.......... 50.......... 51.......... 52.......... 53.......... 54.......... 55.......... 56.......... 57.......... 58.......... 59.......... 60.......... 61..........

p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p. p.

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Observações: 1. Devido à afinação de solo, a notação do contrabaixo-solo, nos exemplos e no texto, está, como na partitura, sempre um tom abaixo da altura de efeito, ou uma 7ª menor acima, se considerarmos que o instrumento soa uma oitava abaixo da altura escrita. Então um la 4 escrito para contrabaixo em afinação solista soará, na realidade, como si 3 . Essa opção permite que o leitor contrabaixista se reporte mais facilmente à técnica do instrumento. 2. As indicações de instrumentação não representam, necessariamente, todas as notas da partitura, por motivos práticos.

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LISTA DE ABREVIAÇÕES E SÍMBOLOS

a c. CB cf. CL CRD crom. E.M.P. ex. fá 1 FG FL M m MAD MOV OB op. ORQ p. pn

-

letras em itálico* P compasso(s)** contrabaixo =P conforme st, ½ t clarineta t cordas TPA cromático TPT Escola de Música de Piracicaba TRB exemplo VC altura de som*** VL fagote VLA flauta 4ª J maior 5ª J menor 8ª AB madeiras 1ª MP movimento oboé # opus orquestra página piano .

- posição****, precedida de número ordinal - mesma posição - semitom - tom - trompa - trompete - trombone - violoncelo - violino - viola - quarta justa - quinta justa - oitava abaixo - primeira meia posição - bemol - sustenido - dobrado sustenido - arco para baixo (talão) - arco para cima (ponta) - polegar esquerdo em harmônico

* As letras em itálico no corpo do texto referem-se a segmentos, temas, células ou elementos. Nos exemplos, estão entre parênteses, sem itálico. ** A numeração de compassos compreende as subdivisões dos compassos em tempo e parte de tempo, sejam binárias ou ternárias. *** Supondo o lá de 440 Hertz como lá 4 , ou o 1º dó do piano como dó 1 . **** Segundo a nomenclatura de Josef Hrabe, onde o 4º dedo nas notas diatônicas naturais da 1ª corda (sol) define as posições inteiras ascendentes, ou seja, 1ª P=si, 2ª P=dó, 3ª P=ré, e assim por diante até o lá (7ª P).

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1 - INTRODUÇÃO

Desde o surgimento dos instrumentos da família do violino, o contrabaixo sempre foi negligenciado pelos compositores. Uma das razões disso é que, sendo o mais grave e, portanto, o maior, demorou muito a ter padrões de construção estabelecidos. Os instrumentos construídos até o final do século passado apresentavam grande variedade em aspectos como: extensão, profundidade da caixa harmônica, formato, número de cordas e afinação 1 . Assim, a composição para contrabaixo solista só era acessível àqueles que tivessem contato com algum dos poucos virtuosos de seu tempo. A música concertante para contrabaixo começou a surgir na 2ª metade do século XVIII, durante o classicismo vienense. Esse repertório 2 , executado hoje em dia no contrabaixo “moderno”, foi escrito originalmente para um tipo de violone que existiu nessa época. O instrumento, chamado violone vienense ou terzviolon, era apreciado por autoridades como Leopold Mozart e teve peças escritas por Karl Ditters von Dittersdorf, Wenzl Pichl, Johannes Mathias Sperger, Johann Baptist Vanhal, Franz Anton Hoffmeister, Anton Zimmermann, Joseph Haydn, Michael Haydn, W.A. Mozart e outros compositores e instrumentistas. Era dotado de trastes, e sua afinação básica era fá 1 , lá 1 , ré 2 , fá# 2 , lá 2 , mas não sobreviveu ao advento do romantismo, devido a fatores como a sua limitada possibilidade de modulação 3 . Mesmo no romantismo (até o tardio), o repertório do contrabaixo solista se resumia às peças dos contrabaixistas-compositores, como Gio-

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STANTON, D. (1982) p. 21, BRUN, P. (1989) p.87. Há outras peças dessa época, escritas por contrabaixistas e/ou compositores de outras regiões, como os itali-

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vanni Bottesini, Serge Koussevitzky, Adolf Misek e outros. Somente a escrita orquestral passou a receber maior atenção por parte dos compositores, começando a se emancipar da função de dobrar o violoncelo à oitava inferior 4 , devido às transformações ocorridas na orquestra romântica, cujo espectro de alturas, timbres e volume sonoro se ampliava gradativamente. Mesmo assim, as partes de contrabaixo eram, às vezes, simplificadas até pelos próprios instrumentistas, na ocorrência de trechos de difícil execução ou mais apropriados à digitação do violoncelo 5 . O século XX trouxe relativa democracia no trato dos instrumentos por parte dos compositores, até mesmo porque consolidavam-se as escolas do contrabaixo e a quantidade de bons instrumentistas aumentava nos centros musicais de maior importância. Compositores como Stravinsky (Pulcinella) e Prokofiev (Tenente Kije) - ou Mahler, antes (Sinfonia nº1) - confiaram solos ao instrumento em suas obras sinfônicas, e Hindemith compôs uma sonata para contrabaixo e piano. No Brasil, o uso do contrabaixo pelos compositores da música colonial, pelo menos desde o século XVIII, é um fato comprovado por farta documentação musical e bibliográfica. Há, por exemplo, no material do “Magnificat” das “Vésperas de Nossa Senhora”, do padre José Maurício Nunes Garcia, composto em 1797, uma parte para “contrabbasso e trombão” 6 . Um pouco mais tarde, com a abdicação de D. Pedro I, o contingente de músicos da Capela Imperial, onde José Maurício trabalhou, foi reduzido a 23 cantores, 2 mestres-de-capela, 2 organistas e 4 “instrumentistas de baixo” (2 fagotistas e 2 contrabaixistas) para apoiar o coro 7 .

anos A. Capuzzi, G. B. Cimador e D. Dragonetti. 3 BRUN, P. (1989) p.49-55. 4 STANTON, D (1982) p.23. 5 BRUN, P. (1989) p.44-8. 6 MATTOS, C. (1970) p.178. 7 ANDRADE, A. (1967) p.163-4

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Desde a sua fundação, em 1855, o Imperial Conservatório, no Rio de Janeiro, já tinha a cadeira de contrabaixo, ocupada pelo italiano Giuseppe Martini. Tendo lecionado até 1890, ele foi substituído pelo também italiano Ricardo Roveda, que teve reconhecida sua competência profissional logo que chegou ao Rio, sendo nomeado para o cargo no então Instituto Nacional de Música. 8 Nesse ínterim, já haviam se apresentado como concertistas, nos teatros S. Pedro de Alcântara e D. Pedro II - importantes centros de difusão musical da capital do Império -, grandes contrabaixistas italianos como Luigi Anglois (em 1859), Giovanni Bottesini (em 1879), e, bem mais tarde, Guido Gallignani (em 1922) 9 . Roveda, mencionado anteriormente, lecionou no Instituto até 1932, e entre seus alunos, destacaram-se particularmente Alfredo de Aquino Monteiro e Antonio Leopardi. O grande didata italiano Isaia Billé, em seu livro sobre o contrabaixo - que por décadas foi referência ímpar no gênero - menciona tanto Roveda quanto Leopardi. 10 Esses dois alunos de Roveda estão ligados à origem das duas primeiras peças brasileiras escritas para contrabaixo solista, ou de concerto (termos que se referem ao uso do instrumento com função melódica). Alfredo de Aquino Monteiro foi talvez o primeiro aluno de contrabaixo a se destacar, tanto que Leopoldo Miguez - então diretor do Instituto Nacional de Música - compôs um concerto para contrabaixo e piano para a sua formatura, em 1898 11 . No concurso a prêmio para alunos formados, que já existia na época, Alfredo repetiu a execução do concerto com sucesso, o que lhe valeu a medalha de ouro. Esse contrabaixista veio a substituir seu professor, Roveda, 34 anos mais tarde. Ficou, porém, pouco tempo no cargo, vindo a falecer 3 anos depois,

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QUEIROZ SANTOS, I. (1942) p.275. CERNICCHIARO, V. (1926) p.504-5. 10 BILLÉ, I. (1928) p.111, 115. 11 QUEIROZ SANTOS, I. (1942) p.248. 9

4 em 1935 12 . Portanto, o concerto de Miguez foi, provavelmente, a 1ª obra brasileira para contrabaixo solista, que infelizmente se extraviou. Com a morte de Alfredo Monteiro, Antonio Leopardi sucedeu-o na cadeira de contrabaixo do Instituto, desempenhando a função por muitos anos. Nessa mesma época, em 1934, o compositor gaúcho Radamés Gnattali escreveu a “Canção e Dança” para contrabaixo e piano, dedicando a “Canção” a seu pai, e a “Dança” a Leopardi. É possível que Gnattali tenha observado a performance do instrumentista, ou que tenha recebido alguma colaboração do mesmo, pois a obra reflete as características técnicas e idiomáticas (próprias da linguagem do instrumento) da literatura de concerto composta por Giovanni Bottesini, como o uso de três cordas, afinação de solo 13 (um tom acima), bom aproveitamento dos harmônicos e escrita virtuosística. Até que se encontre o concerto de Leopoldo Miguez, a “Canção e Dança” é a mais antiga peça brasileira para contrabaixo de que se tem conhecimento hoje, e também uma das mais idiomáticas. Leopardi também nos remete a uma citação que mostra claramente a idéia que faziam os responsáveis pela formação de compositores a respeito do contrabaixo, nessa época. Assim pondera José Siqueira, em seu “Curso de Instrumentação” 14 : O talento excepcional de alguns concertistas, dentre os quais, Serge Koussevitzky, eminente regente da Orquestra Sinfônica de Boston, e Antonio Leopardi, professor catedrático da Escola Nacional de Música, concorreu para que o contrabaixo figurasse, algumas vezes, como instrumento de concerto. As qualidades próprias do instrumento não se prestam absolutamente a esse fim... O contrabaixo não possui a mesma variedade de timbres que caracteriza os outros instrumentos de arco, já es-

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Ibidem Essa afinação surgiu (provavelmente no século XIX) para aumentar a tensão das cordas de tripa ou seda, fazendo com que a maior pressão delas sobre o tampo do contrabaixo resultasse numa sonoridade mais intensa e brilhante, quando o instrumento fosse usado como solista. 14 SIQUEIRA, J. (1945) p.29-30. 13

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tudados. As suas cordas não oferecem, do ponto de vista da sonoridade, diferenças sensíveis. E, citando Gevaert (sem referência): É a sua tessitura que determina quase exclusivamente o caráter de seu timbre, dando às notas graves a sua expressão severa e aos sons agudos a sua aspereza tão difícil de suavizar. Como todos os instrumentos que ficam além dos limites da voz humana o contrabaixo não pode traduzir as suas impressões, nem por conseqüência, interpretar, por si só, uma melodia expressiva. Em São Paulo, na década anterior, Augusto de Burgos 15 apresentava a mesma má impressão em relação ao instrumento, além de equívoco quanto aos sistemas de afinação predominantes: Antigamente, o contrabaixo só tinha 3 cordas: lá, ré, sol, afinadas de quarta em quarta. Hoje só se emprega o contrabaixo de 4 cordas, afinadas de quinta em quinta: dó, sol, ré, lá...Que o compositor conserve o andamento grave e severo que está no seu papel, e de que raras vezes deve se afastar...Deve evitar-se-lhe, até certo ponto, as passagens rápidas, por causa do peso do arco e da dificuldade relativa da mão esquerda...A dupla corda é-lhe quase interdicta. Os teóricos dessa época não deviam ter ao alcance dos ouvidos instrumentistas bem preparados como os de hoje. Por outro lado, esse tipo de informação negativa deve ter demovido vários compositores e alunos de composição da idéia de tentar escrever para o contrabaixo, perpetuando um preconceito com relação ao instrumento que persiste até hoje 16 . Mesmo que o juízo a esse respeito fosse mais favorável, como é hoje, ainda seria necessário que os próprios instrumentistas incentivassem os compositores, dispondo-se a ajudá-los a compreender melhor o contrabaixo, cuja escrita

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BURGOS, A. (1936) p. 61-2. Atenuado, certamente, pela iniciativa de contrabaixistas como Gary Karr, que, há mais de trinta anos, fundou a International Society of Bassists, e percorre o mundo como concertista, divulgando o repertório solístico do contrabaixo. 16

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apresenta características peculiares, até em relação aos demais instrumentos de cordas. Além do conhecimento das possibilidades de execução do instrumento (adequação técnica), e das peculiaridades da sua linguagem própria (idiomática), o compositor precisa estar atento à característica sonora desse instrumento, fator correlato aos dois anteriores. Essa problemática envolve as deficiências acústicas do contrabaixo, decorrentes da sua tessitura grave e da desproporção com os padrões acústicos do violino 17 , ou seja, volume sonoro menor e projeção mais lenta. Quando o contrabaixo se encontra na função de instrumento melódico acompanhado por outro instrumento, piano ou orquestra, é que se percebe essa defasagem de sonoridade. O problema acontece também com instrumentos como o violoncelo (em menor escala), o fagote, o violão (que costuma ser amplificado) e a harpa. A habilidade do compositor em escrever acompanhamentos para esses instrumentos, sobretudo quando se trata de obras para solista e orquestra, consiste principalmente em saber como contrapor a instrumentação adequadamente a cada registro e textura (articulações, timbres) apresentados na linha do solista. Não se pode negar que nos últimos trinta anos o repertório do contrabaixo tenha sido beneficiado por iniciativas institucionais e de compositores, isoladamente. A Funarte, por exemplo, encomendou peças para vários instrumentos a diversos compositores, tendo em vista o II Concurso Nacional de Jovens Intérpretes da Música Brasileira, realizado pela entidade, no Rio de Janeiro, em 1984. As peças para contrabaixo, escritas pelos compositores Nestor de Hollanda Cavalcanti (“Conversa Mole”), Henrique de Curitiba (“Introdução e Sapateado”), Henrique David

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Para ter as mesmas propriedades acústicas do violino, o contrabaixo precisaria ter uma caixa de ressonância bem maior, impossibilitando o seu manejo.

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Korenchendler (“Prelúdio, Recitativo e Dança”), Francisco Mignone (“Estudo para Contrabaixo”) e Raul do Valle (“Interação”), foram editadas pela própria Funarte no ano seguinte, juntamente com a “Canção e Dança” de Gnattali, que ainda se encontrava em manuscrito. O Concurso Sul América, realizado no Rio de Janeiro, encomendou peças de confronto ao compositor Cláudio Santoro, o que resultou na composição de “fantasias” homônimas para quase todos os instrumentos, inclusive a “Fantasia Sul América” (1983) para contrabaixo solo. Também importantes foram os dois concursos nacionais de composição para contrabaixo, o primeiro promovido pela UNESP, em 1991, e o segundo promovido pela Associação Brasileira de Contrabaixistas e pela Escola de Música da UFMG, em agosto de 1996. Além disso, alguns compositores tiveram, em algum momento de suas carreiras, a motivação ou curiosidade de escrever para vários instrumentos, inclusive o contrabaixo, como foi o caso de Marlos Nobre, com a série de “desafios”, e José Siqueira, com a série de “concertinos” 18 . Este último compositor, citado algumas páginas atrás, parece ter mudado de opinião em relação às possibilidades solísticas do contrabaixo. O seu “Concertino para contrabaixo”, de 1976, foi dedicado a Ladislav Balek, então contrabaixista da Orquestra Sinfônica Brasileira, que realizou a sua estréia. A partitura e o material de orquestra foram extraviados, infelizmente, restando apenas a parte do contrabaixo-solo. À parte essas e outras iniciativas, a maior contribuição para o repertório do instrumento foi, sem dúvida, o conjunto da obra para contrabaixo de um alemão naturalizado brasileiro e radicado há mais de 40 anos em Piracicaba, no interior do Estado de São Paulo. Ao longo desse tempo, Ernst Mahle construiu uma das melhores instituições de ensino de música do Brasil, ajudado por sua esposa Maria Apparecida e

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outros piracicabanos, e desenvolveu sua obra didática e composicional em função da Escola de Música de Piracicaba (E.M.P.), seus conjuntos e seus alunos. Munido de muita disposição e grande idealismo, Mahle partiu de uma estrutura ínfima existente em Piracicaba, estudando instrumentos para lecioná-los, fazendo arranjos para os primeiros alunos tocarem, e acompanhando o progresso dos mesmos com a composição de peças cada vez mais difíceis. Como resultado da dedicação de Mahle ao ensino, a E.M.P. produziu instrumentistas que hoje atuam pelo Brasil e até pelo exterior, e conjuntos como a Orquestra de Câmara, que atingiu alto nível artístico, mas não conseguiu apoio oficial para se profissionalizar. Mahle foi um dos poucos compositores brasileiros que, por iniciativa própria, escreveram música de câmara ou de concerto para quase todos os instrumentos da orquestra sinfônica moderna. Tão importante quanto isso é o fato de que os instrumentistas que conhecem as suas peças geralmente acreditam que o instrumento original do compositor (o que ele toca) tenha sido o seu próprio, devido à capacidade adquirida por Mahle de escrever bem técnica e idiomaticamente para cada instrumento. Com a evolução da sua obra para contrabaixo, desde as peças para iniciantes, e as de nível intermediário - material com o qual tive a sorte de contar no início dos meus estudos, em Piracicaba - até o “Concerto 1990” e o “Quarteto para contrabaixos” (1994), de cujas dedicatórias e estréias tive a honra de participar, Mahle passou a compreender, como poucos, as características do instrumento, unindo adequação técnica e idiomática, verificada desde as primeiras obras, à exploração do virtuosismo nas últimas. O “Concerto 1990”, foco central deste estudo, é não só uma das primeiras peças do gênero para contrabaixo, no Brasil, como talvez a mais significativa, por inse-

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MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1980).

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rir-se nessa conjunção de adequação idiomática e virtuosismo, que não deixa de ser um aspecto relativamente novo no uso do contrabaixo na música brasileira. Para um compositor não afeito à publicidade, como Mahle, e relativamente isolado em Piracicaba, é espantoso notar como o conhecimento da “Sonatina 1975” e do “Concertino 1978” se espalhou por vários pontos do país, devido à sua utilidade, como peças brasileiras de nível intermediário. De certa forma, a divulgação de suas peças foi beneficiada pelo concurso bienal para jovens instrumentistas que lá existe há vinte e cinco anos, recebendo concorrentes de todas as regiões do Brasil, o que, porém, não diminui o seu mérito e valor. Assim, é freqüente ver executantes de instrumentos como trompete, trombone, fagote, clarineta, oboé, tocando peças de Mahle. Embora já tenha sido executada por instrumentistas americanos e europeus, a quantidade de pessoas que conhecem ou executam a obra de Mahle - não só a didática, como também a “séria”, de concerto - poderia ser ainda bem maior. A divulgação da música de Mahle, como um todo, é uma das finalidades deste trabalho. Evidentemente, pelo enfoque dirigido à obra para contrabaixo, e particularmente ao “Concerto 1990”, espera-se que os contrabaixistas, principalmente, estudantes e profissionais, tirem proveito dele. Porém, é preciso que organistas, tubistas, trombonistas, claronistas, violonistas, violistas, percussionistas, e até mesmo os instrumentistas que já foram contemplados com um repertório brasileiro abundante (pianistas, violinistas, violoncelistas, etc.) também se beneficiem, através dessa divulgação, da grande contribuição do compositor. Isso sem mencionar a sua obra dedicada às crianças (orquestra infantil, coro infantil, pequenos conjuntos), que pode ser aproveitada em toda parte. Pelo privilégio de ter sido aluno da E.M.P., e de ter participado de todas as atividades que descrevo - ainda que superficialmente - como complemento ao trabalho

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interpretativo, senti necessidade de registrar a obra de ensino de Mahle, reconhecida e citada na bibliografia de referência da música brasileira. Da mesma forma, a minha relação de proximidade com o compositor, com a sua obra para contrabaixo, e com as circunstâncias da composição do “Concerto 1990”, também me compeliu à realização deste estudo, na esperança de fornecer dados importantes para a interpretação da peça. A finalidade mais específica da pesquisa que resultou nesta dissertação é, justamente, contribuir para o estudo das práticas interpretativas na música brasileira, especialmente no tocante à performance do contrabaixo, minha área principal de atuação profissional. Assim como o estudo analítico-interpretativo do “Concerto 1990” pretende ser útil a estudantes de contrabaixo (ou outros instrumentos) e contrabaixistas profissionais, a exemplificação dos recursos idiomáticos e da adequação técnica das obras para contrabaixo de Mahle poderá servir de modelo para estudantes de composição e compositores que venham a se interessar por escrever para o instrumento. Portanto, para atingir o objetivo principal do trabalho, ou seja, a análise de aspectos composicionais do “Concerto 1990” e o estabelecimento de procedimentos para sua interpretação, foi necessário reunir informações que levassem a um melhor entendimento da música de Mahle, favorecendo não só esse objetivo como esclarecendo outros fatores relevantes ao próprio estudo. Essas ações secundárias consistiram em traçar um perfil biográfico do compositor, verificar a relação entre a atividade didática na E.M.P. e a evolução de sua composição, levantar as influências e características estéticas de sua obra, comprovar o idiomatismo de sua escrita para contrabaixo, e, por fim, verificar em que medida as características gerais do estilo composicional de

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Mahle estão presentes no “Concerto 1990”, e que procedimentos interpretativos decorrem dessas características. As informações biográficas sobre o compositor, encontradas em obras de referência, somaram-se ao material fornecido pelo próprio compositor, através de transcrições de entrevistas pré-existentes e outros documentos da biblioteca da Escola de Música de Piracicaba. A experiência pessoal como aluno da E.M.P. também propiciou informações para todas as seções do trabalho. Nessa mesma biblioteca, que abriga o acervo de obras, arranjos e material teórico-didático do compositor, foram consultadas as partituras necessárias para a amostragem geral da obra de Mahle, baseada também em seu próprio depoimento, bem como todo e qualquer material que relacionasse o autor ao contrabaixo. Uma entrevista preliminar abordou informalmente aspectos gerais, pertinentes à pesquisa, fornecendo informações para a revisão bibliográfica. A segunda entrevista, mais estruturada, aprofundou questões estéticas, filosóficas e biográficas, envolveu também a esposa do compositor, Dª. Cidinha. A terceira entrevista envolveu questões composicionais e interpretativas da obra de Mahle, e, mais especificamente, do “Concerto 1990”. Dois questionários posteriores esclareceram dúvidas que ainda persistiam. Apesar de não ter, necessariamente, a profundidade de um trabalho da área musicológica/composicional, a análise de aspectos composicionais num trabalho de performance é imprescindível ao reconhecimento de fenômenos que possam influir no direcionamento do procedimento interpretativo. Hoje em dia, com a maior parte dos instrumentistas estudando em universidades - locais onde se concentram musicólogos e compositores -, e tendo maior acesso ao campo teórico, o nível das discussões sobre as práticas interpretativas tende a um salto qualitativo.

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Para a análise dos aspectos composicionais, foram consultadas as obras de referência disponíveis para esclarecimento de dúvidas sobre termos e definições. Através das entrevistas e dos questionários, buscou-se a opinião do autor sobre questões analíticas do concerto, favorecendo a compreensão de seus processos composicionais e o registro de seu ponto de vista a respeito da própria obra. Parte do material teórico utilizado por Mahle no ensino de composição também foi referência importante nessa etapa da pesquisa. A análise procurou identificar aspectos composicionais como: elementos temáticos (imitações, transformações e desenvolvimento), contrastes (rítmicos, melódicos, de altura, timbre, densidade e intensidade), estruturas rítmicas, texturas, estruturação formal, organização fraseológica, elementos escalares, eventos harmônicos básicos, elementos de influência folclórica ou popular, dados da orquestração e quaisquer aspectos que pudessem implicar em procedimentos interpretativos específicos ou em melhor compreensão da obra. A prática da interpretação em bases mais fundamentadas é possível, ainda que haja pouca literatura de referência (sobretudo em português), mas é incipiente, pelo fato de que a atividade do instrumentista se desenvolve tradicionalmente de forma intuitiva, recorrendo à sua “bagagem”, constituída pelo aprendizado transmitido oralmente e pela experiência acumulada ao longo do exercício da profissão. Embora muitos músicos rejeitem a importância da documentação escrita - que pode ter maior ou menor rigor formal sem perda de conteúdo - como parte do exercício da performance, devemos lembrar que a tentativa de reavivamento das técnicas de execução préromânticas, neste século, só tem sido possível graças às valiosas informações contidas em tratados de grandes mestres como François Couperin, Jean Philip Rameau,

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Johann Mattheson, Johann Joachim Quantz, Philipp Emanuel Bach e Leopold Mozart, todos instrumentistas do século XVIII 19 . O estudo mais delimitado da interpretação, com a escolha de um problema específico, atenderia aos modelos correntes de pesquisa científica e acadêmica, porém a interpretação global do concerto - mesmo que seja impossível esgotar suas questões reflete melhor o valioso trabalho do intérprete, que tem que dar conta, simultaneamente, dos vários aspectos da performance de uma obra musical. Os problemas interpretativos levantados nessa abordagem incluíram aspectos como: andamentos (clareza versus interesse), delimitação fraseológica, caracterização temática (contrastes e transformações), problemas acústicos (dinâmica e articulações), timbre (parâmetros do vibrato e do arco), escolha de dedilhados (possibilidade técnica versus coerência tímbrica), caracterização de elementos de influência folclórica ou popular e articulação de figurações rítmicas. As informações fornecidas pela análise constituíram a diretriz básica das escolhas interpretativas, explanadas e executadas de acordo com a concepção interpretativa do autor do trabalho, que também abrange conhecimentos vindos da transmissão oral, da experiência de execução das convenções musicais e da intuição. A discussão de procedimentos interpretativos com o compositor, através de entrevistas, representou uma oportunidade que não poderia deixar de ser aproveitada, revelando quais aspectos da concepção original da obra que Mahle deixa mais ou menos “em aberto” na interpretação. A partir das informações obtidas dessa forma, o intérprete pode ponderar sobre a concordância ou discordância parcial com a opinião do compositor, extraindo dados para a performance. A interpretação se apoiou também nas realizações anteriores, registradas em áudio e/ou vídeo, como experiências

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DORIAN, F. (1986) p.74-5.

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que forneceram soluções, nos campos da dinâmica, do andamento e das articulações, para os problemas acústicos do contrabaixo solista, tanto nas execuções com orquestra como naquelas com o acompanhamento reduzido ao piano.

2 - ERNST MAHLE E A ESCOLA DE MÚSICA DE PIRACICABA

2.1 - Dados biográficos Ernst Hans Mahle nasceu no dia 3 de janeiro de 1929, na cidade alemã de Stuttgart. Seu avô, Theodor Mahle, e seu pai, Ernst Mahle, eram engenheiros, este último ligado à indústria automobilística, e tinham a expectativa de que ele seguisse a tradição familiar. Suas aulas de música na infância se limitaram à flauta doce, que aprendeu em aulas coletivas, na escola de 1º grau, onde sempre tinha notas excelentes. Aos 10 anos de idade teve aulas particulares de violino, mas não se interessou nem se aplicou muito. Em 1939 irrompeu a guerra na Alemanha e os Mahle tiveram inúmeros problemas com bombardeios e outras privações, a partir de 1942, resolvendo mudar-se para a Áustria. Mahle trabalhou então numa fábrica, especializando-se no ofício de torneiro, e graças a esse trabalho acabou não indo para o front. Alguns de seus colegas não tiveram a mesma sorte, vindo a morrer em campo de batalha. Aos 17 anos, impressionado com a destruição causada pela guerra, abandonou a idéia de se tornar engenheiro. Achou que para haver uma melhor compreensão entre os homens, favorecendo a paz, o mundo precisava mais de artistas que de engenheiros. Voltou-se então para a música e começou a estudar piano. Para recuperar o tempo perdido, dedicou-se intensivamente ao instrumento, almejando tocar peças como os estudos de Chopin e as sonatas de Beethoven, que já compreendia com sua musicalidade, mas cuja dificuldade técnica exigiria anos de estudo. Nessa determinação,

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Mahle foi acometido por uma grave tendinite em ambos os braços, sendo aconselhado pelos médicos a mudar de carreira, pois jamais poderia ser um concertista. Resolveu então estudar composição, e prestou exame para ingressar na Staatliche Hochschule für Musik de Stuttgart, em 1950. Ele já tinha feito algumas composições para piano, mas a sua leitura pianística à primeira vista não era suficientemente boa para aprová-lo no exame. Foi admitido, porém, por ter improvisado muito bem, ao piano, sobre um tema dado pelo diretor. Lá estudou com o compositor tradicionalista Johann Nepomuk David, que lhe deu sólida base de contraponto. No entanto, esse período durou apenas cerca de um ano, pois em 1951 a sua família transferiu-se para o Brasil, para onde veio com seus pais e dois dos irmãos. Nesse mesmo ano, seu pai foi um dos fundadores da Metal Leve, em São Paulo, levando para lá a experiência da fábrica Mahle na fabricação de pistões de alumínio. Nesse momento, seu pai, que a princípio ficara perplexo com a escolha profissional, passou a apoiá-lo quando viu que sua vocação musical era inquestionável. Mahle matriculou-se então no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, diplomando-se posteriormente em composição e regência. Em 1952 foi fundada em São Paulo a Escola Livre de Música Pró-Arte, por onde passaram inúmeras personalidades da música brasileira. Mahle matriculou-se também nessa escola, na classe de composição de Hans Joachim Koellreutter, que o influenciou muito. Através dele entrou em contato com a música do século XX e com várias técnicas da composição moderna: atonalismo, dodecafonismo, concretismo e música eletrônica. Koellreutter o prezava, porque achava que ele tinha bastante facilidade e talento. Enquanto estudava composição e flauta com Koellreutter - que também era flautista - Mahle lecionava harmonia e contraponto, como seu assistente.

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Trabalhou, ainda, por pouco tempo, em um laboratório de música eletrônica que o professor tentava montar; fez isso, porém, sem grande interesse. Foi na Pró-Arte, ainda em 1952, que Mahle veio a conhecer sua futura esposa, Maria Apparecida Romera Pinto (Cidinha), que tinha estudado piano e canto orfeônico em Campinas e ingressara na classe de Regência Coral de Koellreutter. Cidinha era de Piracicaba, e Koellreutter quis conhecer a cidade, constatando que lá já havia uma Sociedade de Cultura Artística, mas não havia nenhuma escola de música. Encorajado, porém, a estabelecer na cidade uma filial da Pró-Arte, Koellreutter coordenou, em 1953, a fundação da Escola de Música de Piracicaba, juntamente com Mahle, Cidinha e outras pessoas representativas da cidade e da Cultura Artística, como a pianista Maria Dirce de Almeida Camargo. Durante essa fase inicial, Koellreutter supervisionou, por algum tempo, as atividades da EMP, e Mahle ia lecionar lá uma vez por semana, enfrentando, com seu Volkswagen, a precária estrada de terra. Ele ensinava o que fosse preciso: matérias teóricas e vários instrumentos. Nessa época, voltou várias vezes à Europa, onde, por curtos períodos, em cursos de férias, aperfeiçoou-se com célebres professores de composição: Ernst Krenek, Olivier Messiaen e Wolfgang Fortner; e de regência: Lovro Von Matacic, Hans Müller-Kray e Rafael Kubelik. Em 1955 casou-se com Cidinha e continuaram morando em São Paulo, viajando semanalmente para Piracicaba. Nesse mesmo ano, a pedido de D. Dirce Camargo, fez arranjos e começou a trabalhar com a primeira orquestra da E.M.P., formada por 23 crianças. Em fins de 1955, Mahle e Cidinha mudaram-se definitivamente para Piracicaba, onde, até hoje, se dedicam à Escola de Música, ensinando música da forma mais

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criteriosa e competente possível. Além de diretor artístico, professor, regente do Coral, das Orquestras de Câmara e Sinfônica da E.M.P., Mahle idealizou e preside a banca julgadora dos Concursos Jovens Instrumentistas de Piracicaba, desde a sua criação, em 1971. Cidinha, além de pianista acompanhadora e principal administradora da entidade, especializou-se em Iniciação Musical e publicou diversas obras nessa área. Ajudados por colaboradores de longa data, que comungam com eles o amor pela escola e pela música, fizeram da E.M.P. uma instituição modelo, reconhecida e admirada no meio musical brasileiro, formando gerações de instrumentistas bem preparados, que hoje se espalham pelo Brasil e até mesmo pelo exterior. Os cursos para os instrumentos de orquestra pouco procurados (viola, contrabaixo, oboé, fagote, metais, etc.) sempre foram gratuitos, para que os alunos se motivassem a optar por estudar esses instrumentos. O musicólogo Vasco Mariz define bem o papel de Mahle em Piracicaba: graças a seu esforço, ele colocou a cidade no mapa musical do Brasil 20 . Na sua atividade de professor, Mahle sentia falta de material didático para iniciantes, e foi assim que começou a compor. Com o desenvolvimento dos alunos e o crescimento da escola, sua obra começou a tomar corpo, pois era necessário suprir a demanda de um repertório brasileiro para os instrumentos de orquestra. Mas foi só em meados da década de 60, a partir do reconhecimento que suas peças passaram a ter, que Mahle se assumiu como compositor. Como ele próprio revela, ficou surpreso de se tornar compositor, pois, tendo decidido ser professor, não imaginava que isso acabaria acontecendo 21 . Em 1961 sua obra “Intervalos” recebeu o Prêmio de Composição “Universidade da Bahia”.

20 21

MARIZ (1983) p.257. MAHLE, cf. entrevista (1996).

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Em 1963 naturalizou-se brasileiro e em 1965 recebeu da municipalidade o título de “Cidadão Piracicabano”, pelo seu trabalho em prol da educação artística da juventude. Nesse mesmo ano, recebeu a Medalha de Prata “Manuel de Falla”, no Concurso Universidade da Bahia, pela obra “Um dia de verão”, para coro e orquestra sinfônica. Com essa mesma peça recebeu, ainda, Menção Honrosa em concurso promovido pela Rádio Ministério da Educação e Cultura. Foi também contemplado, no 2º Concurso Nacional de Composição, promovido pelo Instituto Goethe e pela Sociedade Brasileira de Música Contemporânea, em 1974 com o 3º prêmio pelo “Quinteto de sopros”; no Concurso para Composição e Arranjos Corais, promovido pelo Madrigal Renascentista de Belo Horizonte, em 1976, com o 3º prêmio; no Concurso de Composição para Orquestra de Cordas, promovido pela Secretaria de Educação do Estado da Paraíba, em 1976, com o 1º prêmio pela “Suíte nordestina”; no Concurso de Composição de Arranjos Corais, promovido pela Funarte, em 1983, com o 1º prêmio pela peça “Carimbó”, para coro misto. A sua “Sinfonia modal”, a “Pentafonia” e o “Divertimento hexatonal” também foram premiados pela Funarte na mesma época. Foi professor em diversos cursos de férias, como o 1º e o 2º Seminários de Música de Universidade da Bahia, em 1954 e 1955; e o 5º Curso Internacional de Curitiba, em 1969. Entre 1976 e 1981 foi vice-presidente da Sociedade Brasileira de Música Contemporânea, cargo que voltou a ocupar desde 1993. É membro da Academia Brasileira de Música. Das suas mais de 200 composições, para quase todos os instrumentos, além de arranjos e transcrições, várias foram resultado de encomendas, como a “Sinfonia nordestina”, escrita em 1990, para o Maestro Lutero Rodrigues e a Orquestra Sinfônica do Litoral; e o “Noneto”, escrito em 1977, para o Noneto de Munique. Mahle teve sua

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obra - composta por duas óperas, peças corais e coral-sinfônicas, sinfonias, sinfonietas e numerosa música de câmara - executada por orquestras e conjuntos de todas as partes do Brasil e de vários países, como Alemanha, Argentina, Espanha, Estados Unidos, Itália e Suíça. Suas peças também são constantemente apresentadas em eventos como a Bienal de Música Brasileira Contemporânea, realizada no Rio de Janeiro. Em agosto de 1996, foi o principal homenageado do IV Encontro Internacional de Contrabaixo, realizado na Escola de Música da UFMG, em Belo Horizonte, tendo parte significativa de sua obra para contrabaixo apresentada no concerto de encerramento do evento. Ernst Mahle é uma personalidade respeitada no meio musical brasileiro, tanto pela sua obra composicional, quanto pelo seu trabalho pedagógico, o que se pode constatar através de depoimentos como o do professor Paulo Affonso de Moura Ferreira: A música de Mahle, ao longo de várias décadas de produção ininterrupta, tem mantido, ao longo de suas características pessoais de linguagem, duas outras, também essenciais, porém raras na música contemporânea: são obras que os intérpretes sentem prazer em executar, inclusive por sua adequação aos meios vocais ou instrumentais empregados; e o público também gosta de ouvi-las, pois seu conteúdo é humano e verdadeiro, isento de artificialismo ou preocupações com a “modernidade a qualquer custo” 22 . Ressaltando a característica nacionalista do compositor, o colega Osvaldo Lacerda afirma: Além da intensa atividade, que exerce como regente e diretor de um dos melhores estabelecimentos de ensino musical do país - a Escola de Música de Piracicaba -, é também um inspirado e prolífico compositor, cuja sólida técnica lhe possibilita um perfeito domínio de todos os e-

22

ESCOLA DE MÚSICA DE PIRACICABA et alli (1991) p.4.

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lementos que integram a composição musical: ritmo, melodia, harmonia, estrutura e timbre....O que mais me fascina, porém, em muitas de suas obras, é o caráter nacional delas, o que revela o amor e carinho que Mahle tem por sua pátria de adoção 23 . Da mesma forma, o crítico Afrânio A. Garbogginni discorre, em crônica no Jornal de Piracicaba (4/7/85), sobre a utilização do folclore pelo compositor: Ernst Mahle, alemão naturalizado brasileiro, que aprendeu a gostar das coisas nossas, percebeu a magia da cadência e melodia do carimbó e soube fazer a fusão dos temas folclóricos com uma textura altamente elaborada, formulando uma composição de interesse universal, sem perda da característica brasileira. 24

2.2 - O educador e o compositor na construção da E.M.P. Ainda na Alemanha, Mahle conhecera o efeito do Mikrokosmos de Bartók no ensino do piano. Ao mesmo tempo, percebia que a televisão começava a exercer muita influência sobre a criança, prejudicando a sua formação, restringindo a sua capacidade de reação e interação. Com Koellreutter, conheceu ainda melhor Bartók e Hindemith, dois grandes compositores que tinham em comum a preocupação pelo ensino, e ficou muito influenciado pelo trabalho deles. Esses antecedentes fizeram com que Mahle tomasse para si a missão de educador, procurando colocar em prática aquelas idéias a partir da criação da Escola de Música de Piracicaba. Ele achava que, se a criança se entretivesse com uma série de atividades na escola, como aulas de instrumento e matérias teóricas, ensaios de coro e orquestra infanto-juvenis e prática de conjunto, estaria menos sujeita à influência negativa da televisão, ganhando, em contrapartida, maior desenvolvimento da sensibili-

23 24

Ibidem, p.59. Ibid, p.59.

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dade, da habilidade manual, do talento artístico e da sociabilidade, além do contato com o folclore brasileiro, fator de identidade cultural. Como foi dito, Mahle tinha a incumbência de lecionar vários instrumentos, mas não dispunha de material didático suficiente para principiantes. Começou então a anotar, no caso dos instrumentos de cordas, as escalas de uma a duas oitavas, com variantes de arco, e exercícios elementares nas primeiras posições. E começava suas aulas com exercícios em cordas soltas. Logo passou a escrever duetos fáceis sobre melodias folclóricas (principalmente brasileiras, pelas razões já mencionadas) com o mesmo ritmo nas duas vozes, porque percebeu que os alunos acertavam melhor quando ele tocava junto no mesmo ritmo. O próximo passo foi fazer arranjos dessas melodias para instrumento com acompanhamento de piano, para melhorar a afinação e a firmeza rítmica dos alunos. Além das melodias folclóricas, Mahle arranjou “Melodias da Cecília” (quase sempre com caráter brasileiro, à moda das cantigas de roda) para quase todos os instrumentos, selecionadas entre cerca de 1.300 melodias inventadas por sua filha entre os 2 e 6 anos de idade, e anotadas por ele. A preocupação com a viabilização do estudo dos instrumentos de orquestra, em um cenário dominado pela “pianolatria”, transparece no prefácio de Mahle para as “Melodias da Cecília” para piano 25 : Alimento ainda a esperança de que as demais melodias, em arranjos para os outros instrumentos, despertem também interesse, pois felizmente vai sendo despertada no Brasil a consciência para a importância do estudo de instrumentos de orquestra.

25

MAHLE, E. (1971) p.3.

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Para a orquestra infanto-juvenil, formada por flauta-doce, flauta transversal, oboé, clarineta, fagote, trompa, trompete, cordas e percussão, compôs arranjos a três vozes de mais de cem canções folclóricas. Entre esses arranjos encontram-se alguns concertinos, para que o jovem instrumentista passasse pela experiência de tocar como solista, diminuindo, no futuro, o nervosismo em situações semelhantes. O concertino para contrabaixo, por exemplo, foi baseado na melodia folclórica “Atirei um pau no gato”. Fez, ainda nesses moldes, e abrangendo outras melodias universais, arranjos para trios, quartetos e quintetos, para despertar o interesse dos alunos para a música de câmara e para o desenvolvimento de sua habilidade nesse campo importantíssimo. Para o coro infanto-juvenil, Mahle arranjou também mais de cem canções folclóricas, a 1 e 2 vozes, com ou sem acompanhamento de piano. Em 1971 foi realizado o primeiro Concurso Jovens Instrumentistas, concebido de forma a também dar oportunidade aos instrumentos de orquestra, que se revezariam, dependendo de circunstâncias diversas, no decorrer das próximas edições bienais do evento. A essa altura, Mahle já tinha composto cerca de 50 obras ditas sérias (em vários níveis de dificuldade, didáticas ou não), entre corais, sinfônicas e de câmara, porém o repertório de música brasileira que poderia servir ao concurso ainda era escasso para os instrumentos de orquestra. Iniciou então a composição de uma série de sonatinas em duo com piano e uma série de concertinos para instrumento solista e orquestra de cordas 26 , num nível de dificuldade que se adaptasse à faixa etária dos participantes, limitada a 12, 16, 18 ou 21 anos, dependendo do ciclo. Além da adequação técnica, Mahle se preocupou em fazer peças curtas e acessíveis, que combinassem elementos rítmicos e/ou melódicos de influência nacionalista com formas tradicionais, de estruturação facilmente assimilável, porém numa linguagem escalar e harmônica

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mais moderna, modal. O ciclo das sonatinas se completou, provavelmente, com a “Sonatina para corne-inglês”, de 1983; e o ciclo dos concertinos, com o “Concertino para tuba”, de 1984, havendo maior ocorrência de composições de ambos os tipos no período de 1972 a 1980. Outro ciclo, pensado para suprir a carência de repertório brasileiro, além de servir ao objetivo didático da prática de execução com dois instrumentos iguais, é a série de duetos modais, para quase todos os instrumentos. Esse ciclo reflete a predileção do compositor pelo estudo e uso dos modos, em suas combinações possíveis. São peças curtas, cerca de 8 por instrumento, de melodia geralmente alternada entre as vozes (procedimento didático), que, explorando uma gama de situações harmônicas causadas pelos diferentes modos, levam ao aprimoramento da afinação; e, sendo as vozes de articulação rítmica geralmente alternada, propiciam o desenvolvimento do senso rítmico. A existência de uma orquestra sinfônica na E.M.P. sempre foi um fenômeno temporário, já que a cidade - ao longo desses mais de quarenta anos - não se incumbiu de oferecer trabalho para os instrumentistas que se profissionalizavam, obrigando-os a procurar emprego em cidades vizinhas. A Orquestra Sinfônica de Campinas, por exemplo, apresenta atualmente um contingente de 20 por cento de piracicabanos. Aproveitando essa eventualidade, e diante do fato de que o nível dos alunos tinha melhorado muito, Mahle iniciou uma série de concertos para instrumento solista e orquestra sinfônica, chegando a escrever o de violino em 1978, o de trombone em 1983 e o de contrabaixo em 1990. Nessas obras, a preocupação com a adequação técnica e com a escrita idiomática uniu-se à busca de uma exploração virtuosística dos instrumentos, e a uma elaboração composicional mais complexa e sofisticada. Embo-

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Formação de ocorrência mais estável que a orquestra sinfônica, que dependia da disponibilidade de sopros.

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ra esse ciclo continue aberto, os demais concertos, para clarineta, de 1988, e para quarteto de madeiras, de 1995, foram escritos com acompanhamento de orquestra de cordas, de acordo com a disponibilidade de conjuntos em cada circunstância 27 . O perfil cronológico da obra de Mahle mostra como o seu ideal de educador, revelado através da preocupação didática sempre presente, apontou o rumo da sua evolução composicional. Outro condicionante da sua produção foi a própria escola e suas circunstâncias. Ainda hoje compõe, por exemplo, muita música de câmara em função dos concertos que acontecem na escola, que são muitos. A sua obra para orquestra, quando não resulta de encomendas, se adequa às necessidades e aos conjuntos da EMP. E como outros compositores, também atende a pedidos de amigos, professores e alunos da escola. A partir da década de 80, Mahle continuou a compor para instrumentos com repertório brasileiro reduzido, como órgão (1981), corne-inglês (1983), tuba (1984), clarone (1987 e 1995) e vibrafone (1995). Procurou escrever para formações camerísticas heterogêneas não usuais, como trio vocal e piano (1982), violino e violão (1985), violino, violoncelo e violão (1992), mezzo-soprano e quarteto de cordas (1995) e flauta, oboé, clarineta, fagote e cordas (1995). Dedicou-se também ao desafio de compor para formações homogêneas, considerando a afinidade que os executantes do mesmo instrumento costumam ter. Nessa modalidade, fez peças para 3 e 4 violinos (1981), 3, 4 e 5 flautas (1985), 4 clarinetas (1990), 4 trombones (1991) e 4 contrabaixos (1995). O trabalho didático de Mahle inclui ainda várias transcrições e arranjos de obras suas e de outros compositores, para piano a quatro mãos (ou dois pianos), orquestra sinfônica e de cordas. Por último, mas não menos importante, o trabalho de

27

O Concerto para clarineta teve, posteriormente, uma versão para orquestra sinfônica.

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regente de orquestra levou-o a revisar todo o repertório executado até hoje pelos conjuntos da EMP, para melhor assimilação pelos alunos. Essa árdua tarefa consiste em correção de erros das partituras, extração de partes de instrumentos, revisão de arcadas, articulações e dedilhados, versão para o português e adaptação de música coral (como oratórios barrocos, por exemplo). Dispondo de copista só eventualmente, é o compositor quem copia suas partes de próprio punho, atividade que lhe subtrai horas preciosas. Todo o trabalho de Mahle - composições, transcrições e arranjos, revisões, material didático e teórico - encontra-se disponível na biblioteca da Escola de Música de Piracicaba, e quem se dispuser a usufruir dele, pessoalmente ou por correspondência, certamente terá encontrado uma fonte de informação como poucas no Brasil 28 . Além disso, o usuário poderá testemunhar a generosidade do compositor, que não vende suas partituras, mas as distribui, cobrando, quando muito, o irrisório custo das fotocópias. A sua biblioteca ainda dispõe de um vasto acervo de partituras, que Mahle adquiriu aos poucos, para uso dos alunos e dele próprio, no seu aprendizado, em parte autodidata.

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3 - A COMPOSIÇÃO DE ERNST MAHLE E O CONTRABAIXO

3.1 - Concepção estética e filosófica do compositor É difícil classificar a estética da obra de Mahle em fases, porque ela apresenta um certo ecletismo, que resulta das múltiplas influências, e várias tendências coexistiram ao longo de sua evolução. Além disso, a análise detalhada do conjunto de sua obra foge ao objetivo deste trabalho, tendo sido possível examinar somente algumas amostras, contando também com o depoimento do autor. Mahle aponta três fatores que considera como influências diretas sobre o seu perfil composicional 29 . O primeiro professor de composição, J. N. David, era tradicionalista e lhe deu uma base sólida de harmonia e contraponto. Já no Brasil, Koellreuter abriu seus horizontes para a música do século XX e para as técnicas composicionais de vanguarda, incluindo a música eletrônica, com a qual ele chegou a trabalhar. A terceira grande influência sobre Mahle foi o folclore brasileiro. A influência indireta mais importante foi a observação do trabalho pedagógico de dois grandes compositores: Béla Bartók e Paul Hindemith. O “Mikrokosmos” e o “For Children”, de Bartók, foram modelos para a utilização do folclore nas suas obras didáticas. Ainda no campo didático, o direcionamento da composição para o uso de estudantes, amigos ou para ocasiões, partindo da observação de obras de Bach (“Pequeno livro de Anna Magdalena”) ou Telemann (“Tafelmusik”), corresponde aproxi-

29

MAHLE, cf. entrevista (1996).

28 madamente ao conceito de Gebrauchsmusik 30 (“música funcional”), associado a Hindemith e outros compositores. O estudo da obra de compositores barrocos e clássicos, e principalmente Beethoven, de quem Mahle admira o processo de desenvolvimento temático, também influenciou a elaboração formal e estrutural da sua obra. Inicialmente, o dodecafonismo e o experimentalismo pregados por Koellreuter foram bastante presentes na música de Mahle, que, como outros compositores, rejeita o termo “música atonal” para a classificação das suas obras mais avançadas harmonicamente, pois a seu ver “tonalidade e modulação podem ser mais simples ou mais complexas, chegando, nesse caso, ao ponto de confundir o ouvinte” 31 . Em seu catálogo de obras, a influência da vanguarda de Koellreuter é sugerida por títulos como: “Sete peças sobre uma e duas notas só”, “Peça para piano” (ambas de 1954), “Intervalos” (1960). Segundo o compositor, são exemplos de peças dodecafônicas: “Trio para flauta, violino e piano” (1952), “Quatro estudos para flauta” (1953), “Et ostendit mihi” para coro a capella, e o “Septeto” (1975). Porém, Mahle considera esse “Septeto” mais “tonal” que outras obras não dodecafônicas, mas tonalmente mais complexas, como por exemplo: “Peças modais para piano a quatro mãos” (1955), “Música concertante para tímpano e sopros” (1958), “Miniaturas para flauta” (1967) e “Miniaturas para clarineta” (1970). Como o próprio Mahle observa, no início de sua carreira os arranjos folclóricos e as suas composições propriamente ditas não se assemelhavam, eram campos de atuação bem distintos. Mas, ao mesmo tempo em que desenvolvia uma linha composicional experimental e abstrata, já revelava o seu interesse pelo modalismo, inspira-

30

O termo, hoje pouco usado, foi defendido pelo próprio Hindemith, que mais tarde o rejeitou em favor da expressão Sing-und-Spielmusik, música para ser cantada e tocada (GROVE'S DICTIONARY OF MUSIC AND MUSICIANS [1980] verbete Gebrauchsmusik), que corresponde mais precisamente à definição de Mahle para sua própria obra. 31 MAHLE, cf. entrevista (1996).

29

do pela obra didática de Bartók (especialmente o “For Children”), que conhecia na época, ou, indiretamente, pelo impressionismo, como demonstram o balé “As aventuras de um estudante de música” (1954), a “Sinfonieta” (1957), e os primeiros concertinos e sonatinas, ainda sem caráter nacionalista. O estudo dos modos não foi direcionado inicialmente para o conhecimento das estruturas modais utilizadas na música brasileira folclórica e popular. Mahle sempre quis comprovar quantas e quais escalas, obtidas pela combinação das básicas e/ou pelo acréscimo de alterações, seriam interessantes para a composição. Num determinado momento, pediu a um aluno de composição que escrevesse todos os modos possíveis com 5 a 12 notas, encontrando mais de 1200 escalas. Dessas, ele achou que cerca de 70 tinham interesse. Os “Duetos modais” (predominantes entre 1974 e 1981), exercícios de contraponto modal, se inserem nessa pesquisa, não tendo propriamente um cunho nacionalista, a não ser pelo emprego eventual de ritmos sincopados. Para Mahle, o dodecafonismo pode causar monotonia, levando o ouvinte ao desinteresse, por cansaço do ouvido; mas ainda assim a técnica serial é válida, podendo ser aplicada a modos com menos de 12 notas, com resultado melhor tão bom quanto o obtido com a escala cromática (série dodecafônica). Mesmo a escala diatônica pode ser organizada em uma série, como exemplifica o compositor em seu compêndio teórico “Modos, escalas e séries” 32 . Acha que conseguiu uma gama de utilização abrangente dos modos, partindo do pentatônico. Antes de se chegar à escala cromática, há modos que geram uma harmonia bem complexa. Mahle gosta de utilizar basicamente, na harmonização desses modos, os acordes formados pelas suas próprias notas, tornando a característica modal mais efetiva. Não abandona a hierarquia das

32

MAHLE, E. (s.d.) p.10.

30 funções harmônicas 33 , mantendo um centro tonal definido mesmo quando expande a tonalidade em direção ao cromatismo, pois acha que tendo a 5ª e a 8ª, o modo é melhor assimilado pelo ouvinte. Há momentos em que ainda busca inspiração em algum modo que não tenha usado, dedicando-se então a formular uma base harmônica em função de suas notas, procedimento que pode ser trabalhoso, mas que sempre fornece material alternativo para a composição. Perguntado sobre a possível influência de Bartók no sentido de conseguir um cromatismo alternativo ao dodecafônico, no qual não há centro tonal 34 , Mahle acha que eles chegaram às mesmas conclusões (embora Bartók muito antes), pelas experiências com os modos, procurando uma linguagem moderna, mas possível de ser decodificada pelo ouvinte. Ainda quanto aos modos, acredita, na correspondência de cada escala básica a um tipo de emoção, ou ethos 35 . Para ele, a relação vem do “Tratado das cores” de Goethe, que associa as cores às emoções; por extensão, a cor atribuída à disposição intervalar de cada modo representa uma tendência afetiva. Mahle explica 36 : Os modos maior e menor (jônio e eólio) podem ser considerados equilibrados. De um lado do modo maior [pelo círculo de quintas], há o lídio, que é mais luminoso [amarelo]. Do outro lado, há o mixolídio, que tem um pouco de sombra [ amarelo+azul=verde ] . De um lado do eólio, temos o dórico, mais luminoso [verde], e do outro lado, o frígio, mais tenebroso [azul]... O verde representa o equilíbrio banal, sem muita emoção. O amarelo é muito luminoso, jovial e alegre. O azul é mais sério, relacionado ao sacrifício e à devoção.

33

Para ele, a resolução harmônica é indispensável, pois acredita que a lógica da harmonia equivale à do pensamento. 34 TACUCHIAN, R. (1994-5) p.9. 35 A associação ética dos modos foi teorizada na Grécia antiga e retomada, com modificações, na Idade Média. 36 MAHLE, cf. entrevista (1996).

31

A noção de claro-escuro corresponde, aproximadamente, às considerações de Persichetti sobre o acréscimo de sustenidos ou bemóis ao modo dórico (dó com 2 bemóis), que seria o ponto central. O modo lídio (dó com fá #), por exemplo, seria mais “brilhante”, enquanto o frígio (dó com 4 bemóis), seria mais “sombrio” 37 . Com as séries de sonatinas e concertinos, Mahle deu continuidade à exploração do modalismo aliado à forma-sonata (pelo aspecto didático também), e passou a se utilizar de elementos rítmicos brasileiros, folclóricos ou populares, com maior freqüência. Isso acontece com a “Sonatina 1975” e o “Concertino 1978”, ambos para contrabaixo, sendo que no último a característica nacionalista também se estende ao plano melódico. À medida que as técnicas de vanguarda passaram a ser utilizadas por Mahle com menor freqüência, ele começou a se interessar mais pelo nacionalismo, por diversas razões. A principal delas é que, desde o início, ele e Cidinha usaram as coletâneas de melodias folclóricas (“Guia Prático” de Villa-Lobos e outras) para o ensino, não só para preservar na criança a identidade cultural brasileira, como para ajudar na musicalização através do reconhecimento dessas melodias. Embora o folclore universal também fosse usado, a ênfase nas melodias brasileiras era considerável nos arranjos para coro e orquestra infantil. Além disso, Mahle sempre baseou sua obra vocal (e coral) em textos brasileiros, tanto folclóricos (como “Cambinda Elefante” de 1967, coletado por Guerra-Peixe em “Maracatus do Recife”), como dos autores Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, Cecília Meirelles, Cassiano Ricardo e Guilherme de Almeida. Suas duas óperas, “Maroquinhas Fru-fru” (de 1974, com texto de Maria Clara Machado), e “A Moreninha” (de 1980, com texto de José Maria Ferreira, baseado em Joaquim Manuel de Macedo), também têm características nacionalistas.

37

PERSICHETTI, V. (1985) p. 33-4.

32

A partir da composição de obras como a “Suíte nordestina” (para o Concurso do Estado da Paraíba, em 1976), baseada em melodias coletadas por Mário de Andrade (reunidas no volume “Danças de Feitiçaria”), o compositor passou a ter maior contato com o folclore nordestino, que apreciou muito pela riqueza do seu modalismo 38 , e procurou conhecê-lo com maior profundidade, estudando os modos ocorrentes sob o ponto de vista melódico e harmônico. Com o tempo, Mahle percebeu que já tinha incorporado características rítmico-melódicas do canto nordestino ao seu estilo composicional. Lamenta, porém, que quando esteve no Nordeste (Recife e João Pessoa), em 1987, encontrou muito pouco das manifestações espontâneas do folclore. Depois da “Suíte nordestina”, voltou a utilizar melodias folclóricas como citação explícita, como no “Carimbó” de 1982 (suíte de cantos paraenses, para coro 39 ), no “Concerto para clarineta 1988” (canção de cego, no 2º movimento), na “Sinfonia Nordestina” de 1990 (baseada em melodias da coletânea de “Danças Dramáticas”, de Mário de Andrade) e na “Jangada de Iemanjá” (1996) para oito contrabaixos. Atualmente, Mahle assume uma postura eclética em relação aos meios e materiais a serem utilizados em sua composição. Acha que a utilização de melodias folclóricas ou de estruturas modais com características nacionalistas continua válida, assim como a tonalidade expandida pelo acréscimo de alterações no sistema escalar e harmônico. Nas suas obras há, geralmente, apenas um movimento de característica rítmica e/ou melódica nacionalista; os outros podem ser também modais,mais ou menos complexos, mas sem nenhuma referência brasileira. Talvez o aspecto mais importante seja a combinação de elementos de várias procedências. Por exemplo: modo de tons inteiros como elemento de transição; melodia sem característica nacionalista

38

Presume-se que no sul do país a música folclórica tenha ficado reduzida ao modo maior devido ao uso do acordeão e da gaita como instrumentos acompanhantes (PAZ, E. [1993] p.17-8).

33

com acompanhamento de influência folclórica ou popular; modo pentatônico sem característica nacionalista; transformação melódica pela mudança de modo; uso da série harmônica e sua inversão; trechos de ritmo livre (aleatório); trechos explicitamente tonais, ou de resoluções harmônicas tonais; exploração da ambigüidade enarmônica do trítono; cromatismos, etc. Às vezes, o estilo de suas peças é influenciado pelas pessoas, grupos ou eventos para os quais ele compõe. Se fosse compor uma obra com mais aparato, acha que usaria até mesmo a música eletrônica, como uma pequena parte do todo. Em entrevista para o jornal “La Prensa”, Mahle declarou: “Tenho procurado sempre um meio termo entre a vanguarda e o tradicional. Fiz algumas composições avançadas, mais elas são minoria. Não me identifico muito com essa tendência” 40 O compositor, que pesquisou muito o funcionamento dos instrumentos, não experimenta mais cada um deles para compor, mas se utiliza sempre do piano como ferramenta de trabalho na composição. No caso do “Concerto 1990” para contrabaixo, ele anotou uma coleção prévia de temas surgidos da sua improvisação ao instrumento, assegurando a adequação técnica e idiomática. O tradicionalismo ou neoclassicismo de Mahle em relação a aspectos como forma, fraseologia e elaboração temática, estruturas escalares e harmônicas se deve a vários fatores. Pelo aspecto didático, a composição de sonatinas e concertinos devia fornecer peças acessíveis ao estudante. Pelo aspecto funcional, as peças precisavam se adequar à capacidade de assimilação do ouvinte; a troca de vozes e a utilização constante de elementos temáticos visava satisfazer os executantes. Há, também, o aspecto filosófico, responsável pela opção profissional de Mahle.

39 40

Com versões posteriores para 2 pianos (ou piano a quatro mãos), e para cordas. Em entrevista para “La Prensa”, Buenos Aires, [s.d.].

34 O interesse pela antropossofia 41 foi herdado de seu pai. Mahle acha que graças ao seu envolvimento com essa filosofia, pôde desenvolver a sensibilidade necessária para se inclinar pela música e para o ensino, pois fôra um menino mimado, de família abastada, e não tinha nenhuma tendência para o idealismo. Da concepção místico-filosófica de Mahle decorre, em parte, a valorização da forma-sonata, que julga importante demais para ser descartada na composição. Em sua teoria pessoal, baseada na lenda de Parsifal, ele imagina o primeiro grupo temático como a situação de um indivíduo na realidade cotidiana, com os problemas que ela apresenta. No segundo grupo temático, o personagem se vê transportado para o mundo dos sonhos, irreal e distante (modulação para o antípoda). No desenvolvimento, o sujeito, impregnado pelas maravilhas desse mundo ideal, tenta reconquistá-lo lutando contra a realidade. Como ele não consegue se livrar dos problemas, a realidade volta na reexposição com todas as suas atribulações. Porém, quando o segundo grupo temático é reexposto no mesmo plano tonal do primeiro, o indivíduo tem a felicidade de perceber que conseguiu trazer à realidade o sonho almejado 42 . Para Mahle, esse planejamento temático continua válido nos dias de hoje, pois a reexposição representa uma segunda chance dada ao indivíduo, em algum momento da vida, que é cíclica, quando a primeira oportunidade de alcançar determinado objetivo lhe escapa. O fator de inovação em relação à forma clássica é a modulação para o pólo oposto do círculo de quintas, ao invés da vizinha dominante. Ernö Lendvai, em sua análise das estruturas formais bartokianas, exemplifica o uso dessa relação entre pólo e antípoda, analisando os planos tonais da ópera “O Castelo do Barba Azul”. Nessa obra o pólo inicial fa# representa o ambiente sombrio do castelo; o antípoda dó surge

41

Doutrina espiritual e mística que teve sua origem na teosofia e que se baseia, principalmente, nos ensinamentos de Rudolf Steiner (1861-1925), filósofo austríaco (FERREIRA, A. [1986] verbete antropossofia).

35

para caracterizar o reino luminoso de Barba Azul; e, por fim, o fa# traz de volta o ambiente noturno 43 . A modulação ao trítono, que poderia ser creditada à influência desse procedimento de Bartók, segundo Mahle se deve mais ao impressionismo, pois Debussy usou muito essa relação intervalar, e o próprio modo de tons inteiros contém as terças diametralmente opostas (dó-mi e fá#-lá#, por exemplo). O que Bartók lhe inspirou diretamente foi o uso do folclore no ensino das crianças, desde quando tomou conhecimento da sua obra didática através do “For Children” e do “Mikrokosmos” 44 . Ainda quanto à forma-sonata, Mahle procura esgotar as possibilidades de combinação e transformação dos segmentos temáticos, de forma que se identifique claramente a sua origem, o que considera influência do tipo de desenvolvimento elaborado por Beethoven. A troca de vozes (em relação à exposição) entre solista e orquestra, para satisfazer os músicos que estão “acompanhando” o concerto 45 também pode ser considerada um desdobramento das características da Gebrauchsmusik 46 . Dentre as muitas considerações musicais de Mahle no plano filosófico, há uma interessante descrição do contrabaixo como sendo um instrumento tão sonoro quanto o violoncelo, mas trazendo algo de maravilhoso que são os sons mais graves e aveludados que o violoncelo não tem. Por estarem abaixo da tessitura vocal, esses sons representariam um lado cósmico, das forças da natureza. O instrumento se completa com os agudos que imitam a voz humana, que para ele é o que se pode ouvir de mais belo no planeta 47 . Ainda no seu modo de ver, os instrumentos de corda são especialmente expressivos por estarem em contato físico com o corpo do instrumentista (pró-

42 43 44 45 46

MAHLE, cf. entrevista (1996). LENDVAI, E. (1971) p.4. MAHLE, cf. entrevista (1996). Ibidem HARVARD DICTIONARY OF MUSIC (1972) verbete Gebrauchsmusik.

36

ximos ao coração); e a sensibilidade do artista e a emoção captada na música ao vivo, estão entre os raros fenômenos que, nos dias de hoje, ainda nos mantém ligados ao mundo espiritual superior 48 .

3.2 - A escrita idiomática da obra para contrabaixo de Mahle Depois da “Canção e Dança” (1934) de Gnattali, houve, aparentemente, um vácuo de mais de 30 anos na composição brasileira para contrabaixo. Só temos conhecimento de peças escritas a partir de 1968, com o “Desafio IV” op.31, nº 4 bis de Marlos Nobre (1968-77), seguido pelos “Dois estudos para dois contrabaixos” de Mário Ficarelli (1969), e pelo “Choro seresteiro” para dois contrabaixos, de Osvaldo Lacerda (1974-81). Quando Mahle resolveu compor a “Sonatina 1975”, ele desconhecia a existência de peças brasileiras para contrabaixo, mesmo porque a maior parte delas não havia sido editada ainda e, provavelmente, só se tornou pública algum tempo depois. Nessa época, Mahle já tinha tido um contato de mais de duas décadas com o contrabaixo, pois, quando ainda estudava com Koellreuter, este montara uma orquestra de cordas para, entre outras atividades, experimentar as composições do grupo, e cabia a ele tocar o instrumento. Para isso adquiriu um exemplar do Método de Franz Simandl e começou a estudar por conta própria. Posteriormente, recebeu de Calixto Corazza, professor da Escola de Música de Piracicaba com quem estudou violoncelo por quatro anos, orientação mais completa sobre a técnica de execução do contrabaixo. Corazza era filho de um contrabaixista, e por isso também conhecia o instrumento, assessorando Mahle no ensino do mesmo. Além do contrabaixo, o compositor aprendeu

47 48

MAHLE, cf. palestra (1996). MAHLE, cf. entrevista (1996).

37

a manejar diversos outros instrumentos, para poder ensiná-los quando a escola não dispusesse de professores de fora, como explica: Dei aulas de contrabaixo mais ou menos entre 1955 e 1975, enquanto não tínhamos professor. Pode-se dizer que, dentro daqueles anos, lecionei praticamente todos os instrumentos de uma orquestra sinfônica clássica, por períodos maiores ou menores, conforme necessário. 49

Dessa forma, adquiriu muita experiência sobre o funcionamento e a execução dos instrumentos de orquestra, usufruindo desses conhecimentos na sua atividade composicional. Com a humildade de sempre e o bom humor peculiar, o compositor revela que conhece o contrabaixo em todos os sentidos, pois teve que aprender inclusive a consertar o instrumento, tendo efetuado reparos como troca de espelho e outras partes, e até uma transformação de quatro para cinco cordas 50 . A intimidade de Mahle com o contrabaixo também se deve ao fato de que ele já tinha escrito, para seus alunos iniciantes, o “Método elementar”, os “60 duetos fáceis” (arranjo), o “Quarteto para violino, viola, violoncelo e contrabaixo” (1956), a “Dança dos palhaços” para 2 clarinetas, contrabaixo e piano, o concertino sobre “Atirei um pau no gato” (1971) e as “Melodias da Cecília” (1972). Na “Sonatina 1975”, sua primeira peça “séria” para contrabaixo e piano, Mahle utilizou o registro orquestral do instrumento (mi 1 a si

3,

excetuando harmônicos)

e aproveitou os harmônicos naturais em posições da primeira metade da corda, pensando na facilidade de execução - os harmônicos na segunda metade da corda geralmente são ensinados numa etapa posterior. Uma característica que já se percebe na sonatina é a preocupação em escrever desenhos melódicos executáveis com poucas mudanças de posição, ou mesmo em uma só posição (ex.1), aspecto da adequação

49

Ibidem.

38

técnica. Mais do que o simples fato de pensar na adequação de fragmentos melódicos ao dedilhado limitante do contrabaixo - uma posição abrange, em princípio, dois semitons -, Mahle descobriu como obter efeito de velocidade sem obrigar o executante a um esforço excessivo, o que é um recurso idiomático. De certo modo, ele conservou essa característica como uma marca registrada nas composições posteriores, principalmente no “Concertino 1978” e no “Concerto 1990”.

Exemplo 1

Logo depois da sonatina, Mahle empregou continuamente o contrabaixo em peças para grupos de câmara: o “Septeto” (1975), “O amor é um som” (1976) e o “Noneto” (1977). Da “Sonatina 1975” para o “Concertino 1978” para contrabaixo e cordas, não houve substancial mudança na escrita de Mahle, talvez pelo pouco tempo transcorrido entre uma e outra peça. Elas são parecidas do ponto de vista da técnica, da adequação e da linguagem, com o uso de ritmos sincopados, escrita modal e tessi-

50

MAHLE, cf. palestra (1996).

39

tura orquestral (ex.2). O concertino foi dedicado a Sandor Molnar Jr., que lecionou contrabaixo na E.M.P. por cerca de 7 anos, e a quem coube a sua estréia. Os “Duetos modais” de 1980, estreados não integralmente por Sandor Molnar Jr. e Makoto Ueda, são inventivos e variados, e, mantendo as características técnicas das peças anteriores, se inserem em uma série de duos didáticos para vários pares de instrumentos. Devido a esse aspecto didático, as vozes conservam entre si uma amplitude limitada de alturas, para que as peças sejam acessíveis aos estudantes.

Exemplo 2

A atitude de pesquisa de Mahle em relação à escrita para contrabaixo pode parecer um procedimento óbvio e previsível, porém é um dos fatores que colocam esse compositor em posição privilegiada em relação à maioria, quanto à adequação técnica e idiomática das obras. Contribuiu para isso o fato de que Mahle, na medida do possível, levava o instrumento objeto de uma composição para casa, a fim de manuseálo. Graças a isso, também, a exploração dos efeitos sonoros do contrabaixo foi desenvolvida e expandida em suas peças posteriores, como o “Concerto 1990” e o “Quarteto 1994” como exemplificar-se-á a seguir.

40 O “Concerto 1990”, objeto deste trabalho, é uma das primeiras 51 obras brasileiras para contrabaixo do gênero, já que o concerto de Miguez extraviou-se. Para a sua composição, além da experimentação no próprio instrumento - não precisou recorrer a nenhum instrumentista para tal fim -, Mahle examinou peças da literatura clássica e romântica, para familiarizar-se melhor com a linguagem composicional do contrabaixo solista. Ademais, durante o longo intervalo de tempo que separa essa obra das anteriores, ele teve oportunidade de ouvir outros contrabaixistas executarem o repertório de concerto do instrumento, tanto nos concursos de Piracicaba, quanto em suas viagens. A obra começou a ser escrita em 1990, tendo em vista o Concurso Jovens Instrumentistas de 1991, e em março do ano seguinte o primeiro movimento estava pronto. Coube ao autor deste trabalho a honra da dedicatória, e a oportunidade de estrear esse movimento naquela ocasião, com a orquestra da E.M.P., sob regência do compositor. Essa relação compositor-intérprete, que se estabelecia então, foi fundamental para a compreensão da obra e da concepção do autor, e para a interpretação, desenvolvida nas execuções posteriores e ao longo deste trabalho. A peça foi concluída no mesmo ano, na expectativa de ser estreada na Bienal de Música Brasileira Contemporânea, o que não aconteceu. Em julho de 1994, ocorreu a primeira audição do concerto com acompanhamento de piano, em recital do Mestrado em Música Brasileira da Uni-Rio, que originou este trabalho. A sua primeira audição integral se deu, finalmente, em novembro de 1995, no concerto de abertura da XI Bienal de Música Brasileira Contemporânea, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, também comigo como solista e a Orquestra Sinfônica do Teatro, sob a regência do Maestro Mário Tavares, contando com a presença do compositor.

51

Se não houver outro além do concerto de Ernst Widmer (1986), o de Mahle é o segundo.

41

No concerto, a preocupação com a adequação técnica e com a escrita idiomática se verifica, por exemplo, na cadência (ex.3), nos desenhos cromáticos (ex.4) e nas notas repetidas (ex.5) do 1º movimento; nas quartas (ex.6) do 2º movimento; nos desenhos escalares (ex.7) e na passagem em harmônicos (ex.8) do 3º movimento.

Exemplo 3

Exemplo 4

Exemplo 5

42

Exemplo 6

Exemplo 7

Exemplo 8

Além dos aspectos vindos da postura didática de Mahle (adequação técnica e idiomática), o concerto representa uma grande evolução em relação às peças anteriores, pelo seu caráter virtuosístico, pelo emprego da afinação solista (um tom acima), pelo uso de toda a extensão do espelho (escala) do instrumento (ex. 5 e 7), pela exploração do cantabile e de efeitos sonoros como seqüências melódicas em harmônicos naturais (ex.8), glissando (ex.9), glissando de harmônicos naturais (ex.10), harmônicos artificiais em arpejos (ex.11), cordas duplas em desenho original (ex.12), pizzicato (imitação de violão seresteiro, ex.13), etc. Alguns desses recursos ainda são raros na música brasileira para contrabaixo, especialmente pelo seu uso idiomático, o

43

que justifica o apreço que os contrabaixistas têm por Ernst Mahle e seu pioneirismo em relação à composição para o instrumento no Brasil.

Exemplo 9

Exemplo 10

Exemplo 11

44

Exemplo 12

Exemplo 13

A obra seguinte, o “Quarteto 1994” para contrabaixos, foi dedicada aos contrabaixistas Antonio Arzolla, Sandrino Santoro, Fausto Borém e Sandor Molnar Jr., e foi estreada pelos mesmos em outubro de 1995, em concerto do XVIII Panorama da Música Brasileira Atual, da Escola de Música da UFRJ. Nessa peça, Mahle deu continuidade à exploração do potencial virtuosístico, expressivo e tímbrico do instrumento (ex.14: harmônicos, tremolo e pizzicato). Como é inevitável nas obras do gênero - por sinal a primeira no Brasil -, para conseguir uma amplitude satisfatória de alturas, o autor colocou a 1ª voz no registro superagudo do instrumento, acarretando grande dificuldade técnica (ex.15). Porém, provando a habilidade adquirida por Mahle na composição para contrabaixo, a peça é perfeitamente executável, desde que os executantes das duas primeiras vozes dominem a técnica do capotasto 52 .

52

Uso do polegar esquerdo, a partir da 2ª metade da corda.

45

Exemplo 14

Exemplo 15 A última obra que Mahle compôs para contrabaixo, até o presente momento, foi a “Jangada de Iemanjá”, para oito contrabaixos, baseada em tema folclórico, composta para as comemorações do 43º aniversário da Escola de Música de Piracicaba, em março de 1996, e estreada pelos mesmos contrabaixistas do quarteto, além de

46

Valdir Claudino, Voila Marques, Ricardo Rodrigues e Álvaro Damazo. Na ocasião, em concerto dedicado ao contrabaixo, reuniram-se contrabaixistas e outros instrumentistas em várias formações camerísticas, executando, entre outras obras, alguns “Duetos Modais”, o “Quarteto 1994”, e o referido octeto, de Ernst Mahle. Nessa peça, o autor se preocupou principalmente com a necessidade de entrosamento dos oito instrumentistas, e, considerando que haveria pouco tempo de ensaio, escreveu de forma simples e clara, em andamento moderado e com isorritmia nas vozes vizinhas. Apesar da simplicidade da linguagem, a peça explora amplamente os recursos idiomáticos e tímbricos do contrabaixo, como efeitos percussivos, harmônicos, glissando e pizzicato Bartók.

4 - O CONCERTO 1990 PARA CONTRABAIXO E ORQUESTRA

4.1 - Aspectos composicionais

4.1.1 - Primeiro movimento - Allegro Moderato Esse movimento apresenta estrutura de forma-sonata, com dois grupos temáticos contrastantes. O primeiro, em lá, é predominantemente rítmico, sincopado; e o segundo, em mi

(antípoda, polo oposto), é predominantemente melódico, cantabile.

Enquanto a orquestra executa um acompanhamento sincopado, cujo ritmo (característico do folclore afro-brasileiro) será a base de todo o movimento, o contrabaixo apresenta o tema inicial, que começa rítmico, sincopado, em lá pentatônico menor 53 (segmento a, anacruse do c.3 a 10.2.1) e termina, já contrastante, em colcheias. Essas colcheias, ligadas duas a duas, abrandam o caráter rítmico do 1º grupo temático, primeiro com o segmento b 1 (c.11 com anacruse ao 12.2.1), depois em desenho de quintas ascendentes e descendentes com direção geral descendente (segmento b 2 , c.13 com anacruse ao 17.1.1). Essa descida, junto com a subida das clarinetas, lembra o modo de tons inteiros, mas na realidade é uma progressão por tons inteiros de acordes de sétima da dominante (invertidos e enarmônicos). Porém, o modo de tons inteiros estará presente no decorrer da obra, principalmente como elemento de transição e ligação (ex.l6).

53

A associação entre o modo pentatônico e o ritmo sincopado alude ao folclore afro-brasileiro.

48

Exemplo 16

No tutti a seguir, há uma preparação gradual (c.17 a 23) para a apresentação do tema em fortissimo pela orquestra, contrastando com o solo, que terminou em piano. Essa intervenção da orquestra, que imita o contrabaixo, é apresentada inicialmente em pentatônico (segmento c, c.18 com anacruse ao 20.2.1), logo enriquecido com alterações que tornam a harmonia mais densa. Nos c.34-36.2.1 é introduzido um segmento cromático (d) muito utilizado ao longo do movimento, já sugerido antes, nos c. 8 e 20 (ex.17). De antemão, o compositor sabia que os motivos cromáticos de três notas são fáceis de tocar no contrabaixo, inserindo esse elemento propositadamente, para desenvolvê-lo a seguir 54 .

54

MAHLE, cf. entrevista (1996).

49

Exemplo 17

A partir do c. 42.2 o solista apresenta uma pequena cadência em pentatônico (segmento e, ex.18) que leva a uma seção de diálogo entre solista e orquestra (c.49 em diante), onde se alternam os materiais temáticos básicos, o cromático (d) e o sincopado (a, c), ou se fundem, como nos c.57-9 e 63-6 do oboé (ex.19).

Exemplo 18

Exemplo 19

50

Na transição para o 2º grupo temático, a partir do c. 74, o contrabaixo toma o segmento cromático d dos c.34-5, alternando-o com seqüências de quartas e terças em progressão cromática descendente, e movimento contrário das clarinetas (do mesmo modo que nos c.13 a 16), além de pedal no baixo (ex.20).

Exemplo 20

Antes, porém, o elemento cromático fôra anunciado na linha do solista, nos c.66-7 (segmento f), lembrando o início da cadência (segmento e) (ex.21).

Exemplo 21

A seção de transição encerra o 1º grupo temático, modulando ao antípoda de lá, mi , procedimento geralmente utilizado por Mahle, para maior contraste entre os planos temáticos. O 2º grupo temático se inicia com preparação pela orquestra (segmento g, c.85 com anacruse ao 86) para o tema do contrabaixo (segmento h, dividido

51 em h 1 , h 2 , h 3 e h 4 , c.87-95.1), que se apresenta em modo lídio-mixolídio 55 , em mi , com a característica do trítono descendente inicial (segmento h 1 , c.87-88.2.1). Esse modo, também chamado de “modo nacional” 56 , ou escala harmônica 57 , ocorre muito no folclore nordestino, mas também na Europa Central, como observa Ricardo Tacuchian, em seu artigo sobre Bartók 58 . O 2º grupo tem caráter cantabile, expressivo, contrastando com o anterior, e é baseado na série harmônica, tanto pelo uso do modo lídio-mixolídio quanto pelos trechos em arpejos. O 11º harmônico (correspondente à 4ª aumentada da tônica) confere a característica do modo lídio, e o 7º harmônico (correspondente à 7ª menor da tônica) dá a característica do mixolídio, como no segmento h 2 (c. 89 com anacruse ao 90). O trecho em harmônicos artificiais, (segmentos h 3 , c.91 ao 92.2.1, e h 4 , anacruse do c.93 ao 95.1), que imita a frase anterior (segmentos h 1 e h 2 ), surgiu do manuseio minucioso do contrabaixo pelo compositor 59 . O último segmento (h 4 ), constituído de um arpejo maior que gera um acorde acrescentado à harmonia, representa um efeito característico da seqüência de harmônicos artificiais de 5ª, 4ª e 3ª maior, mantendo-se a mesma base (mi#) com o polegar (ex.22).

Exemplo 22

55 56 57 58 59

MAHLE, E. (s.d.) Modos, Escalas e Séries, p.5. SIQUEIRA, J. (1981) p.7. PERSICHETTI, V. (1985) p.42. TACUCHIAN, R. (1994-5) p.9. MAHLE, cf. entrevista (1996).

52

Exemplo 22 (continuação)

No c.95, o tema do solista (h) passa para a orquestra, sendo comentado por ele. Nota-se que o autor quis lembrar elementos do 1º grupo temático, nos c.100-2 (segmento a), e nos c.103-4, baseados no segmento b 2 , agora em terças maiores e harmonia de tons inteiros, iniciando a transição para a codeta com a volta do ritmo sincopado a partir do c.105, segmento g do 2º grupo temático (ex.23).

Exemplo 23

Na codeta, a partir do c.112, a orquestra reafirma o estabelecimento do antípoda mi

e o caráter pentatônico (agora em maior) e sincopado do 1º grupo temático,

imitando, a partir do c.115 com anacruse, o segmento c, e, a partir do c.123, o elemento lídio (segmento h 1 ) do 2º grupo temático (ex.24).

53

Exemplo 24

Enquanto isso, ainda na codeta, o contrabaixo ornamenta a passagem com arpejos em ampla tessitura, imitando nos c.112-13 e 117-18 o segmento h 3 do 2º grupo temático, em desenho de evocação folclórica caracterizado por grupos de semicolcheias articuladas de duas a duas, com a 2ª repetida na 1ª do grupo seguinte (segmento i), e finalizando com insistentes glissandi (ex.25).

Exemplo 25

54

O desenvolvimento, que compreende os compassos 129 a 181.1, é permeado por um desenho cromático, baseado no segmento f, do 1º grupo temático, com o qual o contrabaixo inicia a 1ª subseção (c.129 a 149), no registro supergrave (c.129-30, ex.26).

Exemplo 26

Em seguida, o solista executa um arpejo em movimento ascendente que imita o segmento i, do início da codeta, em movimento retrógrado (c.131-3, ex.27).

Exemplo 27

A orquestra responde a essa introdução repetindo o desenho cromático do contrabaixo em movimento contrário nas violas e no 1º fagote, combinado com uma inversão dos segmentos g e h 1 , que resulta em modo frígio (c.133-6, ex.28).

Exemplo 28

55

Exemplo 28 (continuação)

A seguir, o solista relembra o segmento b 1 complementado pela flauta, que imita o segmento b 2 , ambos do 1º grupo temático (c.137-40, ex.29).

Exemplo 29

Essa subseção, que inclui uma repetição com modificações, uma terça menor abaixo (c.141-9), é caracterizada pela exploração da dissonância do trítono e do modo frígio resultante da inversão dos segmentos g e h 1 do 2º grupo temático. Ao final da repetição (c.147-9), o solista prepara a transição para a próxima subseção apresentando o segmento h 3 do 2º grupo temático, enquanto os baixos lembram o segmento b 1 do 1º grupo temático.

56

Na 2ª subseção, entre os c.150 e 162, o contrabaixo executa os segmentos h 3 (modificado), h 1 e h 2 do 2º grupo temático, sendo os dois últimos respondidos pela orquestra, em ordem inversa (c.150-6, ex.30).

Exemplo 30

Entre os c.157 e 162, o solista se utiliza, ajudado pela orquestra, de material baseado em b 2 , agora em movimento ascendente, servindo de transição para a subseção seguinte (ex.31).

Exemplo 31

57

Na 3ª e última subseção (c.163 a 181.1), mais intensa e dissonante, é alcançado o ponto culminante do desenvolvimento, com evocação cerrada de segmentos temáticos (como em stretto), entre os c.163 e 173. Enquanto o contrabaixo apresenta um arpejo baseado em h 2 do 2º grupo temático, a flauta insere um segmento baseado em h 3 , f e h 1 (alargado), intercalado com um segmento dos violinos e oboés, baseado no segmento c do 1º grupo temático. O segmento da flauta, inicialmente baseado em h 3 , em frígio, destaca-se pela falsa relação 60 (ré /ré bequadro) com o ambiente mixolídio, causando ambigüidade e tensão harmônica (ex.32).

Exemplo 32 A seguir, enquanto o solista retoma, no registro grave, o elemento cromático baseado em f, o 1º trompete executa um segmento baseado em b 2 , transformado em terças menores em staccato, em movimento ascendente por semitons (c.174-6, ex.33).

60

Definida por Mahle como a coexistência das duas terças, maior e menor (cf. entrevista [1996]).

58

Exemplo 33

As flautas tomam para si esse elemento em terças, suavizado com o modo de tons inteiros, e um pedal do solista em harmônico, criando grande contraste. A resolução da tensão harmônica se dá após essa seqüência por movimento contrário (com o oboé e o fagote em décimas maiores) em tons inteiros (c.178 a 181.1, ex.34). Esse modo é característico das retransições para a reexposição - ou transições menos importantes (c.103-4, ex.23) - na música de Mahle, por causa do efeito nebuloso que causa antes da volta do 1º grupo temático, geralmente diatônico 61 (ex.34).

Exemplo 34 Na reexposição, a partir do c.181, temos a reapresentação do 1º grupo temático com algumas diferenças, mas a mesma estrutura geral. O compositor se considera in-

59

fluenciado por Beethoven, pela riqueza com que este elaborava o desenvolvimento e pela sua originalidade na reexposição. Por isso Mahle se preocupa, nesse momento, em introduzir alguns elementos novos e trocar elementos temáticos entre o solista e os instrumentos da orquestra, o que faz também para satisfazer os músicos que estão “acompanhando” o solista 62 . Já no início, o oboé imita, em cânon, o tema reapresentado pelo solista (a partir da anacruse do c.184). O tutti, a partir do c.198 com anacruse, reaparece na subdominante, em ré, e as linhas melódicas do solista e da orquestra são intercambiadas entre os c.212 com anacruse e 221, onde o solista assume elementos anteriormente apresentados pelos violinos, violoncelos e fagote (nos c.32 com anacruse a 41). A pequena cadência da exposição (e) é substituída por um trecho de textura semelhante, lembrando um recitativo, até o c.237.2.1. Nesse trecho, o fragmento temático dos c.9 com anacruse a 10.2.1 aparece invertido nos c.224-6 e nos c.230-2, e há predominância de trítonos (ex.35).

Exemplo 35

A inversão de papéis entre o solista e a orquestra continua entre os c.246 com anacruse e 257.1, onde o contrabaixo assume elementos do oboé e troca outros com os violoncelos, em relação ao trecho correspondente da exposição (dos c. 56 com a-

61

MAHLE, cf. entrevista (1996).

60

nacruse a 67.1). Na conclusão da reapresentação do 1º grupo temático, no c.274.1, é reconduzido o “tom” inicial, lá, como de praxe, porém em maior, devido ao modo lídio-mixolídio do 2º grupo temático. A reexposição do 2º grupo temático segue com poucas modificações. A introdução da orquestra (g), por exemplo, é reapresentada pelo solista (c.275 com anacruse), em harmônicos. A seguir, enquanto o contrabaixo prossegue com o tema, a flauta cita o início do 1º grupo temático (a), alargado, complementado pela clarineta (c.276 a 287) (ex.36).

Exemplo 36

Entre outros acréscimos, há uma expansão da exploração dos harmônicos do contrabaixo (c.293-7), incluindo um glissando que aproveita um trecho da série harmônica de lá até o 9º harmônico, acompanhado por acorde de sétima da dominante em tremolo, sobre o baixo mi

62

Ibidem.

,

à distância de trítono (ex.37).

61

Exemplo 37

Na coda, do c.320 ao fim, enquanto os primeiros violinos reafirmam a célula inicial do segmento a, do 1º grupo temático, o contrabaixo executa arpejos em harmônicos naturais, no modo mixolídio (ex.38).

Exemplo 38

No tutti final, a orquestra repete a célula temática do segmento a, em cadência plagal, que alterna o lídio-mixolídio entre lá e ré, para manter a característica pentatônica temática.

4.1.2 - Segundo Movimento - Andante

62

Neste movimento temos uma estrutura de forma-sonata menos típica. O 1º grupo temático, em fá pentatônico, é exposto e repetido com seus elementos variados e redistribuídos entre as vozes. Encadeia-se com o 2º grupo temático, que, pela brevidade, confunde-se com coda, podendo criar a impressão de uma forma monotemática. Porém, como aparece modulado ao antípoda si, podemos considerá-lo um 2º grupo temático. Na reexposição, a repetição do grupo temático inicial se dá uma 4ª justa acima, em si

,

sofrendo uma expansão antes de chegar ao 2º grupo temático, que volta

ao plano de fá. Os elementos temáticos do grupo inicial (c.1 a 17) são apresentados simultaneamente pelo contrabaixo e pela orquestra. Esse grupo se caracteriza pela simplicidade das células melódicas (reiteradas sempre), compensada por oscilações de dinâmica (ex.40) como recurso expressivo, e pela predominância de harmonia pentatônica, aqui pensada pela possibilidade de explorar o intervalo de quarta, que no contrabaixo é executável em cordas duplas. Duas quartas à distância de um tom já formam quase o modo todo 63 , como no c.20 do solista, ou antes, no c.3 dos violoncelos (ex.39). Essas seqüências de quartas também representam um enriquecimento tímbrico da linha melódica, recurso característico do impressionismo, pelo qual Mahle é muito influenciado (ex.39 e 40). O trecho entre os c.12 e 17 apresenta maior tensão harmônica, que se resolve após o movimento descendente do contrabaixo, em lídio-mixolídio (c.15-8). Outra característica motívica que percorre esse grupo temático são as articulações de 2 notas, em que a 1ª é a repetição da 2ª do inciso anterior (segmentos a, b e d) como no segmento i do 1º movimento (ex.25, p. 53). Nota-se também a abundância de pedais, e a ambigüidade maior/menor da linha melódica (ex.40).

63

Exemplo 39

Exemplo 40

O desenho em cordas duplas dos c.34 a 36 (ampliado na reexposição), que consiste de quartas justas que se expandem para quintas justas (segmento e), além de ótimo e pouco explorado recurso contrabaixístico, é uma predileção do compositor, pois põe juntos polos opostos do círculo de quintas 64 , neste caso mi-si fá#-dó) (ex.41).

63 64

MAHLE, cf. entrevista (1996). MAHLE, cf. entrevista (1996).

(sons reais

64

Exemplo 41

No segundo grupo temático (a partir do c.36), após alusão dos violoncelos, em si frígio (c.37-8), ao segmento b do 1º grupo temático (c.3-4), o contrabaixo apresenta um segmento (c.38 a 43) de figuração rítmica e contorno melódico mais variados. Ele faz uma linha quase cromática descendente de uma oitava, através das notas superiores, apresentando, no c.42, a ambigüidade maior/menor do modo octotônico regular (percebido melhor na reexposição), e no c.43, a resolução picarda (para maior) do trítono. Essa terminação é prolongada pela orquestra (segmento f) e acompanhada pelo contrabaixo com motivo oriundo do segmento b (c.3), do 1º grupo temático. Mahle vê o modo octotônico ou octatônico como uma combinação de frígio, lídio e mixolídio, e o harmoniza no sentido de falsa relação, expressão que define a coexistência de duas terças em relação à tônica, a maior e a menor, causando essa ambigüidade 65 (ex.42).

65

Ibidem.

65

Exemplo 42

No c.44, o tema passa para a orquestra, enquanto o contrabaixo executa linha melódica em contraponto, e, para finalizar a exposição, toma para si o desenho da flauta do c.43 (segmento f), sustentando a terça do acorde no c.50, enquanto a flauta completa o desenho com o arpejo do seu segmento g (ex.43).

Exemplo 43

66

No breve desenvolvimento, entre os c.51 e 74, os elementos temáticos da exposição são explorados de forma cerrada. No compasso 51, o motivo dos violoncelos do c.3 (b), agora em semitom, se combina com o arpejo (g) do compasso anterior (e do c.44) na voz do solista, que em seguida lembra o motivo do c.2 (a) no c.53, com a 5ª descendente transformada em trítono. Nesse trecho inicial, essa célula e aquela dos c.4 e 5 (c) aparecem repetidamente (c.51 a 56, ex.44).

Exemplo 44

Nos c.57 e 59, o contrabaixo, com a ajuda das violas, forma o desenho de quarta justa que se expande em quinta justa (e) (dos c.34-5), reiterado nos c.60-1 pelo solista. Esse desenho, aliado aos arpejos ascendentes e descendentes das madeiras (g) e ao baixo dos c.56 e 58, baseado no segmento f do c. 43, invertido e em tons inteiros, promove uma agitação rítmica. Conduzida em marcha ascendente por tons inteiros - inicialmente de dois em dois compassos (56-7=58-9), depois de dois em dois tempos (c.60-1) - essa agitação culmina em fortissimo no c.62 (ex.45).

67

Exemplo 45

O fator da afinação em quartas do contrabaixo é novamente aproveitado nos c.64-8, com o desenho de arpejos em três cordas (ex.46), que, em movimento ascendente pelas notas superiores, leva ao ponto culminante de tensão do desenvolvimento, no c.69. Esse desenho é imitado pelos violinos - por terças e depois graus conjuntos nos c.72-4, em retransição para a reexposição.

Exemplo 46

O conteúdo da reexposição é praticamente o mesmo da exposição, com trocas de elementos entre as vozes. A 1ª subseção é condensada (c.1-7 = c.75-9). Os com-

68

passos 79 a 83 ganham enriquecimento melódico executado pela flauta. A repetição do 1º grupo temático, a partir do c.90, aparece em si , com a elisão de um compasso, entre os c.93 e 94. O trecho entre os c.104 e 113 traz um alargamento devido à expansão do desenho proveniente dos c.34-5, apresentando maior dificuldade técnica e possibilitando maior interesse ao efeito das cordas duplas. O movimento descendente em lídio-mixolídio da exposição se faz agora por tons inteiros, entre os c.102-5, preparando a modulação para o 2º grupo temático. Aqui também há marcha por tons inteiros, ascendente (c.106-7) e descendente (108-9), sendo que a descida tem o baixo (violoncelos em pizzicato) e a nota inferior do contrabaixo cromáticos (c.108-10) (ex.47).

Exemplo 47

O 2º grupo temático é reexposto, a partir do c.113, de forma quase idêntica à exposição, porém em fá, polo inicial do movimento, e a terminação feminina da flauta em arpejo (g) é reforçada com um pizzicato do contrabaixo.

4.1.3 - Terceiro Movimento - Vivo O compositor define esse movimento como uma valsa-choro 66 , o que se justifica pela alternância e combinação das fórmulas de compasso 3/4, 2/4 e 6/8, além de

66

MAHLE, cf. entrevista (1996).

69

seu do caráter nacionalista, ora brincalhão, ora nostálgico. A forma é um rondó, constituído principalmente de seções de quadratura fraseológica, (com duas frases de 8 compassos cada), o que evidencia o gosto pela simetria clássica cultivado por Mahle, facilitando também a combinação dos temas. A cada nova seção ele acrescenta contracantos muito melodiosos, combinando métricas e ritmos diferentes. Do ponto de vista harmônico e escalar, embora haja trechos com cromatismos ou tons inteiros, o movimento é predominantemente tonal. Inicia-se com um tutti em uníssono, onde a orquestra apresenta uma introdução de quatro compassos (segmento a), sincopada e cromática (ex.48).

Exemplo 48

A seguir, na 1ª seção (A), o contrabaixo apresenta o tema b em pizzicato, em lá menor, lembrando o “ponteado” do violão seresteiro, e caracterizando, em 3/4, a valsa idealizada pelo autor (c.5-21.1). Como contracanto, a flauta, acompanhada pelas clarinetas, executa uma melodia expressiva, que sugere, pelos intervalos dissonantes, appoggiature e escapadas, o caráter melancólico da modinha 67 (ex.49).

67

Mário de Andrade classificou as modinhas folclóricas em 3/4 como modinhas-valsas, predominantes em uma coletânea de melodias folclóricas registradas por ele (KIEFER, B. [1977] p.28).

70

Exemplo 49

Segundo o compositor, a introdução foi inserida para delimitar o movimento, já que o anterior termina em piano e o tema em 3/4 (b) também começa na mesma dinâmica 68 . Em tutti (c.21-37.1), o tema do solista é repetido pelos violinos, flautas, oboés, clarinetas, em contraponto com um baixo de divisão binária executado pelos contrabaixos, violoncelos, fagotes e trombones (c), configurando desde já a polimetria 69 ou ambigüidade métrica do movimento. Esse baixo servirá de base para os próximos temas (ex.50).

68

MAHLE, cf. entrevista (1996). Termo usado por alguns autores para definir a variedade de acentuações métricas dentro de um mesmo padrão rítmico (havendo coincidência de batidas), diferenciando-o do termo polirritmia, usado para definir a múltipla subdivisão de unidades rítmicas (sem coincidência de batidas). (ENCICLOPEDIA DELLA MUSICA [1964] verbete poliritmia; HARVARD DICTIONARY OF MUSIC [1972] verbete polyrhythm) 69

71

Exemplo 50

Na 2ª seção (B) (anacruse do c.38-73.1), o solista entra sozinho com o tema d, de caráter jocoso, dançante e virtuosístico, em 2/4, lá menor. Ele aproveita a anacruse do 3/4 anterior (tema b), os dois compassos iniciais do baixo do mesmo segmento (c), e o elemento sincopado inicial (a), seguido, após um salto, de um segmento escalar novo (e) (ex.51).

Exemplo 51

72

Esse segmento escalar, que se apresenta inicialmente em grupos de 4 semicolcheias descendentes por tons e semitons, juntamente com o refrão inicial sincopado (a) será o principal elemento dessa seção, caracterizada pelo diálogo entre o solista e a orquestra. Após reapresentação de elementos de a, b e c (c.45-9), o contrabaixo é interrompido pelo tutti em desenho escalar (e) descendente num padrão de t, st, t por terças maiores (anacruse do c.50-53.1, ex.54). Entre os c.54 com anacruse e 58, o contrabaixo repete uma vez mais os elementos de c e a, e a orquestra reitera o desenho escalar e descendente em padrão de st, t, st, por terças menores (c.58 com anacruse a 60.1), continuado pelo solista até o c.61. No compasso seguinte, o contrabaixo retoma o padrão de t, st, t, ascendente por terças maiores, e o transforma em seqüência de tons inteiros. No c.64, a orquestra continua os tons inteiros ascendentes em tercinas, e relembra o elemento sincopado inicial a (c.66-7). Nos c.68-70, o contrabaixo ainda repete os tons inteiros ascendentes em semicolcheias, depois em tercinas, e a orquestra lembra novamente o refrão inicial a, agora em tons inteiros (c.70), imitado melodicamente a seguir pelo solista em cordas duplas (c.71-2). O uso da fórmula de compasso 6/8 nos c.38-9, 46-7 e 54-5, embora não modifique a acentuação, previne o executante da ambigüidade que vem a seguir, acostumando-o a pensar simultaneamente nas duas métricas (ex.51). Na 3ª seção (C) (c.74 com anacruse a 102), a flauta e o 1º violino, ajudados pelo oboé, introduzem o tema f (até o c.89.1), em 6/8, dó# menor, baseado na anacruse do tema b e no baixo do mesmo tema (segmento c). Esse tema, de frases simétricas (8+8 compassos), a primeira ascendente e a segunda descendente, apresenta-se jocoso, caracterizado por uma ornamentação densa e cromática. O contrabaixo o acompanha em contraponto de colcheias, primeiro lembrando o tema b e insistindo em cromatismos descendentes de três notas (1ª frase, até o c.81), depois com saltos de dé-

73

cimas, duas a duas colcheias, insinuando polimetria (c.82-5). A terminação em pizzicato é acompanhada pelas violas e pelos violoncelos (c.88-89.1.1) (ex.52).

Exemplo 52

Em transição para a próxima seção, o tutti lembra o refrão inicial sincopado a em uníssono e invertido (c.90-3); no c.94 o contrabaixo retoma o desenho escalar e descendente (st, t, st, por terças menores), e logo apresenta um desenho de semicolcheias que mantém um pedal (mi -ré) e ascende cromaticamente pelas notas superiores, com efeito de rallentando dado pela mudança de compasso (c.100, 3/4) (ex.53).

74

Exemplo 53

Na 4ª seção (A'), iniciada no c.103, o contrabaixo retoma seu tema inicial (b) em 3/4, agora com arco, sendo acompanhado pelos violoncelos, enquanto o oboé e o 1º violino, apoiados pela clarineta e acompanhados pelos 2º violinos e violas, reapresentam o tema em 6/8 (f). Os acompanhamentos em métricas diferentes (3/4 e 6/8) reforçam a polimetria dos temas. Do c.119 ao 135.1, temos a repetição desse trecho em tutti, com os baixos e os fagotes executando o tema em 3/4, enquanto as madeiras, os violinos e trompetes reiteram o tema em 6/8, mantendo-se a polimetria, equilibrada pelo acompanhamento de cada tema. Na 5ª seção (B'), a partir do c.136, o solista introduz novo tema (g), em 2/4 sincopado, começando em lá menor, com o mesmo caráter sincopado de d, da seção B, enquanto os baixos da orquestra lembram o tema f com fragmento baseado no início da sua 1ª frase (c.74-5). No c.140, o novo tema é interrompido pela orquestra que retoma o desenho escalar e da seção B, em padrão de t, st, t, ascendente por terças maiores, em uníssono. No c.144, o contrabaixo volta para concluir seu tema (até o c.147), e os baixos insistem na lembrança do tema f através de fragmento baseado no

75

início da sua segunda frase (c.82-4), prenunciando a associação entre os dois temas, que acontecerá na seção final (ex.54).

Exemplo 54

Na anacruse do c.148, a orquestra torna a executar o desenho escalar (e) em padrão de t, st, t, ascendente por terças menores (aqui em octotônico regular), enquanto o oboé lembra o refrão inicial sincopado (a). Após a reiteração, pelo tutti, do segmento a em terças (c.150-3), há uma reapresentação quase idêntica, uma terça maior acima, do fragmento correspondente, na 2ª seção (c.62-73.1), aos c.154-65.1. Isso faz com que a seção B' possa ser considerada como uma reexposição da 2ª seção (B). Apesar do novo tema no contrabaixo e modulação no trecho reexposto, são mantidas as mesmas características de diálogo entre solista e orquestra, e a interrupção do tema do contrabaixo pelo desenho escalar

76

na orquestra. Esse procedimento sugere influência da forma-sonata no movimento, embora limitada a essa reexposição da 2ª seção. Na 6ª seção (D), em lá menor, do c.166 com anacruse ao 207, o compositor inicialmente aproveita o tema novo (g) da seção anterior, completando-o com elementos do refrão (a), para perfazer a quadratura de 16 compassos (8+8), que será útil à sua idéia inicial de juntar vários temas, com métricas diferentes 70 (ex.55).

Exemplo 55

Enquanto os violinos reproduzem esse tema (g') com ajuda da clarineta (na 2ª frase, c.174 a 180.1.1) e do fagote (elemento a, c.172-3), há introdução de dois temas novos. O primeiro (h) é um contracanto sincopado, com base de semicolcheias em staccato e algum cromatismo por notas de passagem, que, apesar de surgir como contraponto ao tema g', impõe-se por ser apresentado pelo solista e como elemento novo. O segundo contracanto (i), introduzido pela flauta, depois reforçado pelo oboé (na 2ª frase, entre os c.174 a 180.1.1), não é um mero contraponto, pois tem característica

70

Mahle imagina como se andasse pela rua e ouvisse a música dos “chorões” vinda de cada casa; e que a fusão desses sons não causa problema, pois os seresteiros são vizinhos e se dão [bem]...(cf. entrevista, 1996).

77

expressiva, pelas appoggiature, como o contracanto da 1ª seção (também na voz da flauta) (ex.56).

Exemplo 56

Na repetição em tutti, entre os c.182-94, esse contracanto (i) adquire maior importância, como voz superior, e pelo reforço do dobramento das flautas e dos oboés (à oitava inferior), além dos violinos, também oitavados. O tema do solista (h)

78

passa para os baixos e fagotes, como aconteceu na 4ª seção (A’), e o tema g' passa para o trompete com surdina, as violas e as clarinetas. Antes da finalização da 2ª frase, há uma interrupção em sforzando (c.194) para uma pequena cadência do solista que, começando em escala ascendente em semicolcheias no modo cigano autêntico 71 ou húngaro menor 72 , emprega elementos do refrão inicial a e do tema em 6/8 (f) (conforme os c.86 a 89.1). A orquestra acompanha com as cordas em tremolo e pizzicato, como se fosse um recitativo (ex.57).

Exemplo 57

Na 7ª seção (E) (c.208 a 223.1), de caráter delicado e infantil, o tema g', no tom do homônimo maior e em tessitura média e aguda, aparece na voz da flauta, acompanhado pelas clarinetas, oboés, trompa (em pedais) e fagote, e completado pelo oboé (elemento a, c.214-5) e pelo solista, no início da 2ª frase (c.216-7). O contracanto do solista, todo em harmônicos naturais, obedece à quadratura fraseológica de

71 72

MAHLE, E. (s.d.) Modos, escalas e séries, p.5. PERSICHETTI, V. (1985) p.42.

79

16 compassos e tem desenho de arpejos baseado na série harmônica, lembrando, de certa forma, elementos do 2º grupo temático do 1º movimento (ex.58).

Exemplo 58

Na seção final (A''), a partir do c.223, o contrabaixo reapresenta novamente o tema inicial (b) em 3/4, enquanto o oboé, ajudado pela flauta, retoma o tema (f) em 6/8, e os violinos em pizzicato e uníssono repetem o tema g', ajudados pela clarineta na 2ª frase. Esse trecho (c.223-39.1) apresenta, além da polimetria das fórmulas de compasso 3/4 e 6/8, a polirritmia das subdivisões das fórmulas 2/4, 3/4 e 6/8, que contrapõe duas notas a três, três a quatro e quatro a seis, já que a semínima do 2/4 corresponde à semínima pontuada do 6/8 e do 3/4. Na repetição final, o solista finalmente se insere no tutti - lembrando os concertos barrocos e clássicos - executando a linha dos baixos (com fagotes e trombones) em 6/8, a mesma de c, que acompanhou o tema em 3/4 no tutti da 1ª seção, e cujo segmento inicial deu origem a outros temas (d, f) do movimento. Os violinos, juntamente com as flautas, oboés e trompete (início), apresentam pela última vez o tema b em 3/4 da 1ª seção, e os demais instrumentos acompanham, enfatizando a ambigüidade rítmica que permeou o movimento.

80

4.2 - Procedimentos Interpretativos

4.2.1 - Primeiro Movimento - Allegro Moderato A primeira questão que se apresenta neste movimento é o estabelecimento de uma indicação metronômica que possibilite a realização das várias figurações rítmicas. Nesse caso, o andamento é definido em função das sextinas que, para serem claramente articuladas, sacrificam um pouco a vivacidade do sincopado inicial, adotando-se a pulsação básica de semínima=80. Outra questão que logo se impõe é a articulação dos ritmos sincopados, de modo a enfatizar a sua vivacidade e a sua característica de imitação de dança folclórica 73 . Já no ritmo do acompanhamento, a partir do primeiro compasso, temos o desenho de colcheia pontuada, semicolcheia ligada a colcheia e outra colcheia. Nesse desenho, as figuras devem ter quase a mesma intensidade, com ligeiro apoio na primeira e na terceira, sem sobressair a nota central sincopada, e devem ser articuladas separadas, como se fossem acentuadas. A terceira nota, que representa um salto no gestual da dança 74 - aqui enfatizado pelo salto melódico -, deve soar mais curta. Nos desenhos do contrabaixo derivados dessa figuração rítmica inicial, as síncopas também não sobressaem, mantendo-se a igualdade de intensidade e a separação de uma figura da outra, o mesmo aplicando-se aos c.79-80 (ex.59).

Exemplo 59

73

A articulação e a acentuação de um desenho rítmico não são imutáveis. Elas podem ser influenciadas ou condicionadas pelas características do contorno melódico, como a ocorrência de saltos (ascendentes ou descendentes), graus conjuntos ou repetição de notas. 74 “Os ritmos afro-brasileiros nada mais são do que a temporalização dos gestos das danças.” (SQUEFF, E., WISNIK, J. [1982] p. 44).

81

A primeira nota do contrabaixo, cuja notação prevê a corda solta, terá melhor qualidade tímbrica se for executada na 2ª corda (nota presa). Para maior clareza e comodidade, sugere-se suprimir a ligadura de direção de arco dos c.3, 5 e 7, bem como dos c.52, 60 e 62, fazendo com que a primeira nota de cada compasso subseqüente seja executada com a direção do arco para baixo (

, do talão para a ponta).

A frase conseqüente a partir do compasso 11 com anacruse (b 1 ) deve ser executada em tenuto, para contrastar com o elemento sincopado anterior, terminando em diminuendo nos c.15-17.1. A cadência, a partir do c.42 (e, ex.18, p. 49) pode ser executada com calma, comportando respirações após a primeira semicolcheia dos c.45 e 46, para melhor fraseio. Essa cadência poderia ser executada com um mínimo de dedilhação, aproveitando-se todas as cordas soltas. Deve-se preferir, porém, um dedilhado com mais notas presas, que dê maior uniformidade ao timbre e torne mais agradável a sonoridade, com a vantagem adicional de facilitar o trabalho de mudança de corda, minimizando-o. Podemos, então, prender o 2º sol do c.45, os ré do c.46, e os dois primeiros sol do c.47. Em todo o 1º grupo temático as anacruses devem ser sempre enfatizadas e curtas, conforme a sua característica inicial. Ainda nesse grupo, devemos, como é de praxe, elidir a parte prolongada das semínimas dos c.72 e 73, para melhor articulação, e efetuar um pequeno cedendo nas sextinas deste último compasso, devido ao fortissimo da orquestra. Os desenhos descendentes em semicolcheias dos c.75 e 77 (ex.20, p. 50) pedem intensidade decrescente em suas terminações, e o desenho ascendente do c.78 deve começar um pouco mais forte e ter intensidade crescente, culminando no compasso seguinte. Nesse trecho dos cromatismos é necessário acentuar levemente cada nota inicial de tercina, para clareza métrica. A finalização do 1º grupo temático também deve ser executada em diminuendo e pequeno

82

rallentando, a partir do c.82, para melhor efeito conclusivo e preparação para o 2º grupo temático. O caráter cantabile contrastante do 2º grupo temático requer sonoridade e articulações diferentes daquelas empregadas no 1º grupo. Aqui predomina o vibrato mais amplo, realizado com uma posição mais achatada (de “polpa”) dos dedos da mão esquerda, combinado com uma maior velocidade do arco, um ponto de contato intermediário entre o espelho e o cavalete (afastamento em relação ao cavalete) e menor pressão sobre as cordas (menor densidade, maior ressonância). Essa mudança nos parâmetros do arco e do vibrato gera um timbre mais “escuro”, “suave”, “doce” ou “aveludado” (com menos harmônicos agudos no seu espectro), ideal para realizar a melodia expressiva e calma desse grupo temático. Sugere-se para o trecho a marcação metronômica de semínima=65. A quarta aumentada do motivo inicial (h 1 , ex. 22, p. 51-2), que aparece pela primeira vez no c.87, faz-se sempre (ao longo do movimento) com discreto portamento na 1ª corda, o que valoriza a característica expressiva e misteriosa do salto descendente e mantém uma unidade tímbrica. No arpejo ascendente que segue (h 2 , ex. 22, p. 51-2), o sol # pressionado pelo polegar possibilita melhor posicionamento da mão esquerda para execução dos harmônicos artificiais, sendo insignificante a perda de expressividade decorrente desse dedilhado 75 , por se tratar de nota rápida e em parte fraca de tempo. Na medida do possível, deve-se procurar vibrar sutilmente essas notas em harmônicos artificiais (h 3 , h 4 , ex. 22, p. 51-2), sustentando a mais aguda delas (sol ), para obter maior expressividade. O segmento sincopado do c.100 (ex. 23, p. 52) deve ter o ritmo abrandado (mais tenuto), por estar inserido em trecho cantabile.

75

O vibrato realizado com o polegar não oferece uma amplitude satisfatória.

83

A partir do c.105, em transição para a codeta, reassume-se, aos poucos, o caráter de vivacidade do 1º grupo temático, com as figuras rítmicas separadas e o vibrato mais rápido, brilhante, apesar desse segmento inicial ser baseado em g (2º grupo temático). Daí até o fim da exposição retoma-se gradualmente o andamento, terminando um pouco mais rápido que o inicial do movimento, com aproximadamente semínima=85, para evitar a monotonia no final da codeta, com seus glissandi repetidos e a sua uniformidade (base de semicolcheias). No desenho de característica folclórica (notas repetidas) dos c.112-3 e 117-8 (i, ex. 25, p. 53), pode-se fazer algum rubato, sustentando mais as primeiras notas de cada fragmento descendente, e retomando logo o andamento, já que a orquestra mantém acordes estáticos nesses compassos. Para efetuar o glissando do c.122, convém ligar as duas semicolcheias que o antecedem, possibilitando uniformidade de arcadas, sempre na direção para cima. Para enfatizar a anacruse em glissando do c.125, repetida dois compassos depois, deve-se efetuar uma “respiração” antes da mesma, retomando o arco na metade inferior, em direção ao talão, o que também favorece a precisão rítmica. O início do desenvolvimento (c.129), com o contrabaixo (ex.26, p. 54) sozinho em semicolcheias e em piano, pode ser mais lento, fazendo-se a transição para as sextinas do compasso seguinte gradualmente, e tomando-se o cuidado de não acelerar muito, para que se entendam as notas que estão no registro supergrave. A mesma idéia de accellerando, com o qual o solista reconduz a movimentação rítmica, pode ser aplicada no c.141, deixando-se para apressar nas semicolcheias seguintes. Após esses desenhos baseados no 1º grupo temático, o solista recorre aos elementos h 3 , h 1 e h 2 do 2º grupo temático, respectivamente, que aqui (c.147-154) mantêm a sua expressividade melódica, adquirindo, porém, maior intensidade dramática, pela dinâmica forte e pelas mudanças na harmonia. Então, ainda que se mantenha a

84

característica de tenuto, o timbre deve tornar-se brilhante para conferir ao trecho o caráter enérgico, através de menor velocidade do arco, deslocamento do ponto de contato em direção ao cavalete e de um vibrato menos amplo (principalmente nos agudos), porém não menos rápido 76 . No trecho ascendente em colcheias (c.157-62) é melhor realizar um crescendo gradual até o forte do c.163, justificado pela necessidade de preparação para a maior tensão do trecho a seguir, e até mesmo pelo movimento ascendente (dinâmica natural). Nesse trecho, entre os c.163 e 175 (ex.32, p. 57), o solista deve responder à culminância de tensão com uma sonoridade no limite da força, entre o enérgico e o agressivo. A escala em sextinas do c.167 deve começar com o arco para baixo, e ter a direção trocada no segundo tempo, para maior audibilidade em meio ao tutti. É necessário dividir, pelo mesmo motivo, as arcadas dos c.165-6, 170-1, 174 e 175. A partir das sextinas do c.174, pode-se aplicar um rallentando gradual até a reexposição (c.181) e um diminuendo na orquestra, o que ajuda a criar o efeito nebuloso esperado pelo compositor nas retransições. Na reexposição, todos os procedimentos adotados para a exposição continuam válidos, cabendo analisar apenas a interpretação dos elementos novos introduzidos pelo compositor na linha do solista. No 1º grupo temático, a novidade começa no c.212 com anacruse - uma intervenção bem enérgica do solista, com o ritmo sincopado bem marcado, as notas separadas e vibradas, devendo-se evitar a comodidade de executar o sol agudo em harmônico (pouco expressivo e menos brilhante). A seguir, temos o elemento (c.214-19) vindo do baixo do trecho correspondente da exposição, que, sendo cromático e misterioso, deve ser bem tenuto e com vibrato bastante ex-

76

A idéia de que o vibrato deve ser mais rápido e menos amplo no agudo (ou o contrário, no grave) se deve à impressão causada pela diminuição da distância entre as notas nessa região (forçando a diminuição da amplitude em termos absolutos). É preferível regular a velocidade e a amplitude do vibrato através do controle auditivo (ao invés do visual ou mecânico), tendo em conta a proporcionalidade entre o tamanho da posição e a amplitude absoluta do vibrato, e de acordo com a necessidade expressiva de cada trecho musical.

85

pressivo (mais rápido). O segmento de quarta aumentada descendente do 2º grupo

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temático (h 1 ), inserido em seguida (c.219-20), deve manter-se na 1ª corda, por uma questão de coerência interpretativa e para melhor reconhecimento auditivo pelo ouvinte. Convém fazer uma cesura antes do forte piano do c.222, para que essa dinâmica seja mais efetiva e para melhor delimitação fraseológica. O trecho a partir desse compasso (até o c.237, ex.35, p. 59), correspondente à pequena cadência da exposição, tem característica de recitativo (acompanhamento com acordes curtos e espaçados), e pode comportar alguma liberdade de andamento. Inicia-se mais lento - por causa das sextinas e do registro grave - e separado (não ligado) - devido às síncopas, apressando a partir dos compassos em marcha (234-5), até retomar o tempo anterior no c.238. Nesse compasso (com anacruse) e no seguinte, que reiteram o elemento sincopado inicial em brilhante fortissimo, também se deve evitar o uso do harmônico da metade da corda, para obter melhor vibrato na nota sol. Devido à sua característica melódica e expressiva, o desenho do contrabaixo nos c.247-56 - correspondente à voz do oboé (e do violoncelo, em parte) na exposição - deve ser executado tenuto, apesar das síncopas, imprimindo-se maior velocidade ao arco e maior amplitude ao vibrato. No mesmo trecho, para clareza da métrica, pode-se dar algum relevo à primeira nota de cada tercina de semicolcheia. No c.275 com anacruse é o contrabaixo que introduz o 2º grupo temático, em harmônicos (ex.36, p. 60). Esse segmento, cuja notação prescreve a execução na primeira metade da corda, ganha sonoridade mais firme e projetada se executado nos harmônicos do fim do espelho 77 , e deve ser mais tenuto e vibrado, assim como os harmônicos a seguir, para melhor efeito expressivo. No c. 282, sugere-se abreviar

77

Esses harmônicos da 2ª metade da corda são correspondentes aos sons reais, ou seja, quando a corda é pressionada, o som emitido tem a mesma altura do som harmônico extraído daquele local.

87

a mínima em uma colcheia, para melhor preparação do harmônico artificial do compasso seguinte. No c.295, o arpejo em glissando de harmônicos será melhor compreendido se executado na metade do andamento corrente (dobro da duração, 4 tempos), ou em fermata na orquestra, seguida por rallentando nos c.296-7 78 . Deve-se tomar o cuidado de pressionar pouco a corda com o dedo da mão esquerda que realiza o glissando (2º dedo, de preferência), para que ele tenha o efeito de uma seqüência rápida de harmônicos, e não de um glissando real (que teria outra notação). O tempo primo é retomado no compasso seguinte, onde as figuras, como na exposição, devem ser acentuadas e separadas, o que vale também para o c.302. Convém evitar a execução das notas longas dos c.316-17 e 318-19 em harmônicos, sustentando-as presas. Embora seja menos cômodo, esse procedimento proporciona uma sonoridade mais firme e possibilita um vibrato mais intenso, de acordo com o caráter brilhante da conclusão do movimento. Nos compassos 322-3, o spiccato executado próximo à corda, com maior quantidade de arco, evita demasiado efeito percussivo - que reduziria a ressonância e o volume sonoro - e favorece a emissão dos sons harmônicos, que não respondem bem a um golpe de arco de ataque muito vertical. Nos compassos finais da coda, a partir do 324, realiza-se um accellerando para que o movimento termine bem vivo. A última nota do contrabaixo pode ser valorizada, para fazer frente ao tutti final, prolongando-se até o segundo tempo, inclusive com crescendo e troca de direção do arco.

4.2.2 - Segundo Movimento - Andante

78

Esse procedimento foi sugerido pelo próprio compositor, na ocasião da estréia do 1º movimento.

88

No 1º grupo temático deste movimento, cujas características principais são a simplicidade melódica e a oscilação da dinâmica, deve-se procurar enriquecer a execução com portamenti e variedade tímbrica, evitando a monotonia. Foi adotada a pulsação de semínima=64. No desenho descendente do contrabaixo (a, c.2), que teria maior unidade tímbrica sendo executado todo na 1ª corda, sugere-se fazer o mi

e o fá na 2ª corda, para

que as semicolcheias (c) seguintes soem com maior clareza e nitidez (na mesma posição do capotasto, evitando o portamento). Essas semicolcheias comportam rubato, consistindo em leve accellerando após a primeira e rallentando nas duas últimas. As mudanças de dinâmica desse trecho implicam também em mudança de timbre, intencional porém resultante do próprio modus operandi do arco. À medida que, para efetuar uma mudança de intensidade, pode ser necessário alterar parâmetros do arco, do vibrato e da pressão da mão esquerda, esse conjunto de mudanças pode ser mais ou menos perceptível ao ouvinte, dependendo da intenção do instrumentista ou das condições que se impõem. Às vezes, a despeito da vontade do intérprete, o timbre resultante decorre das possibilidades ou limitações do instrumento frente à demanda do texto musical (ou, em certos obras, da inadequação deste). No caso do trecho entre os compassos 8 e 11, na mudança do forte para o piano, o ponto de contato do arco é deslocado para mais perto do espelho (tasto), a velocidade do arco aumenta 79 , a pressão do arco sobre a corda diminui e a amplitude do vibrato aumenta. O timbre resultante desse procedimento é mais fechado (menos harmônicos agudos), o que convém à melhor percepção do contraste com o forte. Se quiséssemos a intensidade piano sem escurecimento do timbre, bastaria diminuir a quantidade de arco usada (velocidade), mantendo o ponto de contato e a pressão do

89

arco inalterados. Isso porém, faria diminuir o contraste e a própria ressonância. O mesmo vale para a dinâmica dos compassos 25 a 28. Naquele mesmo trecho usa-se, de preferência, o dedo 2 para o vibrato intenso da dinâmica forte, por que, sendo o mais robusto, pressiona a corda com mais facilidade que o terceiro dedo 80 . Quanto maior a pressão na corda, maior a nitidez das oscilações. No contrabaixo, as mudanças de posição são mais freqüentes que nos outros instrumentos de corda, devido à desproporção entre a escala do instrumento e o tamanho da mão. Por isso, o contrabaixista constantemente deve minimizar essas mudanças de posição através da pressão (e velocidade) do arco, de forma que essas só soem como portamenti quando ele desejar. Pode-se valorizar os portamenti surgidos dessas mudanças como enriquecimento expressivo, desde que se justifiquem, mais por circunstâncias musicais que por causa de limitações técnicas. Neste caso, os portamenti realçam a idéia de rusticidade ou “primitivismo folclórico” do modo pentatônico. No trecho em questão, aplicam-se portamenti entre a 1ª e a 2ª colcheias do c.8; entre a semínima pontuada e a colcheia seguinte do c.9; entre a 1ª e a 2ª colcheias do c.13; e entre a semínima pontuada e a colcheia seguinte do c.15. Pode-se também fazer uma cesura antes da última colcheia do c.11, destacando o trecho a seguir, que apresenta maior tensão harmônica e intensidade; e ritenuto no último tempo do c.16, enfatizando a idéia de repouso do movimento descendente e a finalização do segmento.

79

Decorrência do próprio ponto de contato, onde a vibração da corda é mais ampla. Nem por isso devemos nos restringir ao uso do vibrato de 2º dedo, o que limita a digitação no capotasto, dificultando a afinação e a mobilidade (agilidade) da mão esquerda. 80

90

Na seqüência de quartas (b) a partir do compasso 20 (ex.39, p. 63), executada com o dedilhado de pestana 81 , é importante vibrar os bicordes prolongados dos c.21-2 e 24, e obter uma sonoridade não agressiva, favorecida pela transparência do acompanhamento. Para enfatizar a tensão dos c.29 a 31, o arpejo quebrado do contrabaixo deve ser muito ligado, e de sonoridade sempre forte e densa, com menor velocidade do arco, podendo-se, ainda, preparar o salto de 5ª aumentada do c.30 com pequeno cedendo e portamento. Na descida, aplicam-se portamenti entre a semínima pontuada e a colcheia seguinte, no c.32; entre as duas últimas colcheias do c.33; e entre a semínima pontuada e a colcheia seguinte do c.35. No compasso 34, convém que o bicorde de quarta justa expandido para quinta justa (e) seja executado com os dedos 2 e 1, ao invés da pestana do dedo 2, porque esta é dificultada pelo salto que precede a quarta. Nas próximas ocorrências pode-se usar o dedilhado padrão, ou seja, dedo 2 em pestana para a quarta e dedos 1-4 para a quinta. Na finalização do 1º grupo temático (c.35-6), um rallentando prepara a atmosfera do 2º grupo temático. Esse 2º grupo temático, desproporcionalmente mais breve que o primeiro, deve manter-se em andamento mais lento (semínima=55), atingido com o rallentando anterior. Esse procedimento se justifica pela necessidade de dar mais calma e maior dimensão expressiva ao breve segmento, possibilitando também melhor assimilação, pelo ouvinte, de seu cromatismo e dos saltos dos c.40-1. Para valorizar os efeitos harmônicos da ambigüidade maior/menor e da cadência picarda (ex.42, p. 65), convém aplicar um rallentando do c.42 ao seguinte. Apesar da dinâmica piano, recomenda-se fazer todo o trecho mais sonoro, pois está em região grave; e bem tenuto, ligando

81

Com os dedos deitados sobre as duas cordas. É o mais cômodo e viável para a situação, embora nem todos estejam acostumados a fazê-lo.

91

(na mesma direção de arco) as duas últimas semicolcheias do c.41 e as notas do 2º tempo do c.42. O timbre, porém, pode ser fechado, escuro, para valorizar o caráter misterioso que o cromatismo e a ambigüidade (maior/menor) do modo octotônico conferem ao trecho (ex.42, p. 65); e as colcheias do acompanhamento das cordas ficam mais serenas se executadas em portato. No contraponto do contrabaixo a partir do c.45 (ex.43, p. 65), embora a dinâmica seja forte, convém evitar marcar as semicolcheias, fazendo-as tenute. Na conclusão descendente do contrabaixo (f), convém evitar o final abrupto, fazendo um rallentando nos dois compassos finais (c.49-50). No breve desenvolvimento, o contrabaixo entra sozinho, podendo começar lentamente, e apressar no final do arpejo ascendente (g, c.51, ex.44, p. 66), enfatizando assim a função introdutória desse segmento do solista. No c.53, o uso de portamento contribui para valorizar a expressão do salto descendente (a) de 5ª diminuta. O mesmo pode ser feito no salto do c.69 (a), porém com grande dramaticidade (vibrato e sonoridade intensos, pouco arco), devido à chegada do clímax da agitação gradual ocorrida no desenvolvimento. Essa intensificação começa a ser preparada pelas marchas a partir do c.56 (ex.45, p. 67). Nelas, os fragmentos em marcha (e) devem ser separados uns dos outros por pequenas cesuras (respirações), como se o fôlego fosse retomado com intensidade cada vez maior. Essas cesuras se aplicam, na linha do solista - já que na orquestra há arpejos de ligação -, entre os c.57 e 58, 59 e 60, e de dois em dois tempos nos c.60-1. As quartas dos c.62-3 podem ser pressionadas em dedilhado de pestana na 1ª e 2ª cordas, ao invés de se usarem os harmônicos da metade da corda (na 2ª e 3ª cordas), para obtenção de timbre mais brilhante (aberto) e para melhor vibrato, adequados à dinâmica fortissimo e à tensão do trecho. Ainda nesse trecho (a partir do c.56), o andamento é gradualmente apressado até o início do c.69,

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com pequena cesura (e retomada imediata) entre os c.63 e 64, devido à transição da dinâmica fortissimo para piano. O diminuendo no fim do c.69 pode ser deixado para o compasso seguinte, valorizando-se o dramático portamento (a). A reexposição segue os mesmos procedimentos interpretativos da exposição, salvo nos trechos novos. Entre os compassos 102 e 110 (ex.47, p. 68), a indicação un poco agitato comporta, além da aceleração do andamento, a idéia de tempo rubato. Esse rubato é efetuado, por exemplo, apressando-se o trecho descendente dos c.1025, e as células anacrústicas (e) em marcha ascendente dos c.106-8, como em um recitativo. O tempo suprimido é compensado pelo prolongamento das notas mais longas, que funcionam como pontos de apoio, como nos c.103, 105, 109-10, antecipando o ritenuto do c.111 para a semínima do c.109. Nesse mesmo trecho, convém vibrar as cordas duplas, e, mais intensamente, o dramático desenho descendente dos c.102-5. A sonoridade é densa, com menor velocidade do arco, à exceção dos compassos em ritenuto, aos quais cabe um gradual diminuendo, quase smorzando, com diluição da textura sonora. O bicorde do 2º tempo do c.105 é executado mais comodamente com o dedo 2 em posição de pestana. No 2º grupo temático, a exemplo da exposição, convém ligar duas a duas as semicolcheias do 3º tempo do c.118 e do 1º e 2º tempos do c.119. Para finalização, os dois últimos compassos comportam um rallentando ainda maior que o do final da exposição, especialmente no arpejo da flauta (g) do último compasso, concluído junto com o pizzicato do contrabaixo, sonoro, apesar do piano.

4.2.3 - Terceiro Movimento - Vivo

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O andamento uniforme imaginado pelo compositor pode incluir pequenas flutuações decorrentes da necessidade de uma execução clara e de caracterização dos diferentes materiais temáticos. Se fosse adotado um andamento inflexível, o 2/4 da 2ª seção não seria suficientemente vivo, ou o 6/8 posterior seria de difícil execução para a orquestra, perdendo o seu caráter jocoso/cantabile. Para a introdução sincopada, a pulsação pode girar em torno de semínima=105. Na entrada do contrabaixo em pizzicato (b, c.5, ex.49, p. 70), sugere-se um andamento mais lento para valorizar a expressividade da melodia modinheira da flauta acompanhada pelas clarinetas, adotando-se a pulsação de semínima pontuada=70. Embora o trecho esteja em 3/4, a marcação metronômica é baseada na métrica do 6/8, em obediência à indicação do próprio compositor, que prevê a ambigüidade desde já. O caráter melódico do trecho pede que os pizzicati sejam executados com ataque intermediário entre o beliscado (orquestral) e o batido (usado no jazz), para obtenção de uma sonoridade mais tenuta (com mais sustain), sem perder, contudo, a clareza e a qualidade de emissão 82 . Além disso, convém aplicar algum rubato e vibrar as notas mais longas, enfatizando o caráter de violão seresteiro desses pizzicati. Esse rubato pode ser efetuado por meio do prolongamento da 1ª colcheia (e retomada a seguir) dos c.10, 11, 14, 15, 18 e 19; de ritenuto no c.13 e de molto rallentando nos c.19 a 21.1. Pode-se tornar essa terminação mais expressiva com um portamento do ré para o sol (do c.20 para o 21). Na repetição do segmento pela orquestra em tutti, é necessário acelerar gradualmente o andamento, até atingir a pulsação de semínima pontuada=85, que será o padrão dos trechos posteriores em 3/4 e 6/8. Nessa e em outras aparições do tema em 3/4 na orquestra é preciso cuidar para que a divisão ternária seja obedecida, pois há o risco da influência pelo baixo de divisão binária, ou pelo pró-

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prio contorno melódico, que em alguns compassos (25-7, 30, 33-5) sugere a métrica do 6/8. Na seção seguinte (B), o contrabaixo apresenta sozinho seu tema sincopado (d, ex.51, p. 71), em andamento vivo (semínima=105), devendo o solista pensar na métrica binária (6/8) no final do tutti anterior em 3/4, para executar corretamente a transição do ternário para o binário. Para reforçar a impressão de vivacidade, convém acentuar as notas dos c.38, 39, 46, 47, 54 e 55 (através da pressão do arco e do vibrato) e separá-las, definindo bem a unidade métrica. No c.41 é preciso fazer uma pequena cesura antes do salto incômodo, após o que o andamento é gradualmente retomado, conferindo maior naturalidade àquela interrupção e dando equilíbrio ao trecho. A questão da articulação dos ritmos sincopados volta à tona neste movimento, com dois desenhos principais, reiterados sempre. O primeiro é o segmento da introdução orquestral (a, ex.48, p. 69), no qual as figuras principais são, na ordem decrescente de intensidade: a primeira (semicolcheia), depois a terceira (síncopa que une o 1º tempo ao 2º), e finalmente a última colcheia. Esse desenho tem como base a fórmula 3+3+2 (característica da rítmica folclórica nacional, que também inicia o concerto), porém aqui a nota central sincopada é mais acentuada. Em coincidência com a indicação do compositor, a execução desse ritmo prevê, inclusive no contrabaixo, a retomada da direção do arco para baixo na quarta nota (2ª semicolcheia do 2º tempo), possibilitando o apoio das duas notas mais importantes (a 1ª e a 3ª), na direção para baixo (ex.60).

82

Freqüentemente, o pizzicato batido vem acompanhado de ruídos.

95

Exemplo 60

A segunda célula rítmica importante é o desenho de semicolcheia, colcheia e semicolcheia, outra constância folclórica. Neste caso a nota sincopada (parte fraca prolongada) não deve levar acento ou apoio, e a representação gráfica mais conveniente teria a colcheia central como semicolcheia seguida de uma pausa da mesma duração (ex.61).

Exemplo 61

Esse problema de notação já havia sido abordado por Mário de Andrade 83 , e Luciano Gallet 84 já utilizava, nos cantos que coletou, essas grafias alternativas, nos casos em que a nota central não devia ser acentuada. Para a execução desse ritmo, normalmente alla corda 85 , embora o apoio maior seja na parte forte do tempo, a pressão do arco deve ser aplicada a partir da última semicolcheia, na direção para cima

83

ANDRADE, M. de (1972) p.32-6. GALLET, L. (1934) p.76, 79, 88-9. 85 Expressão aplicada aos golpes de arco executados sem que se levante o arco da corda, com movimentação predominantemente horizontal. 84

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( , da ponta para o talão), sendo aliviada após a colcheia do grupo seguinte. Com a retomada da direção do arco para cima, é gerada uma interrupção entre a colcheia e a semicolcheia seguinte, transformando essa colcheia em semicolcheia. Esse é, também, o procedimento convencional para uma boa execução do ritmo pontuado, por exemplo, onde as figuras obedecem à proporção de 3/4 para 1/4, e a pressão é aplicada a partir da nota curta. Nos c.60 e 61 é conveniente acentuar a cabeça das ligaduras para maior clareza e para facilitar a execução com igualdade rítmica. A articulação dos desenhos escalares (e) em semicolcheias dos c.62, 63, 68 e 69, apesar do ponto de staccato, deve ser feita alla corda (détaché seco) ou em spiccato bem próximo à corda. Quanto mais agudas as notas, maior deve ser a velocidade do arco 86 , devido à diminuição do tamanho da corda e, conseqüentemente, da ressonância, porque ela fica proporcionalmente mais grossa. A mínima do c.70, por sua vez, será melhor sustentada com a direção do arco para cima. As cordas duplas em terças dos compassos 71-2 necessitam de unidade tímbrica, obtida pela execução sem mudança de cordas (ao longo da 2ª e 3ª cordas). Na seção C (em 6/8), a partir da anacruse do c.74 (ex.52, p. 73), a indicação metronômica de semínima pontuada=85 possibilita a execução da figuração rítmica agitada da orquestra, ao mesmo tempo que permite uma caracterização entre jocoso e cantabile, através do desenho de colcheias do contrabaixo. Esse desenho, que deve sobressair mesmo sendo acompanhamento, apresenta-se inicialmente cantabile

86

O ponto de contato do arco sobre a corda deve se aproximar do cavalete proporcionalmente à diminuição do tamanho da corda pelo uso de posições mais agudas (quando a mão esquerda desce, o arco a acompanha), para não haver perda de tensão na corda pela diminuição do atrito. Porém, o instrumentista tem que procurar um equilíbrio entre as mudanças sutis do ponto de contato e da velocidade do arco, de acordo com o timbre desejado.

97

(c.74 a 81), cabendo a ele uma articulação geral entre o portato e o détaché, porém com as notas em seqüência cromática descendente mais tenute, para melhor efeito expressivo 87 . A 2ª frase do contrabaixo (c.82 a 89.1) representa o lado jocoso: os saltos de décima são mais apropriadamente executados em staccato 88 , e as notas inferiores dos c.84-5 precisam ser bem marcadas, para transparecer a ambigüidade métrica. Os pizzicati dos c.88-89.1, embora em final de frase, devem ser sonoros, pois ressoam menos à medida que se vai para o registro agudo. A transição para a próxima seção pede aumento de andamento no tutti, a partir do c.90, podendo chegar a semínima=105 no c.94, para a execução do desenho escalar descendente do contrabaixo (e), que alude à seção anterior. No c.98 (ex.53, p. 74), para que se obtenha o efeito de forte piano desejado pelo compositor, convém manter a dinâmica em forte e fazer um ritenuto nas primeiras quatro semicolcheias (especialmente quando se toca com orquestra), devido à fração de tempo necessária para o ouvido se adaptar à súbita diminuição de intensidade depois de um som forte 89 . Entre os c.98 e 101 (ex.53, p. 74) podemos fazer a passagem de semicolcheias para colcheias gradativamente, e aplicar um rallentando além do subentendido na mudança de figuras. Esse rallentando, somado a uma prolongação dos acordes em sforzando do c.102, e a uma valorização da pausa que os sucede, caracterizará melhor a ruptura entre as seções C e A’, considerando também que há um a tempo escrito na parte do contrabaixo no c.103, que inicia a nova seção. No mesmo trecho, a métrica resulta deslocada pela acentuação das notas superiores, que enfatiza seu movimento ascendente cromático.

87

É tendência natural, fisiológica e “mimética” da execução melódica separar os saltos e ligar os graus conjuntos e semitons. 88 Neste texto, o termo staccato se refere sempre à articulação musical genérica, e não ao golpe de arco homônimo, que é uma sucessão de notas destacadas na mesma direção e alla corda, e que tem uso reduzido na música concertante para contrabaixo devido à sua limitada projeção sonora. 89 Pelo mesmo motivo efetuam-se, freqüentemente, cesuras entre forte e piano subseqüentes, sobretudo na música para grandes conjuntos.

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Na seção seguinte (c.103 a 135), que retoma simultaneamente os temas em 3/4 e 6/8 à pulsação de semínima pontuada=85, é importante ouvir os violoncelos (e estes ouvirem o solo), pois são os únicos a compartilhar a métrica de 3/4, que também deve ser bem marcada pelo solista, não se deixando levar pela acentuação da 4ª colcheia, que os outros instrumentos executam em 6/8. A arcada do c.113, de cinco colcheias na direção para cima, é pouco sonora para a situação de tutti que se apresenta, sendo conveniente executar cada colcheia em uma direção de arco. Na próxima seção (c.136-165), similar à segunda, podem ser aproveitados os mesmos procedimentos interpretativos para os desenhos escalares reexpostos, no andamento de semínima=105. A exceção fica por conta do novo tema sincopado (g, ex. 54, p. 75), interrompido pelos desenhos escalares da orquestra, que vai do c.136 ao 140.1 e do c.144 ao c.150.1.1, tendo o andamento diminuído para semínima=100. Esse andamento visa facilitar, posteriormente, a execução simultânea e polirrítmica com outros temas mais lentos, e conferir ao sincopado caráter mais folclórico, imitando o “gingado” de uma dança. Esse segmento fragmentado - que será unificado depois pela orquestra - deve ter as síncopas articuladas conforme explicado anteriormente (ex.61, p. 94), a não ser pelo c.146, onde a sucessão de síncopas cria um desenho em contratempo, que, como de praxe, deve ser executado com as notas separadas, e cada uma em uma direção de arco. Na seção seguinte (D, c.166 com anacruse a 207), o tema h (ex.56, p. 77), também em 2/4, conserva a pulsação de semínima=100, e a figura rítmica do 3+3+2 deve, como no início do concerto, ser executada com separação entre as notas, sendo as duas primeiras mais tenute e a terceira mais curta. Aqui, porém, é necessário dar maior acentuação a essa última colcheia, enfatizando o caráter dançante e “gingado” da melodia, já favorecido pela arcada escrita para a figura rítmica (

). Para me-

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lhor resultado sonoro recomenda-se que as semicolcheias dos c.172, 174 e 177, sejam executadas cada uma em uma direção de arco (separadas), respeitando-se a intenção do staccato e do legato originais, e retomando para baixo a 2ª nota dos c.172 e 174. O mesmo se aplica às semicolcheias do c.180, que precisam ser separadas, ficando a primeira para cima, e fazendo-se, para isso, cada nota do compasso anterior em uma direção. No trecho todo, as semicolcheias em staccato podem ser executadas em spiccato, porém mantendo-se o arco o mais próximo possível da corda, para maior ressonância e volume sonoro. Na repetição desse período em tutti pela orquestra (c.182-194), a quadratura fraseológica é interrompida com um sforzando antes de completar-se, dando lugar a uma pequena cadência acompanhada à moda de recitativo (ex.57, p. 78). Nessa cadência, executada com liberdade, é necessário caracterizar os segmentos de acordo com sua origem temática, observando, porém, as transformações assumidas por eles nesta nova ambientação harmônica e textural. Pode-se começar a escala ascendente lentamente e apressá-la até o sol agudo (não harmônico). Após o glissando descendente faz-se um corte (inclusive da orquestra). No segmento seguinte (c.199-200), vindo da introdução orquestral (a), retoma-se o andamento vivo e a articulação enfática da rítmica sincopada, de caráter jocoso. No início do segmento vindo do tema f , a partir do c.201, o caráter se transforma em melancólico, suplicante, tornando o trecho mais lento e expressivo. Recomenda-se a execução do desenho de quarta justa ascendente e quinta diminuta descendente entre os c.201 e 202 na 1ª corda, para melhor fluência do cantabile. No c.204 com anacruse, após uma cesura, assume-se um caráter misterioso, de expectativa, através do tremolo dissonante das cordas, do glissando e do crescendo do contrabaixo, sendo conveniente exagerar esse glissando e enfatizar o crescendo com um vibrato de velocidade também crescente. A cadência se

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encerra com a resolução enérgica e brusca da tensão pelo contrabaixo, sendo necessário efetuar mais uma cesura, entre os c.205 e 206, para melhor firmeza e ataque desse desenho final. O trecho a partir do c.208 (seção E), gracioso e de caráter infantil, pode ser imaginado como uma brincadeira de roda, pela delicadeza da orquestração em tessitura média e aguda, que emprega o contrabaixo solista em harmônicos (ex.58, p. 79), as madeiras e uma trompa em pedal, e até pela modulação para o homônimo maior. O andamento diminui para a pulsação de semínima=90. Para que o contrabaixo ajude nessa caracterização, deve-se fazer as semínimas e colcheias bem curtas e com acentos, com exceção das síncopas com semicolcheias. Estas, por serem figuras mais rápidas, precisam de um contato contínuo do arco sobre a corda, além de maior velocidade, para que os harmônicos soem sem falhar. As arcadas originais são mantidas, com exceção do c.210, que fica com a semínima e a última colcheia na direção para cima; e dos c.217-8 e 220-1, cujas síncopas são executadas com o arco como vem (cada nota em uma direção) e mais tenute, para que o tempo forte desses compassos não fique tão marcado. Da mesma forma, as colcheias do c.219 podem ser em portato. No refrão final (A''), que mantém o andamento de semínima pontuada=90, o contrabaixo inicialmente sustenta a métrica do 3/4 (b) sozinho, cuidando atentamente do encaixe com os binários simples e composto, e exagerando a sua acentuação ternária, para enfatizar a polimetria. Na introdução do solista (c.223), porém, o compositor escreveu a fórmula de compasso binário composto (6/8), fazendo com que ele efetue a transição do 2/4 para o 3/4 pensando na equivalência entre a semínima da primeira fórmula e a semínima pontuada da segunda, e, logo no compasso seguinte, assuma a métrica do 3/4. Na repetição, o tutti final em fortissimo assume um caráter grandioso,

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dramático e intenso, que pode ser alcançado com um andamento um pouco mais lento. O contrabaixo, que se insere na linha dos baixos da orquestra (c, ex.50, p. 71), em binário composto e com alguma ambigüidade, tem que sobressair ao tutti através de sonoridade densa e brilhante, no limite máximo da intensidade. Para isso, deve-se buscar um sutil equilíbrio entre o ponto de contato do arco próximo ao cavalete e a necessidade de maior ressonância e, portanto, de velocidade do arco. O vibrato precisa ser muito enérgico e cerrado, e pode-se ainda acentuar enfaticamente os pontos principais da linha melódica , como tempos fortes, notas de maior duração e saltos ascendentes. O desfecho comporta um rallentando, e as duas últimas notas do contrabaixo podem ser executadas em harmônicos, desde que se use muita velocidade de arco e que se desprenda o dedo da mão esquerda do último harmônico em sincronia com o fim da arcada, dando àquele maior intensidade e ressonância, convenientes à finalização da obra.

5 - CONCLUSÃO

Embora Mahle seja considerado compositor nacionalista, pelo uso de modos, ritmos e inflexões presentes na música folclórica brasileira, a sua pesquisa modal é anterior a esse nacionalismo, baseada mais nas possibilidades de combinação e na harmonia intrínseca dos modos, remetendo também à herança do impressionismo. Outro aspecto importante no seu modalismo é a expansão da tonalidade em direção ao cromatismo por uma via não serial, mantendo a hierarquia harmônica e a existência de centros tonais, como fez Bartók. O uso desse modalismo aliado às formas estruturais e procedimentos de elaboração temática tradicionais do classicismo reflete uma postura neoclássica influenciada não só pela antropossofia, mas principalmente pela sua preocupação pedagógica inspirada pelo trabalho de Bartók e assemelhada, por outro lado, à Gebrauchsmusik associada a Hindemith, que conseqüentemente se espelha no alto grau idiomático das suas obras, para quaisquer instrumentos. O contato com o folclore, utilizado em sua atividade de educador musical, fez com que Mahle incorporasse constâncias rítmicomelódicas da música brasileira, imprimindo à sua obra um cunho cada vez mais nacionalista com o passar do tempo. Essa evolução da produção composicional de Mahle ocorreu sempre em função das circunstâncias que se impunham no seu percurso como mantenedor da Escola de Música de Piracicaba, ao longo dos seus 43 anos de existência. A análise de aspectos composicionais do “Concerto 1990” evidenciou que essas características gerais da música de Mahle, nitidamente presentes na obra, se asso-

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ciaram à finalidade virtuosística do gênero, levando o autor à exploração do potencial técnico e tímbrico do instrumento, procedimento também verificado nas suas peças posteriores para contrabaixo. Por isso, ainda que esteticamente tradicional, o concerto representa um marco na evolução do repertório contrabaixístico brasileiro, como exemplo de escrita virtuosística e altamente idiomática ao mesmo tempo. O tratamento interpretativo dado ao concerto - conquanto qualquer empreendimento nesse sentido possa ser considerado subjetivo - foi beneficiado pela análise prévia e pelo contato com o compositor. A característica neoclássica da obra sugere procedimentos baseados tanto nos aspectos de unidade e contraste dos segmentos e planos temáticos dentro de cada movimento, como no aspecto das transformações sofridas por esses materiais, que provocam mudanças na caracterização desses segmentos. Além da identificação temática, o trabalho interpretativo se dedicou à explicitação das convenções gerais da prática de execução musical (performance), bem como dos procedimentos específicos da técnica do contrabaixo, ambos decorrentes da vivência profissional e de conhecimentos de transmissão oral assimilados pelo instrumentista. Para enriquecimento da performance, foram considerados aspectos relativos ao nacionalismo da peça, com a caracterização dos segmentos de influência folclórica; e também à necessidade de colorido tímbrico, inserindo o concerto no contexto da execução contemporânea. Enfim, por se tratar de uma obra exemplar, espera-se que compositores e estudantes de composição a tomem como modelo de escrita solística para o contrabaixo. Aos intérpretes recomenda-se que, ao tocar o concerto, levem em conta as suas características intrínsecas e contextuais, levantadas e abordadas neste trabalho. A pesquisa e a reflexão, no processo de realização técnica e interpretação de qualquer obra musi-

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cal, contribuem para que a performance seja, cada vez mais, uma prática consciente e fundamentada. Ademais, sugere-se que o instrumentista atente às informações vindas do contato com o compositor, valorizando a concepção original da obra. Essa relação com o compositor deve ser buscada sempre que possível, pois estabelece uma ponte entre o seu universo criador e o intérprete que recria a música de acordo com a sua personalidade artística.

6. BIBLIOGRAFIA

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6.2 - Partituras MAHLE, Ernst. As Melodias da Cecília para piano. São Paulo: Irmãos Vitale, 1971. ______. As Melodias da Cecília para contrabaixo e piano; parte de contrabaixo. Ms A11, na Escola de Música de Piracicaba, 1972. 10 p. ______. Concertino (1978) para contrabaixo e cordas; parte de contrabaixo-solo. Ms C127, na Escola de Música de Piracicaba, 1978. 3 p. ______. Concerto (1990) para contrabaixo e orquestra sinfônica; partitura de orquestra. Ms C171, na Escola de Música de Piracicaba, 1991. 122 p. ______. Concerto (1990) para contrabaixo e orquestra sinfônica; redução para piano. Ms C171, na Escola de Música de Piracicaba, 1991. 32 p. ______. Concerto (1990) para contrabaixo e orquestra sinfônica; parte de contrabaixo-solo. Ms C171, na Escola de Música de Piracicaba, 1991. 10 p. ______. Duetos modais para contrabaixos. Ms C140, na Escola de Música de Piracicaba, 1980. 17 p.

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______. Jangada de Iemanjá para 8 contrabaixos; partitura. Ms C183, na Escola de Música de Piracicaba, 1996. 18 p. ______. Quarteto (1994) para contrabaixos; partitura. Ms C180, na Escola de Música de Piracicaba, 1995. 25 p. ______. Sonatina (1975) para contrabaixo e piano; parte de contrabaixo. Ms C85, na Escola de Música de Piracicaba, 1975. 2 p. 6.3 - Entrevistas e apontamentos MAHLE, Ernst. Entrevistas concedidas a Antonio Roberto R.D.P. Arzolla, gravadas em fitas cassete, na residência do compositor, em setembro de 1995, fevereiro e abril de 1996. ______. Palestra “A obra de Ernst Mahle para contrabaixo”, proferida no auditório da Escola de Música da UFMG, durante o IV Encontro Internacional de Contrabaixo, realizado no período de 12 a 16 de agosto de 1996. Apontamentos da gravação em vídeo. MAHLE, Maria Apparecida. Entrevista concedida a Antonio Roberto R.D.P. Arzolla, gravada em fita cassete, em sua residência, em abril de 1996. 6.4. - Outros documentos ARZOLLA, Antonio R. Gravações do “Concerto 1990” para contrabaixo e orquestra, de Ernst Mahle, realizadas em 1991 (1º movimento com orquestra, em áudio), 1994 (estréia com piano, em áudio), 1995 (estréia integral com orquestra, em áudio e vídeo) e 1996 (com piano, em vídeo). ESCOLA DE MÚSICA DE PIRACICABA (org). Transcrições de entrevistas concedidas a jornais, estudantes e outros; resumos biográficos e autobiográficos do compositor. Ms, /s.d./. Foram consultados ainda diversos programas de concertos e eventos musicais, diversas partituras de Ernst Mahle e de outros compositores, e outros documentos que não se referem a citações ou não implicam diretamente em informações do corpo do texto.

7 - ANEXOS

7.1 - A obra para contrabaixo de Ernst Mahle 7.1.1 - Material didático •D17 - “Método elementar” (s. d.) 7.1.2 - Peças para iniciantes •A65* - “60 duetos fáceis” (s. d.) [2 cb] •B13 - “Quarteto” (1956) [vl, vla, vc, cb] •OI26 - Concertino sobre “Atirei um pau no gato” (1971) [cb e orq. infantil] •A11 - “As melodias da Cecília” (1972) [cb, pn] •A38 - “Dança dos palhaços” (s. d.) [2 cl, cb, pn] 7.1.3 - Peças para grupos de câmara (heterogêneos) •C88 - “Septeto” (1975) [cl, tpa, fg, vl, vla, vc, cb] •C97 - “O amor é um som” (1976) [soprano, fl, cl, percussão, pn ou vibrafone, vl, vla, vc, cb] •C116 - “Noneto” (1977) [ob, cl, fg, tpa, 2 vl, vla, vc, cb] 7.1.4 - Peças de dificuldade intermediária •C85 - “Sonatina” (1975) [cb, pn] •C127 - “Concertino” (1978) [cb e cordas] •C140 - “Duetos modais” (1980) [2 cb] 7.1.5 - Peças de •C171 •C180 •C183

dificuldade elevada - “Concerto” (1990)** [cb e orq. sinfônica] - “Quarteto para contrabaixos” (1994)** [4 cb] - “Jangada de Iemanjá” (1996) [8 cb]

* Os “60 duetos fáceis” foram compostos na mesma época que os “90 cantos infantis” [2 vc], cujo código é A9, sendo, portanto, anteriores às “Melodias da Cecília”. ** As datas se referem ao ano de início da composição das obras, às vezes concluídas posteriormente.

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