UPP\'s e as comunidades

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"O Pão de Açúcar de lá o diabo amassou
Esse é o Rio e se você não conhece, bacana,
Tome cuidado, as aparências enganam
Aqui a lei do silêncio fala mais alto
Te calam por bem ou vai pro mato
Mas, de repente invadem a minha área, todos fardados
Eu tô ficando louco, ou tem alguma coisa errada?
Brincando com a vida do povo, então se liga na parada".

Essa é uma passagem da música zerovinteum da banda Planet Hemp. A música descreve o dia-dia do Rio de Janeiro abordando os mais variados temas, mas principalmente o seu contexto de violência. Apesar de escrita nos anos 90, a letra se mantem extremamente atual. Principalmente esse trecho, que retrata uma situação que se tornou recorrente: a entrada de forças policiais nas comunidades cariocas.

Além das já típicas incursões pontuais nas favelas - marcadas por altos indices de mortes e violência -, a policia tem se mostrado presente também através das UPP's. As Unidades de Polícia Pacificadora fazem parte de um dos principais programas de segurança pública da prefeitura do Rio de Janeiro e tem como princípio a idéia de policia de proximidade, ou seja, reduzir a distância entre a população das comunidades e o Estado. Com essa reaproximação pretende-se retomar o território que antes pertencia ao tráfico e garantir que as favelas se tornem aptas para a entrada de serviços públicos e também para a entrada do Estado, assim, o processo de pacificação se tornaria fundamental no desenvolvimento social e econômico das comunidades.

Mas, desde o ínicio do projeto em 2008, notamos que trajetória das UPP's é marcada mais por insatisfação e sangue do que por mudanças concretas no cenário da violência. Cada vez mais vemos os jornais retratando confrontos entre forças de pacificação e traficantes e também se torna cada vez mais clara a insatisfação da população das comunidades "pacificadas" frente à atuação da Polícia Militar e do Exercito. O que nos leva à pergunta: porque os confrontos não terminaram e porque a população se mostra indignada?

A crença de que a simples presença policial e/ou do exercito seria suficiente para por fim ao conflito parece um pouco ingênua. Pensar dessa forma significa ignorar toda uma gama de fatores que levam uma pessoa a ingressar no tráfico, pensando por alto podemos apontar alguns motivos, como a carencia de meios de consumo e a necessidade de pertencimento a um grupo. Se faz necessário uma atuação forte de programas sociais ou uma reformulação dos já existentes, como a UPP Social. Essa reformulação deveria englobar elementos que até o presente momento se mostram pouco explorados ou até mesmo ausentes, como políticas para juventude.

Mas existem outras questões maiores que precisam ser abordadas pelo projeto de segurança pública. Uma delas é a legislação e controle das armas e munições. No Brasil existe um ambiente propício para a livre circulação de armamentos e munição sem a certeza da punição dos culpados e parte disso está relacionada à falta de legislações especificas para lidar com as diversas facetas desse tema, como a produção das armas de fogo, sua circulação e a venda de munições. Assim, uma parte desse armamento acaba indo para a mão de traficantes, alimentando a violência. A implementação de programas de controle de armas-leves e munição pelo governo brasileiro e também pelas UPP's pode ser uma forma de se desarmar a população e garantir uma redução dos altos níveis de homicídios. Lembrando que de acordo com o Mapa da Violência, no Rio de Janeiro em 2012, a cada 100 mil habitantes, 28 foram assassinados, sendo grande parte por armas de fogo.

A outra questão é a política de drogas vigente no Brasil. A ideia de guerra as drogas é inaugurada na década de 70 durante o governo Nixon nos Estados Unidos e parte do pressuposto de que a maneira correta de se combater os narcóticos é através da força. Tal ideia é importada para o Brasil e aqui é aplicada pelas agências estatais que tentam atingir o tráfico de drogas impactando diretamente no transporte e no comércio das substâncias. Contudo, o resultado de tal forma de combate tem se mostrado inexistente. O real combate às drogas não é através de armas e sim por meio da conscientização da população, políticas de redução de danos para o usuário - como o projeto "De Braços Abertos" - e legalização das drogas. Outro aspecto importante de se falar sobre a atual guerra as drogas são os impactos dessa batalha para as populações marginalizadas do Rio de Janeiro.

Quando a Polícia Militar do Rio de Janeiro sobe um morro durante uma incursão ou instala uma UPP em uma comunidade, ela pretende combater os responsáveis pela venda e distribuição de drogas e assim conter a violência. Mas, essas estratégias além de não serem efetivas, acabam impondo aos cidadãos que moram nas comunidades rotinas militarizadas, onde são tratados como possíveis inimigos, estando constantemente sob a mira das armas da polícia. E quem mais sofre com essa estratégia de paz são os jovens negros da periferia, alvos de um verdadeiro massacre. Segundo o estudo do Ipea "Vidas perdidas e racismo no Brasil", as chances de um negro ser assassinado é quase quatro vezes maior que a de um branco e além disso, as execuções são na maioria das vezes comandadas pelo polícia, revelando o racismo institucional existente no Brasil.

E justamente pela atuação agressiva da polícia e pelas mortes dos negros nas periferias do Rio que se tornam cada vez mais comuns os protestos nas comunidades. O Complexo da Maré na última semana de fevereiro foi palco de uma manifestação popular contra a atuação da exército e como era de se esperar, o protesto foi agressivamente repreendido, inclusive com uso de munição letal. Essas ações revelam a maneira como a insituição da polícia militar opera dentro das comunidades: fazendo uso da força como pretexto para a paz e usando os autos de resistência para maquiar homicídios.

Assim, fica claro o porquê da estratégia das UPP's se mostrar incapaz de lidar com toda a complexidade do problema de violência no Rio. Neste mês de março, onde faz dez anos da chacina da baixada e um ano da morte de Cláudia Ferreira - arrastada no camburão da PM - fica ainda mais claro a necessidade de se repensar nosso modelo de polícia. Uma possível resposta para a violência no Rio não vem através de força e sim por meio de uma abordagem ampla e capaz de abarcar desde uma nova visão sobre a questão das drogas até uma reformulação do nosso modelo de polícia, passando por políticas capazes de lidar com o racismo institucional vigente, a vasta disponibilidade de armas na sociedade brasileira e uma série de outras questões não abordadas nesse texto. Tanto a solução para violência no Rio, quanto a problemática da PM, vão muito mais além de pessoas segurando fuzis.






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