USUCAPIÃO ESPECIAL COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE _ PATRÍCIA NASCIMENTO DE MELO

May 27, 2017 | Autor: Patrícia Nascmelo | Categoria: Direito Constitucional, Propriedade, Função Social, Usucapião
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU DIREITO

USUCAPIÃO ESPECIAL COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

PATRÍCIA NASCIMENTO DE MELO

SÃO PAULO 2015

UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU DIREITO

USUCAPIÃO ESPECIAL COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

PATRÍCIA NASCIMENTO DE MELO

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU, como requisito parcial, para a obtenção do grau de bacharel em Direito, sob orientação do Professor Fábio Monnerat.

SÃO PAULO 2015

AUTORA: PATRÍCIA NASCIMENTO DE MELO TÍTULO DA MONOGRAFIA: USUCAPIÃO ESPECIAL COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DA

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE Monografia apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Professor Fábio Monnerat. BANCA EXAMINADORA: 1º Fábio Monnerat 2º AVALIAÇÃO:

Data da apresentação: NOTA DO 1º EXAMINADOR: ________________ MÉDIA: ________________ NOTA DO 2º EXAMINADOR: ________________

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo discorrer sobre o instituto da usucapião como meio de efetivação da função social da propriedade, direito fundamental presente em nossa Carta Magna, que envolve não somente o direito de propriedade, mas também a proteção ao uso coerente e socialmente correto desta. Teremos aqui um enfoque constitucional, diante da aquisição da propriedade de bens imóveis, na medida em que ambos os institutos estudados são reconhecidos pela nossa Constituição: a função social da propriedade, como princípio fundamental, e a usucapião, como instituto jurídico pátrio. A escolha desse tema se pauta na presente realidade social, onde muitos possuem diversos bens e imóveis, e não dão a eles o devido uso, em face de outros que não possuem condições financeiras para custear um local o qual possa habitar junto de sua família. A pesquisa realizada neste trabalho foi de cunho qualitativo, baseada em doutrina, artigos acadêmicos e decisões judiciais pertinentes a este tema, o que permitirá, no decorrer do trabalho, a discussão a respeito dos institutos citados diante de uma visão crítica da sociedade Brasileira.

Palavras-chave: usucapião, propriedade, direitos fundamentais, função social.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6 1. Da propriedade........................................................................................................ 8 1.1 Origens Históricas da Propriedade .................................................................... 8 1.2 Direito de Propriedade nas Constituições Brasileiras ...................................... 10 1.3 O Direito de Propriedade no Ordenamento Jurídico Brasileiro Atual ............... 11 1.3.1 Conceito de Propriedade ........................................................................... 11 1.3.2 Dos Direitos do Proprietário ....................................................................... 12 1.4 Formas de Aquisição da Propriedade Imóvel .................................................. 14 1.4.1 Registro do Título....................................................................................... 14 1.4.2 Acessão ..................................................................................................... 16 2. Usucapião ............................................................................................................. 20 2.1 Conceito e Origem ........................................................................................... 20 2.2 Surgimento do instituto da Usucapião no Brasil ............................................... 21 2.3 Espécies de Usucapião Constitucional ............................................................ 25 2.3.1 Usucapião Especial Rural .......................................................................... 25 2.3.2 Usucapião Especial Urbana ....................................................................... 26 2.4 Usucapião no Código Civil ............................................................................... 27 3. Função Social da Propriedade .............................................................................. 28 3.1 Cumprimento da Função Social da Propriedade.............................................. 29 3.2 Usucapião como Meio de Efetivação da Função Social da Propriedade ......... 30 JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................... 32 CONCLUSÃO............................................................................................................ 36 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 38

6

INTRODUÇÃO

O Brasil é um país, como sabem todos, capitalista em desenvolvimento e, por consequência, não possui uma divisão de renda equânime entre seus cidadãos, o que faz com que várias famílias não tenham condições financeiras abastadas para custearem uma moradia adequada, enquanto outros possuem não somente esse poder, mas grandes fortunas e acabam não dando o devido valor a todos os seus bens, o que nos traz a atual situação social: imóveis subutilizados que não atendem a função social, em face de indivíduos que não possuem nem ao menos um pequeno lar para adentrar junto de sua família. A propriedade é instituto que nasce junto do ser humano e se desenvolve diante da sociedade, caracterizando-se como fenômeno social abraçado pelo direito. O direito de propriedade assumiu, ao longo dos séculos, diferentes figuras e preceitos, até chegar à concepção atual. O reconhecimento inicial desse direito era de cunho absolutista, o que foi sendo relativizado com o passar dos séculos e, hoje, já é visto como direito fundamental. O instituto da usucapião teve sua origem em meados de 450 a.C., presente no texto da Lei das Doze Tábuas onde, em sua tábua sexta, era dito que “As terras serão adquiridas por usucapião depois de dois anos de posse, as coisas móveis depois de um ano”. A dita lei superou as leis existentes até aquele tempo, pois o advento desse instituto deu início à função social da propriedade perante todos os indivíduos submetidos àquela lei. Nesse contexto, o primeiro capítulo do presente trabalho tratará da propriedade, se aprofundando-se em sua origem histórica e evolução durante os séculos, bem como o embasamento legal deste direito em nosso sistema jurídico. Após a análise do direito de propriedade, discorreremos sobre o instituto da usucapião, também abraçando seu cunho histórico na sociedade e no ordenamento brasileiro, desde o seu surgimento em nosso ordenamento pátrio até sua base legal atual. É importante salientar que este trabalho não ignorará o instituto da usucapião em nossa lei civil, mas direcionará o seu enfoque para o cunho constitucional. Assim, serão trazidas em questão e comentadas as espécies de usucapião

7

presentes em nossa Constituição Federal, quais sejam: a usucapião especial urbana e a usucapião especial rural, presentes nos artigos 183 e 191 da dita carta. O último capítulo desse trabalho será o ponto crucial do problema em questão, pois contrastará o direito de propriedade com o instituto da usucapião, sendo estes analisados diante da função social da propriedade. É certo que a usucapião é meio de efetivação da função social da propriedade. Em nossa carta magna ela se apresenta no título VII, capítulo II, onde se trata da “Política Urbana”, em sua espécie urbana, sendo esse o mesmo capítulo no qual está presente a função social da propriedade urbana. Já no capítulo seguinte, temos a usucapião rural, junto da função social da propriedade rural. Por tal motivo, o presente trabalho fará uma análise social do uso e proteção da propriedade imóvel perante a função social a ela estipulada. Por fim, salientaremos a importância deste instituto aqui tratado para uma justiça social mais eficaz. Serão trazidas decisões judiciais que mostram o seu uso nos dias atuais e, com base em todos os fatos levantados, concluiremos com uma análise crítica construtiva, sendo apresentados meios para que esse instituto seja cada vez mais valorizado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

8

1. Da propriedade 1.1 Origens Históricas da Propriedade

A propriedade é função inerente ao ser humano. Ela nasce da convivência em sociedade e se faz necessária para a manutenção da ordem, pois, em toda a história, sempre foi motivo de diversos litígios sobre terras. Muito antes do surgimento do Direito Romano já era possível se deparar com fatos históricos que revelavam a existência da propriedade dentre os povos da antiguidade. Dentre a doutrina, se discute a respeito do surgimento da propriedade em relação a sua origem, pois parte entende que esta teve origem coletiva, enquanto outra parte entende que sua origem foi privada. Tal divergência está divida entre o pensamento de socialistas, que se preocupam em demonstrar um inicial comunismo de terra, e o pensamento dos economistas clássicos, que, por outro lado, entendem a propriedade como algo individual e absoluto. A propriedade era vista, no Direito Romano, como algo absoluto e indisponível, chegando perto de se assemelhar a uma garantia fundamental, e não comportava limites ou restrições, sendo possível o titular usar, gozar e dispor plenamente de suas terras. O chefe da família era aquele que determinava as regras dentro de sua terra, liderando as pessoas fixadas em seu território. O mesmo absolutismo sobre a propriedade pode ser visto durante a Idade Média, sendo mantido como instrumento de condição de divisão social. Todavia, na sociedade feudal, a concepção de propriedade se abrange e se torna possível observar o surgimento da figura do possuidor. O senhor feudal era aquele que tinha domínio da terra, era o proprietário. Seu papel era de dono e senhor, cabendo a ele dizer como a terra seria utilizada. Por outro lado, a sociedade feudal nos trás a ideia de vassalo, aquele menos abonado que precisa sobreviver de sua força de trabalho, que exerce o papel de possuidor, uma vez que recebe do senhor feudal o direito de cultivar e trabalhar a terra para sua sobrevivência e de sua família. Embora o Direito Romano não ofereça um conceito explícito da propriedade, os juristas da Idade Média foram colher em fragmento do Digesto o princípio essencial do aspecto dominante da senhoria a se exprimir na faculdade de usar, fruir e dispor da coisa como um direito subjetivo que se opõe a

9

terceiros, obrigados a respeitá-los (jus utendi, fruendi e 1 disponendi).

É do sistema feudal que surge a ideia de Monarquia, concentrando as riquezas na mão do Rei e sendo a ele dado todo o prestígio. Todavia, também é do sistema feudal que nasce a “classe burguesa”, e esta acaba por enfraquecer o sistema, pondo fim aos abusos sociais decorrentes do poder sobre a propriedade privada e individual junto ao povo. Após muitas revoluções sociais impulsionadas pelo pensamento Iluminista, a sociedade feudal chega ao fim e dá início a duas correntes fundamentais para entender o conceito de propriedade atual: o pensamento jusnaturalista e o pensamento contratualista. A vertente jusnaturalista surge da necessidade de se justificar a divisão social que colocava os monarcas em patamar superior aos vassalos e a classe burguesa. Entendia que a divisão e organização social feudal eram legítimas, na medida em que se faz necessário a submissão à Igreja e à Monarquia para que haja um equilíbrio social e os indivíduos não se autodestruam. Por outro lado, alguns pensadores seguiam a vertente contratualista para entender a propriedade e a sociedade na Idade Moderna. É o caso de John Locke. Para Locke, a estrutura social é fruto do consentimento de todos, como meio de aceitação do governo. Em uma análise do pensamento de Locke, Fabio Anibal Goiris diz que este pensador entendia que “A propriedade privada seria a principal razão para a instituição do governo civil e o fim basilar da união dos homens em comunidades.”. Como todo contratualista, Locke acreditava que os direitos deviam ser positivados, ganhando, assim, o direito de propriedade mais contorno e coerência de acordo com o pensamento Contratualista. Do pensamento iluminista, dá-se início a era contemporânea e, junto dela, a ideia de Constituição, na busca de um estado justo e de bem estar, que ficou conhecido como “Welfare State”. Neste contexto, a propriedade passa a ser vista como instrumento para garantir o desenvolvimento social, econômico e cultural. A positivação da propriedade como direito constitucional surge junto à Carta Constitucional Norte-Americana, em 1787, e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, dentre outros textos constitucionais.

1

TACITO, Caio. Temas de Direito Público, p. 581. Rio de Janeiro. Renovar, 1997

10

1.2 Direito de Propriedade nas Constituições Brasileiras

O Brasil se tornou independente de Portugal, seu colonizador, em 1822 e, no ano seguinte, se viu obrigado a elaborar uma carta constitucional que regesse o país. Uma assembleia constituinte foi convocada e, em 1824, a primeira Constituição Brasileira foi promulgada. Influenciada pela Constituição Americana de 1787, a Constituição Brasileira de 1824, trazia em seu texto o direito de propriedade em sua plenitude, de acordo com o que dispunha o artigo 1792. Tratava-se da concepção clássica de um direito abstrato e perpétuo. Muito se assemelha a Constituição seguinte (1891), mantendose o direito de propriedade como um direito pleno e individual, salvo nos casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública. Já em 1934, uma nova Constituição foi promulgada e, influenciada pela Constituição Mexicana (1917) e pela Constituição Alemã (1919), grande inovação ocorreu. Tal Carta Magna dispunha em seu texto de lei que “seria assegurado aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade”3. Era disposto, também, que o direito de propriedade era garantido, mas que não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo, de acordo com as determinações legais. Todavia, tal preceito legal não foi dotado de eficácia total, pois não houve lei complementar para regular a norma legal, o que pode ser justificado pelo curto prazo de duração da mesma. Diante do Golpe de Estado de Getúlio Vargas e a instalação da ditadura do Estado Novo, uma nova Constituição foi elaborada, mas apresentou retrocesso em relação ao direito de propriedade, pois apenas dispunha que era assegurado tal direito, de caráter não-absoluto, junto de vagas referências ao seu conteúdo e limites. Por se tratar de um governo duro e autoritário, passaram-se alguns anos até 2

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: XXII. É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação. 3

BRASIL, Constituição, 1934.

11

o início de contestações ao governo, em 1943. O Estado Novo tem seu fim em 1945, através do golpe dos comandantes Góis Monteiro e Dutra, e culmina na promulgação de mais uma nova Constituição, em 1946, sendo esta considerada a mais democrática até então. Com caráter socialista e progressista, a nova Carta Magna procurou desconfigurar o governo autoritário e opressor de Getúlio Vargas e condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social, estando presente em seu texto a observância que procurava promover a distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos. A Constituição de 1946 restou vigente por muitos anos, mesmo após o Golpe Militar, sendo substituída apenas em 1967. A Carta semi-outorgada de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 tiveram como finalidade a instauração do Regime Militar implantado após o Golpe de 1964. Ainda que promulgadas em um momento político de conflito, tais normas asseguravam o direito de propriedade e consagravam o princípio da função social da propriedade. Foi neste contexto que o direito de propriedade se tornou, no Brasil, não mais apenas um direito, mas também uma garantia fundamental, de acordo com os artigos 153 e 160 da Carta Magna vigente atualmente. Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos. Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios: 4 III – função social da propriedade.

1.3 O Direito de Propriedade no Ordenamento Jurídico Brasileiro Atual

1.3.1 Conceito de Propriedade

Quando pensado em geral, a propriedade abrange todos os direitos que formam o patrimônio, o que a faz difícil de definir. Nas palavras do Professor Caio 4

CONSTITUCIONAL. Emenda nº1. 1969.

12

Mário, “a propriedade mais se sente do que se define”5. Entende-se propriedade como a posse legal de alguma coisa, apresentando, por isso, um conceito amplo e abrangente. O Código de Napoleão, em seu artigo 544, apresentou uma tentativa de definição da propriedade onde dizia que esta seria “o direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos”. Todavia, parte da doutrina entende esse conceito como infeliz, na medida em que o uso da gradação absoluto foi falha, pois abre margem para uma propriedade relativa e, ao mesmo tempo, se contradiz ao dizer que deve obedecer aos limites legais. Se fosse absoluta, não haveria o que falar em limites legais. Clóvis Beviláqua também se arriscou na tentativa de criar um conceito para propriedade ao dizer que esta seria “o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida psíquica e moral”, mas tal tentativa não esclareceu aquilo que se pretendia definir. Assim, diante da complexidade em questão, é simplesmente dito por muitos doutrinadores que a propriedade é o direito de usar, gozar e dispor da coisa, bem como reivindicá-la de quem injustamente a tenha. Não se trata efetivamente de um conceito, mas da delimitação dos poderes do proprietário. É o que é trazido pelo Código Civil Brasileiro atual, que diz em seu artigo 1.228: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar, e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. A nossa Constituição Federal vigente, por outro lado, não apresenta uma definição para o que seria o direito de propriedade ou quais seriam os direitos do proprietário, apenas citando-o em seu texto legal.

1.3.2 Dos Direitos do Proprietário

De acordo com o artigo 1.228 do Código Civil vigente, são quatro os direitos do proprietário: direito de usar, direito de gozar, direito de dispor e de reaver a coisa.

5

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, volume IV. Editora Forense. 2015

13

Direito de Usar

O proprietário, dono da coisa, tem a faculdade de colocar a coisa em uso de acordo com sua vontade, em benefício próprio ou de terceiro. Do mesmo modo, pode o proprietário não usar a coisa, abrir mão de seus benefícios, guardando-a ou a deixando inerte. É válido lembrar que o uso ou o não uso da coisa se subordinará aos limites legais. O uso deve obedecer ao direito de vizinhança e o não uso pode ser submetido ao direito de usucapião, por exemplo. Direito de Gozar Difere do direito de usar, pois se refere aos frutos advindos da coisa. Assim, o direito de gozar assegura ao proprietário perceber os frutos e produtos da coisa, sejam eles advindos naturalmente, sejam eles frutos civis.

Direito de Dispor É o direito mais significativo da propriedade, pois é único ao proprietário, enquanto os outros podem ser invocados por um possuidor, por exemplo. O direito de dispor confere ao proprietário a possibilidade de se alienar, doar, gravar com ônus ou submeter a coisa a uso de outrem. Não deve ser entendido como o poder de abusar da coisa, pois tal faculdade não deve assumir cunho antissocial.

Direito de Reaver De nada valeria os direitos citados se, diante da perda, o proprietário não pudesse reaver a coisa de quem injustamente a tenha. Ao proprietário é conferido o direito de perseguir a coisa onde quer que ela esteja. Trata-se da base legal para o direito de ação perante terceiros.

14

1.4 Formas de Aquisição da Propriedade Imóvel

O Código Civil de 2002, lei vigente em nosso ordenamento, após dispor sobre a propriedade em geral, nos apresenta os modos de aquisição de propriedade imóvel, conferindo tratamento distinto a aquisição de propriedade móvel, que não nos é relevante no presente estudo. A aquisição da propriedade imóvel poderá ser originária, quando o indivíduo se torna dono de algo que não possuía dono algum anteriormente a sua aquisição, não havendo transmissão alguma por outrem; ou ainda derivada, quando a coisa é adquirida de um dono anterior, ocorrendo a transmissão do domínio em relação de um alguém que já era proprietário anteriormente. Em suma, são três as formas de aquisição presentes na dita lei: o registro do título, a acessão e a usucapião, sendo essa última forma o nosso enfoque. Estes institutos estão disciplinados nos artigos 1.238 ao 1.259. Há também a hipótese de transferência do domínio pelo direito hereditário, quando, diante da sucessão, a herança se transmite aos herdeiros, mas que não será aqui abordada, por estar ligada ao Direito de Família, o que não é objeto de estudo deste trabalho. Essas formas serão tratadas neste mesmo capítulo, com exceção da usucapião, pois a ela será dedicado um capítulo próprio, devido a sua importância para o presente estudo.

1.4.1 Registro do Título

Antes da vigência do Código Civil de 1916, o contrato de compra e venda de um bem imóvel possuía força translativa, o que conferia a ele a possibilidade de transferência do imóvel apenas pelo contrato. Todavia, dai surgiam muitos riscos perante terceiros, o que fizeram necessárias mais exigências em face da segurança jurídica das partes que negociam sobre um imóvel. Assim, o Código Civil de 1926 passou a exigir, “para melhor garantir a propriedade imóvel”6, como justificado pelo Professor Carlos Roberto Gonçalves, 6

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 5, p. 299. Editora Saraiva. 2012. Brasil.

15

que o contrato fosse complementado pelo Registro do Título, e tal requisito é ainda presente em nosso ordenamento atual, quando o Código Civil vigente diz em seu artigo 1.245 que, “transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”. Hoje, não basta que o imóvel seja transferido por meio de um contrato para se concluir a aquisição da propriedade. O registro do título é de extrema importância, pois, de acordo com o artigo 481 do Código Civil vigente, pelo contrato criam-se apenas obrigações e direitos entre as partes. Tal importância é salientada pelo artigo 1.245, parágrafo primeiro, da mesma lei, quando é dito que, enquanto não se efetuar o registro do título, o imóvel continua a ser de quem o alienou. Este dispositivo mostra o rigor de tal instituto no Ordenamento Brasileiro, pois só será considerado dono aquele em que no nome consta registrado o imóvel. O registro do imóvel deve ser público, podendo qualquer um tomar conhecimento da situação do imóvel, pois a finalidade do registro é fazer público não somente a propriedade do imóvel, mas também as limitações que sobre ele podem estar impostas. Também deve atender ao princípio da legalidade, uma vez que o procedimento de inscrição do título no cartório deve ser feito por oficial e seguir os requisitos legais, pois, uma vez realizado o registro, este passa a possuir força probante perante terceiros. Ainda que estipulado pelo Código Civil vigente, o registro é regulado pela Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973). Tal lei nos traz mais detalhes sobre o registro de imóveis e o destrincha em três partes: matrícula, registro e averbação. A matrícula é o instrumento jurídico que perpetuará a vida do imóvel. Ela é criada antes do primeiro registro do imóvel e nela constará a história deste imóvel. Todas as alienações, doações, ou quaisquer tipos de transferências que ocorram em determinado imóvel serão gravadas junto da respectiva matrícula, pois ela constitui o núcleo do controle e exatidão de cada imóvel. A matrícula atende ao princípio da unicidade, portanto, nenhum imóvel poderá ser matriculado mais de uma vez, do mesmo modo que mais de uma matrícula não poderão ter como objeto o mesmo imóvel. Haverá uma só matrícula para cada imóvel matriculado. O registro é ato subsequente à matrícula e é aquele que efetivamente realiza a transferência da propriedade. O número da matrícula daquele imóvel será sempre o mesmo, mas, a cada transferência, um novo número de registro será vinculado.

16

Ainda relacionado à vida do imóvel temos o instituto da averbação. Será assim nomeada qualquer anotação feita para tornarem públicas as alterações, físicas ou jurídicas, sofridas no imóvel após a matrícula e ao registro.

1.4.2 Acessão

Acessão é modo de aquisição da propriedade de ordem prática, regulado pelo Código Civil de 2002 entre os artigos 1.248 e 1.259. Como dito pelo professor Carlos Roberto, “acessão é, pois, modo de aquisição da propriedade, criado por lei, em virtude do qual tudo o que se incorpora a um bem fica pertencendo ao seu proprietário”7. O artigo 1.248 do Código Civil diz que a acessão poderá se dar de cinco formas: formação de ilhas, aluvião, avulsão, abandono do álveo ou plantações e construções. A doutrina divide tais formas em acessões naturais ou industriais. Serão consideradas naturais as quatro primeiras, pois decorrem da força da natureza e não da vontade do homem, enquanto que a última, que, por mais que seja apresentada como plantações e construções, é analisada como um só modo, será considerada como industrial, pois decorre da vontade e força humana.

Formação de Ilhas Ilha é um prolongamento do relevo rodeado por água, podendo ocorrer por deslocamento de terra ou acumulo de areia ou cascalho, que aparece no meio de um rio. Para o direito civil, só são relevantes os rios não navegáveis, aqueles que correm dentro de uma propriedade privada e não são de acesso de todos, nomeados rios privados. O aparecimento de ilhas pode se dar por diversas causas naturais e, quando isso ocorrer, as ilhas formadas no meio dos rios serão distribuídas entre as propriedades ribeirinhas na proporção de suas testadas. É o que dispõe o artigo 1.249 do Código Civil. 7

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 5, p. 314. Editora Saraiva. 2012. Brasil.

17

Art. 1.249. As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros, observadas as regras seguintes: I - as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais; II - as que se formarem entre a referida linha e uma das margens consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado; III - as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituíram.

Aluvião Aluvião é um aumento na propriedade, causado pelo movimento do rio, que ocorre vagarosamente e imperceptivelmente, de modo a acrescentar uma proporção de terra naturalmente à propriedade que se encontra à beira do rio (Código Civil, artigo 1.250). Não há o que se falar em indenização, uma vez que isso ocorre naturalmente. Todavia, é vedado aos proprietários ribeirinhos realizarem obras que culminem na ocorrência de aluvião em seu benefício, pois essa não será assim considerada quando advinda de trabalho humano. A doutrina divide a aluvião como própria e imprópria. Será própria quando o movimento contínuo e vagaroso do rio acrescentar terra à propriedade ribeirinha, e imprópria quando ocorrer o contrário, de modo que o proprietário vê parte de sua propriedade sendo deslocada pelo movimento das águas. Se a aluvião ocorrer em frente a propriedades de donos diversos, deve se dividir entre eles a terra modificada, em proporção a testada que cada um dos prédios apresentava sobre a antiga margem (Código das Águas, art. 18).

Avulsão De acordo com o artigo 1.251 do Código Civil, ocorre avulsão: Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar

18

o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado. Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida.

Assim, trata-se de modo de aquisição da propriedade em decorrência da força da natureza que, de forma natural e violenta, desloca parte de uma propriedade para outra, e esta acaba se aderindo a nova propriedade naturalmente, pois, caso assim não o seja, aplicar-se-ia aquilo que se dispõe quanto à coisa perdida. Neste instituto, a parte do terreno deslocada passa a pertencer ao principal. Assim, caso o proprietário prejudicado requisite ao dono do prédio acrescido que se devolva a parte acrescida e este se negue, surge o direito a indenização, salvo se, no prazo de um ano, nada for requisitado, forma pela qual o dono do prédio acrescido adquire a propriedade sem despesas.

Álveo Abandonado O Código das Águas define, em seu artigo 9º, álveo como “a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto” 8. Tratase do leito do rio, que poderá ser público ou particular, que secou e, assim, passa a pertencer aos proprietários ribeirinhos das duas margens, na proporção de suas testadas, até a linha mediana do rio. Se o rio voltar ao seu curso normal, recompõem-se a situação anterior. Art. 1.252. O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo.

Não há o que se falar em indenização, pois tal fato ocorre por força de natureza, mas tal fato não pode ter ocorrido em virtude de atividade humana, pois, neste caso, os proprietários ribeirinhos prejudicados farão jus a indenização por parte daquele que causou o dano.

8

ÁGUAS, Código das. Decreto Nº 24.643, De 10 De Julho De 1934, Brasil.

19

Construções e Plantações Quando o Código Civil elenca construções e plantações como meio de acessão, ele diz respeito a tudo aquilo que se incorpora ao bem em virtude da vontade e força humana. Em regra, toda construção ou plantação realizada em um terreno pressupõe ter sido feita por seu proprietário, mas tal presunção admite prova em contrário. É o que diz o artigo 1.253 do Código Civil: “Toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário”. Os artigos 1.254 a 1.259 elencam as hipóteses que podem decorrer deste instituto e como estas serão reguladas. É, em suma, o que se discorre. Se o proprietário construir ou plantar em seu solo com materiais ou sementes que não sejam seus, adquire a propriedade destes, pois tudo o que se adere ao solo a este se incorpora, mas tem o dever de indenizar o valor daquilo que foi utilizado, sob pena de responder por perdas em danos, se assim o fez por má-fé. Neste último caso, ainda que agindo o proprietário de má-fé, ocorre a acessão, pois o que se visa é o caráter sócio-econômico da coisa, o que não seria respeitado se o proprietário de má-fé fosse forçado a, por exemplo, desfazer a plantação ou a construção, caso em que, além de prejudicar o solo, perderiam-se os materiais e sementes utilizados e, ainda assim, haveria a necessidade de se indenizar o dono dos acessórios e arcar com perdas e danos. Logo, mais prático é o disposto em lei. Também é possível de se ocorrer a plantação ou construção de coisa própria em terreno alheio, caso em que, pelo mesmo fundamento acima disposto, faz com que o dono dos acessórios os percam em face do proprietário do terreno, mas tendo o direito de ser indenizado, desde que tenha agido de boa-fé, pois, caso tenha agido de má-fé, terá duas opções: restituir o terreno ao estado em que se encontrava, retirando os acessórios por ele ali implementados, ou deixar que ali eles permaneçam em benefício do proprietário do terreno. Caso a plantação ou construção de coisa própria em terreno alheio exceda o valor do terreno construído ou cultivado, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou o terreno, adquire a propriedade do solo utilizado, desde que indenize o dono do terreno.

20

Há também a hipótese de ambos os proprietários, do terreno e do acessório, terem agido de má-fé. Neste caso, caberá ao proprietário do terreno indenizar o dono dos acessórios para que possa adquirir a propriedade destes. A última hipótese trazida pelo Código discorre sobre a construção ou plantação que se inicia em seu terreno, mas que invade solo alheio. Nestes casos, se a construção ou plantação que iniciou-se em solo próprio não ultrapassar um vigésimo do solo alheio, desde que feita de boa-fé e que o valor desta plantação ou construção seja superior ao da parte invadida, cabe ao proprietário invasor indenizar o terreno do dono invadido, pagando o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente. Todavia, se agiu de má-fé, o proprietário invasor tem o dever de demolir o que construiu em solo alheio, devendo ainda pagar por perdas e danos apurados que, de acordo com o artigo 1.259, serão devidos em dobro.

2. Usucapião

2.1 Conceito e Origem

A palavra “usucapião” provém do Latim “usucapio” que, em uma análise etimológica, significa aquisição de um bem pelo uso prolongado e não negado deste. É junção dos termos “usus”, de hábito, uso, e “capere”, de pegar, tomar. De acordo com os ensinamentos do Professor Caio Mário, “usucapião é a aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei”9. Vale acrescentar que para Maria Helena Diniz o instituto da usucapião é fundado na consolidação da propriedade, o que dito em sua obra: Modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais (usufruto, uso, habitação, enfiteuse, servidão predial) pela posse prolongada da coisa com a observância dos requisitos legais. Tem por fundamento a consolidação da propriedade,

9

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, volume IV, p. 117. Editora Forense. 2015. Brasil.

21

dando jurisdicidade a uma situação de fato: a posse unida ao 10 tempo.

Assim, fica compreendido a usucapião como meio originário de aquisição da propriedade, que ocorre através de prescrição aquisitiva, desde que atendido os preceitos legais. Caracteriza-se pela aquisição do domínio pela posse prolongada. Seu surgimento remota a antiguidade. Esta sempre esteve atrelada a fatores políticos e sociais, e se fundamentava na regulação do direito de propriedade. A doutrina pressupõe sua origem na Roma Antiga, junto à individualização da propriedade e a fixação do pater família, gravado na Lei das Doze Tábuas, onde foi dito em sua tábua sexta que “as terras serão adquiridas por usucapião depois de dois anos de posse, as coisas móveis depois de um ano”.

2.2 Surgimento do instituto da Usucapião no Brasil

No Brasil, o instituto da usucapião foi primeiro positivada no artigo 5º da Lei 601, de 18 de setembro de 1850, que legitimava a posse pelos posseiros de terras devolutas desde que estas fossem por eles cultivadas e usadas para sua moradia. Já se ressaltava a necessidade de posse mansa e pacífica e a obediência dos requisitos legais, como se vê a seguir:

Art. 5º Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas por occupação primaria, ou havidas do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes: § 1º Cada posse em terras de cultura, ou em campos de criação, comprehenderá, além do terreno aproveitado ou do necessario para pastagem dos animaes que tiver o posseiro, outrotanto mais de terreno devoluto que houver contiguo, comtanto que em nenhum caso a extensão total da posse exceda a de uma sesmaria para cultura ou criação, igual ás ultimas concedidas na mesma comarca ou na mais vizinha. § 2º As posses em circumstancias de serem legitimadas, que se acharem em sesmarias ou outras concessões do Governo,

10

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro:direito das coisas. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4.

22

não incursas em commisso ou revalidadas por esta Lei, só darão direito á indemnização pelas bemfeitorias. Exceptua-se desta regra o caso do verificar-se a favor da posse qualquer das seguintes hypotheses: 1ª, o ter sido declarada boa por sentença passada em julgado entre os sesmeiros ou concessionarios e os posseiros; 2ª, ter sido estabelecida antes da medição da sesmaria ou concessão, e não perturbada por cinco annos; 3ª, ter sido estabelecida depois da dita medição, e não perturbada por 10 annos. § 3º Dada a excepção do paragrapho antecedente, os posseiros gozarão do favor que lhes assegura o § 1°, competindo ao respectivo sesmeiro ou concessionario ficar com o terreno que sobrar da divisão feita entre os ditos posseiros, ou considerar-se tambem posseiro para entrar em rateio igual com elles. § 4º Os campos de uso commum dos moradores de uma ou mais freguezias, municipios ou comarcas serão conservados em toda a extensão de suas divisas, e continuarão a prestar o mesmo uso, conforme a pratica actual, emquanto por Lei não se dispuzer o contrario.

Posteriormente, na Carta Magna de 1934, ficou consagrada, em nível constitucional, a usucapião “pro labore” em benefício do produtor rural. Os requisitos para a aquisição deste direito não muito diferia dos requisitos atuais, pois discorriam a respeito do lapso temporal, tamanho do terreno e pressupostos subjetivos para que assim fosse caracterizada a posse legítima e consequente usucapião. Era o que dispunha o artigo 125. Art 125 - Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por dez anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, um trecho de terra até dez hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele a sua morada, adquirirá o domínio do solo, mediante sentença declaratória devidamente transcrita.

Tal direito se manteve na Constituição de 1937, sem alteração alguma em seu teor, estando presente, neste segundo texto, no artigo 148. Um ano após a promulgação da nova carta, uma alteração via decreto foi feita e acrescentou a ressalva de que este direito encontraria limites quando se tratasse de bens públicos de qualquer natureza. A constituição de 1946 também manteve tal direito e os requisitos necessários, mas o tornou mais abrangente ao retirar o termo brasileiro, passando a ser possível, não apenas para os brasileiros, a aquisição deste direito, mas de todo aquele que fosse possuidor nos termos da lei. Além desta alteração, também houve mudanças nos pressupostos que diziam respeito ao terreno a ser usucapido. De

23

acordo com o novo texto legal, o terreno usucapido poderia ter extensão de até vinte e cinco hectares, e não mais apenas dez hectares, como dizia o texto anterior. Ainda durante a vigência da Constituição de 1946, uma nova alteração foi feita pela Emenda Constitucional número 10 de 1964, que alterou novamente a extensão do terreno passível de ser usucapido para 100 (cem) hectares. Era o que dispunha o artigo 156, parágrafo terceiro da Carta Magna:

Art 156 - A lei facilitará a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras pública. Para esse fim, serão preferidos os nacionais e, dentre eles, os habitantes das zonas empobrecidas e os desempregados. § 1º - Os Estados assegurarão aos posseiros de terras devolutas, que nelas tenham morada habitual, preferência para aquisição até vinte e cinco hectares. § 1º Os Estados assegurarão aos posseiros de terras devolutas que tenham morada habitual, preferência para aquisição até cem hectares. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 10, de 1964) § 2º - Sem prévia autorização do Senado Federal, não se fará qualquer alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dez mil hectares. § 2º Sem prévia autorização do Senado Federal, não se fará qualquer alienação ou concessão de terras públicas, com área superior a três mil hectares, salvo quando se tratar de execução de planos de colonização aprovados pelo Govêrno Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 10, de 1964) § 3º - Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar, por dez anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, trecho de terra não superior a vinte e cinco hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele sua morada, adquirir-lhe-á a propriedade, mediante sentença declaratória devidamente transcrita. § 3º Todo aquêle que, não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar, por dez anos initerruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, trecho de terra que haja tornado produtivo por seu trabalho, e de sua família, adquirirlhe-á a propriedade mediante sentença declaratória devidamente transcrita. A área, nunca excedente de cem hectares, deverá ser caracterizada como suficiente para assegurar ao lavrador e sua família, condições de subsistência e progresso social e econômico, nas dimensões fixadas pela lei, segundo os sistemas agrícolas regionais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 10, de 1964)

Ainda na vigência da dita lei, foi aprovado o Estatuto Da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964), que demonstrou ainda mais o caráter social deste instituto, quando disse em seu artigo 98 que “todo aquele que, não sendo

24

proprietário rural nem urbano, ocupar por 10 anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, tornando-o produtivo por seu trabalho, e tendo nele sua morada, trecho de terra com área caracterizada como suficiente, para, por seu cultivo direto pelo lavrador e sua família, garantir-lhe a subsistência, o progresso social e econômico, nas dimensões fixadas por esta lei para o módulo de propriedade, adquirir-lhe-á o domínio, mediante sentença declaratória devidamente transcrita”. Com base nessa nova modificação, não bastaria que o possuidor atendesse ao critério temporal e espacial, mas se fez necessário que este terreno fosse sua morada e por sua família e si próprio fosse cultivado, fazendo-o produtivo e garantindo dali sua subsistência e de sua família, o que estaria, nas palavras do professor Caio Mário “concorrendo para o progresso social e econômico”. Daí se extrai o fundamento ético da usucapião tradicional – o trabalho, com ênfase no esforço humano. É de se notar que, após tal modificação, os requisitos tornaram se mais complexos e a necessidade de fazer da terra produtiva, por fruto do seu trabalho e de sua família, foi passo inicial para o uso deste instituto em pro da função social da propriedade em face das necessidades sociais e econômicas que envolvem a ocupação de terras abandonadas. A está espécie de usucapião deram o nome de Usucapião Especial. O Estatuto da Terra também alterou os requisitos relacionados à dimensão do módulo a ser usucapido. A ideia de módulo nos remete a uma dimensão variável em função de condições econômicas locais, o que traz a adoção de um critério elástico, baseando-se na capacidade da força de trabalho do agricultor e de sua família. Até o advento desta lei, levantavam-se dúvidas a respeito do imóvel passível de ser usucapido, pois discutia-se a possibilidade de também serem usucapidos imóveis urbanos. Este dilema restou esclarecido ao se fazer uso da expressão “módulo de propriedade”, pois tal expressão nos remete ao artigo 4º, inciso III, da mesma lei. Lá é dito que "Módulo Rural, a área fixada nos termos do inciso anterior”, o que nos remete ao inciso II do mesmo artigo: Art.4º,II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros.

25

Em 1981, uma nova lei foi sancionada e outras modificações foram feitas neste instituto. O prazo para se usucapir o imóvel rural em questão foi reduzido para cinco anos, bem como a dimensão do módulo, que, até então elástico, agora fica limitado a vinte e cinco hectares. Art. 1º - Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuir como sua, por 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua, não excedente de 25 (vinte e cinco) hectares, e a houver tornado produtiva com seu trabalho e nela tiver sua morada, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de justo título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis. Parágrafo único. Prevalecerá a área do módulo rural aplicável à espécie, na forma da legislação específica, se aquele for superior a 25 (vinte e cinco) hectares.

Este foi o texto de lei vigente até o advento da Carta Magna de 1988, que nos trouxe o instituto da Usucapião em duas espécies: Usucapião Rural e Urbana.

2.3 Espécies de Usucapião Constitucional

2.3.1 Usucapião Especial Rural

Diz o artigo 191 da Constituição Federal de 1988: Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

O objetivo desta espécie de usucapião é, como dito pelo professor Carlos Roberto, “a fixação do homem no campo, exigindo ocupação produtiva do imóvel,

26

devendo neste morar e trabalhar o usucapiente”. A valorização do homem do campo e das terras se fazem necessárias diante do crescimento dos grandes centros urbanos, pois o que se busca é incentivar as famílias a fazerem morada nas regiões rurais e colaborar para o seu desenvolvimento, e, ao mesmo tempo, tornar a terra, que resta subutilizada, em produtiva. Tal espécie não se satisfaz pela mera posse produtiva, mas também é necessário que esse benefício ocorra em favor da família, que a posse seja mansa e ininterrupta por cinco anos, que o terreno no qual se exerce a posse não exceda a cinquenta hectares e, por fim, que a família não possua outro imóvel. Logo, não é de modo algum possível que a usucapião ocorra em favor de pessoa jurídica, porque está não tem família e nem faz morada. Não há o que se falar em justo título ou boa-fé, requisitos presentes em outras espécies de usucapião trazidas pela lei civil, a serem citadas posteriormente, pois o foco não é o negócio jurídico ou relação entre civis, mas sim a utilização justa de terras que muitas vezes não são devidamente utilizadas.

2.3.2 Usucapião Especial Urbana

A usucapião especial urbana foi inovação trazida pela Carta Magna de 1988, quando disse em seu artigo 183, que: “aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. Muito se assemelha a usucapião especial rural, pois ambas são destinadas às famílias que não possuem imóvel algum e que fazem deste local sua morada e de sua família. Do mesmo modo, não há meios para que uma pessoa jurídica se beneficie deste instituto, pelos motivos já citados. A extensão máxima do terreno será de duzentos e cinquentas metros quadrados, entendido pelo legislador como suficiente para uma família habilitar dignamente. Assim, se o imóvel que sofre a posse usucapionem ultrapassar tal metragem, o instituto só abrangerá o imóvel até o limite legal, desde que possível a delimitação de tal limite.

27

2.4 Usucapião no Código Civil

O instituto da usucapião encontra-se presente não apenas em nossa Carta Magna, mas também em nossa Lei Civil. A Usucapião Especial também encontra respaldo no Código Civil, tendo este a absorvido, em exato teor, nos artigos 1.239 e 1.240. Todavia, além destas duas espécies, mais outras duas são arroladas: usucapião ordinária e usucapião extraordinária. A usucapião ordinária está presente no artigo 1.242 do Código Civil e diz que “Adquire

também

a

propriedade

do

imóvel

aquele

que,

contínua

e

incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos”. Difere das espécies de usucapião especiais pois exige não apenas posse mansa e pacífica, mas também que aquele que possui a posse seja dotado de justo título e que haja de boa-fé. Diz-se justo título aquele que, em tese, poderia ser hábil para a transferência do domínio, mas assim não o é por alguma causa que lhe atribua defeito ou lhe tire qualidade específica. Logo, a boa-fé tende a integrar o justo título, pois aquele que tem boa-fé está convencido de que houve a transferência da propriedade pelo título. O parágrafo único do artigo acima nos traz uma nova modalidade de prescrição aquisitiva que estabelece que o prazo da usucapião ordinária poderá ser reduzido para cinco anos nos casos em que o imóvel é adquirido onerosamente, mas sofre o cancelamento do registro do título posteriormente. Esta espécie visa a proteger aquele que compra o imóvel de boa-fé daquele que não é dono, neste faz morada ou investimentos, e depois descobre que o título foi cancelado devido ao vício negocial. Já a espécie de usucapião extraordinária é a mais longa, pois nela dispensam-se o justo título e a boa-fé. O que se exige é que o possuidor tenha estabelecido no imóvel posse, e que essa posse tenha sido exercida com ânimo de dono, de modo manso e pacífico por quinze anos. Todavia, esse prazo poderá ser reduzido para dez anos se o possuidor fez do imóvel sua morada, ou se nele realizou obras de caráter produtivo. É o que dispõe o artigo 1.238 do Código Civil.

28

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Há ainda, pelo advento da Lei 12.424, de 16 de junho de 2011, uma última espécie, a qual a doutrina denomina usucapião especialíssima. Trata-se da modalidade que confere ao ex-cônjuge ou ex-companheiro, abandonado pelo o outro, o direito de usucapir o imóvel no qual estes habitavam em um lapso temporal menor, em virtude dos interesses familiares e preservação da entidade familiar. Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com excônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Sabe-se que existem, ainda, outras modalidades de usucapião em Leis esparsas, como a usucapião coletiva ou a usucapião indígena, mas que não serão aqui estudadas, pois não são objeto do presente trabalho.

3. Função Social da Propriedade

O princípio da função social da propriedade não esteve sempre presente em nosso ordenamento jurídico. Como foi possível ver no primeiro capítulo deste trabalho, o direito de propriedade teve início nas Constituições Brasileiras em 1824, mas até o advento da Carta Magna de 1934, este era visto como direito absoluto, sendo garantido em sua plenitude, ressalvadas as hipóteses de necessidade ou utilidade social, bem como certas limitações relacionadas ao solo e exploração mineral. Ainda assim, o que se preconizava era o caráter individualista da

29

propriedade, sem que quaisquer limites fossem impostos para que a propriedade fosse utilizada de maneira socialmente correta. Com o advento da Constituição Brasileira de 1934, uma primeira referência à função social da propriedade é feita ao dizer, em seu artigo 113, que a atividade do proprietário não poderia ser exercida contra o interesse social ou coletivo. Assim, além dos casos de desapropriação por necessidade pública e ocupação temporária da propriedade particular por força maior, passou a se inserir normas relacionadas ao uso da propriedade privada, em respeito ao social. Já em 1946, com uma nova Constituição em vigência, foi garantido, no artigo 147 da dita lei, que o uso da propriedade seria condicionado ao bem estar social, cabendo à lei promover a distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos, o que, inquestionavelmente, reconhecia a função social da propriedade, ainda que de modo inicial. Deste modo, as leis brasileiras passaram a reconhecer o direito de propriedade como um direito fundamental, e, ao mesmo tempo, este direito se limitava diante da garantia fundamental da função social da propriedade. A Constituição Brasileira de 1988, vigente atualmente, deixa claro em seu texto quando garante, em seu artigo 5º, a todos o direito de propriedade (inciso XXII) e diz, no mesmo artigo, que a propriedade atenderá a sua função social (XXIII). Hoje, a função social da propriedade se manifesta na medida em que o proprietário deve exercer seus direito de proprietário respeitando a sociedade. Assim, cabe ao proprietário usar seu bem sem que prejudique o meio ambiente ou ofenda a cultura na qual está inserido. Trata-se do exercício do proprietário de seu direito de usar a coisa. Todavia, o não uso também é direito do proprietário, mas, do mesmo modo, deve respeitar a função social da propriedade.

3.1 Cumprimento da Função Social da Propriedade Nosso texto constitucional, quando trata em seu capítulo II sobre a Política Urbana e, em seu capítulo III, sobre a Política Agrária, traz os requisitos que devem ser cumpridos para que uma propriedade atenda a sua função social. É dito no parágrafo segundo, do artigo 182, que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação

30

da cidade expressas no plano diretor”. Em tese, o plano diretor de cada cidade determinará o que é permitido e proibido, e dirá quais as regras de convivência social que nortearam aquela cidade. Logo, a propriedade deverá seguir as normas legais que organizarão a cidade. Ademais, o parágrafo quarto do mesmo artigo confere ao Poder Público Municipal a possibilidade de se inserir no plano diretor punições ao imóvel urbano que se encontrar não edificado, subutilizado ou não utilizado, de modo a garantir seu uso e proveito adequados. A normatização presente em nossa Constituição deixa claro que o imóvel que se encontrar subutilizado não atende a função social da propriedade, o que dá margem para que aqueles que não são proprietários daquele solo os façam o uso. Assim como a propriedade urbana, a propriedade rural atende a sua função social quando presentes os critérios estabelecidos em lei, sendo elencados, no artigo 186 da Carta Magna, os requisitos a serem seguidos. Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Do mesmo modo, sua subutilização confere ao poder público a possibilidade de tomar medidas para que as terras rurais sejam devidamente utilizadas em benefício da sociedade.

3.2 Usucapião como Meio de Efetivação da Função Social da Propriedade As duas espécies de Usucapião Especial estudadas no presente trabalho são abordadas nos mesmos capítulos em que os requisitos de cumprimento da função social da propriedade, tanto urbana quanto rural, são elencados. Isso nos remete a importância que tal instituto apresenta em face do uso social da propriedade.

31

Não apenas hoje, mas em toda a história da sociedade brasileira, a desigualdade social sempre foi muito forte e presente em nosso país. Em todos esses anos de desenvolvimento, nunca foram feitos projetos sociais a fim de garantir a todos uma moradia adequada. Isto não é de todo incompreensível, uma vez que não estamos em uma sociedade socialista, mas sim em um país capitalista em desenvolvimento. Todavia, ainda que sejamos um país capitalista, uma sociedade justa ajuda aqueles menos favorecidos. O instituto da usucapião pode ser visto como uma tentativa de fazer com que a sociedade seja menos desigual. O seu uso contribui para que as terras sejam melhores utilizadas. O fato de que eu, proprietário rico, corro o risco de perder minha terra para um possuidor pobre, se dela não fazer bom uso, faz com que uma atenção maior seja dada aos imóveis vazios. Do mesmo modo, a oportunidade que é dada a uma família pobre de adquirir um imóvel para nele fazer morada, desde que faça deste bom uso, nos mostra uma tentativa de busca do equilíbrio e justiça social. O fato das modalidades de usucapião especiais exigirem que as terras ocupadas sejam assim o feitas por uma família, que esta família não tenha outro imóvel, que façam dela bom uso, e que haja posse mansa e pacífica, nos deixa claro o seu intuito. A função social da propriedade é de extrema importância, pois ela nos mostra o sentido de sociedade. Nada nos vale uma sociedade abarrotada de belos imóveis e terrenos, se, no outro extremo, muitas famílias não possuem um teto sequer para habitar.

32

JURISPRUDÊNCIA

Julgado Um

Trata-se de Recurso Especial em que se discute se discute a função social da propriedade imóvel rural. Discutem-se os pressupostos para se atender a função social da propriedade, principalmente naquilo que diz respeito à metragem do terreno, uma vez que a lei delimita apenas a metragem máxima, e não a mínima.

Processo REsp 1040296 / ES RECURSO ESPECIAL 2008/0059216-7 Relator(a) Ministro MARCO BUZZI (1149) Relator(a) p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 02/06/2015 Data da Publicação/Fonte DJe 14/08/2015 Ementa RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO RURAL CONSTITUCIONAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL. MÓDULO RURAL. ÁREA MÍNIMA NECESSÁRIA

AO

APROVEITAMENTO

ECONÔMICO

DO

IMÓVEL.

INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA NORMA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREVISÃO DE ÁREA MÁXIMA A SER USUCAPIDA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO

LEGAL

DE

ÁREA

MÍNIMA.

IMPORTÂNCIA

MAIOR

AO

CUMPRIMENTO DOS FINS A QUE SE DESTINA A NORMA. 1. A propriedade privada e a função social da propriedade estão previstas na Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias individuais (art. 5.º, XXIII), sendo pressupostos indispensáveis à promoção da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 2.º) e rural (art. 186, I a IV). 2. No caso da propriedade rural, sua função social é cumprida, nos termos do art. 186 da CF/1988, quando seu aproveitamento for racional e apropriado; quando a utilização dos recursos naturais disponíveis for adequada e o meio ambiente preservado, assim como quando as disposições que regulam as relações de trabalho forem observadas. 3. A usucapião prevista no art. 191 da Constituição (e art. 1.239 do Código Civil), regulamentada pela Lei n. 6.969/1981, é caracterizada pelo elemento posse-trabalho. Serve a essa espécie tão somente a posse marcada pela exploração econômica e racional da terra, que é pressuposto à aquisição do domínio do imóvel rural, tendo em vista a Jurisprudência/STJ Acórdãos Página 1 de 5 intenção clara do legislador em prestigiar o possuidor que

33

confere função social ao imóvel rural. 4. O módulo rural previsto no Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre, e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal - com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros. 5. Com efeito, a regulamentação da usucapião, por toda legislação que cuida da matéria, sempre delimitou apenas a área máxima passível de ser usucapida, não a área mínima, donde concluem os estudiosos do tema, que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produtiva e lhe confere função social. 6. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize. 7. A premissa aqui assentada vai ao encontro do que foi decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em conclusão de julgamento realizado em 29.4.2015, que proveu recurso extraordinário, em que se discutia a possibilidade de usucapião de imóvel urbano em município que estabelece lote mínimo para parcelamento do solo, para reconhecer aos recorrentes o domínio sobre o imóvel, dada a implementação da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF. 8. Na oportunidade do Julgamento acima referido, a Suprema Corte fixou a seguinte tese: Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área onde situado o imóvel (dimensão do lote) (RE 422.349/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 29.4.2015) 9. Recurso especial provido.

A decisão entendeu procedente o Recurso Especial, pois, estando presentes os requisitos essenciais para se caracterizar a usucapião especial, não há relevância

34

a discussão a respeito da metragem mínima cabível, pois o requisito imprescindível para tal espécie é a posse trabalho, presente e comprovada no caso em questão.

Julgado Dois

Trata-se de Apelação Civil em ação de Usucapião Especial de bem imóvel. Discutem-se a natureza da ação na presente apelação, pois entendem não ser cabível no caso em questão.

APELAÇÃO

CÍVEL.

USUCAPIÃO

(BENS

IMÓVEIS).

AÇÃO

DE

USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA RESIDENCIAL INDIVIDUAL. ART. 183, CF/88. ART. 1.240, CC/02. Função social. A característica principal desta modalidade de usucapião é ser sanção ao proprietário por não dar comprimento à função social da propriedade, beneficiando àquele que a atendeu. Requisitos preenchidos. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70065098865, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em 13/08/2015).

A decisão nega provimento ao apelo, uma vez que a natureza da ação é sancionar o proprietário que fez mal uso do imóvel e, consequentemente, não cumpriu com a função social deste.

Julgado Três Trata-se

de

Ação

de

Usucapião

Especial

Urbana.

Discutem-se

o

preenchimento dos requisitos necessário para que se esta se caracterize. A questão da metragem mínima do terreno volta a ser tema do empasse.

35

AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO

AUTORAL

(ARTIGO

269,

I,

DO

CPC).1.

Usucapião

especial

urbana.preenchimento dos requisitos. Procedência do pedido autoral. Ofensa à metragem mínima estabelecida na lei complementar municipal n° 16/2005. Irrelevância. Modo de aquisição originária da propriedade. Impossibilidade de lesão a direito adquirido. Natureza meramente declaratória da ação de usucapião. A prescrição aquisitiva representa verdadeiro prestígio à função social da propriedade. Lei infraconstitucional não pode inovar e estabelecer novos critérios ao seu reconhecimento.

2.

Sucumbência.

Manutenção

da

distribuição

dos

ônus

sucumbenciais. Recurso de apelação conhecido e desprovido. (TJPR - 17ª C.Cível AC - 1213017-5 - São José dos Pinhais - Rel.: Luis Sérgio Swiech - Unânime - - J. 25.03.2015).

A decisão confere irrelevância à metragem mínima do terreno e caracteriza a usucapião, a declarando, na medida em que está representa prestígio e efetividade à função social da propriedade.

36

CONCLUSÃO

O desenvolvimento da sociedade Brasileira foi pautado em desigualdades sociais de todo o tipo. O grande número de favelas e cortiços presentes em todas as cidades do Brasil nos mostra que nem todas as famílias brasileiras possuem uma moradia digna. Pesquisas demonstram que 54 milhões de brasileiros ainda hoje vivem em moradias inadequadas. Quando vamos mais a fundo, temos números piores. Cerca de 33 milhões de pessoas não possuem moradia alguma em nosso país, e 24 milhões dessas pessoas estão concentradas nos grandes centros urbanos, o que nos remete aos moradores de rua que encontramos em todos os pontos de nossas grandes cidades. Esta situação atual nada mais é do que a consequência de uma sociedade que se iniciou pautada na exploração dos menos favorecidos e fortalecimento dos mais abonados. A desigualdade de renda e a falta de projetos sociais só contribuíram ainda mais para a situação atual. Os planos de governo passaram a pensar em projetos de habitação apenas após meados de 1964, o que nos trouxe números positivos, pois muitas famílias brasileiras puderam conquistar sua casa própria. Foi o caso do BNH (Banco Nacional de Habitação), que deu apoio financeiro para várias famílias com recursos advindos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Outros projetos também foram desenvolvidos, na busca de proporcionar a grande população brasileira moradias dignas, o que é, sem sombra de dúvidas, de grande prestígio. Ainda assim, diante do grande crescimento populacional brasileiro, tais projetos ficaram aquém do necessário. Temos que analisar a sociedade brasileira como um todo, e ter a consciência de que, muitas vezes, o que nos falta não é apenas recursos, mas também áreas de terras que podem ser utilizadas. O Brasil é um país populoso, cheio de construções e arranha-céus que não param de surgir. O que deve ser enfatizado é o uso destas propriedades. Quantos imóveis estão vazios nos grandes centros urbanos, ou quantas fazendas encontramse sem produção ou cultivo. É nisto que o nosso incentivo a modalidades de aquisição de propriedade como a usucapião se pauta.

37

A sociedade brasileira necessita ser pensada como um conjunto. O incentivo que deve ser dado é para que se busque uma igualdade social e que se faça uso daquilo que já temos de modo coerente. O texto constitucional que nos rege é belo, faz todo o sentido e nos permitiria viver em uma sociedade muito mais justa e igual, porém, o que nos falta é a efetivação deste texto. É diante disto que construímos este trabalho. O que buscamos é demonstrar que possuímos meios suficientes para construirmos uma sociedade mais justa e humana, bastando que se incentivem e que se tornem possível aquilo que se encontra legislado.

38

BIBLIOGRAFIA ASSIS, Luiz Gustavo Bambini de. A Evolução do Direito de Propriedade ao Longo dos Textos Constitucionais. USP – Revistas. Assis, 2008. Disponível: < www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67828/70436>

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. 18ª ed. Editora Saraiva, São Paulo, 2002.

GOIRIS, Fabio Anibal. O Direito Natural: Dos contratualistas a Karl Marx. . Revista

Tempo

da

Ciência.

2011.

Disponível:



GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 5. Editora Saraiva, São Paulo, 2012.

LEVENHAGEM, Antônio José de Sousa. Posse, Possessória e Usucapião; 3ª ed. Editora Atlas, São Paulo, 1982.

MORAES, José Diniz de. A Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988. Malheiros Editores, Brasil, 1999.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, volume 4. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2015.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 33ª edição. Malheiros Editores, Brasil, 2010.

TACITO, Caio. Temas de Direito Público, p. 581. Rio de Janeiro. Renovar, 1997.

ZACCA, Rogério Marcus. O Direito de Propriedade.Pontifícia Universidade Católica

de

São

Paulo

(PUC-SP).

São

Paulo,

2007.

Disponível:



Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.